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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria Josephina Ferreira Martins A Relação Líder-Liderado: Uma Compreensão Junguiana MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2011 2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria Josephina Ferreira Martins A Relação Líder-Liderado: Uma Compreensão Junguiana MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica – Núcleos de Estudos Junguianos, sob a orientação da Professora Doutora Ceres Alves Araújo. SÃO PAULO 2011 3 BANCA EXAMINADORA __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ 4 Para meus queridos pais, irmãs, sobrinhos e meu amado marido que são fontes de inspiração e amor sem medidas. 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Paulo e Élia, por aceitarem viver mais este desafio comigo, por terem me ensinado os valores que carrego até hoje e por sempre colocarem o amor incondicional à frente de tudo e de todos, mesmo com toda a distância física que hoje nos separa. Vocês são os meus verdadeiros líderes e souberam com muita competência me guiar pelos caminhos da vida! Ao Suleyman, companheiro de todas as horas, pelo amor, confiança, incentivo nos momentos que pensei que não conseguiria, e por sempre ter embarcado nas minhas empreitadas, me apoiando e entendendo as minhas ausências. Às minhas irmãs e sobrinhos obrigada simplesmente por existirem! Amo vocês! À Profa. Dra. Ceres Alves Araújo, sábia e querida orientadora, obrigada pelo perfeito direcionamento, pelas sábias e determinadas palavras nos momentos difíceis, por compartilhar seu vasto conhecimento com tanta humildade e, principalmente por confiar e acreditar no meu projeto e em mim. Muito obrigada! Aos Professores Durval de Faria e Roberto Heloani pelas ricas contribuições na qualificação, por terem contribuído para o meu desenvolvimento e pelo carinho que tiveram comigo durante esta jornada. Aos professores do Núcleo de Estudos Junguianos da PUC por terem ensinado com tanta competência. Sem dúvida, muito de tudo que aqui escrevi se deve aos seus ensinamentos. Aos melhores presentes que recebi com esta experiência: Denise Mathias, Heloisa, Thalita, Priscila, Carlos, Ariane, Raphael e todos os demais colegas de mestrado que me acolheram e participaram de cada etapa desta caminhada. Em especial à Heloisa, pelo olhar atento, pelas dicas preciosas e pela parceria que firmamos desde o primeiro dia de aula. À Thalita, pelo ombro amigo e pelas grandes contribuições a este trabalho. À Denise Mathias, por tudo que me ensinou e tem me ensinado, por ser minha mentora na jornada junguiana, fonte da minha inspiração na clínica e amiga de todas as horas... Sem dúvida, você foi o melhor presente! Muito obrigada! Aos queridos amigos e coachs Marilene Bitencourt e Carlos Ferreira, pela confiança em indicar seus networkings a participarem desta pesquisa. À querida amiga Cristina Pais pela revisão deste trabalho, pelo ombro amigo e amizade verdadeira. Sem dúvida, somos irmãs de alma. Obrigada por tudo! 6 “Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...” Fernando Pessoa (1888-1935, Lisboa) 7 RESUMO MARTINS, Maria Josephina Ferreira. A relação líder-liderado: uma compreensão junguiana. São Paulo, 2011. Orientadora: Profa. Dra. Ceres Alves Araújo. Dissertação (Mestrado) – Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica, Núcleo de Estudos Junguianos, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Esta pesquisa teve como propósito identificar o que é liderança do ponto de vista do líder e como este define a sua relação com os seus liderados; bem como compreender que exemplos de liderança tiveram e como definem o seu estilo de liderar. Este estudo foi caracterizado por uma pesquisa qualiquantitativa que possui como instrumentos um questionário sócio demográfico e uma entrevista semi-dirigida, aos quais foram submetidos 30 participantes. Os conteúdos coletados foram submetidos à Técnica do Sujeito do Discurso Coletivo (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005), e a análise foi realizada através do método de investigação simbólica (PENNA, 2004), sob os pressupostos teóricos da Psicologia Analítica de C. G. Jung. Os resultados mostraram que os participantes possuem uma persona engajada em atender aos modernos conceitos sobre o tema liderança, bem como o ideal de relacionamento líder-liderado esperado no atual contexto organizacional. Além disso, os resultados também apresentaram a presença do complexo de poder e a projeção maciça do arquétipo do Pai. Pode-se concluir que há a necessidade de se trabalhar nos líderes aspectos mais profundos de sua personalidade, onde estes busquem através do autoconhecimento decodificar as imagens e símbolos inconscientes, bem como o reconhecimento e integração de aspectos obscuros da sombra à consciência, de forma a não deixar que a persona sobressaia em detrimento do self, visando usá-la de forma saudável. Palavras-chave: Psicologia Analítica, liderança, autoconhecimento, organizações. 8 ABSTRACT MARTINS, Maria Josephina Ferreira. The leader-led relationship: a Junguian understanding. São Paulo, 2011. Oriented by: Dra. Prof. Ceres Alves Araujo. Dissertation (Master Degree) – Clinical Psychology Graduation Studies Program, Junguian Studies Center, Pontifícia Universidade Católica of São Paulo. This research had the purpose to identify what is leadership from the viewpoint of the leader and how he defines his relationship with his followers; as well as understanding what examples of leadership they have had and how to define yours leadership styles. This study was characterized by a qualitative and quantitative research that has tools like a demographic questionnaire and a semi-directed interview, which were submitted by 30 participants. The contents were collected and submitted to the Collective Subject, Speech Method (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005), and analysis was performed using the symbolic method of Research (Penna, 2004), under the theoretical principles of Jung’s analytical psychology. The results showed that participants have engaged in a persona that meets modern concepts on the topic of leadership and the ideal of leader-led relationship expected in the current organizational context. Moreover, the results also showed the presence of the complex of power and massive projection of the archetype of the Father can conclude that there is a need to work with leaders in the deeper aspects of his personality, where they seek through self decode the images symbols and unconscious, andthe recognition and integration of obscure aspects of the shadow to consciousness, so as not to let the persona stand out at the expense of self in order to use it in a healthy way. Key words: analytical psychology, leadership, self knowledge, organizations. 9 LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS Tabela 1: Dados demográficos dos participantes ........................................................54 Tabela 2: Composição das categorias de análise .........................................................56 Quadro 1: Distribuição das categorias frente à questão 1 ...........................................57 Quadro 2: Distribuição das categorias frente à questão 2 ...........................................65 Quadro 3: Distribuição das categorias frente à questão 3 ...........................................72 Quadro 4: Distribuição das categorias frente à questão 4 ...........................................81 Quadro 5: Distribuição das categorias frente à questão 5 ...........................................88 Gráfico 1: Distribuição do percentual das categorias frente à questão 1 .....................58 Gráfico 2: Distribuição do percentual das categorias frente à questão 2 .....................66 Gráfico 3: Distribuição do percentual das categorias frente à questão 3 .....................73 Gráfico 4: Distribuição do percentual das categorias frente à questão 4 .....................81 Gráfico 5: Distribuição do percentual das categorias frente à questão 5 .....................88 10 SUMÁRIO CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO ...................................................................... 12 CAPÍTULO II: OBJETIVOS ......................................................................... 18 CAPÍTULO III: LIDERANÇA ...................................................................... 19 CAPÍTULO IV: PODER ................................................................................. 24 CAPÍTULO V: PSICOLOGIA ANALÍTICA E LIDERANÇA .................. 33 CAPÍTULO VI: MÉTODO ............................................................................. 47 6.1 Características do Estudo ...................................................................... 47 6.2 Participantes .......................................................................................... 47 6.3 Instrumentos .......................................................................................... 47 6.4 Procedimentos ....................................................................................... 48 6.5 Tratamento dos Dados .......................................................................... 49 6.6 Procedimentos Éticos ............................................................................ 51 6.6.1 O Parecer sobre o Projeto ........................................................... 51 6.6.2 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................... 51 6.6.3 Termo de Compromisso do Pesquisador Responsável ............. 51 6.6.4 Devolutiva ................................................................................... 52 CAPÍTULO VII: RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................... 53 7.1 Descrição do Processo de Análise ........................................................ 53 7.2 Apresentação e Análise das Entrevistas ............................................... 53 7.2.1 Questão 1: O que é ser líder para você? ...................................... 56 7.2.2 Questão 2: Como é o seu relacionamento com seus liderados?... 65 7.2.3 Questão 3: Como você lida com o poder? .................................. 72 7.2.4 Questão 4: Como você lida com conflitos? ................................ 80 11 7.2.5 Questão 5: Que exemplos você teve na vida tanto profissional quanto pessoal que formaram o seu estilo de liderança?................ 87 7.3 Análise final......................................................................................... 98 CAPÍTULO VIII: CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................... 104 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 108 ANEXOS ........................................................................................................... ANEXO 1 - Parecer do Comitê de Ética em pesquisa da PUC - SP.................................................................................................... ANEXO 2 - Termo de compromisso dos pesquisadores responsáveis...... ANEXO 3 - Termo de consentimento livre e esclarecido......................... 113 114 115 117 12 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO O presente estudo teve como proposta investigar a relação do líder com seus liderados do ponto de vista do líder. O tema liderança vem sendo amplamente discutido e abordado por vários autores ao longo dos anos. E é notório que ainda não existe um modelo exato que nos revele como esta relação deve ocorrer de forma saudável para ambas as partes. Talvez, porque não seja mesmo possível haver um padrão quando estamos nos referindo a uma relação entre seres humanos, mesmo que esta relação ocorra dentro do mundo das organizações do trabalho, pautada por números, metas, indicadores e resultados. Esta proposta teve origem a partir da minha convivência com vários líderes ao longo da minha vida profissional e da minha própria atuação como líder. No decorrer da minha experiência, sempre me chamou a atenção a diversidade de estilos de liderança, o posicionamento do líder diante de seus liderados e o respeito ou não respeito dos liderados com relação aos seus líderes. É uma relação com o outro como qualquer outra que possuímos na vida, permeada de diversos aspectos psicológicos. “A pessoa é um sistema psíquico, que, atuando sobre outra pessoa, entra em interação com outro sistema psíquico” (JUNG, 2008, OC XVI/1, par.1). Desta forma, segundo Jung (2008), em uma relação a dois estão presentes dois sistemas psíquicos que afetam um ao outro de forma a estabelecerem uma inter-relação entre si. Na relação líder-liderado, em específico, assim como o liderado é afetado por esta relação, o líder também o é. Vários fatores interferem nesta relação, como por exemplo: performance, hierarquia, poder, influência, conflitos, a necessidade de precisar do emprego, um exemplo a seguir, dentre outros. O universo corporativo proporciona diversas técnicas de desenvolvimento de líderes, como treinamentos específicos sobre gestão de pessoas e mudanças comportamentais, coaching1, mentoring2, counseling3, dentre outros. No entanto, tenho percebido que muitos 1 "Coaching é uma relação entre alguém que quer e precisa crescer pessoal e profissionalmente encontrando soluções para os seus problemas - o Cliente - e um facilitador treinado - o Coach - cujo papel é levar o Cliente a alcançar os seus objetivos de desenvolvimento” (INÁCIO, 2008). 2 "Mentoring refere-se a uma relação de duas pessoas, voltada para o desenvolvimento de uma delas: é o "padrinho", funcionário competente e experimentado que se aplica ao crescimento funcional de um colega que precisa de sua ajuda” (INÁCIO, 2008). 3 "Counseling tem como foco a resolução de um aspecto específico de dificuldade pessoal ou profissional, normalmente é exercido por especialistas no assunto, de modo rápido e pontual. Tem como característica principal o aconselhamento" (INÁCIO, 2008). 13 líderes ao retornarem destes mergulhos conceituais e exercícios práticos, voltam às suas atividades de liderança aplicando na prática o conteúdo aprendido, mas não por muito tempo ou de forma inconsistente. Algum tempo após, tendem a retornarem àzona de conforto anterior, e refletem através de suas relações com seus liderados, os antigos hábitos exercidos antes das técnicas aprendidas. Alguns alternam entre o novo, ou melhor dizendo, entre o que as modernas técnicas de gestão de pessoas pregam, e o estilo de liderança que está enraizado dentro de si. Há algum tempo me perguntava por que isso acontecia e o presente estudo foi fruto desta minha inquietação. Este tema foi escolhido, além da minha inquietação e interesse pessoal e profissional, por sua importância no mundo do trabalho e relevância social. O fenômeno da liderança permeia todas as relações humanas, dentro e fora do âmbito profissional. Em todas as esferas da nossa vida, lideramos ou somos liderados por outrem, seja na nossa família, na rede social, na política ou na religião. Tanto na humanidade quanto no reino animal, a liderança existe desde o início dos tempos e é uma das grandes responsáveis pela disseminação, diferenciação e integração das espécies. Na contemporaneidade este fenômeno é difundido e amplamente trabalhado, mas desde tempos longínquos sempre esteve entre nós. No advento da globalização dos negócios, era da tecnologia em constante mudança, em que os avanços tecnológicos são rapidamente copiados e apanhados pela concorrência, o diferencial só pode estar na gestão de pessoas, só as pessoas podem fazer a diferença em um contexto tão competitivo e seletivo. Com a automação tecnológica, cada vez mais o homem é substituído pela máquina, cabendo aos líderes organizacionais a incumbência de realizar a gestão das pessoas, tendo em vista que as máquinas não precisam deste suporte. Como a competitividade leva as empresas a se munirem de todo o aparato tecnológico necessário, o maior diferencial está na forma como os profissionais que permanecem neste páreo sobrevivem à robotização, e lidam com a constante informatização dos processos e procedimentos organizacionais. “Em um mundo que passa por grandes e rápidas mudanças, as organizações nacionais, pressionadas pelo processo de globalização, substituem cada vez mais o homem pela máquina. Assim, novas tecnologias são implementadas nas empresas, obrigando o trabalhador a adaptar-se rapidamente a elas e impondo um novo perfil profissional tecnicizado” (HELOANI, 2004, p.3). 14 Neste sentido, não é fácil para o trabalhador se manter neste mercado tão competitivo e seletivo. Helonai (2004) esclarece que nesta nova lógica pós-moderna, há uma ampla e legítima reestruturação produtiva onde: “os salários sofrem cada vez mais reduções e a educação emerge como salvadora e principal ferramenta da atualização, o trabalho torna-se cada vez mais precário e seletivo” (p.3). Sabemos que é cada vez mais necessária a busca pela formação e especialização para atingir o crescimento e sucesso profissional almejados. Para sobreviver neste cenário pós moderno, o trabalhador precisa possuir um currículo recheado de experiências profissionais consistentes, formação acadêmica e especializações de ponta, sem contar na fluência em outras línguas e vivências internacionais. Diante deste mercado seletivo, podemos observar a dificuldade do trabalhador em manter sua posição nas organizações. Segundo Heloani (2004), existe um paradoxo neste sentido, pois há uma conciliação de dois sujeitos historicamente desiguais, capital e trabalho. “Por meio de discursos de cooperação e de trabalho em equipe, consultores organizacionais acabam por perpetuar elementos antagônicos: a necessidade da cooperação em equipe e a competição pela aquisição e manutenção de um posto de trabalho” (p.3). Sendo assim, o trabalhador é constantemente cobrado pela empresa da necessidade de trabalhar em equipe e chegar a resultados compartilhados. No entanto, seus colegas de equipe muitas vezes são seus competidores, e é aí que se encontra o paradoxo ao qual se refere o autor. “Em um processo frenético, novas tecnologias são implementadas nas empresas, o que obriga seus ‘colaboradores’ a uma adaptação célere e desumana, em busca de um novo perfil, mais competitivo e egocentrado, por vezes em um binômio inversamente proporcional à equação ética/solidariedade” (HELOANI, 2007, p.125). As modernas empresas nacionais e multinacionais já atentaram para o fato de que investir nas pessoas pode ser o diferencial competitivo. O líder neste contexto desempenha um papel fundamental nas relações humanas e a capacidade de liderar torna-se associada ao sucesso ou fracasso das equipes e organizações. O conceito de liderança sofreu grandes mudanças ao longo dos anos. No final do século XIX, na era da revolução industrial, esta relação era baseada em mandar quem podia e obedecer quem tinha juízo. Os líderes se limitavam em apenas mandar fazer determinada atividade e checar o resultado, onde os funcionários não eram considerados seres pensantes, mas meramente executores de ordens. 15 Segundo Bergamini (2009), após o término da segunda guerra mundial, isto é, recentemente, é que o estudo da liderança começou a ser prioridade dentro das organizações. Sendo assim, com a grande influência das escolas de administração de empresas e com a crescente necessidade das organizações em sobressair à concorrência e garantir espaço na competitividade, vemos na atualidade que os líderes têm um papel muito mais complexo e que envolve vários aspectos, pois já se sabe que para fazer com que os colaboradores cheguem a bons resultados, estes precisam estar motivados, acreditar no que fazem, ter paixão e entusiasmo no exercício da sua função, sentirem-se respeitados e considerados peça fundamental no sucesso do todo. O poder e obediência permanecem, só que agora de forma mais velada, pois este moderno modelo de gestão está cada vez mais especializado em esconder a alienação e a escravidão, em detrimento da necessidade de valoração do trabalhador como ser humano pensante, que precisa ser desenvolvido, respeitado e que muito tem a contribuir para o futuro das organizações. Desta forma vemos uma grande evolução do conceito “liderança” ao longo dos tempos, saindo de uma esfera do “mandar” para uma esfera do “influenciar”. O conceito moderno de liderança está distante, pelo menos no discurso, do conceito antigo de mandar e obedecer. “Liderança é a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir os objetivos comuns, inspirando confiança por meio da força de caráter” (HUNTER, 2006, pg. 18). O líder moderno é, portanto, responsável por envolver pessoas em prol de objetivos comuns e para isso precisa ser considerado um exemplo, adquirir a admiração e confiança dos seus liderados, e buscar a motivação e desenvolvimento destes. Ao mesmo tempo, o líder precisa estar atento para enfrentar a complexidade e as rápidas mudanças que ocorrem nas organizações, antecipar às expectativas do mercado e garantir uma direção em meio às adversidades da equipe, dos seus pares, da empresa e da sua vida pessoal como um todo. “As pessoas seguem alguém, depois seguem um plano e se você não acredita no mensageiro, não acredita na mensagem e você não pode acreditar no mensageiro se não sabe no que o mensageiro acredita” (KOUZES e POSNER, 2003, pg. 63). Desta forma, o líder precisa fazer com que seus liderados o sigam e acreditem de fato no que ele propõe. 16 A minha inquietação é que muitas vezes nem mesmo o líder sabe verdadeiramente no que ele acredita, tendo em vista a massificação e enquadramento ao qual se submete em prol dos objetivos da empresa. Trata-se de uma tarefa árdua e complexa, e mesmo com vários cursos, treinamentos e coaching, percebemos que cada líder tem sua maneira particular de exercer esta influência, tendo em vista que são seres humanos únicos, pautados por uma história de vida singular. Diante deste contexto, acredita-se que a Psicologia Analítica tem muito a contribuir para o entendimentoda personalidade deste líder. Segundo Jung (1991), todos os conteúdos do nosso inconsciente são constantemente projetados para o ambiente externo. Com base na psicologia analítica de Jung, acreditamos na hipótese de que algumas projeções4 do líder devem ocorrer na sua relação com o liderado, como por exemplo, as parentais, pois se acredita que exista no relacionamento líder-liderado elementos provenientes da primeira relação de liderança e hierarquia que o ser humano vivencia: a relação com as figuras parentais. Portanto, acreditamos na possibilidade da liderança primordial ser a grande influenciadora do estilo de liderança do líder. “As personalidades de pai e mãe são, sem dúvida, o primeiro – e ao que parece – o único mundo do ser humano infantil” (JUNG, 2008, OC XVI/1, par.212). E Jung (2008) complementa que este mundo se expande, e a relação infantil para com os pais começa a se descaracterizar a partir do convívio com os irmãos, da inserção escolar, do casamento. Acreditamos que, mesmo após a fase infantil, ao longo da vida, o adulto projeta este estilo primordial de liderança. “A imago5 dos pais pode, de fato, ser libertada do estado de projeção, e desligada do mundo exterior, mas ela se conserva inalterada, como todas as aquisições da primeira infância” (JUNG, 2008, OC XVI/1, par.212). A partir destas reflexões, este trabalho se justifica pela importância de se entender os aspectos psicológicos do líder na sua relação com o liderado, e então contribuir para uma oportunidade onde o líder se conheça mais neste papel e investigue a fundo que características compõem o seu estilo de liderar, indo além da organização à qual está inserido e das tradicionais técnicas de gestão de pessoas, em busca da integração do seu arranjo psicológico 4 Projeção: “significa transferir para o objeto um processo subjetivo” (JUNG, 2008, OC VI, par. 881). Projeção: “exteriorização de conteúdos psíquicos inconscientes, ora para fins defensivos, ora para fins de desenvolvimento e integração” (STEIN, 2006, pg. 206). 5 Imago: “Representação ou imagem psíquica de um objeto, como um dos pais, a qual não pode ser confundida com o objeto real” (STEIN, 2006, pg. 206). 17 à influência e poder que exerce sobre seus liderados, à responsabilidade de motivar pessoas em prol de um objetivo comum e à importância de contribuir para o desenvolvimento de outros seres humanos. Na intenção de chegar a algumas respostas sobre os questionamentos apresentados anteriormente, a dissertação está estruturada da seguinte forma: no capítulo II encontram se os objetivos desta pesquisa; na seqüência, está o capítulo III onde abordamos alguns conceitos do tema “liderança” sob a perspectiva de vários autores; logo após, está o capítulo IV que aborda a relação da liderança com o poder; seguido pelo capítulo V sobre Psicologia Analítica e a liderança; na seqüência estão os capítulos VI – Método; VII – Resultados e Discussão; VIII – Considerações Finais. 18 CAPÍTULO II OBJETIVOS Esse trabalho teve como objetivo principal buscar identificar o que é a liderança do ponto de vista do líder, e como esse define sua relação com seus liderados. Teve como objetivo ainda, tentar compreender como se dão as projeções do líder na sua relação com seus liderados e se essas projeções definem seu estilo de liderança. 19 CAPÍTULO III LIDERANÇA O tema da liderança proporciona as mais variadas propostas teóricas, promovendo na atualidade uma vasta e ampliada visão a respeito dos possíveis tipos de trocas interpessoais que podem surgir da relação líder-liderado. Uma simples pesquisa no Google com a palavra liderança gera um total de aproximadamente 6.800.000 resultados. Trata-se de sites, citações, artigos, livros, cursos, etc, que de certa forma estão em busca de compreender este fenômeno. Um arsenal parecido de obras, TCCs, dissertações, teses, DVDs, etc, são encontrados nas bibliotecas das universidades, tamanha é a complexidade deste tema. Acredita-se que o termo liderança venha sendo usado há aproximadamente duzentos anos na língua inglesa. Stogdill (1974) ressalta que este tema deva ter aparecido por volta do ano 1300 da era cristã. Grupos não constituem um simples aglomerado de indivíduos. São dotados de organização e estrutura próprias mantidas com base na competência de fazer todo o grupo permanecer e reagir coeso para sobreviver. Esta capacidade depende, por sua vez, do conhecimento dos perigos e oportunidades, ambos postos em prática junto ao grupo pela competência de comandar. Estas qualidades da liderança são constantemente avaliadas e testadas pelos membros do grupo, que quando satisfeitos, reconhecem e aceitam o comando. Hollander (1978) considera que a liderança não seja apenas o cargo do líder, mas ela também exige dedicação e cooperação por parte de outras pessoas. Para o autor, a liderança, como tal, diz respeito a um “relacionamento de influência feito em duplo sentido” (p.2). Embora seja o líder que dispara ou dá início às ações, ele precisa envolver seus seguidores de forma a torná-los sensíveis a essas ações, levando em conta as ideias e programas propostos por ele. Com a percepção da importância do tema liderança no mundo dos negócios, vários autores e pesquisadores em comportamento organizacional têm escrito a respeito do tema, e isso determinou o aparecimento de inúmeros conceitos. Para Bennis e Nanus (1985), “assim como o amor, a liderança continuou a ser algo que todos sabiam que existia, mas ninguém podia definir” (p.5). Por causa disso, a abrangência do tema ampliou consideravelmente seus 20 limites, fazendo surgir muitas e diferentes definições daquilo que poderia ser considerado como liderança. Segundo Hersey e Blanchard (1986), liderança é um processo de influenciar indivíduos ou grupos para consecução de um objetivo em uma dada situação. Estes autores destacam que o que difere as organizações bem sucedidas das mal sucedidas é possuir uma liderança dinâmica e eficaz. O processo de influência tem sido fortemente atribuído ao fenômeno da liderança. Por exemplo, Bass e Stogdill (1990): “a influência também reconhece que os líderes possam influenciar os membros do grupo por meio do seu próprio exemplo” (p.15). Ao mesmo tempo, consideram que as diferenças individuais estão presentes na equipe e os comportamentos distintos são determinantes no desempenho das atividades do grupo. Todavia, esse relacionamento recíproco “não é caracterizado necessariamente por dominação, controle ou indução à submissão, mas ocorre de maneira habitual, onde cada uma das partes está aberta e aceita influência de outra” (p.15). Desde os primórdios da humanidade estamos organizados em níveis hierárquicos com claros relacionamentos de dominação entre os membros, e esta forma de organização não é exclusiva dos seres humanos, tendo em vista que os animais também se organizam de forma semelhante. Sabemos que todas as espécies desenvolvem um comportamento de forma a melhor se adaptar à sobrevivência. Muitas espécies animais adotam o comportamento de formar grupos de semelhantes para poder enfrentar e ter sucesso nos seus objetivos, como a caça e a defesa. Portanto, a liderança não é uma característica exclusiva dos seres humanos. A hierarquia, além de estar presente desde os primórdios da relação interpessoal, também pode ser observada desde a nossa infância. Segundo Gardner (1996) os “processos de dominação” observáveis em primatas não humanos são evidentes entre os pré-escolares. Desde a infância nos organizamos de forma a liderarmos ou sermos liderados. “As crianças dominantes controlam os brinquedos, iniciam e organizam jogos, e ajudam a manter o grupo unido; as crianças menos dominantes orientam-se com referênciaaos mais dominantes. Tamanho, força, habilidade, inteligência, atratividade e gênero, tudo isso contribui para 21 determinar quais organismos ocuparão posições superiores na hierarquia social emergente”. (GARDNER, 1996 p.23). Em paralelo ao processo de dominação, está presente o processo de identificação, tendo em vista que para seguir verdadeiramente um líder, e não só por imposição organizacional, os liderados naturalmente idealizam, admiram e se identificam com aquele o qual seguem. “Desta feita, num grupo a pessoa do líder não diz ‘olha eu sou a parte idealizada, vocês passarão a admirar-me, como a um Deus, como alguém que vocês gostariam de ser’. Nesses casos, tudo acontece de uma maneira sub-reptícia, quase que imperceptível, baseada no fenômeno da identificação. No caso dos grupos, o líder, normalmente, é aquele que foi eleito e tem uma certa autonomia da ação que o restante não possui; mas, por ser a figura que substitui o ideal de todos, faz com que todos se identifiquem, a partir de seu ideal, uns com os outros” (CAPITÃO; HELOANI; 2007, p.54). Em um momento de globalização da economia, as organizações mais do que nunca, investem no desenvolvimento e preparação de seus líderes para que possam não só alavancar os resultados no âmbito nacional, mas também no mercado internacional. Goldsmith, Fulmer e Gibbs (2001) afirmam claramente que os executivos de alto padrão estão investindo grande parte do seu tempo para orientar e ensinar pessoalmente seus futuros líderes. As organizações já perceberam que as oportunidades e desafios estão por toda parte do mundo, e para crescerem e se manterem lucrativas neste mercado tão competitivo, é necessário ter à frente de seus colaboradores líderes capazes e preparados para as adversidades. Como diz Chopra (2002), liderança é um conceito que envolve mistério. O autor vê a atuação do líder como alguém que precisa conhecer a grande maioria das necessidades de seus seguidores. Isso requer todo cuidado por parte do líder, o que resultará no respeito e credibilidade por parte dos seus seguidores. Peter Drucker (2000), conceituado autor de livros em administração, fala do novo pluralismo em liderança, e deixa claro que não são os líderes atuais que devem assumir a responsabilidade por aqueles que serão os líderes no futuro. Drucker (2000) conclui sua advertência afirmando que os líderes terão que lidar com as adversidades da globalização, e isso necessariamente os levará a lidar com várias perspectivas e culturas. Desta forma, precisarão ter grande habilidade para enfrentar uma enorme gama de ambigüidades e 22 incertezas. Para Bergamini (2009), as habilidades técnicas não são as que mais importam neste momento, mas sim as interpessoais e interculturais. Neste caso, o equilíbrio emocional e a capacidade do líder de enfrentar as adversidades que lhe são impostas farão toda a diferença na formação de seus seguidores, e conseqüentemente no seu sucesso profissional. Segundo Bergamini (2009), a liderança é um tema tão antigo quanto o próprio homem. “Bastou apenas que duas pessoas se encontrassem para que uma delas fosse solicitada a interpretar aquilo que deveria estar ocorrendo naquele momento e indicasse algum rumo a ser seguido” (p.1). Neste sentido, em um encontro entre duas ou mais pessoas, é natural emergir um líder que vai conduzir outra pessoa ou grupo, seja através de uma solicitação que venha de fora do grupo, seja por parte do próprio grupo, ou através do destaque de um dos membros em detrimento dos demais. É possível dizer, como aponta Bergamini (2009), que não é de hoje que buscamos soluções para enfrentar os desafios propostos pela convivência humana. O que nos leva a considerar que a liderança teve sua origem no momento em que o próprio homem precisou organizar o universo em que vivia, vendo-se conduzido a optar por algum tipo de orientação sobre como sobreviver e se sair bem nele. Segundo a autora, “os mesmos problemas foram enfrentados pelos egípcios quando construíram as pirâmides, por Alexandre quando criou seu império e pelos gregos quando lutaram contra os troianos” (pg.4). De acordo com Bergamini (2009), a preocupação com a maneira de agir que facilite dirigir a si mesmo e aos outros com sucesso, representa desde tempos longínquos uma espécie de desejo presente no interior de cada um de nós. Portanto, deixar-se liderar por alguém ou estar inclinado a liderar alguém é algo natural, embora essa tendência ainda não tivesse sido batizada com o nome de liderança. Bergamini (2009) apresenta uma reflexão sobre esta diversidade de conceitos, e afirma que apesar de serem inúmeros, somente dois elementos mostram ser comuns a quase todos. Sob certo aspecto, eles conservam o denominador comum, que é o fato de referir-se a um fenômeno grupal. Por outro lado, fica bastante evidente tratar-se de um processo de influência, exercido de forma intencional pelo líder e seus seguidores. 23 Bergamini (2009) apresenta em seu livro “Liderança: administração do sentido” um compilado de diferentes conceitos de liderança sob o ponto de vista de vários autores. Abaixo podemos verificar alguns deles: 1) Liderança é um tipo especial de relacionamento de poder, caracterizado pela percepção dos membros do grupo, no sentido de que outro membro tenha o direito de prescrever padrões de comportamento no que diz respeito à qualidade de membro desse grupo (JANDA, 1960, p.358). 2) Liderança é influência pessoal exercida em uma situação e dirigida através do processo de comunicação, no sentido de se atingir um objetivo específico (TUNENBALL, WESCHLER, MASSARIK, 1961, p.24). 3) Liderança é uma interação entre pessoas, na qual uma apresenta informação de um tipo e de tal maneira que os outros se tornam convencidos que seus resultados [...] serão melhorados caso de comporte da maneira sugerida (JACOBS, 1970, p.232). 4) Liderança é o incremento da influência sobre e acima de uma submissão mecânica com as diretrizes rotineiras da organização (KATZ; KAHN, 1978, p.528). 5) Liderança é o processo de influenciar as atividades de um grupo organizado na direção da realização de um objetivo (ROACH; BEHLING, 1984, p.46). Para esta autora conceituar liderança não é uma tarefa fácil, pode ser até certo ponto traiçoeira e ao mesmo tempo delicada. Trata-se de conduzir uma investigação que exige uma análise cuidadosa de inúmeras facetas que tem deixado perplexos até os cientistas sociais já habituados a pesquisá-la. Desta forma, tivemos aqui a intenção de abordar alguns conceitos do tema “liderança” sob a perspectiva de diferentes autores, mas sem a pretensão de esgotá-lo, haja vista sua complexidade. 24 CAPÍTULO IV PODER “Talvez gostemos de acreditar que o amor determina nosso destino ou que os profundos sonhos e paixões da alma, ou os avanços da ciência tecnológica, são os fatores formativos que direcionam nossa vida. Na vida real, porém, somente ideias dos negócios estão sempre conosco, da garagem à escrivaninha, da aurora ao crepúsculo. Entre todas elas, a que domina é a idéia do ‘poder’. É ela o demônio invisível que dá origem às nossas motivações e escolhas” (HILLMAN, 2001, p.15). Tendo em vista as organizações como instrumento de dominação, como se dá no mundo do trabalho, percebemos que esta dominação acaba por ampliar cada vez mais os interesses de alguns, em detrimento e à custa dos interesses de outros. As organizações ao longo dos anos, dos diversos momentos históricos e configurações dos sistemas políticos e econômicos, passaram por vários processos de dominação social, permeados das relações de poder, que resultam na maioria agindo de acordo com o que quer a minoria. Desta forma, acredita-se ser de grande importância abordar o tema “poder” neste trabalho, uma vez que se trata de um mecanismo intrínseco à condição de liderar. Segundo Rollo May (1974):“Para toda a pessoa viva, o poder não é uma teoria, mas uma realidade sempre presente que ela deve enfrentar, usar, gozar, e opor centenas de vezes por dia” (p.89). Neste sentido, o autor esclarece que o poder não é bom nem mau, simplesmente é, e se movimenta em direção à sua própria realização. Para todos nós, o poder é uma realidade que enfrentamos e usamos no nosso dia a dia. Sendo assim, o poder é necessário à nossa condição humana e precisamos do mesmo para nos relacionar com o mundo. Partimos do pressuposto que cada ser humano tem sua forma de lidar com o poder e o utiliza de acordo com seus princípios, seja para o bem, seja para o mau. May (1974) ressalta que o poder não é neutro. “Existe um conflito insolúvel entre os poderes individuais de um homem ou de uma mulher e a cultura a que ele ou ela pertencem; e inexoravelmente haverá uma luta destes poderes com a cultura que procura aprisionar o indivíduo dentro de seus limites” (MAY, 1974, p.90). 25 As organizações dispõem de avançadas e diferenciadas estratégias, que estão cada vez mais abrangentes, visando à regulação de contradições que se apresentam nas relações de trabalho. Tais estratégias são a expressão mais óbvia da manifestação de poder, que regula não apenas os indivíduos, mas a coletividade. Na atualidade as empresas têm utilizado de modernas técnicas de gestão na tentativa de ocultar as contradições sociais, as desavenças no trabalho, e a subjetividade do trabalhador, isolando os indivíduos de maneira a impedir sua ação coletiva. Isso ocorre através de um discurso de estímulo ao potencial e elevação da autoestima dos trabalhadores, mas, que na verdade faz com que se sintam impotentes e não credores de sua capacidade para enfrentar estruturas tão fortes de dominação. Tudo isso ocorre de forma sutil e camuflada, onde o trabalhador não se dá conta, pois em troca da dominação, a empresa lhe oferece vários benefícios e diferenciais, que o torna dependente da empresa, criando um laço maternal. O conhecimento do poder, seu uso e suas implicações não são assuntos novos na história da humanidade. O que se vê, desde tempos antigos, é a importância prática e teórica do termo poder, pois situa-se no centro de múltiplas correntes das ciências sociais e humanas, além de estar presente no cotidiano de qualquer ser humano. As organizações, vistas como sistemas políticos, variam de acordo com os princípios políticos empregados. Os administradores freqüentemente falam sobre autoridade, poder e relações entre superior e subordinado. Estes aspectos políticos envolvem as atividades daqueles que fazem as regras e daqueles que as seguem. É evidente, neste sistema político tão complexo e constituído por interesses, a dominação. Trata-se de processos nos quais indivíduos ou grupos encontram formas de impor a sua respectiva vontade sobre os outros. “a dominação pode ocorrer de muitas maneiras diferentes. Primeiro e mais obviamente, dominação surge quando uma ou mais pessoas coagem outras através de uso direto de ameaça ou força. Entretanto, dominação também ocorre de formas mais sutis: quando aquele que dita as regras pode impor a sua vontade sobre os outros, sendo, ao mesmo tempo, percebido como tendo o direito de fazer isto” (WEBER, 1999, p.140). Com isso algumas formas de dominação são consideradas “naturais”, se tornando legítimas e vistas sem espanto pelas pessoas, que acham que têm o dever de obedecer, uma vez que quem é detentor da dominação e poder, acredita que tem o direito de dirigir e direcionar o curso das coisas para o que lhe é conveniente. Portanto, deveria ser de forma consciente que todos os envolvidos deveriam reconhecer que são responsáveis por parte da construção e manutenção desta relação. Assim, a dominação precisa, para persistir, da 26 conivência do dominado, bem como do dominador, sendo de responsabilidade de ambos sua perpetuação ou redução. Através das mudanças freqüentes nas organizações, as pessoas estão cada vez mais influenciadas por competitividade, tecnologia e modernidade, o que as torna cada vez mais comprometidas com suas atividades laborais, e as organizações criam formas e estratégias diferenciadas e abrangentes para regular as contradições que se apresentam nas relações de trabalho. E são estas sofisticadas e avançadas estratégias que possuem a explicação para o comportamento do trabalhador, que aceita a sobrecarga de trabalho, o estabelecimento de deveres, a ideologia do lucro, a dominação, e que principalmente aceita que sua subjetividade fique em segundo plano em prol dos objetivos da organização. O trabalhador se submete a tudo isso em troca da segurança oferecida pela empresa, que faz o trabalhador se tornar dependente e eternamente agradecido por tanto acolhimento. Mas, é evidente, que de forma camuflada permanecem os interesses maiores da visão capitalista vigente, com principal enfoque no lucro. No caso do líder, além de liderar pessoas, ele também é liderado, ele também é um trabalhador. Ele possui diversas formas de exercer poder sobre seus liderados conforme apresentamos acima, mas ele também recebe poder de alguém que está acima dele na hierarquia. Desta forma, o líder se encontra em um elo onde precisa equilibrar de um lado suas frustrações, indignações e inconformismos com relação ao seu superior imediato e à empresa, e do outro lado seu papel enquanto líder de motivar pessoas a fazerem parte daquela organização e de trazerem os resultados esperados. O fato de ser liderado e de se inspirar ou não no seu superior imediato para exercer sua liderança, são elementos constituintes da formação do estilo de liderança que ele utilizará com os seus liderados. Segundo Weber (1999), existe também o poder ilegítimo, “que pode ser considerado como uma perturbação ferindo a estrutura de dominação, a estrutura formal, a estrutura de autoridade hierárquica legítima sendo formada de constelações distintas de poder temporal. Mas, tais perturbações não representam necessariamente uma ameaça à estrutura formal. Elas podem constituir apenas disputas puramente locais por autonomia e poder, não perturbando de nenhuma maneira a estrutura em si. Entretanto, em alguns casos elas podem transformar-se em uma ameaça real” (WEBER, 1999, p.147). 27 Portanto, fica clara a ocorrência nas organizações destas constelações de poder ilegítimo, onde há uma disputa informal, que é de extrema relevância, diz muito da organização e dos indivíduos que a compõem. Desta forma, o próprio exercício do poder se dá de forma diversificada, onde as relações sociais se apresentam de maneiras distintas, e que em todas as suas manifestações há sempre o fato de alguns indivíduos ou grupos atuarem sobre outros indivíduos ou grupos. Este aspecto é abordado por Pagès et al (1987), que defendem que as relações de poder se constituem como um objeto de diversos campos das ciências sociais, e o poder é tratado de forma segmentada: • Sob o enfoque econômico: baseado nas análises marxistas, as relações de poder aparecem na separação dos trabalhadores em relação aos meios de produção e ao produto de seu trabalho, como um fenômeno de alienação a partir da não propriedade dos meios de produção; • Como um fenômeno político: as relações de poder são analisadas a partir da autonomia ou do controle sobre as decisões e a organização social; • Sendo tratadas no nível ideológico: as relações de poder aparecem como um fenômeno que atua no campo do sentido e dos valores; • E finalmente, no nível psicológico: as relações de poder são analisadas como fenômenos de dependência, de projeção e/ou introjeção, que fazem parte do vínculo social. Tendo como base o que foi apresentado, percebe-se que mesmo com as mudanças sofridas pela organização do trabalho, o poder continua atuando de uma forma muito mais sutil. Segundo Lima (1995), acaba por ir ao encontrode uma relação de dependência, onde as pessoas acabam colaborando com o poder, se disponibilizando às suas normas e valores, tornando-se cada vez mais vulneráveis, sendo fundamentais na manutenção das relações de poder que vigoram. Já Morgan (1996) relata que o poder envolve habilidade para conseguir que outra pessoa faça alguma coisa, que de outra forma não faria. É possível perceber como é estreita a relação do poder com o acúmulo de recursos e a capacidade de usá-los, que permite a uma pessoa ou grupo específico determinar o comportamento dos outros. Com isso, o poder vem ganhando cada vez mais força dentro das organizações, pois está mais polido e aperfeiçoado, o que faz com que se torne cada vez mais 28 sutil. Ampliam-se as redes de poder nas quais o indivíduo encontra-se inserido, transformando-se em mero instrumento de trabalho, como um fantoche no jogo de interesses dos seus superiores, que manipulam com muita sabedoria as regras do jogo do poder, mantém e fortalecem cada vez mais a dominação dentro da organização. E o mais preocupante é que na maioria das vezes o trabalhador não se dá conta disso, pois há todo um trabalho ideológico que os confundem, camuflando as relações de poder e fazendo com que creiam que são criadores da sua própria história. “[...] jamais o indivíduo esteve tão encerrado nas malhas das organizações (em particular, das empresas) e tão pouco livre em relação a seu corpo, ao seu modo de pensar, à sua psique. O argumento sustentado não significa que o indivíduo não possa, dentro de certas condições, ser criador da história, alcançar uma parcela de originalidade e autonomia, tentar sair da heteronomia e vir a ser sujeito autônomo; isso significa somente que tudo na sociedade (e, principalmente na empresa, que tem a ambição desmesurada de emergir como o ator principal da sociedade) é construído para fazer o indivíduo crer na sua vocação de homem livre e criador e, para colocá-lo, de fato, nas grades (Rousseau), grades sutis e tão ilustres que certos homens reivindicam-nas” (ENRIQUEZ, 1997, pg 19). As relações de poder estão no corpo e na mente do indivíduo, no seu núcleo familiar, na empresa em que trabalha e na sociedade à qual faz parte. Ou seja, está por toda a parte. E por isso influencia fortemente os líderes no seu estilo de liderar, nas suas relações com seus liderados e na forma de alcançar os resultados esperados pela organização. “[...] na estrutura estratégica, se o controle sobre o modo de pensar é reforçado (é preciso pensar apenas no bem de uma empresa e um tal objetivo não é alcançável senão graças a um modo de pensar puramente operacional, calculista, diria Yves Barel), se o controle da psique torna-se mais e mais sutil (os indivíduos identificando-se com a empresa e com seus chefes e idealizando-os, tornando-se, assim, serviçais voluntários que encontram gozo na submissão), o controle sobre o corpo (e, em particular, o dos dirigentes) torna-se essencial” (ENRIQUEZ 1997, pg 23). O poder é intrínseco à liderança, ou seja, ao liderar o líder está exercendo poder sobre outros. Na contemporaneidade, este controle é muito sutil, e se dá através da influência de fazer com que os seguidores façam o que o líder deseja. Por isso, é muito comum verificarmos nas organizações a idealização que os colaboradores sentem pelos seus gestores. Portanto, as relações de poder muitas vezes definem, e não necessariamente com os critérios de justiça necessários, a saúde da organização. Justiça implica em juízo de valor, e valores são subjetivos e próprios de cada indivíduo, o que acarreta grandes relações de conflito e conseqüências negativas no comprometimento da subjetividade do trabalhador. 29 Segundo Montanna & Charnov (1998), poder pode ser definido como “a habilidade de influenciar subordinados e colegas por meio do controle de recursos organizacionais” (p.32). Para Srour (1998), o poder trata-se da capacidade de intervir sobre a vontade dos agentes sociais ou sobre seus interesses: “Poder é uma relação social, não uma posse unilateral. Sua fonte originária encontra-se na capacidade de coagir ou de estabelecer uma relação de domínio sobre os outros, na produção de efeitos desejados ou no controle das ações dos outros. Assim as relações de poder significam uma dupla relação: mando e obediência”. (SROUR, 1998, p.135). Os líderes adquirem e fazem uso do poder dentro das organizações de diversas formas. Montanna & Charnov (1998), mencionam algumas formas de poder organizacional: • Poder Legítimo: trata-se de um poder que é inerente ao cargo, independente de quem o ocupe. Esse poder é legítimo na organização e o indivíduo é investido de poder. Os níveis de poder e suas atribuições dependem da hierarquia que existe na organização. • Poder de Recompensa: é o poder de que dispõe um líder para com o funcionário, como resultado do desempenho deste. É um elemento motivador. • Poder Coercitivo: trata-se de uma ferramenta gerencial poderosa. Esta ação que na maioria das vezes é realizada para extinguir comportamentos indesejados, acaba por prejudicar o desempenho do trabalhador e não promover uma atitude desejada. • Poder de Especialização: está relacionado com o quanto um líder é talentoso e conhecedor. Esta forma de poder permite que uma pessoa ganhe influência dentro da organização. • Poder de Referência: muitas vezes chamado de carisma pessoal, é o poder de um indivíduo de influenciar outro por sua força de caráter. Pode ocorrer com um líder ou integrante da equipe de trabalho que é muito admirado, o que lhe proporciona a influência sobre os outros, uma vez que os outros se identificam com a maneira de ser desta pessoa ou líder. • Poder da Informação: trata-se daquele indivíduo que é possuidor de informações importantes, que são necessárias ao funcionamento da organização. Ele se destaca, pois os outros integrantes da organização recorrem a ele para obter informações. 30 Assim, cada líder se insere de alguma forma nas relações de poder. Para buscar alcançar a seus objetivos específicos, procura utilizar de recursos, mecanismos e estratégias que detém em momentos distintos. Porém, as relações de poder são assimétricas e desiguais quanto à possibilidade de acesso e uso de recursos, o que faz das relações sociais um jogo complexo, que inclui conflito, resistência, conformismo e regulação. “O poder nunca aparece despido: veste os disfarces da autoridade, do controle, do prestígio, da influência, da fama, etc” (HILLMAN, 2001, p.16). Segundo Hillman (2001), existe um tipo de poder que vem com o cargo, vem quando alguém assume uma posição de maior influência. Ainda que a pessoa continue sendo a mesma de antes, a promoção para um cargo mais alto aumenta a sua influência e isso muda totalmente a sua relação com o poder. “Mas é o cargo que dá à pessoa os poderes de reconhecer, nomear, decidir e executar” (HILLMAN, 2001, p.120). Desta forma, o poder não está na pessoa e sim no cargo: “As pessoas vem e vão, mas o cargo permanece um resíduo santificado do poder impessoal que seu ocupante é obrigado a não degradar nem corromper” (HILLMAN, 2001, p. 120). Independente do nível do cargo de um líder, seja média ou alta liderança, o cargo está investido de poder, uma vez que o líder por estar em um cargo de liderança possui poderes de nomear, decidir, reconhecer, etc. Segundo Lloyd (2003), os líderes têm o dever de usar o poder com responsabilidade. Um entendimento comum das relações, interações e dinâmica do poder é um pré-requisito vital para sustentar esta elevada meta. De acordo com Lloyd (2003), para o poder assumir um caminho construtivo ou destrutivo, depende fundamentalmente de ele ocorrer numa situação cooperativa ou competitiva. Quando as pessoas se sentem unidas num objetivo comum, elas reciprocamente desenvolvem o poder entre si, e o utilizam para alcançar suas metas. Quandose sentem competitivas, elas reciprocamente comprometem a confiança e o poder que existem entre si. O autor complementa que, infelizmente, com freqüência, o poder inevitavelmente implica uma luta de perder ou vencer. “Não é de surpreender a descoberta de que um alto grau de alienação pode facilmente levar à geração de condições para uma redistribuição do poder por meios radicais ou revolucionários. Em sua essência, a história é o estudo do uso e do abuso do poder, que se encontra no âmago do entendimento da ascensão e queda das organizações, sejam elas públicas ou privadas” (LLOYD, 2003, p.189). 31 Essa análise nos leva à conclusão de que é determinante para o líder na sua função a forma como lida com o poder. Tanto o poder que recebe da organização e do seu superior imediato, quanto o poder que utiliza na sua liderança e influência junto aos seus liderados. Segundo Hillman (2001), “a intimidação, o sadismo e o punho fechado da mão humana jamais se transformarão inteiramente na palma que conforta e abençoa” (p.232). Como sabemos, o poder é intrínseco às relações humanas e está presente em todas elas, por isso seria grande ingenuidade negá-lo, principalmente porque ele se faz necessário. De acordo com o autor, o mundo é regido pelo poder, mas de imediato emerge uma contestação de que o mundo é regido pelo amor, e por isso às vezes nos chocamos quando o poder leva ao domínio. “No fundo do coração, sentimos que o mundo não é assim tão perverso e violento, e que o amor, embora não mostre suas cartas como faz o poder, ainda assim conduz todas as coisas, internas e ocultas, por seus pequenos caminhos invisíveis. O poder se exibe, ruge e aprisiona, mas o amor torna os valores permanentes. O amor a tudo conquista” (HILLMAN, 2001, p.233). Hillman (2001) esclarece que a competição entre o amor e poder são ocidentais, cristãs e românticas. E em parte refletem uma visão simplista da bíblia: “o poder no Antigo Testamento e o amor no Novo Testamento” (p.233). Segundo o autor, amor e poder não são oponentes, mas nós assim os construímos. Segundo May (1974), é errôneo acreditarmos que quanto mais o indivíduo desenvolve sua capacidade de amor, menor é a sua preocupação com a manipulação e outros aspectos do poder. O autor acrescenta que o engano está em considerar o amor apenas como uma emoção e não como uma realidade ontológica, um estado do ser. “A inter-relação de poder e amor é demonstrada pelo fato de que o indivíduo primeiro tem que ter poder dentro de si mesmo para ser capaz de amar” (MAY, 1974, p.85). Sendo assim, o autor esclarece que o erro está em acreditar que a oposição entre amor e poder deriva da visão do amor como pura emoção, e da visão do poder como pura força. É necessário entendê-los como realidades ontológicas, como processos ou estados do ser. E neste sentido, Hillman (2001) atribui uma solução a esta cansativa disputa entre poder e amor: “[...] a simples passagem do singular para o plural. É só acrescentar um ‘s’. O mundo não é um único mundo, o poder não é uma idéia única, e o amor, que se apresenta em mil variações e em disfarces ainda mais numerosos, é um produto genérico, incapaz de ser reconhecido por uma única definição” (HILLMAN, 2001, p.233). 32 De acordo com Hillman (2001), a mesma coisa deveríamos fazer no mundo dos negócios, e acrescentar um “s” ao lucro. Neste sentido o lucro deixa de ser monoteísta e abre espaço para outros tipos de lucratividade: “lucratividade para a continuidade a longo prazo da vida e das gerações futuras, lucratividade para o prazer e a beleza do bem comum, lucratividade para o espírito” (p.234). Ou seja, tornar a idéia do lucro plural. Seria esta uma excelente saída para os líderes enquanto sujeitos, pois poderiam liderar de uma forma mais humana, transpondo a exigência do lucro por parte das organizações à lucratividade do espírito, e igualmente colocando o amor e o poder como aliados a favor deste exercício. 33 CAPÍTULO V PSICOLOGIA ANALÍTICA E LIDERANÇA “O autodesenvolvimento do indivíduo é especialmente necessário em nosso tempo. Quando o indivíduo não possui consciência de si mesmo, o movimento coletivo também carece de um sentido claro do desígnio. Somente o autodesenvolvimento do indivíduo, que eu considero ser o objetivo supremo de todo o esforço psicológico, pode produzir porta-vozes e líderes conscientemente responsáveis do movimento coletivo. Se o líder não conhece a si mesmo, como poderá liderar outros? É por isso que o verdadeiro líder será sempre aquele que tem a coragem de ser ele mesmo e que pode não só olhar os outros nos olhos, mas também se olhar todo a si mesmo” (McGUIRE at ALL, 1982, p.74). Na citação acima, encontrada no livro “C.G. Jung: entrevistas e encontros”, Jung argumentava sobre liderança quando fora entrevistado em 26 de junho de 1933 sobre este tema pelo Dr. Adolf Weizsacker, na rádio de Berlim. Neste sentido, Jung chama a nossa atenção para a importância do líder se conhecer internamente, identificar seus processos internos, suas crenças e valores, e alcançar a consciência de si mesmo, pois como um líder pode ter seguidores, liderar pessoas, chegar a resultados através destas, se não conhece a si mesmo? Com a revolução industrial, globalização e grande aceleração da evolução tecnológica, fomos disciplinados a exercitar a razão, a lógica, a técnica, e em manter as relações humanas superficiais, deixando em segundo plano a profundidade da essência singular e o sentido da vida de cada um. Nas organizações, a grande maioria das relações é pautada por metas, números e resultados. A dimensão emocional é negligenciada, onde na maioria das vezes ficam esquecidos os valores, as crenças e o sentido que cada um tem dentro de si, mesmo porque, na maior parte dos casos este sentido é desconhecido para cada um, é inconsciente. Desta forma ocorre uma massificação do ser humano, uma adaptação às convenções coletivas, em detrimento do comprometimento da identidade e expansão da consciência humana, através da integração desta com os conteúdos inconscientes. É comum nas organizações encontrarmos líderes focados em sua missão de trazer excelentes resultados através de sua influência sobre as pessoas. Mas, a inquietação desta pesquisa se dá ao fato de quanto custa para estes líderes exercerem este papel. Sabemos que 34 diante da necessidade de precisar de um emprego, do mercado competitivo, da busca por status, poder e sucesso, o líder se sucumbe à cultura capitalista, ficando cindido entre a sua essência e a cultura organizacional. No entanto, a grande maioria destes líderes não tem consciência da sua essência, ou seja, atuam dia após dia nas organizações de forma superficial, simplesmente reproduzindo o que lhes é solicitado. Acreditamos ser a psicologia proposta por Carl G. Jung uma grande possibilidade de resgate da identidade, da verdadeira essência humana e principalmente da integração do conhecimento de si mesmo com a cultura capitalista vigente. “Se não tiver uma visão consciente de si mesmo e do mundo, o líder será vítima das próprias crenças inconscientes que, no fim, determinam suas atitudes e trazem graves conseqüências para si e para todos. Se não for capaz de avaliar criticamente a si mesmo, e de também desenvolver uma consciência mais crítica e profunda sobre o que acontece no mundo, não será capaz de liderar com a maturidade que a função requer” (SANTARÉM, 2007, p.30). Segundo Santarém (2007), é nas profundezas do nosso inconsciente que encontramos as respostas às nossas questões, bem como a razão da nossa forma de nos comportarmos no mundo. E neste sentido, é preciso trabalhar cada vez mais nossos valores e crenças, pois são a base da nossa motivação no mundo. De acordo este autor, o tema liderança deve ser compreendido de formadiferente daquele conceito baseado no poder e no comando centralizador. “Entendemos que é verdadeiramente um líder aquele que escuta, que gera credibilidade, que inspira por sua sabedoria e move o outro pela autoridade do seu exemplo, pela força do seu caráter” (SANTARÉM, 2007, p.43). Santarém (2007) desenvolve em seu livro o conceito de autoliderança, argumentando que o líder deve primeiro liderar a si mesmo, se autoconhecendo, se dominando e se controlando. E esta é a forma efetiva de liderar outros, pois segundo o autor, a liderança efetiva se dá pelo exemplo. O líder precisa conhecer muito bem os seus valores e crenças, para então liderar com efetividade. “[...] quanto mais conscientes nos tornamos de nós mesmos, através do autoconhecimento, atuando conseqüentemente, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta forma, vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, susceptível e pessoal do eu, aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de interesses objetivos” (JUNG, 2008, OC VII/2, par.275). 35 No processo de liderança é muito importante o autoconhecimento, pois à medida que nos conhecemos melhor, podemos ser melhores líderes. Isso significa tomar consciência das nossas máscaras, da persona. Stein (2006) conceitua o termo persona de forma simples e objetiva: “[...] é o nome inspirado pelo termo romano para designar a máscara de um ator. É o rosto que usamos para o encontro com o mundo social que nos cerca” (p.97). Como em todas as nossas relações com outros seres humanos, na empresa utilizamos máscaras que não nos representam em nossa essência, mas que são necessárias, pois o ego6 precisa da persona para exercer os vários papéis que desempenhamos na sociedade. “[...] persona, ou seja, aquela idéia geral de nosso ser que formamos a partir da experiência de nossa influência sobre o mundo e da influência deste sobre nós. A persona designa isso: como alguém parece a si mesmo e ao mundo, mas não significa o que alguém é [...]” (JUNG, 2008, OC VI, par.420). Neste sentido a persona se faz muito importante nas nossas relações sociais. Segundo Jung (2008), através da persona, o indivíduo procura convencer a si mesmo e aos outros da sua individualidade. No entanto, considerar a persona algo apenas individual é um erro, quando na verdade trata-se de uma máscara social que aparenta individualidade, mas que não passa de um papel da psique coletiva, de um compromisso entre o indivíduo e a sociedade sobre o que alguém parece ser. Jung (2008) acrescenta que seria incorreto afirmar que a persona nada tem de individual, pois sua escolha e definição possuem também características individuais além das coletivas. “[...] embora a consciência do ego possa identificar-se com ela de modo exclusivo, o si-mesmo inconsciente, a verdadeira individualidade, não deixa de estar sempre presente, fazendo-se sentir de forma indireta” (JUNG, 2008, OC VII/2, par.247). Desta forma, mesmo sendo a individualidade da pessoa algo secundário da persona, uma vez que a esta resulta de um compromisso no qual elementos externos podem ter uma quota maior do que elementos internos do indivíduo, o si-mesmo7 inconsciente não pode ser reprimido a ponto de extinguir-se, apesar da consciência do ego identificar-se inicialmente com a persona. “A persona age por um lado para causar impressões sobre os outros, e por outro para esconder a verdadeira natureza de um indivíduo” (HUDSON, 1978, p.54). 6Ego: “[…] fator complexo com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam. [...] é o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa” (JUNG, 2008, OC IX/2, par.1). Ego: “O centro da consciência, o eu” (STEIN, 2006, p.205). 7Si-mesmo: “Expressa a unidade e a totalidade da personalidade global. Mas, na medida em que esta, devido à sua participação inconsciente, só pode ser consciente em parte [...]” (JUNG, 2008, OC VI, par.902). Si-mesmo: “o centro, fonte de todas as imagens arquetípicas e de todas as tendências psíquicas inatas para a aquisição de estrutura, ordem e integração” (STEIN, 2006, p.206). 36 Entretanto quando o indivíduo idealiza uma imagem ou uma forma de ser no mundo à qual pretende-se moldar, ele corre o sério risco de anular-se, sacrificando a sua individualidade. Segundo Santarém (2007), a persona aparenta uma individualidade, mas na verdade é a representação das expectativas da sociedade. Santarém (2007) acrescenta que neste sentido, ao anular a sua individualidade, o indivíduo corre um sério risco de identifica- se com esta máscara. Ao descrevermos a persona, precisamos verificar suas várias formas de atuação. Stein (2006) descreve o que é persona funcional: “uma que ele põe e tira facilmente, sem se identificar com ela” (p. 104). Como exemplo desta persona funcional, Stein (2006) relata sobre um amigo que no ambiente de trabalho orienta seus subordinados a serem sensíveis em questões como não discriminação e sexismo, pois assim ele fora orientado pela instituição em que trabalha a orientar seus funcionários. No entanto, quando está em seu ambiente familiar, assistindo TV, ele tem reações diferentes e é muito conservador com relação a estes temas, e não moderno e liberal como no trabalho. O autor esclarece que neste caso, o seu amigo não tem um ego fortemente identificado com a atitude desse meio, e por isso tem uma persona funcional. Para o amigo é muito claro que só tem aquela atitude no trabalho devido às exigências daquele meio, mas não é o que ele realmente acredita. Pode ocorrer também do ego identificar-se8 com a persona, e o indivíduo acreditar que os papéis que desempenha na vida representam realmente o que ele é. Segundo Hudson (1978), um certo grau de identificação com a persona é típico da experiência humana. No entanto, em alguns indivíduos, o processo de identificação com a esta máscara se prolonga por um grande período de tempo, e pode ser acompanhado de uma intensa desorganização da psique. Esta desorganização aparece na forma de um desajuste social e o indivíduo portador desta neurose enxerga a situação externa como causadora do desconforto e não como conseqüência, identificando-se totalmente com o aspecto social como um mecanismo de defesa. Mas, segundo Stein (2006), “o ego sempre contém mais do que a identificação com a persona” (p.105). Ou seja, usualmente as pessoas distinguem a diferença entre os papeis e o verdadeiro eu. Cada pessoa, de acordo com seu desenvolvimento interno e conhecimento que possui do seu verdadeiro eu, tem sua forma de lidar com a persona: pode identificar-se totalmente com ela, anulando sua essência; pode identificar-se em partes, conseguindo 8 “O termo psicológico identificação assinala a capacidade do ego para absorver e unir-se a objetos externos, atitudes e pessoas” (STEIN, 2006, p.104). 37 distinguir quando é um papel social e o que realmente pensa e acredita; e pode também estar no estado “puro eu” como nomeia Stein (2006), não se identificando com nada em particular. Esta última condição pode ser muito arriscada, pois à medida que o indivíduo não se identifica com outros externos, pode ficar envolvido de forma exageradamente exclusiva com o mundo interior, como explica Stein (2006). Sendo assim, a persona quando utilizada de forma equilibrada se faz extremamente importante à nossa atuação no mundo. Nas organizações, assim como todos os colaboradores, especialmente os líderes possuem personas bem articuladas e voltadas às exigências organizacionais, pois precisam identificar-se com estas exigências para garantir seu emprego e carreira. Quando o líder está em processo de análise ou já possui um conhecimento profundo de si mesmo, ele consegue distinguir a sua persona do seu verdadeiro eu, atuando de forma conscientee saudável, utilizando a persona de forma a proteger o self, mas nunca se esquecendo da sua essência. No entanto, acredita-se que poucos líderes possuem esta consciência da diferença entre os papéis sociais exigidos externamente e o verdadeiro eu, e ao ajustar seu caráter às situações cotidianas para atender expectativas de outros, podem acabar alienando-se, reproduzindo dia após dia o que a empresa espera de forma inconsciente, sem questionar e separar o papel social de funcionário e líder, do que realmente acredita. Stein (2006) acrescenta que a persona não é somente um produto da interação do indivíduo com objetos externos, mas também das projeções do indivíduo nesses objetos. “Adaptamo-nos ao que percebemos que as outras são e ao o que querem. Isso pode ser consideravelmente diferente de como as outras pessoas nos vêem ou se vêem a si mesmas. Inseridas no tecido da persona estas projeções que se originam nos complexos, por exemplo, nos complexos parentais; retornando ao sujeito através do processo introjetivo, tais projeções penetram na persona” (STEIN, 2006, p.110). Sendo assim, a infância pode exercer grande influência na persona adulta, e a convivência com os pais no passado pode continuar a afetar a persona, pois estão projetados no mundo a partir dos complexos parentais. Segundo Jung (2008), a primeira forma de complexo tinha mesmo que ser o parental, pois os pais são a primeira realidade com a qual a criança pode conflitar. “No inconsciente jazem conteúdos relativamente marcantes, por exemplo, os complexos de reminiscências do passado individual, sobretudo o complexo parental que é idêntico ao complexo da infância em geral. Pela devoção, isto é, pela submersão da libido no inconsciente, é reativado o complexo da infância de modo que as reminiscências infantis como, por exemplo, as relações com os pais são revividas” (JUNG, 2008, OC VI, par.187). 38 O complexo parental é um dos vários que podemos ter e, neste sentido, faz-se necessário definirmos o que Jung chamou de complexo. Segundo Silveira (1997), C. G. Jung iniciou a teoria dos complexos a partir dos estudos do professor Eugen Bleuler, diretor do Hospital Psiquiátrico de Burgholzli, localizado em Zurique, onde nesta ocasião Jung era seu assistente. Em seus estudos sobre os fenômenos das associações, Jung mostrou que “existem certos agrupamentos de elementos psíquicos em torno de conteúdos afetivamente acentuados [...]” (JUNG, 2008, OC VIII/1, par. 18). De acordo com Stein (2006), Jung iniciou sua carreira em psiquiatria explorando o território do inconsciente, que mais tarde nomeou de inconsciente pessoal, e chamou de complexos os objetos que povoam este território. Segundo Jung (2008), o complexo é constituído por um elemento central e um grande número de associações secundariamente consteladas. Esta constelação resultante é um processo psíquico desencadeado por uma situação exterior, que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos. De acordo com Stein (2006), a expressão “está constelado” indica um momento psicologicamente carregado, onde a consciência já está ou está prestes a ficar perturbada por um complexo. Em resumo, Stein (2006), define complexo como: “conteúdo autônomo do inconsciente pessoal cuja expressão sensível é usualmente formada através de lesão ou trauma psíquico” (p.205). Com relação ao núcleo dos complexos, Jung (2008) ressalta que sua caracterização é afetiva e é constituído por dois componentes: “1) de um fator determinado pela experiência, isto é, por um acontecimento vivido e ligado causalmente àquilo que o cerca, e 2) de um fator determinado pelas disposições internas e imanente ao caráter do próprio indivíduo” (JUNG, 2008, OC VIII/1, par.18). Jung (2008) acrescenta que sendo o complexo constituído por uma situação psíquica de forte carga emocional, se torna incompatível com as atitudes inconscientes. Neste sentido, o complexo é dotado de poderosa coerência interior com alto grau de autonomia, e está sujeito às esferas conscientes até certo limite, e por isso para a consciência é visto como um corpo estranho com vida própria. Segundo Jung (2008), “com algum esforço de vontade, pode-se, em geral, reprimir o complexo, mas é impossível negar sua existência, e na primeira ocasião favorável ele volta à tona com toda a sua força original” (JUNG, 2008, OC VIII/2, par.201). Stein (2006) relata que os complexos funcionam de modo quase instintivo nos seres humanos. Agem instintivamente quando em determinadas situações reproduzem reações 39 espontâneas, mas não são puramente inatos da mesma forma que os instintos são. São produtos da experiência, interações familiares, traumas, padrões infantis e condicionamento cultural. E são estes produtos da experiência, combinados com imagens arquetípicas, que formam o complexo em seu todo. “Os complexos são o que permanece na psique depois que ela digeriu a experiência e a reconstituiu em objetos internos” (STEIN, 2006, p.52). Sendo assim, todos nós possuímos complexos que podem atuar conscientemente com toda a sua força, caso não sejam identificados e trabalhados em terapia. Stein (2006) acrescenta que a análise busca desvendar os complexos e fazer com que o ego faça uma reflexão consciente dos mesmos. É necessária a intervenção do ego no entendimento de como os complexos funcionam, ou então estes continuarão a comportarem-se como corpos estranhos dotados de vida própria, e sob o domínio de um complexo uma pessoa pode sentir impotente e incapaz de controlar suas emoções. Em todas as esferas da nossa vida e em especial no trabalho, é necessário conter a atuação destes complexos no interesse do sucesso profissional. “Como dizem no teatro: o show tem que continuar. Isso requer a habilidade para anular os efeitos de complexos sobre a consciência do ego em, pelo menos, um certo grau” (STEIN, 2006, p.49). Neste sentido, uma persona forte o suficiente é muito eficaz neste controle parcial dos complexos, tendo em vista que os líderes ou qualquer outro profissional precisam atender as expectativas das organizações e deixar seus conteúdos emocionais virem à tona pode atrapalhar e muito o bom desempenho dos mesmos. O que seria muito mais eficaz através de psicoterapia, mas nem todos os profissionais buscam este recurso, mesmo porque a investigação dos complexos por parte do ego não é uma tarefa fácil, e muitas vezes preferimos não tentar elaborá-los, e assim os deixamos em sua eterna repetição. Ao abordarmos a psicologia junguina, como estamos fazendo neste capítulo, se faz necessária uma breve explanação a cerca do que Jung chamou de inconsciente pessoal e inconsciente coletivo: “Os conteúdos do inconsciente pessoal são aquisições da existência individual, ao passo que os conteúdos do inconsciente coletivo são arquétipos que existem sempre a priori” (JUNG, 2008, OC IX/2, par.13). Segundo Jung (2008), o inconsciente pessoal é constituído principalmente por conteúdos que já foram conscientes, mas desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos. Quanto aos conteúdos do inconsciente coletivo, estes nunca 40 estiveram na consciência, ou seja, não foram adquiridos individualmente através da experiência com o mundo. Ao definir o inconsciente coletivo, Jung (2008) descreve que se trata de uma camada mais profunda do inconsciente, que não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais. Quanto ao termo coletivo, Jung (2008) explica porque escolheu esta nomenclatura: “Eu optei pelo termo coletivo, pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são ‘cum grano salis’ os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo portanto um substrato psíquico