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PUBLICAÇÃO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM 
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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 03 – Abril de 2013 – ISSN nº 2317-1898. 2 
DIRETORIA DA 
GESTÃO 2013/2014 
DIRETORIA EXECUTIVA 
Presidente: Mariângela Gama de Magalhães Gomes 
1ª Vice-Presidente: Helena Regina Lobo da Costa 
2o Vice-Presidente: Cristiano Avila Maronna 
1ª Secretária: Heloisa Estellita 
2o Secretário: Pedro Luiz Bueno de Andrade 
1o Tesoureiro: Fábio Tofic Simantob 
2o Tesoureiro: Andre Pires de Andrade Kehdi 
Diretora Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais: Eleonora Rangel Nacif 
Assessor da Presidência: Rafael Lira 
CONSELHO CONSULTIVO 
Ana Lúcia Menezes Vieira 
Ana Sofia Schmidt de Oliveira 
Diogo Rudge Malan 
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró 
Marta Saad 
OUVIDOR 
Paulo Sérgio de Oliveira 
COORDENADORES-CHEFES 
DOS DEPARTAMENTOS 
Biblioteca: Ana Elisa Liberatore S. Bechara 
Boletim: Rogério FernandoTaffarello 
Comunicação e Marketing: Cristiano Avila Maronna 
Convênios: José Carlos Abissamra Filho 
Cursos: Paula Lima Hyppolito Oliveira 
Estudos e Projetos Legislativos: Leandro Sarcedo 
Iniciação Científica: Ana Carolina Carlos de Oliveira 
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Mesas de Estudos e Debates: Andrea Cristina D’Angelo 
Monografias: Fernanda Regina Vilares 
Núcleo de Pesquisas: Bruna Angotti 
Relações Internacionais: Marina Pinhão Coelho Araújo 
Revista Brasileira de Ciências Criminais: Heloisa Estellita 
Revista Liberdades: Alexis Couto de Brito 
Tribuna Virtual IBCCRIM: Bruno Salles Pereira Ribeiro 
PRESIDENTES DOS GRUPOS DE TRABALHO 
Amicus Curiae: Thiago Bottino 
Código Penal: Renato de Mello Jorge Silveira 
Cooperação Jurídica Internacional: Antenor Madruga 
Direito Penal Econômico: Pierpaolo Cruz Bottini 
Estudo sobre o Habeas Corpus: Pedro Luiz Bueno de Andrade 
Justiça e Segurança: Alessandra Teixeira 
Política Nacional de Drogas: Sérgio Salomão Shecaira 
Sistema Prisional: Fernanda Emy Matsuda 
 
PRESIDENTES DAS COMISSÕES 
17º Concurso de Monografias de Ciências Criminais: Fernanda Regina Vilares 
19º Seminário Internacional: Carlos Alberto Pires Mendes 
IBCCRIM – Coimbra: Ana Lúcia Menezes Vieira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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GESTÃO DA TRIBUNA VIRTUAL IBCCRIM 
Coordenador-Chefe 
Bruno Salles Pereira Ribeiro 
Coordenadores Adjuntos 
Adriano Scalzaretto 
Guilherme Suguimori Santos 
Matheus Silveira Pupo 
Conselho Editorial 
Amélia Emy Rebouças Imasaki, Anderson Bezerra Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, 
Antonio Baptista Gonçalves, Átila Machado, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, 
Christiany Pegorari Conte, Danilo Ticami, Davi Rodney Silva, Diogo Henrique Duarte de Parra, 
Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Érica Akie Hashimoto, Fabiana Zanatta Viana, Fábio Suardi 
D’ Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo Silkunas Vay, 
Guilherme Suguimori Santos, Humberto Barrionuevo Fabretti, Ilana Martins Luz, Janaina Soares 
Gallo, José Carlos Abissamra Filho, Luiz Gustavo Fernandes, Marcel Figueiredo Gonçalves, 
Marcela Veturini Diorio, Marcelo Feller, Matheus Silveira Pupo, Milene Maurício, Rafael Lira, 
Rafael Serra Oliveira, Ricardo Batista Capelli, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras, Thiago 
Colombo Bertoncello e Yuri Felix. 
 
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APRESENTAÇÃO 
O IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pauta-se, acima de tudo, pela 
defesa das liberdades individuais dos cidadãos e pela proteção de seus direitos fundamentais. 
Seja para abrir os caminhos entre as veredas das ciências, seja para municiar o campo de 
batalha da defesa da liberdade, proporcionar meios de difusão do pensamento sempre esteve entre 
as principais atividades do IBCCRM em seus 20 anos de existência. Assim o comprova o Boletim 
do IBCCRIM, a Revista Brasileira de Ciências Criminais e a Revista Liberdades. 
Poder falar e ouvir são pressupostos fundamentais do exercício da liberdade. É também 
falando e escutando que se desenvolve o processo dialético de lapidação de ideias, maneira pela 
qual se constrói a verdadeira e legítima ciência. 
Na verdade, uma publicação científica é antes de tudo uma tribuna, onde o pensamento 
humano se amplifica, onde as ideias se libertam e ganham voz, uma voz que não serve às palavras 
do poder, mas sim ao poder de uma palavra: liberdade. 
Inspirado por esses ideais surge um novo espaço de intercâmbio de ideias e de fomento do 
pensamento científico adequado à modernidade tecnológica globalizada. Assim é concebido este 
periódico: uma Tribuna Virtual do IBCCRIM. 
Uma plataforma globalmente acessível, que tem como objetivo receber e difundir os 
conhecimentos das ciências criminais para além das barreiras territoriais - essa é nossa tribuna. 
Após 20 anos de incansável defesa das garantias fundamentais, esperamos que nesta 
Tribuna o vigor científico surja do embate de ideias, experiências e pontos de vista plurais e 
democráticos, a individualidade ceda lugar ao debate, o autoritarismo e o medo se calem e o 
pensamento humano amplifique e dê sentido ao conceito de liberdade sonhado por este instituto. 
Seja voz nesta tribuna. 
Envie seu artigo. 
“Participe por acreditar". 
Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM. 
 
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Considerações sobre a “nova” vedação do habeas corpus substitutivo de 
recurso 
 
Daniel Guimarães Zveibil1 
Mestre em Direito Processual Civil pela USP. 
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. 
Defensor Público do Estado de São Paulo. 
 
Resumo: O estudo se deu em razão de equivocada decisão da 1.ª Turma do STF que ressuscita o 
ato institucional n.º 06/69 do Regime Militar de 1964, tentando pôr fim a antiga e venerável 
tradição de nosso direito constitucional que consente impetração de habeas corpus substitutivo de 
recursos. Abordando questões históricas, jurídicas, e políticas, o presente estudo se viu obrigado a 
enfrentar a questão da natureza jurídica do habeas corpus, propondo que sua prática consolidada 
no âmbito forense e seu regramento jurídico são incompatíveis ao sistema das ações: situação que 
repele todas as criações jurisprudenciais voltadas para obstrução do habeas corpus, e que abre uma 
via inexplorada para novos estudos do remédio heroico fora do sistema das ações. 
Palavras-chave: habeas corpus; Império; República; ato institucional; recursos; direitos humanos; 
função social do habeas corpus; intervenção política; direito de ação; Supremo Tribunal Federal. 
 
Abstract: The idea of writing this paper started when a panel (the first group) of the Supreme 
Court wrongly revived institutional act n. 06/69 from the 1964-Brazilian dictatorship regime, a 
decision which tries to put an end to the old and respectable tradition of our constitutional law 
which allows for the petition of an habeas corpus instead of appeals. By studying historical, legal, 
and political issues, this paper found itself forced to address the legal nature of the habeas 
corpus proposing that its consolidated practice in the forensic realm, as well as its legal regulations 
are incompatible with the system of actions: a situation which repeals all jurisprudential creations 
aimed at the obstruction of the habeas corpus and which opens a path, not yet explored, for new 
studies of the heroic remedy outside the system of actions. 
Key words: habeas corpus; empire; republic;institutional act; appeals; human rights; habeas 
corpus social function; political intervention; right of action; Brazilian Supreme Court. 
 
Sumário: 1. Introdução: início de uma reviravolta jurisprudencial no STF – 2. Posições 
invertidas: as portas dos tribunais do Império abertas para o HC; o cerramento pelo formalismo 
autoritário da República do século XXI – 3. Tudo está em ordem ou estudo das causas – 4. O 
argumento da falta de previsão do habeas corpus substitutivo na Constituição Federal de 1988: a 
letra mata, o espírito vivifica – 5. Habeas corpus vs. recursos extraordinário (STF) e especial (STJ): 
violação da jurisprudência internacional de direitos humanos – 6. Afrouxamento da efetividade da 
jurisprudência dos Tribunais Superiores: deterioração da prestação jurisdicional – 7. Função 
social do habeas corpus na realidade do Brasil do século XXI e a responsabilidade do STF – 8. 
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1 Meu agradecimento aos ilustres colegas Gustavo Augusto Soares dos Reis e Mário Henrique Ditticio, Defensores 
Públicos, por sugestões e críticas após paciente leitura. 
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Duplicando o trabalho dos Tribunais Superiores? – 9. Preclusão e política processual: o louvor da 
1.ª Turma do STF ao espírito do CPP do Estado novo – 10. Natureza jurídica do habeas corpus: 
leão de pé de trono? ou leão de verdade? – 11. Novos rumos – 12. Ressurreição do Ato 
Institucional 6/69: consciência insciente e decadência de nossa cultura jurídica – 13. Aqui não há 
lugar para o “simples rábula dos sertões”; dever da Defensoria Pública – 14. Nada como um dia 
após o outro: emerge a esperança. 
 
1. Introdução: início de uma reviravolta jurisprudencial no STF 
Uma guinada jurisprudencial das mais relevantes da história jurídica brasileira, que está 
em andamento no STF, fez-nos lembrar séria advertência: “O pior da ditadura, já o disse em outra 
ocasião, não é o que durante ela se padece; é o que dela se herda”.2 A maioria da 1.ª Turma do STF, 
em 7 de agosto de 2012, negou histórica jurisprudência do próprio Supremo ao deixar de admitir 
habeas corpus impetrado como substitutivo de recurso ordinário3 sob o argumento, em 
apertadíssima síntese, de que a prática do habeas corpus substitutivo burlaria o sistema recursal 
previsto na Constituição.4 
Esta decisão proferida no HC 109.956/PR já está sendo reproduzida pela mesma Turma 
em outros casos,5 além de granjear adesão unânime da 5.ª Turma do STJ conforme se vê no 
inteiro teor do HC 239.550/RJ, a qual, abonando a linha argumentativa exposta no leading case 
da 1.ª Turma do STF, ressaltou que este novo cenário – a nova decisão do STF – impunha “a 
necessidade premente da reformulação da admissibilidade da impetração originária também neste 
Superior Tribunal de Justiça, adequando-se à nova orientação da Suprema Corte, em absoluta 
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2 MESQUITA, José Ignacio Botelho de. Novas tendências do direito processual civil. Teses, estudos e pareceres de 
processo civil. São Paulo: RT, 2005. v. 1, p. 285. 
3 CF/1988, art. 102, II, a (recurso ordinário). 
4 “É inadmissível impetração de habeas corpus quando cabível recurso ordinário constitucional. Com base nessa orientação 
e na linha do voto proferido pelo Min. Marco Aurélio no caso acima, a 1.ª Turma, por maioria, reputou inadequada a 
via do habeas corpus como substitutivo de recurso. Vencido o Min. Dias Toffoli, que se alinhava à jurisprudência até 
então prevalecente na 1.ª Turma e ainda dominante na 2.ª Turma, no sentido da viabilidade do writ. HC 
109956/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2012. (HC-109956)”, publicado no informativo do STF n. 674, em: 
<http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo674.htm#HC substitutivo de recurso 
ordinário>. 
5 Por exemplo: após o julgamento do HC 109.956, novamente a 1.ª Turma não admitiu habeas corpus substitutivo 
de recurso ordinário sob o mesmo argumento no HC 104.045/RJ, e mais adiante fez o mesmo em duas decisões 
monocráticas assinadas, respectivamente, pelos Ministros Luiz Fux (HC 114.550/AC, DJe 27.08.2012) e Dias 
Toffoli (HC 114.924/RJ, DJe 27.08.2012). 
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consonância com os princípios constitucionais, mormente os do devido processo legal, da celeridade e da 
economia processual e da razoável duração do processo, a fim de que não seja conhecido o habeas 
corpus substitutivo do recurso ordinário, sem prejuízo de, eventualmente, se for o caso, deferir-se a 
ordem de ofício, nos feitos em andamento”. 
Consultando-se, porém, os votos registrados na guinada jurisprudencial que se iniciou, 
com todo o respeito não se vê uma nesga da profundidade que se espera de um Tribunal que dá a 
última palavra em matéria constitucional; especialmente quando se nota que o tema em pauta 
nesta reviravolta é simplesmente uma das pedras fundamentais de todo o mundo livre, e que o 
resultado da “nova” interpretação liderada pela maioria da 1.ª Turma do STF não passa de 
ressurreição de tese jurídica sustentada abertamente pelo Regime Militar de 1964 no auge de seu 
período mais crítico. Vejamos, a propósito, os principais argumentos da maioria da 1.ª Turma do 
STF que justificariam a mudança jurisprudencial:6 
1) a competência do STF submete-se a regime de direito estrito,7 não comportando a 
possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados e, portanto, o uso do 
habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário burla o sistema recursal prescrito na 
Constituição Federal; em uma palavra, o habeas corpus substitutivo de recurso não está previsto na 
Constituição;8 
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6 Argumentos extraídos de acórdãos dos HCs 109.956 (o leading case) e 104.045/RJ, e das decisões monocráticas 
nos HCs 114.550/AC e 114.924/RJ – todos disponíveis no sítio digital do STF. 
7 V. precedente do STF, em seu sítio digital, Pet 1738-AgRg, Rel. o Min. Celso de Mello, Pleno, DJe 1.º.10.1999. 
8 Nas palavras do Ministro Marco Aurélio: “O Direito é orgânico e dinâmico e contém princípios, expressões e vocábulos 
com sentido próprio. A definição do alcance da Carta da República há de fazer-se de forma integrativa, mas também 
considerada a regra de hermenêutica e aplicação do Direito que é sistemática. O habeas corpus substitutivo de recurso 
ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do art. 5.º do Diploma Maior, não 
existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos arts. 102, 
inciso II, alínea ‘a’, e 105, inciso II, alínea ‘a’, tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em 
tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de 
Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se 
novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica 
inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição. Cumpre implementar – visando 
restabelecer a eficácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não o habeas substitutivo, mas o recurso 
ordinário – a correção de rumos”. 
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2) o habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, fruto da construção jurisprudencial, 
foi admitido em época que não havia sobrecarga de processos hoje notada no STF e no STJ, razão 
pela qual os doisTribunais estão com um número muito alto de habeas corpus, e tal 
desvirtuamento do habeas corpus tem efeito grave nos Tribunais Superiores, diante das funções 
precípuas quer do Superior Tribunal de Justiça – a última palavra na interpretação da lei federal – 
e da Suprema Corte – a guarda da Constituição; 
3) a prevalência do entendimento de que o Supremo Tribunal Federal deve conhecer de 
habeas corpus substitutivo de recurso contrasta com os meios de contenção de feitos, remota e 
recentemente implementados: súmula vinculante e repercussão geral, com o objetivo viabilizar o 
exercício pleno, pelo Supremo Tribunal Federal, da nobre função de guardião da Constituição da 
República; 
4) queixam-se os Ministros, ainda, de que o habeas corpus no Brasil seria utilizado de 
maneira desvirtuada também pelo fato de não atacar somente prisões, porém, diversos tipos de 
nulidades com reflexos no direito de ir e vir, banalizando o habeas corpus; 
5) a inadmissibilidade do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário não causaria 
prejuízo a qualquer paciente, pois que continuaria possível a concessão da ordem, se o caso, de 
ofício, nos remédios heroicos pendentes; 
6) o uso do habeas corpus substitutivo de recurso abre ensancha para a má-fé processual, 
pois, nas palavras do Ministro Marco Aurélio: “É cômodo não interpor o recurso ordinário quando se 
pode, a qualquer momento e considerado o estágio do processo-crime, buscar-se infirmar decisão há 
muito proferida, mediante o denominado habeas corpus substitutivo, alcançando-se, com isso, a 
passagem do tempo, a desaguar, por vezes, na prescrição”. 
 
2. Posições invertidas: as portas dos tribunais do Império abertas para o HC; o 
cerramento pelo formalismo autoritário da República do século XXI 
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Bem nos recordam Paulo Bonavides e Paes de Andrade que “o esquecimento é o adubo da 
tirania”,9 sobressaindo, portanto, a importância de resgatarmos a tradição jurídica brasileira 
historicamente avessa a formalismos que desnaturem o habeas corpus, desviando-o de suas 
altíssimas finalidades. 
Rui Barbosa acentua que “sob o Imperio nunca se duvidou que a competencia para concessão 
do habeas corpus fosse commum aos varios graus da judicatura nacional. O individuo constrangido 
illegalmente em sua liberdade podia invocar o remedio da lei em qualquer altura da escala judiciaria: 
juiz de direito, relação, supremo tribunal. Não havia instancia em materia de habeas corpus. A unica 
restricção a essa autoridade consiste na regra, estabelecida pela jurisprudencia e encorpada afinal ao 
direito positivo pela Lei 2033, de 20 de setembro de 1871, art. 18, segundo a qual ‘a superioridade do 
grau na ordem da jurisdicção judiciaria é a unica, que limita a competencia da respectiva autoridade 
em resolver as prisões feitas a mandado das mesmas auctoridades judiciaes. (...) de modo que um 
cidadão victima de constrangimento illegal por acto de um juiz inferior tinha o arbitrio de transpondo 
as jurisdicções intermediarias, procurar immediatamente o abrigo legal na mais eminente”. E este 
regramento de competência do habeas corpus, segundo Rui, foi recepcionado integralmente pela 
Constituição de 1891 em seu art. 83,10 pois, segundo ele, admitir que a nova ordem 
constitucional restringisse a competência monárquica que, como vimos, abria comumente a porta 
de todos os Tribunais do país ao habeas corpus, seria admitir que o regime republicano houvesse 
recusado uma das mais importantes conquistas liberais da Monarquia.11 Rui Barbosa, ao concluir 
seu estudo, assim resumiu a questão: “Dê-se ao offendido o arbitrio de procurar, quando possa, o 
tribunal menos frágil; mas não se lhe tire o de valer-se dos outros quando aquelle, pela distancia, ou por 
qualquer obstaculo, não estiver ao seu alcance”.12 
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9 ANDRADE, Paes de; BONAVIDES, Paulo. História constitucional do Brasil. Brasília: OAB, 2008. p. 487. 
10 CF/1891, art. 83: “Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime no que explícita ou 
implicitamente não forem contrárias ao sistema do Governo firmado pela Constituição e aos princípios nela 
consagrados”. 
11 BARBOSA, Rui. Habeas corpus: competência para a sua concessão na Monarchia e na Republica. Collectanea 
Juridica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1928. p. 65-69. 
12 Idem, p. 69. 
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Dentro desta lógica, o Decreto 221, de 20 de novembro de 1894, que especificou as 
hipóteses de competência do STF para processamento e julgamento do remédio heroico, 
reverberou os ecos da Monarquia prevendo também, de forma expressa, o cabimento geral do 
processamento e julgamento do habeas corpus no STF sempre que houvesse perigo de consumar-se 
a violência antes que outro Juiz ou Tribunal pudesse conhecer do pedido.13 Tal regramento, 
profundamente libertário, constitucionalizou-se em 1934, tendo sido mantido na Carta de 1937 
(pelo menos formalmente), depois na Constituição de 1946, e também na Carta de 1967.14 
“Todavia” – conforme precisamente rememora Toron – “com o AI-6 [Ato Institucional 6, de 1.º 
de fevereiro de 1969] introduziu-se um complemento ao disposto no art. 114, II, a, da Constituição 
Federal [de 1967], de tal modo que o dispositivo passou a ter a seguinte redação: ‘Art. 114. Compete 
ao Supremo Tribunal Federal: II – Julgar, em recurso ordinário: a) Os Habeas Corpus decididos, em 
única ou última instancia, pelos tribunais locais ou federais quando denegatória a decisão, não 
podendo o recurso ser substituído por pedido originário’” (grifamos). Desse modo, no período 
mais crítico da Ditadura Militar de 1964 rompeu-se brutalmente uma linha interpretativa 
libertária existente desde nossa Monarquia, e que sempre persistiu em todos os textos 
constitucionais posteriores, inclusive no texto da Carta de 1937 – conquanto no período do 
Estado Novo a eficácia da garantia constitucional do habeas corpus tenha sido quase que anulada 
na prática. E, concernente ao efeito da ruptura em análise, esclarece o respeitado advogado 
criminal e Professor Alberto Zacarias Toron que “a vedação da utilização do habeas substitutivo do 
RHC a tramitação do remédio heroico passou a ser mais lenta, pois interposto o recurso no Tribunal de 
origem, haveria de se aguardar as contrarrazões do Ministério Público e a remessa dos autos à Capital 
Federal, coisas ainda hoje comumente demoradas”.15 
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13 “Art. 23. O Supremo Tribunal Federal, no exercicio da attribuição que lhe é conferida pelo art. 47 do decreto n. 848, é 
competente para conceder originariamente a ordem de habeas-corpus quando o constrangimento ou a ameaça deste 
proceder de autoridade, cujos actos estejam sujeitos á jurisdicção do tribunal, ou for exercido contra juiz ou funccionario 
federal, ou quando tratar-se de crimes sujeitos á jurisdicção federal, ou ainda no caso de imminente perigo de 
consummar-se a violencia, antes de outro tribunal ou juiz poder tomar conhecimento da especie em primeira 
instancia” (grifado). 
14 CF/1934, art. 76, 1, h; Carta/1937, art. 101, I, g; CF/1946, art. 101, I, h; Carta/1967, art. 114, I, h. 
15 TORON, Alberto Zacarias. A racionalidade do sistema recursal e o habeas corpus. Revista Consultor Jurídico, 
22.09.2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-set-22/alberto-torona-racionalidade-sistema-
recursal-habeas-corpus>, acesso em: 5 out. 2012. 
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Assim, esta ressurreição do Ato Institucional 6/1969 pelaboca do Supremo Tribunal 
Federal do século XXI – quem diria! – faz atualíssima a série de artigos redigidos por Rui Barbosa 
em 1892, quando registrou publicamente as lições de liberdade do Imperial Conselho de Estado 
em reproche ao amesquinhamento do habeas corpus causado pelo Supremo Tribunal de 1891. De 
fato, aludida ressurreição torna o guardião da Constituição apelidada “Cidadã” merecedor da 
maioria das críticas publicadas há exatamente 120 anos. Rui Barbosa relata quatro casos – de 
1851, 1878, 1880 e 1883 – nos quais cidadãos foram presos administrativamente e, ao contrário 
do que fez o Supremo Tribunal republicano de 1891, o Tribunal de Relação da Bahia (1851), o 
Supremo Tribunal de Justiça (1878), e os Tribunais de Relação do Rio de Janeiro (1880) e do 
Recife (1883), todos se deram por competentes e concederam a ordem de habeas corpus afastando 
as prisões administrativas. 
E o Imperial Conselho de Estado? 
Sempre que suscitado para resolver conflito de atribuição entre Judiciário e Administração 
confirmou as ordens de habeas corpus, sendo destacado por Rui o Aviso de 22 de outubro de 1883 
consolidando o controle das prisões administrativas pelo habeas corpus, merecendo destaque sua 
essência: “(...) Sua Majestade o Imperador, conformando-se (...) com o parecer da maioria dos 
signatários da consulta das seções de justiça e fazenda do Conselho de Estado (...), houve por bem 
declarar que nenhuma providência cabe ao governo dar sobre o assunto; porquanto o recurso do habeas 
corpus, já por sua natureza, já pelas disposições expressas do art. 340 do Código Criminal e art. 
18 da Lei 2.033, de setembro de 1871, é admissível contra toda a pressão ou constrangimento 
ilegal, qualquer que seja o motivo, que o determine, e qualquer que seja a autoridade de que 
dimanem, salvo as exceções previstas no art. 18, entre as quais não compreende a prisão 
administrativa (...)”16 (grifamos). 
E quanto à competência para processamento e julgamento do habeas corpus? 
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16 BARBOSA, Rui. O Estado de sítio. Escritos publicados na imprensa. Obras completas. v. XIX. 1892. t. III. Rio de 
Janeiro: Ministério da Educação, 1956. p. 263 (“Posições invertidas; a liberdade no Império; a opressão da 
República. Os arestos da justiça imperial mantendo o habeas corpus contra a sentença da justiça republicana 
denegando-o”); também disponível integralmente na Internet: 
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm>. 
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À exceção da restrição de 1871, já mencionada anteriormente, no Império era trivial o 
entendimento de que qualquer autoridade judicial poderia apreciar pedido de ordem de habeas 
corpus, residindo exatamente aí a ironia: o Supremo Tribunal da Constituição “Cidadã”, que 
tantos serviços de indiscutível valor tem prestado desde 1988 à nossa República, pela maioria de 
sua 1.ª Turma invade as catacumbas do Regime Militar em pleno século XXI para ressuscitar a 
razão jurídica de um Ato Institucional que simplesmente rompeu, quando passou a viger, com 
pelo menos 100 anos de tradição libertária em matéria de habeas corpus brasileiro. 
 
3. Tudo está em ordem ou estudo das causas 
O que não se discutiu uma única vírgula de forma séria, porém, é o porquê – quais as 
causas? – do uso tão profuso do habeas corpus nos Tribunais Superiores. É necessário 
mergulharmos nesta indagação para recolocarmos a discussão em um sentido mais justo e 
racional. 
Tenhamos em mente que não existe a desordem, mas, de fato, tudo está em ordem. 
Goffredo Telles Junior, apoiado em Henri Bergson, insigne filósofo francês e Prêmio Nobel de 
literatura, esclarece que “a desordem não é o contrário da ordem, como se costuma pensar. Ela é, isto 
sim, uma ordem contrária a outra ordem. Bergson foi quem revelou a natureza verdadeira da 
desordem. Foi ele quem demonstrou a falsidade com que a questão da desordem é geralmente 
apresentada (...). Desordem, disse ele, é o nome dado à ordem não desejada, não querida, não 
procurada. É o nome da ordem que desagrada, desgosta, decepciona, prejudica, infelicita e desola. Mas 
a desordem é sempre uma ordem, eis o que precisa ficar bem claro”.17 Mais adiante, para exprimir 
concretamente a ideia posta, o Professor Emérito da USP faz menção à imagem de ruínas 
causadas por incêndio ou outra catástrofe qualquer, demonstrando, porém, que escombros e 
destroços na verdade estão em ordem por serem os efeitos certos de causas certas.18 
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17 TELLES JUNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, capítulo 1 (A ordem e a 
desordem), destaques no original. 
18 Idem, ibidem, destaque no original: “A visão de ruínas deixadas por um incêndio ou por um furacão faz surgir, no 
espectador humano, sentimentos de angústia, de aflição, de temor ou, ao menos, sensações de tristeza ou mal-estar. Ali 
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E este é o erro fundamental da maioria da 1.ª Turma do STF: este excesso de habeas 
corpus impetrados junto aos Tribunais Superiores visto por Ministros como desordem, na 
realidade, nada mais é do que uma ordem. Em uma palavra, o efeito certo de causas certas. 
Uma ordem, bem verdade, que infelicita demais vários Ministros, a ponto de ocasionar o 
renascimento de tese jurídica do regime soçobrado. Esta ordem, porém, que desagrada a 
Ministros por alegado excesso e desorganização no andamento dos trabalhos, de outro lado 
constitui o respiradouro de milhares de brasileiros encarcerados – na maioria esmagadora das 
vezes em locais deveras insalubres – e submetidos a processos criminais muitas vezes com defesa 
deficiente ou praticamente ausente. O excesso de encarcerados, que de 2002 a 2011 mais que 
dobrou saltando para o oceano de mais de meio milhão, é sem dúvida um fator determinante para 
tantos habeas corpus impetrados, e relatório da Defensoria Pública de São Paulo, a propósito, 
aponta que a atividade do Superior Tribunal de Justiça em matéria de habeas corpus, de 2002 a 
2011, também cresceu significativamente.19 A origem daquele número estratosférico de presos, a 
nosso ver, encontra como uma de suas causas mais importantes a imensa dívida social que ainda 
existe entre nós somada a práticas policiais e de persecução penal típicas de Estados autoritários e 
as quais estão profundamente arraigadas, infelizmente, nos costumes de nosso país. E sendo o 
Judiciário competente para tutelar a liberdade no âmbito penal, com tal fórmula explosiva não 
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está, de certo, na desolação dos escombros, no caos dos destroços, na confusão das coisas destruídas, uma imagem flagrante 
da desordem. Sucede, porém, que se o espectador se detiver na meditação sobre qualquer dessas catástrofes, uma evolução 
espontânea de seu espírito irá transformando suas impressões, e acabará por fazer pensar que tudo, afinal, naquela cena 
de tragédia, pode ser explicado pelos fatos que ali aconteceram. O espetáculo aberto diante de seus olhos, responsável pela 
referida imagem da desordem, é composto de elementos que são os efeitos certos de causas certas. Estas causas é que 
espalharam as coisas por toda parte e as puseram nos lugares em que se encontram. Tendo havido causas, os efeitos só 
poderiam mesmo ser aqueles. Cada coisa, portanto, na localidade flagelada, estará ocupando, após o sinistro, seu lugar 
próprio, ou seja, o lugar que ela não poderia deixar de ocupar, em virtude do que ali aconteceu. Cada coisa estaráem seu 
preciso lugar, em razão dos antecedentes. As coisas foram transportadas por forças naturais e inelutáveis, conduzidas para 
as situações em que se acham. Elas foram dispostas pelas energias que movem a matéria, para fins que necessariamente 
existem, mas que escapam ao entendimento humano. Em razão desses fins, todas aquelas coisas estão dispostas 
convenientemente. Estão, pois, em ordem. Por que, então” – indaga o eminente Professor – “o ser humano confere a 
esta ordem o nome de desordem? A resposta é simples. A essa ordem, o ser humano confere o nome de desordem, porque 
ela não é a ordem que o ser humano deseja, a ordem que o satisfaz. Ela não constitui a ordem que lhe é conveniente. 
Pelo contrário: ela é a ordem que o desgosta e infelicita. (...) Mas o nome que ele confere à disposição das coisas não 
altera, evidentemente, a realidade objetiva. O que ele chama de desordem continua sendo uma ordem”. 
19 Dados extraídos do Infopen, apud Relatório de estudo: o uso do habeas corpus pela Defensoria Pública de São 
Paulo, p. 5-9, que está disponível para consulta em: 
<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/RELAT%C3%93RIO%2022112012%20vers%C3%A3o
%20final%20sem%20revis%C3%A3o%2023112012.pdf >. 
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tinha como ele escapar de tantas impetrações do remédio heroico, na medida em que a validade 
do exercício da jurisdição está condicionada à observância do contraditório e da ampla defesa. A 
verdade é que, neste contexto dramático, o habeas corpus tornou-se a principal ferramenta da 
defesa para fazer cessar abusos e ilegalidades contra autuados, acusados e condenados definitivos. 
Com efeito, segue daí outra grande queixa dos Ministros: a do uso “desvirtuado” (sic) do 
habeas corpus, pois que a tradição de nosso país ampliou o cabimento do remédio heroico para 
além das prisões incluindo, também, combate a ilegalidades de diversos tipos no campo penal que 
possuam reflexos no direito de ir e vir. De quem é a culpa? Ou por qual motivo a defesa fez do 
habeas corpus, regra geral, sua principal ferramenta de proteção de autuados, acusados e 
condenados definitivos? Segundo a maioria da 1.ª Turma do STF e de seus seguidores a 
responsabilidade seria da defesa, que se valeria do habeas corpus abusivamente para sustentar 
“pseudo nulidades” (sic). 
Em primeiro lugar, é justo ressaltarmos que até mesmo o CPP de Francisco Campos, 
contrariando o lamento da 1.ª Turma do STF, admite expressamente o uso do habeas corpus 
“quando o processo for manifestamente nulo”;20 o que confirma, de certo modo, a generosa tradição 
brasileira em matéria de defesa da liberdade. É bem verdade que o CPP, porém, sendo fiel à sua 
estrutura autoritária em matéria de nulidades faz uso do adjetivo “manifestamente”; termo que só 
pode ser interpretado, atualmente, em consonância com a dignidade da pessoa humana. Isto é: 
uma quebra da forma legal, mesmo que não seja manifesta ou óbvia, deve ser sancionada de 
nulidade se for possível que tenha influenciado no resultado final do processo. Interpretação 
contrária não só torpedeia a finalidade do processo penal, como nos obrigaria a admitir que o 
sistema constitucional de 1988 seria tão libertário quanto o do Estado Novo em matéria de 
manejo de habeas corpus contra nulidades processuais. É preciso, porém, que nossa análise vá 
além. 
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20 CPP, art. 648, VI. 
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A resistência centenária da generosa prática de não se restringir o manejo do habeas corpus 
brasileiro estritamente a casos de prisão, também é o efeito certo de muitas causas certas. Não 
temos a prepotência de exauri-las em análise, mas compartilharemos o pouco que enxergamos. 
Quem milita no foro penal e no exercício da defesa bem sabe que as principais questões 
debatidas em instâncias superiores por meio de habeas corpus abordam problemas relativos à 
produção de prova, a decreto de prisões cautelares e à violação de direitos dos condenados em 
execução penal. 
Abramos o CPP e a Lei de Execuções Penais (LEP). Vejamos os recursos cabíveis. 
Se o juiz decide antecipar produção de prova, ou decide fazer uso de videoconferência, ou 
decide não intimar a testemunha de defesa, ou decide prender cautelarmente o réu, ou denega 
comutação ao condenado pela falta grave posterior (violando o Decreto presidencial), qual o 
recurso cabível se a defesa quiser impugnar tais decisões de pronto? No campo da execução penal 
há o agravo, cuja lei sequer admite pedido liminar por aplicar subsidiariamente o recurso em 
sentido estrito (diferentemente do agravo do CPC, que o admite). Ou seja, o agravo de execução 
penal é de pouca utilidade, especialmente quando existem violações contra teses pacificadas pelos 
Tribunais Superiores (algumas sumuladas inclusive), situação que sem dúvida merece resposta 
mais rápida das instâncias superiores. No processo penal de conhecimento, porém, para haver 
impugnação imediata não existe recurso cabível, pois não se encontra lugar para estas decisões no 
recurso em sentido estrito e nos demais recursos previstos no CPP. 
Por outro lado, há um problema que incide especialmente no campo do processo de 
conhecimento penal: na vida real, e quem milita no foro penal exercendo defesa bem o sabe, 
prevalece a dureza do espírito do Código de 1941 na jurisprudência relativa a nulidades; bem 
honrando, a propósito, a memória de Francisco Campos cuja exposição de motivos ressaltou que 
“somente em casos excepcionais é declarada insanável a nulidade. (...) Sempre que o juiz se deparar 
com uma causa de nulidade, deve prover imediatamente à sua eliminação, renovando ou retificando o 
ato irregular, se possível; mas, ainda que não o faça, a nulidade considera-se sanada: a) pelo silêncio 
das partes [grifamos]; pela efetiva consecução do escopo visado pelo ato não obstante sua 
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irregularidade; c) pela aceitação, ainda que tácita, dos efeitos do ato irregular [grifamos]”. A 
jurisprudência penal, em geral, é pródiga em aplicar rigorosamente este espírito, ampliando até 
mesmo, na prática, o raio de aplicação do art. 572 do CPP. E não são tão raros os casos em que a 
quebra da forma legal – manifesta ou quase isso – passa distraída até mesmo diante dos olhos do 
próprio Judiciário no momento do processamento do ato: o que se explica, em boa parte, pelo 
fato de o espírito do CPP do Estado Novo colocar a responsabilidade das nulidades quase que 
inteiramente sobre os ombros da defesa, aliado à aludida inclemência jurisprudencial excetuada 
em poucos casos de reconhecimento de nulidade absoluta. 
Nesta linha, devemos concluir do quadro exposto que nosso CPP e nossa LEP 
simplesmente não dão conta de uma defesa que queira ser minimamente decente, 
desincumbindo-se de suas tarefas mais básicas: (i) garantir que sejam respeitadas integridades 
física e moral de autuados, ou acusados ou condenados definitivos, enquanto membro da família 
humana; (ii) fiscalizar o respeito à ordem processual; (iii) procurar obter no processo criminal 
uma solução jurídica ou humanamente mais justa; (iv) fiscalizar, no caso do condenado 
definitivo, o respeito a seus direitos fundamentais especialmente para que o fim principal da 
execução penal, de (re)integração social dele, seja factível.21 Em suma, de um lado o sistema 
recursal não atende às reais necessidades da defesa, obrigando-a ao uso do habeas corpus de forma 
ampliada e frequente, como é – aliás – de nossa longa tradição; de outro lado, o tratamento 
totalmente benigno do CPPa nulidades, na prática transferindo à defesa quase toda a 
responsabilidade de combatê-las, e a aplicação rigorosa deste espírito pela jurisprudência pátria 
(salvo as exceções em que se aplicam a sanção de nulidade absoluta), é outro fator que impõe à 
defesa o caminho único de se valer do habeas corpus na hipótese de não desejar ser vista como 
“silente” ou de ter praticado “aceitação tácita”. 
Em síntese, a legislação processual penal do Brasil, autoritária em diversos aspectos, com os 
agravantes decorrentes de sua aplicação também autoritária, torna muito difícil (para não dizer 
impossível) o exercício de defesa efetiva, minimamente decente, sem que se valha do habeas corpus. 
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21 LEP, art. 1.º. 
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Porém, acrescentemos a este quadro asfixiante para a defesa a recusa costumeira de 
significativa parcela de turmas julgadoras nos Tribunais que se negam, definitivamente, a seguir 
posições jurisprudenciais consolidadas (muitas até sumuladas) no STJ e no STF. Por exemplo, 
ainda hoje há diversas turmas de segundo grau que insistem em criar requisitos de concessão para 
indulto e comutação que simplesmente não existem nos Decretos presidenciais, e fazem cônscias 
de que os Tribunais Superiores determinam – pacificamente – seja feita interpretação restritiva 
dos Decretos presidenciais de indulto e comutação para que o Judiciário não viole competência 
constitucional pertencente à Presidência da República. Nesta mesma linha, sempre contrariando 
jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, não são poucas as decisões que: mantêm prisões 
com presunções de culpa lustrosamente fraseadas; ou as mantêm alegando eufemisticamente a 
gravidade em abstrato do delito em julgamento (e.g., repercussão da conduta imputada no seio 
social etc.); consideram o crime de associação para tráfico22 como hediondo; negam a substituição 
de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no tráfico privilegiado; acatam o 
interrogatório por videoconferência mesmo com argumentos genéricos e abstratos; servem-se dos 
argumentos de gravidade do delito e de longevidade da pena para negar direitos do condenado 
definitivo; reconhecem interrupção do lapso para concessão de livramento condicional ou de 
indulto e comutação etc. Válido registrar, a propósito, que relatório da Defensoria Pública de São 
Paulo aponta que a maioria das impetrações dirigidas ao STJ e ao STF pela instituição funda-se 
em teses jurídicas sumuladas pelos próprios Tribunais; isto sem considerar as impetrações 
fundadas em teses que formam linhas de jurisprudência pacíficas e não sumuladas.23 
Assim, conquanto tenhamos desenhado apenas um breve quadro, a partir dele é possível 
notar ser preconcebida a ideia de que a defesa estaria abusando do uso do habeas corpus, pois não 
há falar de abuso se o excesso decorre de necessidade prática imposta pelo asfixiante sistema 
processual penal vigente em plena fase de regime democrático, somada à renitência de muitas 
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22 Lei 11.343/2006, art. 35. 
23 Confira: Relatório de estudo: o uso do habeas corpus pela Defensoria Pública de SP, p. 28, disponível em: 
<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/RELAT%C3%93RIO%2022112012%20vers%C3%A3o
%20final%20sem%20revis%C3%A3o%2023112012.pdf>. 
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turmas julgadoras em seguirem a jurisprudência dos Tribunais Superiores no que é favorável à 
defesa. 
 
4. O argumento da falta de previsão do habeas corpus substitutivo na Constituição 
Federal de 1988: a letra mata, o espírito vivifica 
Dir-se-á, porém, que ainda assim não haveria fundamento no texto da Constituição para o 
habeas corpus substitutivo de recurso. É o que a maioria da 1.ª Turma do STF afirma. No 
entanto, tal interpretação, com todo o respeito, não resiste a uma análise acurada e nos faz 
lembrar um dos lamentos mais curiosos de Rui Barbosa: “É sempre sob a invocação da legalidade 
que a lei se viola (...)”.24 
É importante notar que a ruptura da longa tradição libertária causada pelo Ato 
Institucional 6/69, que expressamente proibiu a substituição do recurso ordinário por habeas 
corpus originário, meses depois foi mantida pela Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 
1969, in verbis: “Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: (...) II – julgar em recurso 
ordinário: (...) c) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos tribunais federais ou 
tribunais de justiça dos Estados, se denegatória a decisão, não podendo o recurso ser substituído por 
pedido originário” (grifamos). Sobrevindo, porém, a redemocratização brasileira e, com ela, uma 
nova Constituição apelidada de “Cidadã”, revogou-se a proibição expressa da substituição do 
recurso ordinário por habeas corpus originário, como se pode notar no texto atualmente vigente e 
transcrito a seguir: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da 
Constituição, cabendo-lhe: (...) II – julgar, em recurso ordinário: a) o habeas-corpus, o mandado de 
segurança, o habeas-data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais 
Superiores, se denegatória a decisão; (...)”. 
Onde está a proibição do habeas corpus substitutivo no texto vigente de 1988? 
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24 BARBOSA, Rui. O Estado de sítio... cit., p. 293. 
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Ora, esta simples sucessão de textos jurídicos indica que o Supremo ressuscitou um 
fantasma da Ditadura Militar de 1964, indiscutível e inequivocamente revogado, interpretando-o 
ampliativamente para restrição de garantia fundamental. E seria totalmente desnecessário 
afirmarmos que esta conduta lesa ao mesmo tempo três regras sagradas de hermenêutica, não fosse 
o Tribunal responsável pela última palavra em matéria constitucional de nosso país a cometer este 
imperdoável deslize, a saber: 1) reconhecer válido texto claramente revogado de forma tácita; 2) 
interpretar ampliativamente restrição (revogada) a garantia fundamental; 3) escolher a opção 
interpretativa mais conveniente para esvaziar o trabalho do Tribunal e não para a proteção da 
pessoa humana, violando princípio hermenêutico trivial em matéria de direitos humanos;25 falta 
esta que se torna mais grave em um país que sistematicamente viola direitos humanos no campo 
penal. 
Ademais, é princípio vigente de Direitos Humanos que “toda a pessoa tem direito a receber 
dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais 
que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.26 Afora este princípio obviamente vigente, 
o Brasil vinculou-se expressamente perante Órgãos Internacionais de direitos humanos a garantir 
remédio efetivo para os atos violadores de direitos fundamentais, a exemplo do que prescreve a 
Convenção Interamericana de Direitos Humanos,27 em seu art. 25, que ademais impõe obrigação 
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25 Nesse sentido, o próprio STF já manifestou em voto lapidar do Ministro Celso de Mello: “(...) Hermenêutica e 
direitos humanos: a norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do Poder Judiciário. Os 
magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados 
internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no 
art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos),consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais 
favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo 
hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado 
internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das 
declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos 
indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos 
fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se 
palavras vãs. Aplicação, ao caso do art. 7.º, n. 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos 
(Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano” 
(HC 91.361, 2.ª T., Rel. Min. Celso de Mello, j. 23.09.2008, DJE 06.02.2009; confira no sítio digital do STF: 
<www.stf.jus.br>). 
26 Declaração Universal de Direitos Humanos, art. VIII. 
27 Vigente no Brasil a partir do Decreto 678, de 06.11.1992 (DOU 09.11.1992). 
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ao Estado que seja parte de “desenvolver as possibilidades de recurso judicial”.28 A este respeito, em 
2000 a Corte Interamericana de Direitos Humanos esclareceu, baseada em outros precedentes, 
que para tal recurso efetivo existir “no basta con que esté previsto por la Constitución o la ley o con 
que sea formalmente admisible, sino que se requiere que sea realmente idóneo para establecer si se ha 
incurrido em uma violación a los derechos humanos y proveer ló necesario para remediarla (...)”.29 Foi 
exatamente o que fizemos em matéria penal em toda nossa história constitucional, mesmo 
considerando os tropeços do Estado Novo e do Regime Militar de 1964. Não contávamos, 
porém, com a posição retrógrada da 1.ª Turma do Supremo Tribunal republicano do século XXI. 
E tudo isto, é lamentável mas necessário registrar, com o agravante de que o espírito da 
Constituição Federal de 1988 é tão libertário em matéria de habeas corpus que pela primeira vez 
constou numa Constituição brasileira que a impetração e o processamento do habeas corpus é 
gratuito.30 Se o espírito é este, de ampliação total deste herói nacional em tantas crises que 
castigaram nosso país, novamente não faz sentido a restrição do STF. 
Porém, mesmo que deixássemos de lado os Tratados Internacionais de Direitos Humanos 
– algo inconcebível no grau de evolução da época presente –, existe outro caminho juridicamente 
muito seguro para se chegar à conclusão sobredita. 
Nossa Constituição de 1988, em seu art. 5.º, § 2.º, também prescreve que: “Os direitos e 
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela 
adotados (...)”. A origem deste texto encontra-se remotamente no art. 78 da Constituição de 1891, 
e um de seus clássicos comentadores, João Barbalho, esclareceu ter sido inspirado na emenda IX 
da Constituição dos Estados Unidos da América, a qual foi estabelecida segundo comentadores 
“como cautela contra a má applicação da maxima demasiado repetida, que uma affirmação em casos 
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28 “Art. 25: Proteção Judicial: (1) Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso 
efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais 
reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas 
que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. (2) Os Estados-Partes comprometem-se: (...) b) a desenvolver as 
possibilidades de recurso judicial; (...).” 
29 Cantoral Benavides vs. Perú. Sentencia de 18 de Agosto de 2000, pars. 164 y 165. In: PIOVESAN, Flávia (Coord.). 
Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos anotado. São Paulo: DPJ, 2008, comentário ao art. 25 da 
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, p. 1256. 
30 CF/1988, art. 5.º, LXXVIII. 
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particulares importa uma negação em todos os mais e vice-versa. Tendo a Constituição mencionado 
taes e quaes direitos e garantias como pertencentes aos individuos, aos cidadãos, ao povo, poder-se-ia 
concluir que outros direitos e garantias não lhes são reconhecidos, visto não se acharem expressos no 
texto constitucional (Inclusio unius exclusio alterius). Para afastar essa falsa conclusão, a Constituição 
declara que a enumeração n’ella feita quanto a direitos e garantias não deve ser tida como suppressiva 
de outros não mencionados, os quaes ficam subsistentes, uma vez que sejam decorrentes da fórma de 
governo que ella estabelece e dos principios que consagra”.31 
Por aí se vê que a máxima inclusio unius exclusio alterius – cuja aplicação é 
constitucionalmente vedada ao rol de direitos e garantias fundamentais – está sendo 
rigorosamente aplicada pela maioria da 1.ª Turma do STF, quando argumenta a 
incompatibilidade do habeas corpus substitutivo de recurso com o “regime de direito estrito” a que 
se submete a competência do STF. Todavia, aludida vedação constitucional contida no art. 5.º, § 
2.º, da Constituição de 1988 faz naufragar totalmente o argumento de que a competência do STF 
submetida a “regime de direito estrito” seria impeditiva do habeas corpus substitutivo, porquanto o 
regime e princípios constitucionais do Brasil, todos fundados na dignidade da pessoa humana, 
incluem obviamente escudos efetivos que impeçam o Estado de esmagar o ser humano. E a 
prática do habeas corpus substitutivo, originada na praxe libertária do Império, é absolutamente 
compatível com o regime constitucional de 1988 em razão de este regime assumir o dever 
fundamental de manter as portas dos Tribunais abertas para a tutela de direitos fundamentais e 
outros bens juridicamente tutelados, implicando na obrigação de efetividade das garantais 
constitucionais. Em resumo: como tudo em direito, o tal “regime de direito estrito” a que se 
submete a competência do STF não é absoluto, e deve ser temperado pela referida vedação do art. 
5.º, § 2.º, da Constituição de 1988. 
 
5. Habeas corpus vs. recursos extraordinário (STF) e especial (STJ): violação da 
jurisprudência internacional de direitos humanos 
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31 UCHÔA CAVALCANTI, João Barbalho. Constituição Federal Brazileira (1891): commentarios. Rio de Janeiro: 
Typographia da Companhia Litho-Typographia, Sapopemba, 1902, comentário ao art. 78, p. 344. 
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Sustenta a maioria da 1.ª Turma do STF, ainda, que a obstrução do habeas corpus 
substitutivo também se justifica pelo fato de que o excesso de impetrações gera efeito grave nos 
Tribunais Superiores considerando as funções precípuas quer do Superior Tribunal de Justiça – a 
última palavra na interpretação da lei federal – e do Supremo Tribunal Federal – a guarda da 
Constituição. 
Esta linha de raciocínio da maioria da 1.ª Turma nos leva a acreditar, primeiro, que houve 
indagação sobre qual seria o instrumento processual mais importante: o habeas corpus? ou o 
controle recursal de estrito direito (recursos extraordinário e especial)? Tal abordagem, pedindo a 
máxima venia, mostra-se de plano irrealista. Ora, mesmo supondo que a defesa criminal 
conseguisse, por meio de recursos de estrito direito, construirlentamente uma jurisprudência de 
garantias e direitos fundamentais no campo penal, haveria aí pouca serventia. Pois o fato de não 
existir remédio efetivo e rápido para tornar real o posicionamento dos Tribunais Superiores 
(como o habeas corpus substitutivo de recurso) torna toda sua jurisprudência em belíssimas e 
românticas sugestões, tanto aos olhos de Tribunais inferiores, como de Juízos de primeiro grau, e 
de autoridades administrativas com atribuições no sistema penal. Neste contexto, tal 
jurisprudência jamais redundaria, na vida real, em direitos fundamentais respeitados pelo 
exercício efetivo dos respectivos deveres fundamentais. 
Este surpreendente irrealismo, a propósito, é confirmado pelo fato de que o Regime 
Militar de 1964 preocupou-se especialmente em impedir o manejo do habeas corpus como escudo 
de proteção contra os abusos contidos nos Atos Institucionais então vigentes, nada referindo, 
porém, expressamente, sobre o recurso extraordinário. É claro que este recurso não poderia ser 
usado para desafiar matérias caras à Ditadura e, neste sentido, a vedação geral de apreciação 
judicial destas matérias incluía também questionamentos contra os Atos Institucionais por meio 
de qualquer recurso.32 Porém, quem ganhou regra expressa de imediato e no auge na Ditadura de 
1964? O recurso extraordinário? Não, mas o habeas corpus.33 O que muitos citam como exemplo 
de autoritarismo em relação ao recurso extraordinário diz respeito à criação do requisito da 
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32 Ato Institucional 2/65, art. 19. 
33 Ato Institucional 5/68, art. 10. 
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relevância da questão federal, que, segundo Barbosa Moreira, esteve previsto no Regimento 
Interno do STF de 1970 a partir da Emenda 3, de 12 de junho de 1975 (pouco antes do “Pacote 
de abril”34) e foi inspirado na prática da Supreme Court norte-americana na apreciação de petitions 
for certiorari.35 Desse modo, conquanto muito criticável o modo como se aplicou este filtro 
processual – em julgamentos secretos e, ademais, não motivados, indo de encontro à nossa 
tradição jurídica –, a realidade é que o objetivo deste filtro mirava precipuamente dar combate à 
crise do Supremo Tribunal Federal que se via atolado de expedientes naquele tempo; objetivo 
muito diverso da obstrução do habeas corpus substitutivo de recurso no STF. 
Recuando mais um pouco, a grave preocupação com a defesa do Estado no regime do 
Estado Novo criou um desenho constitucional que cuidou de anular o habeas corpus. Por sinal, 
Araújo Castro ressaltou que enquanto sob as Constituições de 1891 e 1934 prevaleceu o habeas 
corpus como amparo de direitos individuais contra violências praticadas pelo governo e 
decorrentes do estado de sítio, a Carta de 1937 expressamente vedou esta prática em seu art. 170, 
restringindo a atribuição de controle de constitucionalidade ou de legalidade dos atos praticados 
em virtude do estado de sítio somente à Câmara dos Deputados, nos termos do art. 167.36 
Sabemos, porém, que o Estado Novo nunca teve um Legislativo funcionando. Ademais, sabemos 
que não havia habeas corpus para crimes de competência do Tribunal de Segurança Nacional, 
sendo este submetido por sua vez ao Presidente da República que o regulava por meio de 
decretos-lei. “Tribunal” este que, a certa altura, como bem recorda Evandro Lins e Silva, cometeu 
todo o tipo de abuso exercendo competência para julgar crime de “injúria contra agente do poder 
público”.37 Não sem razão, ao comentar o habeas corpus na Carta de 1937, Tornaghi expõe sua 
quase incredulidade na hipocrisia do texto “constitucional”: “(...) embora incluindo o habeas 
corpus entre as garantias individuais (art. 122, n. 16) permitia ao ‘Presidente da República’ 
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34 Emenda Constitucional 7/1977. 
35 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao CPC. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 5, comentário 
“319” ao art. 541, p. 584. 
36 CASTRO, Araújo. A Constituição de 1937. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938. p. 369 (incompetência do 
Judiciário). 
37 SILVA, Evandro Lins e. O salão dos passos perdidos: depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FGV, 
1997. cap. 3, p. 117. 
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(eufemismo com o qual o ditador disfarçava sua descarada usurpação) decretar o ‘estado de emergência’ 
(art. 166) e excluía da apreciação do Poder Judiciário os atos praticados em virtude (sic) do referido 
estado. Para completar o quadro sombrio e tétrico, o art. 186 declarava em todo o País o estado de 
emergência!”38 
Regredindo mais no tempo e chegando à República Velha, é de conhecimento geral que 
nos momentos mais críticos e violentos deste período histórico o habeas corpus foi o instrumento 
principal pelo qual se travou duelos importantíssimos entre os Poderes do então novo regime; 
duelos que seriam o início do ajuste real de fronteiras constitucionais entre eles. Além das lutas 
pelo respeito a direitos fundamentais por estes mesmos Poderes. 
E antes da República velha, no Império, o habeas corpus foi importante na luta contra a 
escravidão inclusive, conforme atuação conhecida de Luiz Gama que, segundo Comparato, 
“praticamente sozinho, logrou livrar do cativeiro ilegal mais de quinhentos negros – fato sem 
precedentes na história mundial da advocacia”.39 Gama, interessante registrar, valeu-se do habeas 
corpus na causa abolicionista alegando principalmente a tese de vigência de Leis de 1818 e 1831 
que proibiam a importação de escravos e os reconheciam como livres.40 Ainda neste período, 
vimos que o remédio heroico se firmou, ademais, contra prisões administrativas devido ao 
consentimento de Dom Pedro II; consentimento que se revelou como uma das mais 
fundamentais sementes da estruturação de liberdades públicas no Brasil. 
Nesta exata linha, razão assiste a Pontes de Miranda quando ressalta não ser de hoje a 
magna importância do habeas corpus na vida nacional: “Se deixássemos de dar ao habeas corpus a 
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38 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. v. 2, p. 404. 
39 COMPARATO, Fábio Konder. Luiz Gama, contemptor de nossas falsas elites. In: FERREIRA, Lígia Fonseca (Org.). 
Com a palavra, Luiz Gama: poemas, artigos, cartas, máximas. São Paulo: Imprensa Oficial, 2011. p. 7. Além de 
obras sobre Luiz Gama, para saber um pouco mais consulte: 
<http://institutoluizgama.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=6&Item
id=41>, acesso em: 27 dez. 2012. 
40 Cf. em: GAMA, Luiz. Questão jurídica (A Província de São Paulo, 18 de dezembro de 1880). In: FERREIRA, Lígia 
Fonseca (Org.). Com a palavra, Luiz Gama... cit., p. 157/170. 
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extensão que lhe afeiçoaram a Constituição de 1891, a de 1934 e a de 1946, a liberdade entre nós 
seria ilusão, irrisória promessa encaixilhada em máximas de declaração de direitos inerme e fictícia.”41 
Portanto, partir da premissa de que os recursos de estrito direito sejam mais importantes 
do que o habeas corpus no plano penal é, no mínimo, uma visão que muito caprichosamente passa 
uma borracha em nosso passado. Sendo especialmente grave tal interpretação em um país 
absolutamente dependente do remédio heroico, como revelam – por afiada ironia do destino – os 
próprios números de impetrações contra os quais tanto reclamam os Tribunais Superiores. 
Corroborando a indiscutível importância do habeas corpus, a jurisprudência internacionalde direitos humanos, especificamente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2000 
registrou de forma clara e inequívoca que: “El hábeas corpus representa, dentro de las garantias 
judiciales indispensables, el médio idóneo tanto para garantizar la libertad, controlar el respeto a la 
vida e integridad de la persona, e impedir su desaparición o la indeterminación de su lugar de 
detención, así como para proteger al individuo contra la tortura u otros tratos o penas crueles, 
inhumanos o degradantes”.42 Destacando, ademais, em 2004, que “la Corte ha considerado que ‘los 
procedimientos de hábeas corpus y de amparo son aquellas garantias judiciales indispensables para la 
protección de varios derechos cuya suspensión está vedada por el artículo 27.2 [de la Convención] y 
sirven, además, para preservar la legalidad en una sociedad democrática (...)”.43 
Diante dessas decisões, a nosso ver, o Estado brasileiro está ferindo a jurisprudência 
internacional de Direitos Humanos, por meio do Supremo Tribunal (especificamente sua 1.ª 
Turma), ao ressuscitar um preceito jurídico do qual a Ditadura de 1964 se valeu com o 
inequívoco propósito de anular os efeitos práticos do habeas corpus. 
 
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41 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. História e prática do habeas corpus: direito constitucional e processual 
comparado. 4. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1961. § 91, p. 329. 
42 Caso Bámaca Velásquez vs. Guatemala. Sentencia de 25 de Noviembre de 2000, par. 192. Ibidem, p. 1261. 
43 Caso Tibi vs. Ecuador. Sentencia de 07 de Septiembre de 2004, pars. 128 y 129. Ibidem, loc. cit. 
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6. Afrouxamento da efetividade da jurisprudência dos Tribunais Superiores: 
deterioração da prestação jurisdicional 
Não se tem refletido, ademais, que o afrouxamento da efetividade da jurisprudência dos 
Tribunais Superiores pela obstrução da via do habeas corpus substitutivo, ao contrário do que se 
está a sustentar, na verdade estimulará a tendência de recrudescimento do autoritarismo de 
Tribunais inferiores, Juízos e autoridades administrativas com atribuições no sistema penal. Sendo 
o estímulo atendido, tornar-se-á crescente a tendência para abusos e, como resultado, crescerá na 
mesma medida a necessidade de recursos e de medidas judiciais. 
É por aí que a mudança extremista da jurisprudência do STF, pela sua 1.ª Turma, talvez 
até ocasione um alívio imediato ao permitir a produção a toque de caixa de decisões extinguindo e 
arquivando impetrações substitutivas de recurso sob a alegação de suposta falta de cabimento 
desta medida. Mas, a médio e longo prazo, certamente esta prática que ignora totalmente o 
substrato humano do processo penal cobrará juros escorchantes, porque tenderá a agravar muito 
mais a crise do sistema penal e especialmente penitenciário. Ora, conquanto nossa assertiva – 
sobre o recrudescimento do autoritarismo estatal – não deva ser vista como injusta generalização, 
pois não é o que tencionamos, também não podemos negar o que a experiência da praxe forense 
nos aponta: sempre que decisões inferiores inconstitucionais são chanceladas pelos Tribunais 
Superiores, ou não são controladas por estes em razão de não se manifestarem a tempo, ou mesmo 
pelas respectivas impugnações não chegarem a estes Tribunais em razão de incompetência 
profissional dos que representam as partes, é natural que o autoritarismo estatal na base tenda a 
aumentar gerando novos abusos e ilegalidades a serem desafiados por recursos ou ações 
impugnativas. 
Ademais, o afrouxamento da efetividade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, que 
se agravará vigorosamente no campo penal pela obstrução do habeas corpus substitutivo, também 
servirá de grande estímulo para o uso de recursos e ações impugnativas por parte de todos os 
atores que figuram no processo penal; seja no momento do conhecimento ou da execução. Não 
podemos perder de vista que a inefetividade da jurisprudência penal, agravada pela ceifa do habeas 
corpus substitutivo, é altamente estimulante para a chicana, assim como a ausência de um sistema 
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que permita a evolução ordenada da interpretação do direito positivo, um sistema que encarne o 
princípio da unidade do direito em relação ao espaço, mas não em relação ao tempo.44 Ou seja, a 
maioria da 1.ª Turma se mostra muito preocupada com a existência real de um sistema que 
permita a evolução ordenada da interpretação do direito positivo – o que é justo. Todavia, não se 
dá conta de que a ausência de efetividade de sua jurisprudência penal, causada pela obstrução do 
habeas corpus substitutivo, estimulará demais a má-fé no campo penal. 
Não é difícil de prever, pelo menos neste campo, a que ponto a deterioração da função 
jurisdicional poderá chegar se o precedente irrefletido da 1.ª Turma do STF ganhar corpo e 
permitir a erosão da jurisprudência dos Tribunais Superiores, tornando estes próprios Tribunais 
em imponentes castelos de areia. E este é um preço exorbitante demais, a nosso ver, para qualquer 
ser humano. 
 
7. Função social do habeas corpus na realidade do Brasil do século XXI e a 
responsabilidade do STF 
Nem se diga que por vivermos em um Estado Democrático de Direito o habeas corpus 
teria sua relevância atualmente diminuída, a autorizar o STF a reajustar seu cabimento de acordo 
com esta mudança. 
Realmente, é justa a lógica de que um Estado verdadeiramente democrático exigiria muito 
menos do habeas corpus, do mesmo modo que se vivêssemos em uma sociedade de anjos não 
precisaríamos do Judiciário. Todavia, temos de ter suficiente humildade para admitirmos que 
embora tenha havido, sim, progresso democrático desde o fim do Regime de 1964, houve apenas 
progresso parcial e que está longe de representar um Estado democrático. Novamente, para não 
nos alongarmos, o número de presos no sistema penitenciário e o número de habeas corpus no 
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44 O que vale dizer, uma uniformidade interpretativa contemporânea que não impede a diversidade sucessiva do 
direito, conforme lição de Calamandrei mencionada na Exposição de Motivos do anteprojeto do Código de 
Processo Civil do ano de 1973. Confira-se na página 29 da Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 
1973, pelo acesso em: 
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/177246/1/anteprojeto%20de%20codigo%20de%20processo%20
civil.pdf>, acesso em: 15 set. 2012. 
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STF e no STJ comprovam de forma inequívoca que vivemos praticamente em uma senzala, sem 
contar no tamanho dos desmandos contra a população carcerária ou acusados em geral a 
justificarem os tantos remédios heroicos impetrados. As crises agudas de que padecemos em 
matéria de segurança pública – publicadas amiúde e com grande destaque em nossos periódicos 
jornalísticos mais importantes – é, de fato, o reflexo direto da ausência do Estado realizador de 
justiça distributiva e garantidor da dignidade humana, tanto dentro como fora do cárcere. 
Devemos enfatizar, no entanto, que hoje o Estado brasileiro não investe quase nada na 
recuperação dos que ingressaram nas fornalhas infernais do nosso sistema prisional: as 
possibilidades de trabalho e estudo, para início de conversa, são absolutamente escassas. 
Psicólogos e assistentes sociais? Nos melhores estabelecimentos há, normalmente, um profissional 
para mais de mil e quinhentos presos. Sem falar que continua válida a advertência de Evandro 
Lins e Silva, após recordar palavrasde Roberto Lira, quanto a presos invejarem coudelarias e 
canis: “É preciso acabar com isso!” – verbera o grande advogado e jurista – “É preciso segregar o 
perigoso, mas segregar de uma maneira humana, não cruel, não bárbara. Aquele depósito de presos, 
onde você bota 30, e só cabiam 5, evidentemente é uma afronta à dignidade humana. E é isso o que 
acontece todos os dias, todas as horas. Agora, neste instante, enquanto estamos conversando, lá no 
xadrez da delegacia, quantos presos estão amontoados, com este calor terrível, sem higiene, sem nada? 
Isso não pode continuar. Eu não admito que insensibilidade das elites brasileiras chegue ao ponto de 
querer conservar tal situação. Vejam como estão repetindo rebeliões nas prisões. E eu fico admirado é de 
como há tão poucas rebeliões. Porque era de haver todos os dias o protesto à violação do direito 
humano, a reação das vítimas dessas violações. O fato de o sujeito não reagir já reflete até um 
amolecimento de caráter. A cadeia já conseguiu isto”.45 
Neste contexto, que é público e notório, o habeas corpus brasileiro do século XXI tem sido 
instrumento vital na administração da intrincada questão penal e especialmente penitenciária que 
assola o Brasil inteiro, e envolve principalmente a população de baixa renda, uma esmagadora 
maioria vítima da dívida social em que estamos mergulhados não obstante os recentes progressos 
sociais. Cada ordem de habeas corpus concedida, tutelando minimamente esta população oprimida, 
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45 SILVA, Evandro Lins e. O salão dos passos perdidos..., cit., cap. 6, p. 274. 
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acaba se tornando em gesto que despressuriza a enorme caldeira penal e desumana que vive nos limites 
da explosão. Podemos dizer, portanto, que o habeas corpus brasileiro, hoje, no século XXI, é uma 
das principais vias que dá passagem ao Poder Judiciário para interferir diretamente na 
administração de um problema que é efeito de uma sociedade profundamente injusta, servindo 
para diminuir as chances de convulsões sociais e outros conflitos intestinos mais graves dos que os 
já pendentes em nosso país. 
Vale anotar que, de certo modo, nosso entendimento vai ao encontro do que Pontes de 
Miranda mencionou sobre a função social do habeas corpus no Brasil. Segundo Pontes, “(...) o 
habeas corpus exerceu no Brasil, após mais de século de adoção, principalmente até 1930 e entre 1934 
e 1937, extraordinária função coordenadora e legalizante. Se as nossas estatísticas fossem perfeitas, se 
tivéssemos notícias e dados exatos de nossa vida social e moral, estaríamos aptos a avaliar o grande bem 
que à evolução do país tem produzido o habeas corpus”. Mais adiante, registrando sua impressão de 
existir no Brasil uma minoria que explora, com auxílio da ignorância, da força policial, da 
política, uma grande maioria de indivíduos, Pontes aponta três caminhos, a saber: “Só existem três 
caminhos: a melhora da classe explorada, e então a classe dominante se fletiria por se não haver 
preparado para novas condições sociais; ou essa há de sugar aquela, até que aquela se enfraqueça e como 
que se extinga; ou, à medida que se operasse a melhora geral, aprenderia o explorador como poderia ser 
mantida, sem contar com a população semiescrava, a situação social de superioridade econômica. (...).” 
Tecendo considerações com este pano de fundo, Pontes conclui que “o habeas corpus, alavanca 
social, que manobrada pelo simples rábula dos sertões, ou pelo bacharel que exerce, mais do que se 
pensa, pelo interior do país, a anônima e alta missão civilizadora e renovante, faz cessar a violência do 
chefe local, ou dos agentes do governo federal, ou estadual, mediante a ordem concedida 
originariamente ou em grau de recurso, pelo Supremo Tribunal Federal. É ele [o STF] que evita a 
segunda e prepara a terceira [grifamos]”.46 
Assim, embora não estejamos vivendo numa Ditadura clássica do século XX, o remédio 
heroico continua sendo absolutamente fundamental para o país, e pode ser visto como importante 
elemento de estabilização da sociedade brasileira ao prevenir ou amortecer agudos choques 
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46 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. História e prática do habeas corpus... cit., § 91, p. 329. 
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fratricidas motivados especialmente pela enorme distância entre uma minoria rica e uma maioria 
pobre; sobressaindo neste abismo social o fato de a maioria pobre suportar quase que 
exclusivamente o peso da Justiça Criminal. 
Quanta responsabilidade nas mãos do Supremo Tribunal Federal! Lamentavelmente, 
parte de sua formação do século XXI pretende renunciá-la sem justa causa alguma, mas apenas 
pelo aborrecimento causado pelo excesso de impetrações do remédio heroico. 
Seja como for, ainda que vivêssemos no país de nossos sonhos, reviver o Ato Institucional 
6/69 reduzindo drasticamente a efetividade do habeas corpus e contrariando uma tradição antiga e 
fundamental para as liberdades públicas no Brasil, tal decisão, mesmo prolatada com a melhor das 
intenções, corresponde a um pé-de-cabra sendo usado para arrombar um dos pilares mais 
importantes da estrutura constitucional deste país. Conclusão a que chegou o Professor Goffredo 
Telles quando se referiu aos Atos Institucionais da Ditadura de 1964: “os Atos Institucionais” – 
disse ele – “eram o pé-de-cabra para arrombamento das estruturas constitucionais da Nação”.47 
 
8. Duplicando o trabalho dos Tribunais Superiores? 
Outro ponto importantíssimo e que está sendo olvidado é o fato de que o trabalho dos Tribunais 
Superiores poderá dobrar, uma vez que possível solução para remediar a obstrução do habeas 
substitutivo de recurso será ingressar com o recurso ordinário e, em paralelo, visando-se uma 
liminar, o ajuizamento de medida cautelar. Foi exatamente o que aconteceu no uso do agravo de 
instrumento, cuja ausência de previsão de liminar no CPC obrigou operadores do direito a se 
valerem ou de medida cautelar ou de mandado de segurança para tornar o recurso mais efetivo em 
situações de urgência. Bom lembrar, aliás, que o resultado final do CPC vigente é a possibilidade 
de o agravo de instrumento ter concessão de antecipação de tutela recursal ou pelo menos a 
suspensão da decisão atacada.48 
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47 TELLES JUNIOR, Goffredo. Carta aos Brasileiros de 1977. Edição comemorativa do 30.º aniversário da Carta. São 
Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 43 (A antevéspera da Carta aos Brasileiros II). 
48 CPC, art. 527, III. 
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Dessa forma, a estreiteza da análise da maioria da 1.ª Turma do STF é tal, que a defesa criminal – 
pelo menos em um primeiro momento – provavelmente duplicará a entrada de processos nos 
Tribunais como forma de atender às necessidades práticas da vida real. 
 
9. Preclusão e política processual: o louvor da 1.ª Turma do STF ao espírito do 
CPP do Estado novo 
Outro argumento utilizado pela 1.ª Turma do STF para a vedação do habeas corpus 
substitutivo de recurso, conforme se viu no início deste trabalho, seria a necessidade de se dar 
combate à má-fé da defesa, pois tal praxe facilita a obtenção de prescrição. 
É uma visão de mundo que só revela, mais uma vez, que a reflexão em torno do tema foi 
no mínimo atropelada, afora o sério deslize de revelar preconceito generalizado contra a defesa 
penal, algo especialmente inaceitável quando tal opinião parte do Tribunal que dá a última 
palavra em matéria

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