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Psicologia da Educação_2018

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Prévia do material em texto

1
PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO
CURITIBA
2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE EDUCAÇÃO
COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS
DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
CURSO DE PEDAGOGIA
MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
PROFª CLARA BRENER MINDAL
PROFª TAMARA DA SILVEIRA VALENTE
PROFª TANIA STOLZ
2
3
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
 Michel Miguel Elias Temer Lulia
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
José Mendonça Bezerra Filho 
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL 
Diretor
Carlos Cesar Modernel Lenuzza
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Reitor 
Prof. Dr.Ricardo Marcelo Fonseca
Vice-Reitora 
Profª. Drª. Graciela Inês Bolzón de Muniz
Pró-Reitor de Graduação 
PROGRAD
Prof. Dr. Eduardo Salles de Oliveira Barra
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação 
PRPPG
Prof. Dr. Francisco de Assis Mendonça
Pró-Reitor de Extensão e Cultura 
PROEC
Prof. Dr. Leandro Franklin Gorsdorf
Pró-Reitor de Gestão de Pessoas 
PROGEPE
Msc. Douglas Ortiz Hamermuller
Pró-Reitor de Administração 
PRA 
Prof.Dr.Marco Antonio Ribas Cavalieri
Pró-Reitor de Planejamento, Orçamento 
e Finanças - PROPLAN
Prof. Dr. Fernando Marinho Mezzadri
Pró-Reitora de Assuntos Estudantis 
PRAE 
Profª. Drª. Maria Rita de Assis Cesar
Coordenação de Integração de Políticas de 
Educação a Distância – CIPEAD
Coordenadora EaD – UFPR
Maria Josele Bucco Coelho
Unidade pedagógica 
Anna Jungbluth
Marina Lupepso
Nathália Savione Machado
Unidade tecnológica 
Bruno Jambersi
Gustavo Teixeira Rudiger
Melissa Milleo Reichen
Coordenadora Adjunta UAB 
Vanessa do Rocio Godoi Garret Belão
Coordenador financeiro UAB 
Carlos Alberto Moreira Roballo
Unidade administrativa 
José Eduardo Klems Ribeiro
Rafael Casale Sartor de Oliveira 
Produção de Material Didático 
CIPEAD
4
Setor de Educação
Rua General Carneiro, 460 2º andar
80060-150 Curitiba PR
Fone:(41) 3360 5139
www.educacao.ufpr.br
CIPEAD
Praça Santos Andrade, 50 Térreo 80020-
300 Curitiba PR
Fone: (41) 3310-2657
www.cipead.ufpr.br
Catalogação na fonte: Universidade Federal do Paraná. Biblioteca de Ciências Humanas e Educação.
________________________________________________________________________________
Mindal, Clara Brener
 Psicologia da educação / Clara Brener Mindal, Tamara da Silveira Valente, Tania Stoltz. – Curitiba :
Universidade Federal do Paraná. Setor de Educação. Coordenação de Integração de Políticas de Educação
a Distância. Curso de Pedagogia. Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
2012.
 110 p.
 ISBN 978-85-89799-24-9
1. Psicologia educacional. 2. Desenvolvimento cognitivo - Educação. I. Universidade Federal do Paraná.
Setor de Educação. Coordenação de Integração de Políticas de Educa-ção a Distância. Curso de Pedagogia.
Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. I. Título.
 CDD 20.ed. 370.15
________________________________________________________________________________
Sirlei do Rocio Gdulla CRB-9ª/985
5
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
Prezado Aluno,
A Psicologia da Educação pode ser considerada como o campo científico
que toma como objetivos a compreensão, a explicação, a previsão e a modificação
dos fenômenos educativos. A Psicologia da Educação ganha identidade própria
por volta do fim do século XIX e início do século XX em diversos países. Os
conteúdos que a compõem surgem, por um lado, da aplicação dos conhecimentos
e das explicações das diferentes correntes teóricas da Psicologia ao âmbito
educacional, e, por outro lado, dos estudos específicos das diferentes situações
educativas.
Até meados da década de 50 do século XX, predominou a aplicação dos
conhecimentos gerados pela Psicologia em consultórios terapêuticos e laboratórios
universitários. Destacam-se, por exemplo, as tentativas de estender à escola os
princípios e leis da aprendizagem elaborados com os resultados de estudos
realizados em sua maioria com animais em laboratórios.
Por volta da década de cinquenta, e principalmente em anos posteriores, essa
visão da Psicologia da Educação como aplicação direta da Psicologia geral se modificou
em função da compreensão das especificidades do espaço escolar. O ambiente
escolar, os professores, os alunos e suas características e funcionamento passaram a
ser objeto de estudos.
Neste volume sobre Psicologia da Educação, você encontrará um pouco
de Psicologia aplicada à educação e um pouco de pesquisa específica realizada
na escola.
Na Unidade 1 discutem-se alguns dos principais conceitos da teoria
piagetiana do desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a educação.
Empreende-se nesta discussão um movimento que parte da ação pedagógica
para a reflexão teórica. A Unidade 2 enfoca a teoria histórico-cultural de Vygotsky
e sua importância na compreensão do papel da escola e do professor para o
desenvolvimento psicológico humano. A Unidade 3 aborda as contribuições da
teoria behaviorista para a educação. Após uma apresentação geral do que é o
behaviorismo, são trabalhadas as principais ideias de dois dos maiores expoentes
dessa corrente psicológica. Skinner e Bandura desenvolveram estudos sobre
aprendizagem e formação de hábitos que apresentaram resultados extremamente
úteis para os professores na sociedade atual. As diferenças entre aprendizagem
6
por meio de reforços e por meio de punições, a formação de hábitos de estudo e a influência
dos meios de comunicação sobre o comportamento agressivo são temas discutidos nesta
unidade.
A Unidade 4 trata da contribuição de alguns conceitos básicos da psicanálise para o
campo educacional. Optou-se por discutir o conceito de pulsão e a sua vinculação à
sexualidade humana. Também abordam-se a relação entre a pulsão e os modos de defesa
na latência e na adolescência, por entender-se que essa discussão auxilia os professores a
conhecer o impacto da sexualidade, de acordo com os pressupostos freudianos, nos seus
alunos.
Profª Clara Brener Mindal
Profª Tamara da Silveira Valente
Profª Tania Stoltz
7
PLANO DE ENSINO
1 DISCIPLINA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
2 CÓDIGO
EDP- 038
3 CARGA HORÁRIA TOTAL
120 HORAS
3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL
3.1.1 Com Professor formador: 12 horas
3.1.2 Com o tutor presencial no Polo: 12 horas
3.2 CARGA HORÁRIA À DISTÂNCIA
Noventa e seis (96) horas de estudos com orientação presencial e a distância dos tutores do
polo presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a participação em fóruns,
chats e outros espaços virtuais.
4 EMENTA
Histórico, conceito e objeto. Teoria do desenvolvimento psicológico do ser humano e suas
implicações educacionais: perspectivas psicanalíticas e cognitivistas. Concepções teóricas
contemporâneas sobre o processo de aprendizagem e suas implicações para a atividade docente:
enfoques behaviorista, humanista e cognitivista.
8
5 OBJETIVOS
5.1 OBJETIVO GERAL
Promover a compreensão dos processos psicológicos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem
e sua relação com o desenvolvimento humano, e das principais abordagens teóricas da Psicologia da
Educação.
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Reconhecer a importância do conhecimento científico sobre o processo de ensino e aprendizagem.
Conhecer os postulados básicos das principais teorias contemporâneas acerca do processo de
ensino e aprendizagem.
Compreender as principais contribuições de teorias sobre o desenvolvimento psicológico para a
aprendizagem escolar.
Refletir sobre as possibilidades de aplicação à prática pedagógica dos postulados teóricos estudados
sobre o papel do educador no processo de ensino e aprendizagem.
6 PROGRAMA
UNIDADE 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET
1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO
UNIDADE 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY
2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO
2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM?
UNIDADE 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO
3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO?
3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DEBEHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO E
APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL
3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE
3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO
COMPORTAMENTO
UNIDADE 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA
PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL
9
7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
7.1 PROCEDIMENTOS PARA LEITURA E ANÁLISE DOS TEXTOS
Para que você aproveite ao máximo o material teórico, indicamos os seguintes passos para
sistematização e estudo. Na medida do possível, utilize-o habitualmente.
- Faça uma primeira leitura, buscando uma visão do conteúdo como um todo.
- Releia o texto, anotando palavras ou expressões desconhecidas, e sublinhe as ideias centrais.
- Leia novamente e procure entender a ideia principal, que pode estar explícita ou implícita no
 texto.
- Localize e compare as ideias entre si, procurando semelhanças ou diferenças.
- Interprete as ideias, tentando descobrir conclusões a que o autor chegou.
- Elabore uma síntese/resumo/apreciação crítica.
8 AVALIAÇÃO
- Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR e tutoria no polo).
- Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio.
- Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o professor considerar.
- Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica.
- Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento.
- Prova presencial ao término de pelo menos 75% das atividades realizadas.
10
11
SUMÁRIO
1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO ......................................................................
1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET? ......................................................
1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO .....................
1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO....................................
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................
2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY ............................
2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO .............................................................................
2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? ................................................................................
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................
3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO .....................
3.1 O QUE É BEHAVIORISMO? ............................................................................................
3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BAHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO OU
RESPONDENTE E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL ......................................................
3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov ............................................................
3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike ..........................................................................
3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE
3.3.1 O condicionamento operante: Skinner ............................................................................
3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços .......................................................
3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante ...........................................
3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento .......................................................................
3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner ..........................................................
3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO
COMPORTAMENTO .............................................................................................................
3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura ................................................................
3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura .................................................
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................
4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA
PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL ...................................................
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................
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O CONSTRUTIVISMO
PIAGETIANO
UNIDADE 1
Profª Tania Stolz
14
15
1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
Um dos teóricos mais importantes do desenvolvimento psicológico é o biólogo e
psicólogo suíço Jean Piaget (1896 - 1980). Sua teoria merece destaque por seu rigor
científico, vasta produção científica e por suas implicações no campo da educação. Piaget
desenvolveu inúmeras pesquisas em diferentes lugares do mundo, contando com o uso do
método clínico (DELVAL, 2002). O construtivismo piagetiano entende o desenvolvimento
psicológico humano a partir de construções que se estabelecem de um nível inferior a um
nível superior e são desencadeadas pela interação do sujeito com o meio físico e social. A
teoria de Piaget é construtivista porque ele estuda essas construções ou mudanças que
ocorrem no desenvolvimento cognitivo ao longo da vida e os mecanismos que explicam
essas transformações. A partir da década de 1960, com os estudos sobre a causalidade, a
característica construtivista da teoria de Piaget começa a ficar mais marcante, porque ele
passa a precisar melhor o papel do objeto no processo de construção do sujeito.
JEAN PIAGET
FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget.jpg
16
1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET?
Segunda-feira, 7h30 da manhã, aula de história na 8ª série A. O professor saúda os
alunos. Pede para pegarem o caderno e copiarem o que está escrevendo no quadro. Os
alunos reclamam. O professor diz que depois irá explicar tudo o que está no quadro. O
professor começa a escrever compulsivamente no quadro, enchendo-o com tópicos
referentes à Revolução Russa. Os alunos estão inquietos, mas o professor continua
virado para a lousa. Depois de aproximadamente 20 minutos de cópia, o professor
pára, senta-se à sua mesa, olha para a turma e espera cerca de 10 minutos até que os
alunos terminem de copiar o texto. Os alunos estão agora em silêncio. O professor
começa a explicar o que está no quadro. Repete as frases que já foram escritas, dando-
lhes outra ordem. Por exemplo, quando está escrito 1905 Revolução popular contra o
czar, acentua-se a crise social na Rússia, o professor fala: “Tinha uma crise social na
Rússia em 1905, então ocorreu uma revolução popular contra o czar”. Um aluno levanta
a mão. O professor ignora. O aluno chama o professor. O professor, impaciente, diz:
“O que é Carlos? Já começa cedo... Não posso nem começar a explicar?”. O garoto se
retrai, mas faz a pergunta. “Por que a Rússia estava em crise, professor?”. O professor
responde com má vontade: “Tinha uma revolução popular contra o czar e a crise na
Rússia aumentou, entendeu?”. O aluno responde: “Não”. O professor: “Ai, Carlos! Tá
difícil, heim?”. Fala olhando para a turma. A turma reage à provocação do professor:
“É, Carlos, fica quieto, cala a boca. Deixa o professor explicar...”. O professor continua
com a “explicação”... Depois de ter lido e repetido o que leu do quadro, pergunta:
“Entenderam?”. Silêncio. “Ótimo”, diz o professor. Podem abrir o livro na página 17 e
começar a responder a atividade 1 até a 3. O professor senta à sua mesa e espera, a
qualquer momento, o barulho do sinal...
O trecho citado demonstra uma típica rotina de escola. Mas será que essa rotina
está contribuindo para que o aluno aprenda? O que Piaget nos fala sobre como as
pessoas aprendem?
Para Piaget (1958; 1964; 1974; 2003), tudo o que o aluno vai aprender depende
de seu nível de desenvolvimentocognitivo. Esses níveis, estágios ou formas vão
caracterizando as possibilidades de relação com o meio ambiente. A cada momento de
seu desenvolvimento, o homem interpreta e resolve os problemas de sua realidade de
maneira diferente.
17
Você sabia que a cognição, para Piaget, representa as diferentes atividades da
mente humana? É isso mesmo! Memória, atenção, raciocínio, representação... são
atividades da mente.
O que o aluno vai fazer com o conteúdo apresentado pelo professor precisa ser
primeiro assimilado e depois acomodado pelo aluno. ASSIMILAÇÃO e ACOMODAÇÃO
são dois mecanismos complementares e indissociáveis que estão envolvidos no
desenvolvimento e na aprendizagem do aluno (PIAGET, 1936; 1983). O
desenvolvimento intelectual é o resultado de um equilíbrio progressivo entre assimilação
e acomodação. Como isso se expressa na sala de aula?
Primeiro, é necessário que o aluno integre a informação nova à estrutura de
conhecimentos que possui. Os alunos sempre trazem uma série de conhecimentos fruto
de sua interação com o meio físico e social. Ao mesmo tempo, têm também uma
determinada capacidade de pensar sobre esses conhecimentos. Como fica isto então
na atividade do aluno?
Quando o aluno se esforça por entender o conteúdo apresentado pelo professor,
vai primeiro interpretar o conteúdo novo tomando como referência a sua compreensão
de mundo, os conhecimentos que já tem. Para interpretar o mundo, usamos o que já
está disponível, e o que está disponível já foi construído a partir de interações anteriores.
A esse movimento denominamos de ASSIMILAÇÃO. A assimilação refere-se à
incorporação de um dado novo à estrutura de conhecimento do sujeito. Ela sempre
vem antes quando pensamos em um avanço. É por essa razão que nos surpreendemos
A perspectiva interacionista entende o processo de desenvolvimento humano a partir
da interação com o meio físico e social. Nessa perspectiva, todas as funções humanas
desenvolvem-se pela interação. O raciocínio, por exemplo, não se desenvolve sem a
interação com um meio ambiente.
maneira diferente.
O desenvolvimento cognitivo começa quando nascemos; não está dado antes do
nascimento. Isso significa que a nossa inteligência vai sendo construída lentamente a
partir de nossa interação com o meio físico e social. É por isso que Piaget é
INTERACIONISTA. A ação do aluno é aqui fundamental! Não a ação de cópia, mas a
ação física ou mental sobre o conteúdo apresentado pelo professor. O aluno precisa
fazer algo com o conteúdo que o professor apresenta.
18
muitas vezes com as colocações de nossos alunos que estão muito distantes daquilo
que apresentamos a ele. Ele está tentando assimilar e, para isso, tenta entender o novo
a partir do velho conhecimento que possui.
Piaget (1964) expressa que o desenvolvimento vem sempre antes da aprendizagem
porque, para aprender, o sujeito precisa antes de tudo assimilar. Isso pela simples razão
de que o desenvolvimento se dá em um processo e não é simplesmente um percurso
de novos inícios e nem uma soma de informações. Ao assimilar, o sujeito começa a
tornar um conhecimento significativo para ele, começa a incorporá-lo. No caso do
aluno, ele interpreta e entende o conteúdo a partir das possibilidades cognitivas que
tem.
O fato de assimilar não garante ainda uma nova compreensão ou um avanço no
desenvolvimento de sua inteligência. É preciso também acomodar. Aliás, a assimilação
é sempre balanceada pela ACOMODAÇÃO no referencial piagetiano. A acomodação
representa o ajuste ou mudança do sujeito às provocações do meio. No caso do aluno,
por exemplo, ele modifica a sua maneira de pensar a partir de sua ação. Não é a cópia
que caracteriza essa mudança, mas a transformação do sujeito a partir da provocação
do meio.
Assim, o meio provoca o sujeito, mas é o sujeito que age em resultado da
provocação e integra a nova informação ao conjunto de conhecimentos que possui.
Pode-se dizer, então, que, por melhor que seja o professor, é o aluno que aprende,
porque precisa assimilar e acomodar.
O equilíbrio entre assimilação e acomodação constitui o que Piaget chama de
ADAPTAÇÃO. A adaptação é um processo ativo, dinâmico e contínuo, no qual a
estrutura hereditária do organismo interage com o meio externo com vistas a reconstituir-
se no sentido de um todo novo e significativo para o sujeito. Não tem nada a ver com
passividade. No caso do exemplo apresentado no início, há a necessidade de interagir
com os alunos durante a aula para solicitar deles a forma como entendem o que está
sendo apresentado como conteúdo e provocá-los para ir mais adiante nessa construção.
Se o aluno não tenta entender primeiro o novo conteúdo a partir dos
conhecimentos que tem, estará simplesmente tentando decorar algo que não tem sentido
para ele. Como resultado, logo esquecerá o que foi simplesmente memorizado sem
compreensão. A situação de sala de aula descrita anteriormente não é a mais adequada
para levar os alunos a interagir com conhecimentos, porque se apresenta como aula tão
somente expositiva, exigindo muito pouco a atividade reflexiva do aluno. No exemplo,
quando um dos alunos começa a integrar as informações trazidas pelo professor, sua
curiosidade é impedida pelo professor e pelos colegas. Infelizmente, essa é uma situação
19
que verificamos muito em sala de aula. Falta trazer o aluno para a discussão. Perguntar-
lhe como está entendendo o conteúdo ou como o explica a partir de sua realidade. É
preciso que o aluno confronte suas concepções com as apresentadas pelo professor.
Perceba a diferença entre a forma como entende e a forma apresentada pelo professor
para poder rever as suas concepções. Isso é solicitar a atividade do aluno.
Uma noção piagetiana importante para o trabalho em sala de aula é a de
CONFLITO COGNITIVO. O conflito cognitivo (PIAGET; GRÉCO, 1974) é interno ao
aluno e significa a contradição entre a forma como o ele entende a realidade e o que está
sendo apresentado pelo meio a que ele pertence. Não adianta o professor dizer que o
que o aluno diz é o contrário do que está ensinando. É o aluno que precisa chegar a
essa conclusão para poder avançar.
O conflito cognitivo é condição para a mudança consciente, por isso a aula precisa
ser dialogada. O aluno precisa ter voz na sala de aula. Despejar uma quantidade excessiva
de informações sobre os alunos não leva a lugar nenhum, porque é preciso tempo para
assimilar e acomodar. Uma vez acomodado, o material estará disponível para novas
assimilações. É por isso que o processo de construção de conhecimentos no sujeito
não tem fim e depende das assimilações e das acomodações que vai conseguindo realizar.
Por que o aluno não pode só acomodar? Porque a acomodação depende da
incorporação prévia do conhecimento aos esquemas que o sujeito possui. Sem a
assimilação anterior, tem-se sempre um novo começo, não um enriquecimento e ampliação
do conhecimento anterior. Para Piaget, não há grandes saltos no desenvolvimento
cognitivo. Ele se processa a partir de uma sequência que ocorre a partir de um nível
imediatamente inferior. Esquema é a menor unidade do conhecimento. É aquilo que se
generaliza da ação e pode ser utilizado em outras construções. Um conjunto de esquemas
dá origem a estruturas. O avanço no processo de construção tanto das estruturas do
conhecimento como da realidade sempre vai do estágio sensório-motor e do pré-
operatório ao operatório concreto e operatório formal. Essa sequência será descrita
adiante.
Na visão piagetiana, a adaptação e a organização constituem os invariantes
funcionais do desenvolvimento cognitivo. São elas que permitem esse desenvolvimento.
Por meio da organização, há a integração do que é adaptado a um sistema coerente. A
adaptação e a organização se referem ao plano estrutural e ao plano funcional do
desenvolvimento cognitivo.
20
Agora se pode entender por que Piaget considera o processo de desenvolvimento
da inteligência ou da cognição paralelamente ao processo de construçãoda realidade.
O que isso significa? Significa que compreendemos a realidade na medida em que
construímos a nossa inteligência. Assim entendemos por que a criança pequena entende
a realidade de forma diferente da criança de oito anos e do adolescente. As estruturas
estão em construção e permitem interpretar e resolver problemas da realidade.
Dependendo das estruturas que são ativadas, a realidade é entendida de maneira ingênua
e simples ou, ao contrário, em sua complexidade.
Segundo Piaget, ao construir o objeto, o sujeito constrói a si mesmo. O que você
entende por essa afirmativa?
Para Piaget (1974a; 1974b; 1983a), o desenvolvimento cognitivo ocorre por
meio da construção de estruturas do conhecimento que, por sua vez, compõem-se de
esquemas práticos e conceptuais. As estruturas permitem entender a realidade e resolver
problemas nessa realidade. Estruturas são sistemas de transformação, porque, no modelo
piagetiano, é só pela atividade transformadora do sujeito que ele constrói sua inteligência
e a sua realidade.
Até agora, vimos que Piaget tem muito a dizer sobre como as pessoas se
desenvolvem e aprendem. Vimos que a aprendizagem depende sempre do
desenvolvimento. Piaget (1964; 1983a) se interessou pelo estudo do processo de
desenvolvimento das estruturas do conhecimento. O desenvolvimento dessas estruturas
está ligado à embriogênese, ao desenvolvimento do corpo e de todas as suas funções,
que só se completa na adolescência. O desenvolvimento, assim como a aprendizagem,
depende de dois processos: a assimilação e a acomodação. Ambos levarão a uma nova
adaptação. Adaptação e organização são invariantes funcionais e estão presentes tanto
na construção das estruturas do conhecimento como da realidade. Em sala de aula, é
preciso estimular o pensamento dos alunos, dando-lhes voz para exteriorizá-lo e para
apresentar outras perguntas que possam contribuir para a necessidade de rever
conhecimentos e construir conhecimento novo. No exemplo apresentado no início desta
unidade, observa-se que Carlos se interessa pelo conteúdo e quer ir além do apresentado
pelo professor, ao que o professor responde com censura, exatamente o oposto do que
faria o professor que se fundamenta nas ideias de Piaget.
21
Na sala de aula, o conteúdo é o objeto do conhecimento. Ao ser instigado a
pensar sobre esse conteúdo e, principalmente, ao atuar sobre ele, o sujeito está ativando
a construção de sua inteligência que, para Piaget, pode ser entendida como construção
das estruturas do conhecimento. Portanto, forma e conteúdo se relacionam nesse
processo. A forma diz respeito às estruturas e o conteúdo ao funcionamento do sujeito
em relação a um objeto específico e contando com suas estruturas. Mas as estruturas
não são inatas, dependem, para a sua construção, da construção da realidade, a qual
está impregnada de conteúdos.
O que acabamos de dizer refere-se a uma das mais importantes contribuições de
Piaget (1936; 1937): a de que a inteligência constrói-se paralelamente à construção da
realidade. Ao conhecer o real por meio de suas ações, o sujeito está construindo ao
mesmo tempo a sua inteligência.
Segundo Piaget, a inteligência não nasce com a gente, ela se constrói lentamente a
partir da interação com o meio.
Como o professor pode contribuir nesse processo?
1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Como aquilo que conseguimos aprender tem a ver com o nível de desenvolvimento
cognitivo, é importante que o professor conheça o que Piaget (1958; 1964; 1965)
indica como fatores responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência.
Piaget enumera quatro fatores fundamentais para essa construção: a maturação,
a experiência física, a interação e transmissão social e o processo de equilibração. Todos
são igualmente importantes, mas um integra os demais: o processo de equilibração.
A maturação orgânica é uma condição de possibilidade do organismo de se
desenvolver. Envolve o desenvolvimento neurofisiológico. Não pode ser entendida como
único fator responsável pela inteligência, porque sem a experiência, a interação social e
o processo de equilibração não há desenvolvimento cognitivo. No entanto, a maturação
é indispensável, porque mesmo com a presença dos outros fatores, o não-
desenvolvimento da maturação vai ser determinante é o que explica, por exemplo, o
22
fato de um bebê não conseguir compreender álgebra linear.
A experiência com objetos (ou experiência física) é outro fator fundamental na
visão piagetiana. Para o desenvolvimento da inteligência, é indispensável a atuação sobre
os objetos. Piaget distingue aqui dois tipos diferentes de experiência: a experiência física
e a experiência lógico-matemática. A experiência física diz respeito à atuação sobre os
objetos e o conhecimento de suas propriedades por meio da abstração física. Por
exemplo, ao tocar em um objeto, podemos perceber que ele é gelado ou quente. Já a
experiência lógico-matemática leva a um conhecimento a partir das coordenações de
minhas ações e necessita de uma abstração reflexionante. A abstração reflexionante
(PIAGET, 1977a; 1977b) é o resultado de um conhecimento advindo da coordenação
das ações exercidas pelo sujeito sobre o objeto. Esse conhecimento não está no objeto,
mas no sujeito que pensa. Por exemplo, o conhecimento de que há objetos mais quentes
e objetos mais gelados do que outros não está no objeto, mas na mente do sujeito que
pensa, e depende do estabelecimento de relações. A abstração reflexionante envolve o
reflexionamento e a reflexão. O reflexionamento constrói em um plano superior o que
foi construído no plano da ação. Já a reflexão refere-se a um reflexionamento de segundo
grau ou a uma tematização em um plano superior do que foi construído por meio da
coordenação das ações. A experiência, por si só, não explica o desenvolvimento, porque
requer, para a sua compreensão, a maturação, além dos outros fatores. Mas a experiência
é indispensável, porque sem ela não há o conhecimento de objetos. Por exemplo, a
criança pequena pode fazer inúmeras experiências com diferentes objetos, mas o
conhecimento que retira delas corresponde ao nível de seu desenvolvimento intelectual,
que envolve também a maturação, a interação e transmissão social e, sobretudo, o
processo de equilibração.
A interação e transmissão social dizem respeito à importância das interações com
as outras pessoas e do conhecimento a que temos acesso a partir delas para o
desenvolvimento da inteligência (PIAGET, 1958; 1965). Não é o único fator, porque
mesmo interagindo com inúmeras pessoas e tendo acesso a toda sorte de conhecimentos,
sem a maturação, por exemplo, o sujeito não irá entender o que está sendo dito e
apresentado. Por outro lado, esse é um fator indispensável, porque mesmo tendo
maturação, experiência e o processo de equilibração, o nível de desenvolvimento
dependerá sempre do acesso a conhecimentos em um determinado meio social e cultural.
Esse fator está relacionado a atrasos e acelerações no desenvolvimento.
Contando apenas com a maturação, a experiência e a interação social, ainda não
é possível explicar o desenvolvimento cognitivo para Piaget. Há a necessidade de um
fator integrador, e este é o processo de equilibração. As construções que o sujeito vai
fazendo ao longo de sua vida só são possíveis pelo processo de equilibração. Esse
23
processo autorregulador do organismo permite a busca de um novo equilíbrio a partir
de uma situação de desequilíbrio cognitivo. Ao longo de sua existência, o sujeito vai
realizando inúmeras adaptações, que podem ser entendidas como estágios temporários
de equilíbrio. Eles logo são contrabalançados por situações que representam
desequilíbrios cognitivos, que podem ser entendidos como incompreensões, situações
com as quais não sabemos lidar. O processo de equilibração representa esse percurso
de equilíbrios e desequilíbrios em vários níveis. Ele integra os fatores de maturação,
experiência e interação social e possibilitauma resposta do sujeito às diferentes situações
da vida. Não é possível visualizar esse fator, de modo que, para entendê-lo, pode-se
pensar no quanto, às vezes, lemos uma mesma obra e só muito tempo depois entendemos
seu real significado, por vezes em um contexto bem adverso ao da leitura de um livro.
Outro exemplo é o da criança que tem significativo acesso à cultura e a um método
adequado para a alfabetização, mas só depois das férias apresenta um surpreendente
avanço em seu domínio da linguagem escrita. Conhecer os quatro fatores descritos nos
permite entender a dinâmica entre desenvolvimento e aprendizagem na teoria piagetiana.
Como é a evolução dessa dinâmica?
 É o que se discute na sequência.
1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO
A partir da interação do sujeito com o meio físico e social, ocorre a construção
das estruturas do conhecimento ou da inteligência. Piaget distingue quatro conjuntos
de estruturas que se desenvolvem em movimento como o de uma espiral evolutiva
(equilibração majorante): as sensório-motoras, as pré-operatórias, as operatórias concretas
e as operatórias formais. Para Piaget (1994), inteligência e afetividade constroem-se
paralelamente, assim como a moralidade. A equilibração majorante, ou o processo de
desenvolvimento de uma nova forma de equilíbrio mais ampliada, explica a passagem
de um conjunto de estruturas ao outro. Nessa ultrapassagem, o novo integra o que foi
construído em um patamar inferior e o ultrapassa. No entanto, coexistem, também,
formas próprias de estruturas mais elementares, podendo estas ser ativadas dependendo
da situação. É o caso, por exemplo, do adulto que em determinada situação responde
com características do operatório concreto ou do pré-operatório, quando já apresenta
24
raciocínio operatório formal.
As primeiras estruturas, as sensório-motoras, desenvolvem-se desde o
nascimento. A assimilação ocorre a partir dos reflexos inatos, que o bebê utiliza para
interagir com o meio. Os reflexos se prolongam, formando os primeiros esquemas,
como o de sugar e o de agarrar. Estes se combinam por meio da ação interativa com o
meio. Por exemplo, quando o bebê nasce, apresenta o reflexo de sugar que se adapta
ao mamilo da mãe. Ao passar para a mamadeira, o bebê necessita fazer outra adaptação.
Primeiro assimila o bico da mamadeira como se fosse o bico do seio e lentamente vai se
acomodando ou se ajustando ao novo objeto por conhecer: o bico da mamadeira.
Uma vez adaptado, o bebê utilizará esse conhecimento para novas adaptações, como
quando inicia com a comida de colher. Primeiro assimila a colher como se fosse o bico
da mamadeira e só lentamente vai se ajustando ou se acomodando ao seu formato.
Assimilação e acomodação explicam desde o início os avanços do sujeito. A
partir das ações do bebê, é construída a primeira noção de objeto permanente, de
tempo, de espaço e de causalidade. Na construção dessa primeira forma de inteligência,
a criança pequena se utiliza dos sentidos e de seus movimentos. No início não distingue
o que diz respeito ao corpo dela e o que pertence ao meio, estando presa em uma
espécie de egocentrismo físico.
A inteligência sensório-motora, não-socializada, caracteriza-se por reflexos,
instintos, primeiros hábitos, percepções diferenciadas e estruturas sensório-motoras.
Já no domínio afetivo, encontramos a construção de sentimentos intraindividuais que
acompanham todas as ações (tendências instintivas, emoções, prazeres e dores
relacionados às percepções, sentimentos de agrado e desagrado), assim como regulações
elementares, marcadas por sentimentos de êxito ou fracasso. Quanto ao
desenvolvimento da moralidade, não há ainda noção de limites. A criança está em uma
fase denominada de anomia: ausência de regras conscientes. As estruturas sensório-
motoras são construídas do nascimento até aproximadamente dois anos e se
caracterizam por uma inteligência prática, que se define pelo uso (PIAGET, 1936).
Seguindo os fatores responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo, na fase
sensório-motora o bebê necessita interagir com diferentes objetos de cores, texturas,
sons, gostos e formatos diferenciados. É preciso instigá-lo para experimentar novos
movimentos e reconhecer os objetos a partir dos sentidos, porque é por esse canal que
as primeiras construções cognitivas se estabelecem. Por outro lado, requer-se a interação
significativa com um ou dois adultos que interajam mais próximos à criança e a iniciem
no conhecimento dos objetos do mundo. A segurança do bebê depende desse contato
mais próximo com algumas pessoas que se dediquem a ele de forma responsável e da
25
existência de certas regularidades, como hora de comer, de dormir e de passear, entre
outras. Essas regularidades do meio vão ser o precursor das futuras regras e normas.
No plano estrutural, a inteligência prática, que pode ser entendida como uma adaptação,
se define por uma indiferenciação entre a assimilação e a acomodação. O que é assimilado
o é no momento em que é acomodado e vice-versa.
A lenta construção do segundo grupo de estruturas, as estruturas pré-operatórias,
inicia-se em torno dos dois anos, com o aparecimento da capacidade de representação
simbólica. Mas o que isso significa? Significa que as ações do sensório-motor podem ser
agora interiorizadas. É por isso que podemos dizer que o estágio pré-operatório pode
ser entendido como o de uma inteligência prática interiorizada e não-reversível. É o
início do pensamento na criança e da inteligência verbal.
A capacidade de representação se expressa na linguagem, no jogo simbólico, na
imitação, no sonho, no desenho, na imagem mental. A criança é agora capaz de retomar
o que foi feito em outra ocasião. Um fato importante é o aparecimento da linguagem.
Com a linguagem, amplia-se a capacidade de interação e comunicação, levando à
possibilidade de exteriorização da vida interior e, assim, de corrigir ações futuras. A
criança já antecipa o que vai fazer.
Muitas característ icas correspondem a esse período de 2 a 7 anos,
aproximadamente (PIAGET, 1937; 1978). Uma das principais características é o
egocentrismo psíquico ou tendência a relacionar tudo ao seu próprio ponto de vista,
como se fosse o centro do universo, juntamente com os outros homens. Tudo o que foi
criado, foi criado para o homem, expressão de um antropocentrismo. É por essa razão
que a criança se imagina até dominando os fenômenos da natureza. Por exemplo, se
desejar que chova, vai chover. Essa característica leva a uma incapacidade de se colocar
no lugar do outro e de entendê-lo como tendo desejos e necessidades diferentes dos
seus. A criança quer a proximidade de outra, mas tem dificuldade em desenvolver um
trabalho conjunto ou integrar a ideia do outro à sua própria construção. É o que se
observa nas crianças menores: estão juntas, brincam juntas, mas cada uma da sua
maneira. Esse egocentrismo vai apresentar diferentes manifestações, como o
artificialismo, quando a criança crê que os homens criaram os fenômenos naturais.
Pensa, por exemplo, que as montanhas e as árvores foram criadas pelos homens.
Outra manifestação do egocentrismo infantil é o animismo. Com ele, a criança dá
vida humana a animais, a objetos e a outros seres. Por isso se encanta com estórias em
que plantas têm sentimentos humanos, animais falam e objetos podem sentir dor, prazer,
como ela própria.
26
O realismo é mais uma característica do egocentrismo infantil. A criança tem
dificuldade em entender que retratos, palavras, sonhos e sentimentos indicam apenas
um ponto de vista; ela acredita que existam objetivamente. Acredita, por exemplo, que
os nomes são parte da coisa nomeada e quanto maior for a palavra, maior será o objeto
que nomeia.
O raciocínio da criança pré-operatória não se baseia na lógica, mas na proximidade
dos fatos. A criança imagina uma relação causal entre fatos que ocorram juntos. Por
exemplo, o carro anda porque tem estrada ou porque foi tocada abuzina. A essa
característica Piaget denomina raciocínio sincrético.
Uma das mais importantes características do pré-operatório é o jogo simbólico,
onde se observa um predomínio da assimilação sobre a acomodação. No jogo simbólico
ou no jogo do faz-de-conta, a criança se utiliza de um significante para dar-lhe outro
significado. Por exemplo, um objeto pode representar outra coisa, para além de seu
significado coletivo: uma pedra pode ser um carro, a criança pode ser um super-herói
ou uma fada e assim por diante. O jogo simbólico é uma das principais características do
desenvolvimento infantil, porque, por meio da imaginação e da criatividade, a criança
cria um mundo novo ainda não experimentado por ela, mas movido por seus desejos.
Para brincar de faz-de-conta, é necessária uma inteligência representativa que antecede
a racionalidade e que permite a relação entre significantes e significados. É por isso que
dizemos que há um predomínio da assimilação, porque mais ênfase é dada à incorporação
do dado novo aos esquemas e estruturas do sujeito e menos à acomodação ou ajuste
do sujeito à realidade.
Outra característica importante do pré-operatório é a imitação. A capacidade de
imitação implica uma retomada do que foi feito pela ação, mas ainda não há a
incorporação do que é imitado ao repertório do sujeito, possibilitando generalizações. A
criança imita por imitar. Por isso, Piaget entende a imitação como um predomínio da
acomodação ou ajuste do sujeito ao objeto sobre a assimilação.
A imitação também é uma manifestação da capacidade humana de representação
que antecede a operação (ação mental reversível), essência do conhecimento para Piaget.
Assim, na inteligência pré-operatória já há a necessária diferenciação entre a assimilação
e a acomodação, mas ainda não há o seu equilíbrio. Ora há o predomínio da assimilação,
como no jogo simbólico, ora há o predomínio da acomodação, como na imitação. Ambos
preparam o aparecimento da operação.
Tanto o jogo simbólico como a imitação devem ser estimulados no período pré-
operatório. E isso de diferentes maneiras: trabalho com linguagens, desenho, teatro,
brincadeira de faz-de-conta, jogos, música, dança e brincadeira livre. É importante que a
27
criança crie seu enredo a partir de suas necessidades. Essas atividades estarão
relacionadas ao desenvolvimento de outro conjunto de estruturas: as estruturas
operatórias concretas.
O jogo simbólico e a imitação são as principais atividades do pré-operatório,
e devem ser estimuladas. A criança está se apropriando lentamente de
sua realidade basicamente a partir dessas atividades nesse período. Nelas,
retoma mentalmente tudo o que foi praticado na ação prática, consistindo
em uma inteligência representativa. Devemos, enquanto educadores,
solicitar de inúmeras formas essa capacidade de representação: contar
estórias, representá-las, imaginar outros personagens, outros desfechos
da estória, dançar, fazer teatro, desenho, música, pintura, escultura, brincar
com a linguagem, com trava-línguas e muitas outras atividades podem
estar contribuindo para o desenvolvimento da inteligência da criança
nesse período (STOLTZ, 2008, p. 33).
No aspecto afetivo, a criança pré-operatória manifesta sentimentos interindividuais
construídos a partir do intercâmbio afetivo entre as pessoas e para além dos sentimentos
ligados ao próprio sujeito (STOLTZ, 2007). Esses se manifestam por afetos intuitivos
que se expressam por sentimentos sociais elementares, com expressão dos primeiros
sentimentos morais. A moral que se estabelece durante o período pré-operatório é uma
moral heterônoma, onde o certo e errado são dados por uma autoridade externa ao
sujeito. A moral heterônoma antecede a moral autônoma, que possibilita ao sujeito
determinar os caminhos de sua formação por si mesmo (PIAGET, 1977; STOLTZ,
2006).
Na moral heterônoma, os sentimentos morais da criança refletem a vontade do
adulto significativo. A moral heterônoma (ou moral da obediência) estabelece como critério
de bem e mal a vontade dos adultos (PIAGET, 1977). Há, portanto, a necessidade de o
educador não abusar de sua autoridade. A relação entre o adulto e a criança deve sempre
considerar o diálogo e o respeito para que contribua na superação da moral heterônoma
e para a construção da moral autônoma. A educação deve fomentar as relações entre as
crianças, promovendo o conhecimento e o intercâmbio entre elas. A estimulação da
cooperação entre iguais, por meio do trabalho em pequenos grupos, auxilia na diminuição
da coação externa e no aumento da autonomia.
No período pré-operatório, a criança é capaz de pré-conceitos (por exemplo, um
representante da classe é tomado como a classe inteira). Próximo dos 2 anos, a criança
tende a acreditar, por exemplo, que o cachorro que vê é o mesmo que viu em outro
local bem distante. Após os 4 anos iniciam-se conceitos intuitivos, que reconhecem
classes pela semelhança, mas não contando, ainda, com argumentos lógicos. As
classificações das crianças pré-operatórias de mais idade são baseadas, geralmente, em
28
um só critério. Há a dificuldade de considerar mais de um critério, como, por exemplo,
ao separar triângulos vermelhos e de três lados iguais (equiláteros). É preciso estimular o
pensamento da criança para a organização de diferentes classificações e relações,
preparando-a para o advento das operações.
O que falta à criança pré-operatória? Falta a capacidade de estabelecer relações a
partir de uma lógica racional. Essa criança apresenta-se, na linguagem piagetiana, como
não-conservante e marcada por um pensamento não-reversível. A conservação é a
necessidade lógica de consideração de certos atributos nas diferentes transformações
de um objeto. Por exemplo, se tomamos duas quantidades iguais de massa de modelar
e modelamos uma em formato de bola e a outra em formato de salsicha, pode até
parecer que na salsicha tem mais massa, mas na realidade a sua quantidade não se
altera pela mudança na forma. A criança pré-operatória tem muita dificuldade em
atividades como essa, porque o seu raciocínio está preso à sua percepção imediata, ao
imediatamente visível e perceptível. Por isso ela é não-conservante. Outro exemplo que
poderíamos citar aqui é o do copo de leite. Se despejarmos uma mesma quantidade em
dois copos iguais e depois mantivermos um copo com a mesma quantidade e
despejarmos o conteúdo do outro em um copo de formato diferente, a criança acredita
que muda a quantidade de líquido para beber, só porque o nível de leite no copo de
formato diferente é outro.
O pensamento não-reversível da criança pré-operatória é fácil de ser reconhecido.
Ela não consegue retornar mentalmente ao ponto de partida de uma transformação de
um objeto. Por exemplo, na transformação da massa de modelar, a criança não consegue
apresentar mentalmente como argumento da conservação de quantidade de massa a
reflexão de que era uma bola antes de se tornar salsicha e, por isso, a quantidade só
poderia ser a mesma. Reversibilidade e conservação são as características do pensamento
racional, que só se apresentam no operatório concreto. Aqui, no pré-operatório, ocorre
a preparação para o aparecimento da operação, que é justamente a capacidade de
FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1194108
29
As estruturas operatórias concretas desenvolvem-se a partir das pré-operatórias e
acrescentam a reversibilidade à inteligência interiorizada pré-operatória (PIAGET;
SZEMINSKA, 1941).
Aproximadamente dos 7 anos até em torno dos 12 anos, a criança é capaz de
operar em sua realidade concreta a partir da lógica das classes e das relações. Conservação
e reversibilidade são as suas principais características. Por exemplo, quando descobre
que errou ao realizar uma operação, é capaz de rever todo o processo realizado para
identificar o erro e refazer o percurso, seguindo dos resultados aos meios. A conservação
permite à criança entender conceitos como, por exemplo, o de fruta, cuja essência
envolve váriasfrutas de formatos bem diversos, como a jaca e a pitanga. A primeira
conservação é a de substância, depois surge a conservação de peso e, por fim, a
conservação de volume.
A capacidade da criança de estabelecer relações lógicas permite-lhe a coordenação
de pontos de vista diferentes, diferentemente do egocentrismo intelectual e social ou da
centração em si mesma do período pré-operatório.
No período operatório concreto, a criança consegue coordenar diferentes pontos
de vista e integrá-los de modo lógico e coerente (PIAGET, 2003). Mas a capacidade de
reflexão se manifesta a partir de situações concretas. Essa capacidade de pensar antes
de agir, considerar vários pontos de vista, lembrar o passado e antecipar o futuro aparece
considerando a história de interações vividas pela criança, não ainda no plano hipotético-
dedutivo. Como educadores, podemos também estimulá-la a pensar baseada em
hipóteses.
Tudo aquilo que a criança não conseguia fazer no período pré-operatório passa a
ser agora possível, como formar o conhecimento de número, estabelecer sequências de
ideias e eventos, estabelecer relações de causa e efeito.
No que diz respeito ao domínio afetivo, observa-se no operatório concreto o
aumento de uma autonomia na ação em relação ao adulto, levando a criança a organizar
os seus próprios valores morais. Surgem, assim, sentimentos morais autônomos, com
intervenção da vontade nos dilemas entre o dever e o prazer, por exemplo. As crianças
são capazes de elaborar as suas próprias regras. Com a descentração, o grupo vai
crescendo em importância para a criança, e satisfaz, cada vez mais, suas necessidades
retornar mentalmente ao ponto de partida e de se apropriar do processo de transformação.
Operar é transformar. Como educadores, podemos contribuir para o desenvolvimento
da capacidade de operar ao solicitar a atividade do aluno voltada à reflexão sobre o
processo de transformação que levou a dado conhecimento.
30
de afeto. No final do período operatório concreto, a criança pode vir a se contrapor
frontalmente ao adulto.
A capacidade de cooperar, a partir da diminuição do egocentrismo, possibilita a
integração e coordenação de novas ideias às ideias próprias. Surgem sentimentos morais,
como o respeito mútuo, a honestidade e a justiça, que consideram a intenção da ação
e não o seu resultado. Por exemplo, ao manchar uma toalha de mesa sem querer, a
criança não acha que deva ser punida (PIAGET, 1977).
A construção das estruturas operatório-formais amplia a capacidade das operações
concretas. As operatório-formais começam a aparecer no início da adolescência, com o
término da construção das estruturas concretas, em torno de 11 e 12 anos. Aqui o
adolescente é capaz de exercer as operações mentalmente, sem necessitar do concreto,
subordinando o real ao mundo dos possíveis. As construções podem agora partir do
pensamento hipotético-dedutivo e basear-se em proposições. Esse é o pensamento que
guia o cientista na elaboração de uma nova teoria. As estruturas operatório-formais
permitem inúmeras construções e são as últimas que se desenvolvem no sujeito a partir
da interação com o meio. Há, portanto, fechamento no plano estrutural e ilimitadas
possibilidades de construção no plano funcional. Essas estruturas indicam o mais elevado
nível de desenvolvimento cognitivo do adolescente e do adulto. Por exemplo, ao abordar
um problema, o sujeito varia cada vez uma das variáveis implicadas na sua causa,
mantendo outras variáveis constantes, no sentido de verificar a influência da variável
manipulada na produção de um resultado (PIAGET, 1970).
O grupo matemático INRC, representando identidade, negação,
reciprocidade e correlação, é o que caracteriza melhor as possibilidades de
combinação que o pensamento operatório formal é capaz de realizar.
Por que muitos adolescentes e adultos não apresentam características do
pensamento operatório formal? Trabalhando com adultos e adolescentes, verificamos
que nem sempre seu raciocínio indica características do pensamento do cientista. Na
verdade, ao lado de raciocínios operatório-formais coexistem raciocínios mais simples,
baseados em características de estruturas inferiores, como concretas, pré-operatórias
ou até sensório-motoras. Como se explica isso?
Piaget elaborou uma epistemologia e a denominou de epistemologia genética, que
significa estudo do conhecimento a partir de sua gênese. Ele estava preocupado em
saber como se dá o desenvolvimento da inteligência no sujeito. Chegou à conclusão de
que o mais alto nível de desenvolvimento das estruturas do conhecimento é o formal,
que pode ser generalizado aos mais diferentes domínios. Em tese, a possibilidade de
31
manifestação em um campo abre a possibilidade de manifestação em todos os outros.
Mas, no plano do funcionamento psicológico, da resolução de problemas da realidade,
vemos que isso não se dá de imediato, automaticamente. A exteriorização do pensamento
formal depende das interações do sujeito com os diferentes domínios e do tipo de
interação nesses domínios.
FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1200271
Piaget diz (1970) que é possível que o pensamento formal se manifeste apenas
nos domínios em que o sujeito interaja mais e exerça a sua profissão ou especialidade.
Em tese, dadas as condições do meio para o desenvolvimento dessas estruturas, elas
iniciariam seu desenvolvimento no início da adolescência. O mais importante a ser
observado, como professor, é a sequência do desenvolvimento dessas estruturas, mais
do que a idade de seu aparecimento. Essa sequência inicia pela ação, passa pela
representação e chega à operação concreta e formal. Nesse sentido, acreditamos ser
importante obedecer a essa sequência no trabalho com um novo domínio de conteúdos
em sala de aula, porque o pensamento operatório-formal exige construções anteriores
para o seu aparecimento. Por exemplo, temos que partir verificando indícios do conteúdo
novo no contexto social e cultural vivido pelo sujeito, para que ele possa ser percebido
como significativo no plano sensível. Na sequência, levarmos o sujeito a representar o
que entende por aquele conteúdo e depois a estabelecer relações com outros objetos
de conhecimento vinculados, primeiro, ao seu mundo concreto e, depois, ao plano das
ideias. Essa sequência aponta para a reconstrução das estruturas em um domínio
específico.
32
Como fica o desenvolvimento da afetividade desse adolescente? A partir das
operações formais, sentimentos interindividuais se combinam com sentimentos
envolvendo ideais coletivos. O adolescente é capaz de lidar com conceitos como liberdade,
justiça, solidariedade etc.
No início da adolescência observa-se a retomada de uma espécie de egocentrismo,
que coloca o adolescente como centro de atenções. O adolescente vive conflitos. Deseja
tornar-se independente em relação ao adulto, mas ainda depende dele. Próximo à idade
adulta, começa a eleger um conjunto de regras e de valores pelos quais vive e se mantém
leal. Ocorre a afirmação da vontade. A capacidade de realizar abstrações e generalizações
o leva a fazer deduções de simples hipóteses e a lutar por elas. A autonomia moral e
intelectual só é possível a partir do operatório formal. Segundo Piaget, esse é o objetivo
da educação. No plano estrutural, essa autonomia representa o equilíbrio entre assimilação
e acomodaçãoe sua integração em um sistema.
A evolução da inteligência e da afetividade está na descentração do indivíduo,
que se inicia no operatório concreto. No que se refere à afetividade, é a partir do contato
com o outro que o sujeito constrói os primeiros sentimentos interindividuais, para além
dos sentimentos restritos ao próprio sujeito. Para Piaget (1977), quanto maior o
autoritarismo do meio, maior a vigência de egocentrismo e impedimento do
desenvolvimento da autonomia, característica do indivíduo descentrado. Quanto mais
autônomo o sujeito, maior é a sua capacidade de articular o pensamento próprio ao
pensamento do outro,sem se submeter a ele. Por isso a capacidade de socialização do
adolescente e do adulto saudável é, em tese, maior.
Piaget delega aos pedagogos a tarefa de verificação da cooperação como processo
educativo. Stoltz (2007), Guimarães e Parrat-Dayan (2007) e Stoltz (2008) propõem a
interação social cooperativa que estimule o processo de tomada de consciência de noções
específicas. “A interação deve estimular a reflexão sobre a reversibilidade física e mental
envolvendo atividades relativas a pessoas e atividades relativas a outros objetos”
(STOLTZ, 2007, p. 34). Esse movimento implica um processo dinâmico do fazer ao
compreender e vice-versa.
Uma distinção importante relativa à aprendizagem é entre aprendizagem em sentido
lato e aprendizagem em sentido estrito (PIAGET; GRÉCO, 1974).
A aprendizagem em sentido estrito está relacionada a uma situação
específica, a uma experiência, a um treino e leva a um conhecimento
limitado, restrito àquele conteúdo. Esse tipo de aprendizagem tende a
enfatizar os aspectos figurativos do pensamento imitação, percepção,
memória, imagem mental e permite o conhecimento de estados, não de
transformações.
Já a aprendizagem em sentido lato confunde-se com o próprio
desenvolvimento, vai estar relacionada aos aspectos operativos do
conhecimento, ligados às transformações. Os aspectos operativos explicam
33
o processo de transformação que levou a dado conhecimento.
Piaget expressa que o que deve ser enfatizado na educação são os aspectos
operativos ou o pensar sobre as transformações e não sobre os estados.
O conhecimento figurativo leva apenas a uma memorização sem
compreensão que logo é esquecida.
Como podemos contribuir para o favorecimento da aprendizagem lato
sensu? Solicitando sempre relações entre conhecimentos e a atividade
do aluno. Por outro lado, podemos apresentar problemas que necessitem
do conhecimento científico e ativem a capacidade do aluno de pensar
nas relações de sua realidade com o conhecimento, que o levem a pensar
de forma ativa e crítica sobre aquele conhecimento científico (STOLTZ,
2008, p. 278).
A aprendizagem está, assim, subordinada ao processo geral de equilibração e ao
nível de desenvolvimento cognitivo (PIAGET, 1983a). O que ensinar e como ensinar
depende do conhecimento do aluno, das suas características e de suas possibilidades
de assimilar e acomodar. O trabalho do educador deve ser o de estimular a capacidade
do aluno por meio de situações desafiadoras, contando com diferentes materiais e
conhecimentos. A curiosidade deve ser o motor de novas construções. Situações-
problema desenvolvidas em pequenos grupos e relacionadas ao contexto social e cultural
do aluno podem contribuir para o desencadeamento de novas construções cognitivas
e afetivas. Mais importante do que pedir ao aluno respostas, a tarefa do educador,
baseado em Piaget, consiste em levá-lo a desenvolver novas perguntas. Por isso o ensino
pode ser caracterizado como envolvendo uma experimentação ativa.
Como você avalia a situação de sala de aula apresetnada no início deste capítulo?
Discuta-a tomando como referência o objetivo da educação para Piaget e sua
teoria sobre desenvolvimento e aprendizagem.
34
REFERÊNCIAS
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36
37
A PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL
DE VYGOTSKY
UNIDADE 2
Profª Tania Stolz
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2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY
Entre os teóricos que são referência hoje na questão da aprendizagem, está Lev
S. Vygotsky (1896 - 1934). Vygotsky nasceu na Rússia e, em sua breve existência,
deixou uma teoria em construção que pretende a superação dos reducionismos
mecanicistas e idealistas. A base dessa orientação teórica está no marxismo e no ideário
da Revolução Russa de 1917. Vygotsky, assim como Luria e Leontiev, via o homem
como ser ativo, resultado de suas interações no contexto social e cultural. Por essa
razão é um teórico interacionista. Suas obras foram proibidas na própria Rússia entre
1936 e 1956, por motivos políticos. No Brasil, a influência do pensamento de Vygotsky
começa a crescer a partir da década de 1980, principalmente nas áreas da Educação,
Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia Social. Sua abordagem teórica é também
conhecida na Educação e na Psicologia como sociointeracionista ou sócio-histórica.
LEV SEMENOVICH VYGOTSKY
FONTE: http://www.sxc.hu
40
Lúcia voltou para casa desanimada. Havia dado quatro aulas seguidas, estava
exausta. Na verdade, o que a incomodava era o desrespeito e a falta de consideração
dos alunos daquela escola. Tinha aplicado avaliação em uma das turmas. Ficou
horrorizada com o resultado. Era como se não tivesse dado dois meses de aula sobre
aquele assunto. E ainda teve que escutar de uma adolescente: “Não sei por que perder
o meu tempo vindo para esta escola. Não está me ensinando nada...”. O pior era que
Lúcia estava vendo que não ensinava nada...
Mas, afinal, a escola é importante? Ninguém melhor do que Vygotsky para
responder a essa questão. Vygotsky (RATNER, 1995; VAN DER VEER; VALSINER,
1999) entende o homem como se constituindo em um processo histórico, síntese de
múltiplas determinações. O que significa isso? Significa que o que o homem vai aprender
e desenvolver depende do que for possibilitado a ele conhecer. O humano não está
anteriormente dado. É o resultado das interações que o homem vai estabelecendo em
um contexto social e culturalbem específico. E mais, essa humanidade do homem está
em evolução, o que significa que os instrumentos e a rede de relações sociais que
possibilitam o acesso ao conhecimento hoje certamente será outra amanhã e levará a
diferente desenvolvimento humano. Vygotsky responderia com muita clareza à situação
da professora Lúcia. Se a escola não funciona, não é por culpa dos alunos. É a escola
que precisa rever urgentemente o seu papel e a sua forma de atuação.
Na perspectiva de Vygotsky (1991; 1994) e Vygotsky e Luria (1996),
aprendizagem gera desenvolvimento. Se os alunos não aprendem, estão perdendo em
termos de desenvolvimento. Para muitos, a escola é o único espaço de acesso ao saber
elaborado, aquele que foi socialmente construído e historicamente acumulado para ser
apropriado pelas gerações mais novas. Para que ter acesso ao saber elaborado ou
científico? Para desenvolver uma visão crítica da realidade, para não ser explorado. Para
ter consciência de direitos e deveres e conseguir viver a sua cidadania. Vygotsky vai
mais longe. Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, aquelas
que nos distinguem como seres humanos, só se realizam pelo acesso ao saber elaborado
ou o conhecimento científico. Essas funções psicológicas superiores que distinguem o
homem de outros animais são o pensamento abstrato, o comportamento intencional, a
memorização ativa, a atenção voluntária, a linguagem e a afetividade propriamente
humana, entre outras. Essas funções estão em evidente oposição com a de outro grupo
de funções, as funções psicológicas inferiores, que partilhamos com os outros animais:
sensações, atenção involuntária, memória involuntária e reações emocionais básicas,
entre outras.
2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO
41
entre outras.
Segundo Vygotsky:
o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento. A criança adquire
certos hábitos e habilidades numa área específica, antes de aprender a
aplicá-los consciente e deliberadamente. Nunca há um paralelismo
completo entre o curso do aprendizado e o desenvolvimento das funções
correspondentes (VYGOTSKY, 1998, p. 126).
Seguindo a ideia de que aprendizagem gera desenvolvimento, o fato de uma pessoa
ter seu desenvolvimento restrito explica-se pelo tipo de aprendizagem que desencadeou
em seu contexto social e cultural. Isso significa que somos muito mais responsáveis uns
pelos outros do que pensamos. O que o outro vai desenvolver tem íntima relação com
o que o contexto lhe possibilitou aprender. As funções psicológicas superiores precisam
estar antes no contexto, externas ao sujeito, para que este possa se apropriar delas
mediante aprendizado. Tudo se passa, para Vygotsky (1994), do externo para o interno,
das relações entre as pessoas para as relações com o próprio sujeito, dos processos
interpsíquicos ou intermentais para os processos intrapsíquicos ou intramentais.
“Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa”
(VYGOTSKY, 1994, p. 74).
E o que permite essa passagem do externo para o interno ao próprio sujeito? O
processo de internalização ou a passagem do interpsíquico para o intrapsíquico. Mas o
sujeito é ativo nesse processo. Esse processo envolve uma transformação do sujeito a
partir de sua negociação com a cultura. Isso significa que o sujeito também influencia o
contexto, mas essa capacidade foi desenvolvida nele por um contexto social e cultural.
Essa origem social e cultural do homem encontra seus fundamentos na visão do
materialismo histórico dialético (MOLL, 1996; OLIVEIRA, 1997; VAN DER VEER;
VALSINER, 1999). O conceito principal aqui é o conceito marxista de trabalho. O
trabalho é entendido como atividade especificamente humana que transforma a natureza
e, ao transformá-la, modifica o sujeito. Nessa transformação da natureza, o homem se
vale de instrumentos e das relações com outros homens. Atividade e linguagem,
entendidas dentro de um contexto histórico e cultural, são as categorias vygotskyanas
que explicam o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Sendo assim, é a própria
vida que determina a consciência e não o inverso. Dentro dessa concepção, tem-se
ainda uma visão essencialmente dinâmica do desenvolvimento. Tudo está em permanente
movimento e transformação.
No desenvolvimento do homem, a relação que era imediata para a satisfação de
necessidades tornou-se mediada, isto é, passou a ser ampliada pela intervenção de um
elemento na relação homemmundo. Pela necessidade de atuar sobre a natureza para
garantir a sua sobrevivência, o homem foi desenvolvendo instrumentos para aprimorar
42
essa relação. Por exemplo, o machado permite que o homem derrube árvores e possa
construir casas com elas. Da mesma forma, a linguagem permitiu incrementar as relações
entre os homens e a própria evolução humana.
A possibilidade da linguagem racional e a possibilidade de desenvolvimento da
atividade propriamente humana de trabalho, contando com seu planejamento e
execução, determinaram a melhor satisfação das necessidades básicas e a criação de
novas necessidades que, por sua vez, exigiram novos instrumentos e novos
conhecimentos em um movimento de desenvolvimento da humanização do homem.
Os homens são os únicos animais que fazem uso racional de instrumentos enquanto
mediadores de sua relação com o mundo. Esta é uma das principais ideias de Vygotsky
(2000): a de que a relação homem-mundo é mediada.
Essa mediação conta com instrumentos físicos (por exemplo, caneta, serrote, papel,
computador, etc.) e instrumentos psicológicos (linguagem como sistema de signos) que
vão possibilitar a transformação do contexto e do próprio homem. Por isso a educação
é fundamental. A educação vai iniciar a criança nos conhecimentos que a humanidade
já construiu, para que ela parta destes para ir mais além e crie outros conhecimentos. A
escola também vai permitir o conhecimento e apropriação de diferentes instrumentos,
fundamentais para o viver em sociedade. Entre a criança e o mundo há uma cultura que
fala deste mundo para ela. Ter acesso ou não a este conhecimento implica em ser
incluído ou excluído da sociedade.
A mediação vai significar o mundo para a criança. Essa significação é o ponto de
partida para a criação de sentidos. Os sentidos envolvem a nossa relação com os
significados, que são coletivos. Os significados são o resultado da atividade de um
determinado grupo cultural. Por exemplo, o significado de ser rico ou pobre em nossa
sociedade capitalista. Os sentidos representam a nossa relação com esse significado: o
que é ser rico ou pobre para mim. O sentido depende do contexto e de vivências afetivas.
A mediação da cultura vai determinar que o desenvolvimento do homem, de
biológico, passe a ser sócio-histórico, ou seja, de acordo com as interações realizadas
em um contexto social e cultural específico. No homem, a relação homemmundo é
mediada por sistemas simbólicos. E é essa mediação que faz com que o homem esteja
em um processo de transformação. Para Vygotsky (1996), há uma base biológica para
absorver e tornar próprias essas transformações: o cérebro. Esse órgão do corpo humano
é suficientemente plástico para adaptar-se a mudanças.
Segundo Vygotsky, o processo de internalização envolve uma série de
transformaões. O fundamento do que somos está no processo de internalização.
Vygotsky (1994, p. 75) entende essas transformações a partir do uso de sistemas de
elemento na relação homem mundo. Pela necessidade de atuar sobre a natureza para
43
Linguagem e atividade possibilitaram e possibilitam, assim, o desenvolvimento
propriamente humano. Os animais também têm uma linguagem, mas não uma linguagem
racional que possibilite acesso e transmissão de cultura. É uma linguagem usada
basicamente para alívio de tensão e contato psicológico com outros membros do grupo.
Os animais fazem um uso pré-intelectual da linguagem, porque ela não tem nesse caso a
função de signo. Os animais irracionais também apresentam uma atividade, mas ela não
éplanejada como no trabalho humano. É uma atividade que também se vale de
instrumentos como mediadores, revelando uma espécie de inteligência prática. Na
inteligência prática, que se manifesta na criança pequena e nos animais superiores, há a
capacidade de solução de problemas e de alteração do ambiente para conseguir
determinados fins. Mas esse modo de funcionamento intelectual é independente da
linguagem, indicando uma fase pré-verbal de desenvolvimento do pensamento.
signos e da mudança de atividade:
a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade
externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de
particular importância para o desenvolvimento dos processos
mentais superiores a transformação da atividade que utiliza
signos, cuja história e característ icas são ilustradas pelo
desenvolvimento da inteligência prática, da atenção voluntária
e da memória.
b) Um processo interpessoal é transformado num processo
intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança
aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no
nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico), e,
depois, no interior da criança (intrapsicológico). Isso se aplica
igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e
para a formação de conceitos. Todas as funções superiores
originam-se das relações reais entre indivíduos humanos.
c) A transformação de um processo interpessoal num processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos
ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo
transformado, continua a existir e a mudar como uma forma
externa de atividade por um longo período de tempo, antes de
internalizar-se definitivamente. Para muitas funções, o estágio
de signos externos dura para sempre, ou seja, é o estágio final
do desenvolvimento. Outras funções vão além no seu
desenvolvimento, tornando-se gradualmente funções interiores.
Entretanto, elas somente adquirem o caráter de processos
internos como resultado de um desenvolvimento prolongado.
Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis
que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo
sistema com suas próprias leis.
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Como a linguagem, inicialmente exterior ao sujeito, se internaliza e se torna
instrumento do próprio pensamento? A primeira manifestação da linguagem no sujeito
é a linguagem externa (ou fala social), cuja função é de comunicação social. Depois surge
a fala egocêntrica, que acompanha a atividade do sujeito. A fala egocêntrica representa
a transição da fala social para a fala interior. A fala passa então a anteceder a atividade,
orientando-a. Somente depois a fala é internalizada e o discurso passa a ser interno. O
sujeito utiliza o discurso para organizar e expressar o seu pensamento. Vygotsky (2000)
observa que o pensar em voz alta não se limita a acompanhar a atividade da criança:
auxilia na orientação mental, na compreensão consciente também de adultos; ajuda a
superar dificuldades. Observa-se, assim, tanto um aspecto exterior, fonético, como um
aspecto interior, semântico e significativo, na linguagem.
Muitas vezes, ainda que as crianças conheçam as palavras, não conseguem
entender o que lhes é dito. Falta-lhes o conceito generalizado que lhes garante o
entendimento. As formas mais complexas da comunicação humana só são possíveis
porque o pensamento do homem reflete uma realidade sob a forma de conceitos. O
trabalho com conceitos científicos é aqui de fundamental importância.
Em um determinado momento do desenvolvimento da espécie (ou filogenético),
o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional. Esse é o momento em
que o biológico se transforma em sócio-histórico. A história de cada um (ontogênese)
retoma a história da espécie. Tornamo-nos humanos ao interagir com seres humanos e
pela apropriação dos modos culturalmente instituídos de intercâmbio e produção. As
trocas que estabelecemos com o outro vão desencadear processos nesse outro. Dito de
outro modo: se considerarmos uma criança criada em um sítio afastado e cujos pais são
analfabetos e trabalhadores do campo, o aprendizado e desenvolvimento dessa criança
terá as marcas desse contexto. Uma criança que nunca teve a oportunidade de pegar
em um lápis para rabiscar ou desenhar vai apresentar um desenvolvimento diferenciado
em relação à criança que desde bebê rabisca e tem acesso múltiplo aos bens da cultura.
Por isso a escola é fundamental. Não para excluir a criança que no 1º ano não sabe nem
segurar um lápis. Mas para possibilitar a ela o aprendizado dessa habilidade e muito
mais. “A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente
desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto
qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana” (VYGOTSKY, 1994, p. 76).
45
Faça uma busca na internet de pesquisas que envolveram a aprendizagem de
crianças em um ambiente não-humano. Como é o desenvolvimento dessas
“crianças selvagens”?
Até agora, ficou claro que Vygotsky (1994) enfoca a importância da instrução
para o desenvolvimento humano. É principalmente a educação formal que vai
desencadear as funções psicológicas superiores. No entanto, se a escola não cumpre
seu papel, como é o caso do exemplo apresentado no início deste capítulo, como atuar?
O que Vygotsky nos fala sobre como as pessoas aprendem?
2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM?
Para Vygotsky (1994; 2000), o aprendizado começa no momento em que
nascemos. A partir da interação, sobretudo com o outro mais experiente e significativo,
iniciamos o nosso conhecimento do mundo por meio dos significados partilhados pelo
grupo. Essa interação social exerce um olhar sobre as nossas ações e as significa.
Internalizamos essas significações. Se o outro nos enxerga regularmente como inferior,
inteligente ou atrapalhado, internalizamos esse significado. Os diferentes contextos
interativos nos iniciam em nossa cultura, na maioria das vezes, de forma não intencional.
Na escola, no entanto, a interação é planejada, sistemática e intencional. Nesse
caso, a sua responsabilidade no processo de apropriação da cultura pela criança é muito
maior. Muitas vezes, a escola representa o único lugar de acesso a um saber mais
elaborado pela criança. Não dá para desconsiderar ou negligenciar esse espaço. Vygotsky
(1991; 1994) enfatiza a importância não só da escola, mas também do professor. Ao
professor cabe organizar o conteúdo de forma que o aluno aprenda. Em outras palavras,
ensinar e ensinar bem. Como fazer isso, se há tantos alunos em classe? Intervindo na
ZDP (ou zona de desenvolvimento proximal ou potencial de seus alunos). Intervir na
ZDP significa atuar no futuro desse aluno. Para tanto, é necessário conhecer o que ele já
sabe e o que ele só poderá saber com a ajuda de uma pessoa mais capaz ou um expert.
Se o professor intervém naquilo que o aluno já sabe ou conhece, o aluno não vai aprender
nada nem se motivar para o aprendizado. Se o professor intervém muito além da
capacidade do aluno, de modo que nem com a ajuda do professor pode conseguir
entender, também não vai aprender nada. A ideia de Vygotsky do trabalho do professor
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consiste em ir sempre além daquilo que o aluno já sabe. É investir no espaço
compreendido entre o nível real (o que ele já sabe) e o nível potencial desse aluno (o que
ele só poderá saber com a ajuda de outro); investir no potencial para que este se torne
real no futuro. Para Vygotsky (1994), a zona de desenvolvimento proximal:
significativo no contexto social e cultural do aluno.
O problema está em saber como atuar em ZDPs tão diversas como as que
encontramos em sala de aula (MOLL, 1996). Nesse sentido, é preciso considerar também
o trabalho entre crianças de níveis desiguais de desenvolvimento, mas não excessivamente
distantes. Um companheiro mais capaz pode auxiliar um menos capaz a se apropriar de
um conteúdo. Por outro lado, ao “ensinar” o colega, levando-o a pensar no procedimento
mais

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