Prévia do material em texto
DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Profª Karina Brunet Acadêmicas: Ana Clara Coradini, Ana Paula Monteiro, Luiza Sonego e Valentina Caraffa. ANÁLISE DO FILME “UMA PROVA DE AMOR” “Uma prova de amor”, no original “My Sister's Keeper”, é um filme estadunidense do gênero drama, que estreiou no ano de 2009, contendo 1h e 49 min de duração. Foi dirigido por Nick Cassavetes, sendo baseado no romance homônimo de Jodi Picoult. Conta com Sofia Vassilieva, Cameron Diaz e Abigail Breslin nos papéis principais. A obra narra a história de Anna Fitzgerald (Abigail Breslin), que foi concebida por meio de fertilização in vitro, a fim de ser uma combinação genética para a sua irmã mais velha, Kate (Sofia Vassilieva), que sofre de leucemia. Sempre que a irmã precisa, Anna se submete a doações para salvar sua vida. No entanto, quando Anna tem 11 anos, percebe que Kate não parece ter muita expectativa de vida, e que continua adoecendo cada vez mais e Kate, também, demonstra estar aceitando seu cruel fim. Quando a irmã precisa da doação de um rim, por sofrer de insuficiência renal grave, Anna resolve não mais ajudá-la, e contrata um advogado para processar seus pais e ter controle sobre seu corpo, pois sabe que se fizer a doação, terá uma vida limitada. Com esta motivação, ela processa os pais para obter emancipação médica e os direitos sobre seu próprio corpo. Anna, assistida pelo advogado, reivindica a extinção parcial dos direitos parentais. A partir de então, Sara (Cameron Diaz), mãe de Anna e Kate e ex-advogada, precisa voltar a sua profissão para lutar na justiça contra sua própria filha. Assim, será feita uma análise a partir do ordenamento jurídico brasileiro e do olhar da bioética sobre o filme exposto. A obra traz questões éticas, filosóficas e religiosas envolvendo direito personalíssimo sobre a vida humana. Além de apresentar princípios da autonomia, do interesse do menor, e da dignidade da pessoa humana. Segundo o que dispõe a legislação brasileira, o paciente é o único responsável pelo seu próprio corpo, necessitando, por consequência disto, uma análise profunda e consciente por parte do doador, sobre a disponibilização de seus órgãos. No decorrer do filme, há situações em que a Bioética é questionada e, até mesmo, ignorada. A começar pela maneira de como Anna nasce, sua existência começa a partir de quando um médico sugere aos seus pais a ideia de que um bebê de proveta, geneticamente compatível com Kate, o qual poderia ser sua salvação de sobrevivência, podendo lhe doar medula e órgãos. No caso narrado, o médico possui o conhecimento de que esta postura vai de encontro com a moral e a bioética, mas não hesita em sugerir isso a pessoas em um estado emocional vulnerável, suscetíveis a sofrerem influências nas suas decisões racionais. Além disso, o filme levanta questões sobre até que ponto os procedimentos de retirada de células, sangue e material genético de Anna seriam verdadeiramente necessários. Também indaga qual o impacto que esta situação causou ao desenvolvimento dela. De acordo com TORRES (2003), o ser humano não deve ser visto apenas como uma máquina biológica, pois ele é também um ser emocional, competente e psicologicamente motivado. Assim, ao tratar de outro indivíduo, deve-se considerar o seu aspecto psicológico, cultural, social e não o enxergar apenas como o biológico. No caso de Anna, ao considerá-la um banco de órgãos e não um ser emocional, poderá acarretar no comprometimento do seu desenvolvimento e da sua trajetória de vida, por causa de tantos e desgastantes procedimentos médicos que passou desde que nasceu. Destarte a isso, a Bioética e a reprodução humana têm por finalidade a geração de seres humanos através de casais com problemas de infertilidade, não sendo o caso dos pais de Anna. A legislação brasileira admite a prática de transplante para fins terapêuticos, através de hospitais públicos ou privados, feito por equipes médicas cirúrgicas de remoção e transplante, autorizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde), desde que não sejam comercializados. Além disso, conforme o ordenamento jurídico brasileiro vigente prevê que fere os princípios da autonomia e da autodeterminação, decidir sobre transplantes, tecidos e doações de órgãos de outrem, sem o seu consentimento. O artigo 15 do Código Civil Brasileiro versa que: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de morte, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica". Em relação ao filme, Anna teria uma vida limitada ao ser submetida a uma doação de rim tão jovem, além de possíveis e já gerados transtornos emocionais-psíquicos que a garota já sofreu, por tão pequena já ser submetida a desgastantes e comprometedores procedimentos para dar expectativa e melhora de vida à sua irmã, Kate. Deve-se considerar que uma vida não pode servir de meio para salvar outra. A Lei nº 9.434/ 1997 – Lei de Doação de Órgãos dispõe em seu texto sobre doações de órgãos e tecidos por corpo vivo, tem-se sua redação legal: Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. [...] § 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. § 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada. § 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização. § 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde. Assim, o doador de órgãos e tecidos precisa estar ciente de seu ato, ser juridicamente capaz, e a doação só pode ser realizada se não colocar a vida do doador em risco ou limitações futuras, sem comprometer seu desenvolvimento e suas aptidões vitais e saúde psíquica. Como Anna é juridicamente incapaz, e, deve ser representada em juízo pelos seus pais, conforme o artigo 71 do Código de Processo Civil de 2015, assim, também são seus pais que devem consentir a doação, mediante autorização judicial e este ato mão deve oferecer risco para a sua saúde. Apesar do advogado de Anna ter capacidade para postular em nome dela, a mesma necessitaria ser representada pelos seus representantes legais para integrar parte em um processo. Apesar da incapacidade processual, Anna tem total direito à vida, à liberdade, direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal do Brasil de 1988, ao decidir por não aceitar mais ser submetida às doações, está agindo com o direito que a lei lhe garante. O direito sobre o próprio corpo é personalíssimo, segundo o Código Civil (2002), de modo em que Anna tem o direito de desejar uma vida normal e um futuro saudável, como qualquer criança na sua idade. Também é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando afetar permanentemente a integridade física do indivíduo. Também, fato questionável é a questão do poder familiar, exercido, pelos pais de Anna e Kate, os quais não medem esforços para queKate sobreviva, em contrapartida, passam por cima dos direitos de Anna, ao desenvolver uma hierarquia desvinculada do bem-estar da filha. Nesse prisma, no Brasil há o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual visa assegurar os direitos das crianças e adolescentes, para que o antigo poder patriarcal de submissão, seja substituído por uma nova visão de equidade e respeito sobre todos os integrantes da família, protegendo direitos como à saúde, educação e respeito, conforme disposto no art. 17: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.” Portanto, considera-se que os pais, ao submeterem Anna a procedimentos, viola a integridade física, psíquica e moral de Anna, a qual, através do seu advogado, busca que as violações cessem, e que ela consiga obter uma autonomia sobre o seu corpo e, principalmente, sobre a decisão em doar ou não órgãos à irmã, ou seja, sua emancipação médica. Por fim, acaba conseguindo esse direito, depois de um embate no Tribunal com sua mãe, que entende, finalmente, o direito da filha na autonomia sobre o seu corpo. Pode-se questionar: “Quanto vale uma vida?” Nenhuma vida deve valer mais que a outra. Além de, segundo os preceitos da Bioética, não é ético gerar seres humanos in vitro com o objetivo de salvar alguém. No Brasil, para gerar um bebê geneticamente compatível com alguém por meio da reprodução assistida, é necessário uma autorização judicial. Além disso, Anna nunca foi questionada sobre as doações, e sua existência não pode ser atrelada a simplesmente um banco de células, órgãos e tecidos. Ela é uma pessoa com direitos e garantias asseguradas pelo Estado e deve ter seu corpo respeitado e sua dignidade preservada, a fim de que possa se desenvolver de modo saudável. Portanto, como já mencionado, nenhuma pessoa pode ser obrigada a se submeter, sob risco de morte ou vida limitada, a tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.434 – Lei de Doação de Órgãos. 1997. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm Acesso em 24 jun 2020. ______. Lei nº 10.406 – Código Civil. 2002. ______. Lei nº 8.069 – Estatuto da Criança e Adolescente. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 25 jun. 2020. ______. Lei nº 13.105 – Código de Processo Civil. 2015. JOHNSON, M.; CASSAVETES, N. Uma Prova de Amor. [Filme- vídeo]. Produção de Mark Johnson, direção de Nick Cassavetes. Estados Unidos, New Line Cinema, 2009. 109 min. SANTO, Maria. Uma prova de amor: poder familiar x autonomia do menor. 2012. Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/uma-prova-de-amor-poder- familiar-x-autonomia-do-menor Acesso em 24 jun 2020. TORRES, W.C. A Bioética e a Psicologia da Saúde: Reflexões sobre Questões de Vida e Morte. Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do Sul, vol. 16. 2003.