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TEXTO 4.2 - CAP. 4 Perspectivas neo-analiticas Jung e Adler .pdf-115-154

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Capítulo 4
As perspectivas neo-analíticas 
da personalidade: id en tid ad e
Cari C. Jung e a individualidade
Fundamentos da abordagem junguiana ■
A psicologia analítica de Jung
Alfred Adler, o complexo de inferioridade e a 
importância da sociedade
Diferenças entre Adler e a teoria freudiana ■
A p sico lo g ia in d iv id u a l d e A d le r
Karen Homey, cultura e feminismo
Rejeição da inveja do pênis ■ Ansiedade básica ■
O seif m Estratégias neuróticas de enfrentamento ■
O impacto de Homey sobre o pensamento psicanalítico
Transposição de Freudpara conceitos mais modernos 
Anna Freud ■ Heinz Hartmann
Teorias das relações objetais: uma ligação conceituai 
entre a identidade própria ca identidade social 
Margaret Mahler e a simbiose ■ Melanie Klein 
e a perspectiva relacional ■ Heinz Kohut ■
As contribuições das abordagens de relações objetais
Erik Erikson, identidade ao longo da vida e crise 
de identidade
Trajetória de vida de Erikson ■ Formação da 
identidade e crises do ego
Algumas abordagens modernas da identidade 
Identidade |Kassoal e social ■ Automonitoraçào ■
O papel das metas e dos 'objetivos de vida' ■ 
Personalidades possíveis e a busca por uma vida 
significativa
Resumo e conclusão
Veja o caso de Michacl, 
um estudante universitário 
que se esforça para se 
relacionar com seus pares 
— ele se empenha tanto 
que às vezes e-lhe atribuído 
o rótulo de complexo de 
inferioridade. Ou seja. ele se 
preocupa demais em saber 
se sua auto-imagem é 
equiparável ao siatus de 
outras pessoas; está sempre 
tentando superar os outros, 
mas ainda assim se sente 
inlerior. A fornia de reagir 
de Michael tem suas raízes 
em conflitos não resolvidos 
na infância?
O termo 'com plexo' foi 
cunhado por C. G. Jung 
para se referir a impulsos 
reprimidos que influenciam 
o comportamento posterior 
(como no complexo de 
Édipo freudiano). A palavra, 
porém, logo foi aplicada 
pelo psicanalista Alfred 
Adler para se referir à luta 
de uma criança em reprimir 
e. desse modo. superar
sentimentos de inferioridade e desamparo. Por exemplo, um menino pode se 
considerar inferior em tudo. desde sua aptidão esportiva (em comparação com a de 
seus irmãos mais velhos) ao tamanho do pênis (comparado ao do pai), e dai poderia 
surgir, inevitavelmente, uma luta psíquica interna para lidar com esses assuntos. 
Adler denominou isso de "complexo de inferioridade", termo comumente usado nos 
dias de hoje.
O que é significativo no conceito de Adler é ele abranger de maneira explícita 
comparações e rivalidades com outras pessoas. Para Adler, o interesse social é a 
principal fonte de motivação. Os impulsos internos enfatizados por Freud são 
complementados |M >r pressões externas; em particular, aquelas que surgem nos 
relacionamentos.
Sara, uma colega de classe de Michael. de 19 anos. que está estudando para 
ser médica, perde o sono por ficar preocupada com a carreira que escolheu. Ela 
está indo bem no curso pré-médico, mas é a primeira na família a optar por 
medicina. Na verdade, vários de seus parentes nem mesmo fizeram faculdade. 
Além disso, ela deixou para irás seus amigos do colégio c às vezes não tem 
certeza sobre quem ela é e o que deveria seguir. Sara se ressente dos comentários 
sexistas de seus colegas de classe sobre "mulheres feias que estudam medicina". 
Não teríamos dúvida se alguém dissesse que ela está mergulhada em uma "crise 
de identidade".
a puberdade e na fase do adulto-jovem, o indivíduo enfrenta a maturidade se­
xual (e a capacidade de atuar sobre as demandas sexuais), uma interrupção da 
infância e grande preocupação com a maneira como é visto pelos outros. O psi­
canalista Erik Erikson (1950) descreveu esses eventos psicossociais como um estágio de 
desenvolvimento da adolescência que. na maioria das vezes, se manifesta em fenômenos 
adolescentes bastante conhecidos como as panelinhas e os namoricos. Se esse estágio da 
vida for transposto com êxito, o adolescente poderá prosseguir para o estágio seguinte — a 
idade adulta madura — pronto para a verdadeira intimidade. Observe que esses estágios 
de desenvolvimento da personalidade estão bem mais adiante do ponto em que Freud 
imaginou que a personalidade era formada.
Embora Sigmund Freud acreditasse que as pessoas são dominadas por seus instintos 
(id), os principais |H.*nsadores que se ocupam da tradição freudiana logo reconheceram e 
defenderam a importância dos sentimentos do se//(ego) que surgem de nossas interações e 
conflitos com outras pessoas ao longo da vida. Esses psicólogos e psiquiatras estão bem 
mais preocupados com a percepção individual do self (ego) como a principal essência ou 
núcleo da personalidade. Observe que o termo "ego", na acepção usada por esses indiví­
duos. não é exatamente o mesmo que o ego freudiano. Aqui. o conceito de ego é mais am­
plo, pois define a individualidade essencial de uma pessoa. Pelo fato de esses teóricos terem 
partido da psicanálise e terem-na expandido para novas direções, essa abordagem é com 
freqüência denominada neo-analítica (isto é, uma "nova análise"). Além disso, na última 
metade do século XX. essas abordagens do ego permitiram que se desenvolvessem teorias 
sobre o self que descartaram mais completaniente do que nunca conceitos freudianos sobre 
o id. embora ainda assim continuassem enfatizando as motivações c interações sociais 
(Brenner, 1994). Todas essas abordagens são menos biológicas, mais sociais e. portanto, 
mais otimistas do que a abordagem freudiana. Elas são o tema deste capítulo.
115
C art Çj.Jung c a iyidiviÀualitlade_______________
A história está cheia de relatos nos quais o príncipe herdeiro ou um sucessor tem uma 
amarga desavença com o rei ou um presidente do conselho de administração. Veja, por 
exemplo, a história bíblica da traição de Absallo contra seu pai, o rei Davi. Mesmo que 
você não esteja familiarizado com essa história, provavelmente poderá dar um palpite 
acertado sobre muitos de seus componentes. Poderá conjecturar que o rei Davi era um so­
berano bom e sensato que tentou fazer o que era certo. Além disso, poderá conjecturar 
que Absaláo era um filho mimado e ganancioso que ficou tão encantado com a idéia de ter 
poder e riquezas que acabou desejando trair o próprio pai a fim de obter essas coisas para 
si mesmo. (Você estaria correto cm ambas as avaliações.)
Por que temas desse tipo saltam a mente sem quase nenhum esforço? Por que esse 
cenário é tão fácil de imaginar? Para Cari Jung, somos programados para ver e aceitar de­
terminadas verdades não apenas por causa de nossas próprias experiências passadas, mas 
também por causa das experiências cumulativas de nossos ancestrais. Esse ponto de vista 
ofereceu importante fundamentação para sua teoria sobre a personalidade.
A história de Davi e Absaláo repetiu-se inúmeras vezes por séculos e séculos. Po­
rém, nem todas as histórias são tão extremadas. Na próxima vez em que você estiver 
mudando os canais de seu televisor, observe a série de eventos sucessivos em vários dos 
programas de entrevistas e debates: crianças digladiam-se com pais e padrastos, empre­
gados demonstram verbalmente um antagonismo cáustico contra seus chefes, e 'adep­
tos' denunciam seus gurus e aceleram os passos para se tornarem líderes e defensores de 
suas próprias causas. Esse exemplo é também aplicável a Freud e Jung. Cari Jung (o 
'príncipe herdeiro' de Ercud) foi quem deu o primeiro grande passo para romper com a 
ortodoxia freudiana.
Fundamentos da abordagem junguiana
A infância de Ju n g
Cari Gustav Jung. nascido em julho de 1875. em Kesswil (Suíçal cresceu em uma fa­
mília religiosa; seu pai, o reverendo Paul Jung, era pastor protestante do interior, e sua 
mãe. Emilie, também era filha de pastor. As teorias de Jung sobre a personalidade eram 
incomparáveis e suas raízes podem ser remontadas a pensamentos e experiências de sua 
infância. Das reflexões de Jung sobre sua infância, principahncntc dois temas tornaram-se 
proeminentes vindo, mais tarde, a formar a base de sua teoria sobre apersonalidade.
O primeiro foi a convicção de que ele tinha, de lato. duas personalidades diferentes: 
era (1) a criança que ele externamente parecia ser e (2) um cavalheiro sensato c culto do 
século XIX. Jung. quando criança, era introvertido e retraído e passava muito tempo so­
zinho, em estado contemplativo ou brincando solitariamente. Ele costumava sentar-se 
cm uma grande pedra no jardim de sua casa c a concentrar-se alternadamente cm duas 
idéias: que ele era um garoto sentado sobre uma pedra e que ele era a pedra em que o 
garoto sentava-se. Sua capacidade de assumir a perspectiva da pedra fez nascer nele a 
idéia de que podia de fato ter mais de uma lorma de ser. Esse conceito parecia solidificar- 
se quando o pai de um amigo castigou-o por uma má ação. No momento cm que estava 
sendo repreendido, de súbito, indignava-se de que aquele homem pudesse traiá-/a da­
quela maneira. Ele era uma pessoa importante e distinta que devia ser respeitada e ad­
mirada. Ao mesmo tempo, tinha consciência de que era também uma criança travessa
1 1 6 Teorias da personalidade
que naquele momento estava sendo repreendida por um adulto. Foi então que Jting se 
deu conta de fato de sua dual personalidade.
O segundo tema da infância de Jung. intimamente relacionado com o anterior, foi o 
de que as visões e os sonhos que linha com frequência não eram coincidências insignifi­
cantes. mas a transmissão de informações do reino do paranormal. Essa idéia fundamen­
taria. posteriormente, seu conceito sobre o inconsciente coletivo. Por volta dos 10 anos. 
Jung esculpiu para si mesmo um pequeno manequim de madeira cuidadosamente vestido 
em um traje grosseiro, feito em casa. e escondeu-o junto a uma pequena pedra pintada, 
no sótão de sua casa. Pensar, secretamente, no manequim e na pedra escondidos juntos 
num refúgio era prazeroso para Jung e até certo ponto conseguia acalmá-lo quando ficava 
aflito. Ele costumava também escrever mensagens codificadas em pequenos rolos de papel 
para esconder junto com o manequim uma espécie de biblioteca clandestina para seu 
deleite (Jung, 1961a).
Os primórdios da teoria junguiana
Só muito anos mais tarde, enquanto estava la/endo uma pesquisa para um livro, foi 
que Jung leu a respeito das 'pedras da alma' (localizadas perto de Arlcsheim) e sobre anti­
gas e monumentais estátuas de deuses. À medida que lia formava, facilmente, uma ima­
gem mental das pedras e das estátuas porque eram semelhantes à sua pedra pintada e a 
seu manequim de infância. Ele nunca antes havia visto uma gravura desses objetos nem 
havia lido a respeito deles (assim resolveu pesquisar na biblioteca de seu pai para ter certe­
za). mas os havia criado para si mesmo ainda em tenra idade. Essas ocorrências indicavam 
para Jung que determinados elementos psíquicos são passados de geração para geração 
por meio de um canal inconsciente.
Jung estudou medicina na Universidade de Basiléia, onde começou a se interessar 
pela psiquiatria (para o desânimo de seus professores). Ele se formou cm 1900, no mesmo 
ano em que o livro de Freud Die Traumdeutunq \A Interpretação dos Sonhos| foi publicado. 
Jung leu esse livro e, em 1906, começou a se corresponder com Freud. Não demorou mui­
to para que ambos desenvolvessem uma admiração mútua. Por volta de abril de I ‘>07. já 
não havia dúvida de que Freud escolhera Jung como seu protégé. para dar continuidade â 
tradição psicanalítica.
Porém, embora tudo tivesse permanecido 
tranquilo durante algum tempo, Jung acreditava 
que as metas c motivações dos indivíduos eram 
tão importantes na determinação do curso da 
vida deles quanto o eram os impulsos sexuais. Ele 
passou a acreditar na existência de arquétipos 
universais (símbolos emocionais), reconhecidos
Capitulo 4 m As perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 1 17
A psicologia analítica de Cari Jung (1875-1961) 
concentrou-se menos na questão sexual, buscou uma 
direção mais histórica e era mais sintonizada com o 
espiritual e o sobrenatural do que a psicologia 
psicanalítica de Freud.
por cie repetidamente nas conversas com seus pacientes. Enquanto Freud acreditava 
que grande parte da personalidade já estava formada na metade da infância, aproxima­
damente. Jung preferia ver a personalidade em termos de suas metas e orientação futu­
ras. Finalmente, a fenda entre esses dois pilares do pensamento psicológico aumentou a 
ponto de a separação de caminhos parecer ser a única solução. Eles começaram a seguir 
caminhos diferentes em 1913. Depois disso, Jung retirou-se para a privacidade de sua 
casa durante um período de solidão e introspecção que durou vários anos. Nessa época, 
ele se auto-analisou profundamente, chegando a conhecer cada um dos componentes de 
sua psique. Ao fim desse período, estava mais do que convicto de que os princípios bási­
cos de sua teoria eram universalmente válidos. Para distinguir sua teoria da teoria da 
psicanálise freudiana, ele a chamou de psicologia analítica.
A psicologia analítica de Jung
De acordo com a teoria junguiana, a mente ou a psique está dividida em três partes: 
< I )o ego consciente, (2) o inconsciente pessoal e (3) o inconsciente coletivo.
0 ego consciente
O ego proposto por Jung é muito semelhante em escopo e significado ao proposto 
por Freud. É o aspecto da personalidade que é consciente e incorpora a percepção do self. 
(Jung acreditava que essa identidade pessoal, ou ego. desenvolvia-se por volta dos 4 
anos.)
O inconsciente pessoal
O segundo componente da mente apresentado por Jung. o inconsciente pessoal, 
contém pensamentos e sentimentos que não fazem parte do conhecimento consciente 
no presente. Os pensamentos do inconsciente pessoal, entretanto, podem ser acessados. 
( ) inconsciente pessoal contém tanto pensamentos quanto impulsos que simplesmente 
não têm importância no presente e aos quais foram reprimidos de forma intensa por sig- 
nificar ameaça ao ego. Por exemplo, quando você está assistindo a uma aula de psicolo­
gia. não está pensando sobre seu encontro amoroso na noite passada (esperamos nós). 
Essas informações não foram reprimidas; apenas não são importantes no momento. A 
pessoa que está sentada a seu lado pode estar abrigando profundo ressentimento e ani­
mosidade para com um irmão ou irmã por causa de inúmeras rivalidades no passado e, 
contudo, pertencer a uma família em que o amor â família é de suprema importância. 
Esse indivíduo talvez reprima esses ressentimentos porque eles ameaçam sua capacidade 
de se ver como uma pessoa 'boa". Tanto esses pensamentos quanto seus impulsos são 
considerados por Jung como parte d») inconsciente pessoal. (Observe que os pensamen­
tos sobre o encontro amoroso na noite passada provavelmente seriam chamados por 
Freud de "pré-conscientes'.)
Para Jung. além disso, o inconsciente pessoal continha informações passadas (re­
trospectivas) e futuras (prospectivas). Essa constatação partiu da observação de que vá­
rios dc seus pacientes tinham sonhos relacionados com problemas c eventos futuros. Isso 
não quer dizer que eles "viam ' o futuro, mas que sentiam coisas que tendiam a aconte­
cer. Concluindo, Jung acreditava que o inconsciente pessoal serve para compensar (equi­
librar) atitudes e idéias conscientes. Ou seja, se as opiniões conscientes de uma pessoa 
forem muito imparciais, o inconsciente pessoal pode salientar o ponto de vista oposto
1 1 8 Teorias da personalidade
por intermédio de sonhos ou outros meios a fim de restaurar algum tipo de equilíbrio 
(Jling, 1961c, 1990).
0 inconsciente coletivo
O terceiro componente da psique foi chamado por Jung de inconsciente coletivo. O 
inconsciente coletivo, talvez o mais controvertido, compreende um nível bem mais pro­
fundo de inconsciência e é composto de símbolos emocionais poderosos denominados ar­
quétipos. Essas imagens são comuns a todas as pessoas e vêm sendo formadas desde o 
início dos tempos (ou seja, elas são "transpessoais”, e não pessoais ou individuais). Esses 
arquétipos originaram-se das reações emocionais denossos ancestrais a eventos que se re­
petem continuamente, como o nascer e o pôr-do-sol, a mudança das estações, e relações 
interpessoais que se repetem, como mãe-filho. A existência desses arquétipos ou padrões 
emocionais predispõe-nos a reagir de maneira previsível a estímulos comuns e recorren­
tes. Jung descreveu vários arquétipos diferentes, dentre eles o herói, o sábio ancião, o tra­
paceio» e a sombra, todos eles sem dúvida aparecem em filmes populares como a trilogia 
Guerra nas Estrelas (com o sábio ancião Obi-Wan Kcnobi, o demoníaco Darth Vader, o he­
rói Luke e assim por diante). A seguir são descritos alguns dos arquétipos junguianos mais 
conhecidos (veja também a Tabela 4.1).
Animus e anima. Dois importantes arquétipos são o animas (o componente mas­
culino de uma m ulher) e a anima (o componente feminino de um homem). O arquétipo 
animus significa que toda mulher tem um lado masculino e um conhecimento inato cor­
respondente sobre o que significa ser homem; o arquétipo anima encerra que um lado 
feminino — e. portanto, o conhecimento sobre o que significa ser mulher — reside em 
todo homem.
Persona e som bra. Esses dois arquétipos opostos representam as diferenças entre 
nossa aparência externa e nosso ser interior. O arquétipo persona (que em latim significa 
máscara) representa a face socialmente aceitável que apresentamos aos outros. Embora 
cada persona. quando vista externamente, seja idiossincrática, o próprio arquétipo é uma 
imagem idealizada do que as pessoas poderiam ser; ele é modificado pelo esforço particular 
de cada indivíduo de alcançar essa meta. Em contraposição, o arquétipo sombra é o lado 
escuro e inaceitável da personalidade — os desejos e motivos vergonhosos que preferimos 
não admitir. Esses impulsos negativos desencadeiam pensamentos e atos socialmente ina-
Capitulo 4 m As perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 1 19
Tabeía 4.1 A rq u é tip o s ju n g u ia n o s e sím bolos m od erno s
Arquétipo Exemplos
Magia» <ou Trapaceiro) feiticeiro, mago, vidente
Deuses infantis elfos, duendes
Mãe avó sábia. Virgem Maria
Herói rei, salvador, vencedor
Demônio Satã, anticristo, vampiro
Sombra *a escuridão', gêmeos do mal
Persona máscara, fachada social, ator
evitáveis, quase <> mesmo que os desejos incontrolados do id proposto por Freud, que po­
dem instigar comportamentos ultrajantes.
Mác. O arquétipo màe geralmente incorpora a gcncratividadc e a fertilidade. Pode 
ser evocado pela imagem real da màe (|>or exemplo, a mãe de uma pessoa ou a avó), ou 
pode ser figurativo (por exemplo, a Igreja). Além disso, o arquétipo mãe pode ser bom ou 
mau, ou ambos, assim como as mães podem ser na realidade.
Herói e dem ônio. O arquétipo do herói representa uma força impetuosa e boa 
que trava uma batalha com o inimigo |>ara salvar outra pessoa ou coisa, do mal. O oposto 
do herói é o dem ônio, que incorpora a crueldade e a maldade. Em nosso exemplo de Davi 
e Absalão, o rei Davi representa o herói, ao passo que seu filho ingrato seria o demônio.
As opiniões de Jung sobre o inconsciente coletivo e seus arquétipos, embora intrigan­
tes, não podiam ser aceitas sem razoável ceticismo. A psicologia científica moderna duvida 
da existência do inconsciente coletivo, pelo menos no sentido de memórias no cérebro 
que resultem de experiências de nossos ancestrais. Contudo, a interpretação mais comple­
xa da idéia de Jung provavelmente tem alguma validade.
Desde que nos conhecemos por gente, as pessoas parecem lutar com os mesmos pro­
blemas repetidamente. Por exemplo, por milhares de anos as guerras são travadas em 
nome de Deus e ainda hoje isso continua sendo verdade. Exemplos modernos incluem a 
hostilidade contínua entre católicos e protestantes, na Irlanda, e entre muçulmanos e cris­
tãos, na Bósnia; mas esses casos não são de forma alguma exemplos isolados. Outro proble­
ma com o qual toda geração luta corpo a corpo são as diferenças de gênero: quais são essas 
diferenças e que importância elas têm? (Veja o Capítulo 11 para obter um tratamento mais 
completo sobre questões relacionadas com o gênero sexual.) A sociedade ocidental evoluiu 
muito em relação ao início do século XX, em que as mulheres não podiam frequentar a 
faculdade, não podiam votar e eram consideradas propriedade do marido. No entanto, a 
despeito dessa maior igualdade, nossa sociedade ainda alimenta seu interesse pelas diferen­
ças. O famoso besl-seller Men Are fivnt Mars. Women Arefnwi Venus (Gray. 1992» concentra-se 
nas diferenças existentes na forma de comunicação dos homens e das mulheres.
Por que ainda estamos interessados em temas como diferenças entre gênero, e em iden­
tificar o 'Deus verdadeiro' ou a 'religião correta"? Talvez porque, até certo ponto, Jung esta­
va certo. Parece que. como pessoas, compartilhamos determinados interesses e paixões de 
uma maneira que chega às raias do instinto. Nossas várias maneiras de questionar e rivalizar 
fazem parte do que significa ser um ser humano. Algumas teorias, dentre as mais modernas, 
tentam apresentar dados mais "objetivos", embora não tomem conhecimento de questões 
tão profundas e fundamentais como essas. Para evitar esse equívoco, neste livro tentamos 
mostrar as potencialidades e fragilidades das várias abordagens da personalidade.
Complexos
Para Jung, o com plexo é um conjunto de sentimentos, pensamentos e idéias carre­
gado cmocionalmente, todos relacionados com um tema em particular (por exemplo, a 
Identidade de Sara ou a inferioridade de Michael). O potencial de qualquer complexo é 
determinado por sua libido ou "valor". Observe que a definição de libido proposta por 
Jung difere da de Freud no sentido de que descreve uma energia psíquica geral não neces­
sariamente de natureza sexual.
1 2 0 Teorias da personalidade
Jung comprovou suas alegações sobre a existência de complexos por meio de seu teste 
de associação de palavras. Ele apresentava a seus clientes uma lista de palavras (veja a Tabe­
la 4.2) organizada, acreditava ele, segundo um esquema sequential ideal, e os clientes ti­
nham de responder a cada palavra com outra palavra que viesse mais depressa à mente de­
les. Jung e seus colegas mediam a quantidade de tempo que um cliente demorava para 
responder (os atrasos indicavam anormalidade ou algum tipo de condito), a velocidade da 
respiração, a resposta galvânica da pele e a memória em testes repelidos. Nesse sentido, ele 
identificou determinadas palavras que despertavam emoções e que, estimuladas, na maioria 
das vezes podiam ser usadas para revelar a natureza de determinado complexo. O interes­
sante é métodos semelhantes (mas mais sofisticados) serem usados hoje na psicologia 
cognitiva. Jung acreditava que a personalidade e composta de forças opostas constantemen­
te em luta entre si. estabelecendo (em uma pessoa saudável) algum equilíbrio. Entretanto, 
ele acabou concluindo que o teste de associação de palavras por si só não estava apto a dife­
renciar de modo apropriado sentimentos relacionados com estímulos imaginados e senti­
mentos relacionados com ocorrências reais e. |>or isso, abandonou esse método.
Funções e atitudes
Jung postulou que a mente tem quatro funções: (1) sensação ( “Há alguma coisa ali?~); 
(2) pensamento ( “O que é aquilo ali?">; (3) sentimento ("Que valor tem isso?"); e (4) in­
tuição ('D e onde vem isso e para onde está indo?"). As funções pensamento e sentimento 
foram chamadas por Jung de racionais porque envolvem julgamento e ponderação. Em 
contraposição, as funções sensação e intuição foram denominadas irracionais porque a 
ponderação consciente praticamente não existe nesses processos. Embora todas essas fun­
ções existam em todos os indivíduos, uma delas normalmente é dominante.
Capitulo 4 m As perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 12 1
Tabela 4.2 A lg u m a s p a la vra s-e stím u lo
do teste d e associação de palavras d e Ju n g
cabeça azul rã limpar
verde lâmpada dividir vaca
água pecar íome amigo
cantar pio branco felicidademorte rico criança mentira
barco aferroar lápis estreito
pagar piedade triste irmão
janela amarelo ameixa temer
amigável montanha casar cegonha
Nota: Carl G . Ju n g foi o prim e iro a usar a associação de palavras para investigar a personalidade.
Instruções: Após cada palavra ler sido lida. responda im ediatam ente com a prim eira palavra que lhe vier á 
m ente.
Interpretação: Em prim eiro lugar, cm cada palavra, observe se você consegue responder irncdiaiantcnic ou 
se dem ora algum tem po. Em seguida, relacione as palavras nas quais você dem orou, forneceu respostas 
m uito incom uns, deu res|K>\tas longas o u com muitas palavras o u dem onstrou algum a emoçáo. 
l inalm ente. observe se você consegue encontrar u m tema nessas palavras em particular. Ju n g acreditava 
que esse tema perm itia espreitar o inconsciente.
Fonte: Adaptada de Jun g, C. G. “Th e Association M ethod". Ameriout Journal of Psychology, 11:219-269, 1910.
Além dessas quatro funções. Jung descreveu duas principais atitudes: a extroversão e 
a introversão. Esses termos são hoje muito usados, mas em geral são considerados pólos 
opostos de uma mesma dimensão em vez de dois construcios distintos e opostos como 
Jung os imaginava. E, de maneira análoga às funções da mente, tanto a extroversão quan­
to a introversão existem em todos os indivíduos, mas uma delas normalmente é dominan­
te. Os extrovertidos direcionam a libido (energia psíquica) para coisas do mundo externo, 
enquanto os Introvertidos concentram-se mais no mundo interior. F.ssas duas atitudes, 
combinadas com as quatro funções, geram oito tipos possíveis de personalidade. Veja, por 
exemplo, uma pessoa cuja função dominante c sentir e cuja atitude dominante c a 
extroversão; o sentimento dessa pessoa seria orientado para o externo. Isso quer dizer, em 
geral, que essa pessoa faria amigos sem dificuldades, tenderia a ser espalhafatosa e seria 
facilmente influenciada pelos sentimentos emocionais alheios. Entretanto, se a atitude 
predominante fosse a introversão, o sentimento dela seria canalizado para a introspecção e 
preocupação com experiências interiores, o que poderia ser interpretado por possíveis ob­
servadores como fria indiferença e. ironicamente, como falta de sentimento. Portanto, veja 
que qualquer função dominante pode assumir sabor diferente quando unida com uma ou 
outra de ambas as atitudes, resultando daí oito diferentes categorias ou tipos de personali­
dade. Essa tipologia é a base para um inventário da personalidade bastante conhecido — o 
Myers-Briggs Type Indicator.
O mais significativo é Jung ter desafiado Frcud e aberto caminho para o novo funda­
mento conceituai sobre motivação e o ego, permitindo que outras abordagens floresces­
sem. É necessário, ainda, observar que a disposição de Jung em se ocupar de aspectos 
mais espirituais e místicos da personalidade exerceu importante influência sobre as abor­
dagens cxistcncial-humanísticas. abordadas no Capítulo 9. Assim como Frcud, Jung foi 
um dos gigantes intelectuais do início do século XX, varrendo para longe argumentos me­
dievais sutis de conceitos passados de geração para geração, revelando novas formas de 
pensar sobre o que significa ser uma pessoa. Não obstante. Jung era mais filósofo do que 
cientista.
A lfredA dler, o complexo de inferioridade 
e a im portância da sociedade________________
Há pouco, o procurador-geral dos Estados Unidos, falando sobre a importância de ser 
um defensor dos direitos da criança, afirmou que "desenvolver um trabalho com estudan­
tes que abandonam os estudos aos 12 ou 13 anos e muito tarde, pois eles já formaram 
complexos de inferioridade" (JVnwuw/r. 1993). Como foi observado antes. Cari Jung criou 
o conceito de complexo, mas o complexo de inferioridade é uma contribuição de Alfred 
Adler.
Nascido em Viena, em fevereiro de 1870, Alfred Adler era judeu de nascimento, mas 
parecia não ter nenhum laço estreito com sua herança. Quando criança. Adler era frágil e 
de fato esteve à beira da morte em várias ocasiões. Ele sofria de raquitismo, o que na maio­
ria das vezes o forçava a desempenhar o papel de observador nas brincadeiras de seus ir­
mãos. Ao 5 anos, ele ficou tão gravemente enfermo de pneumonia que o médico da famí­
lia já havia perdido a esperança de que ele pudesse recuperar-se (felizmente, seus pais 
procuraram uma segunda opinião). Ele foi atropelado duas vezes, na rua — esses aciden­
tes foram grandes o bastante |»ara que perdesse a consciência (Orgler. 1963). Esses flertes
122 Teorias da personalidade
com a morte c a consciência dc sua própria fragilidade despertaram nele o sentimento de 
impotência e medo. Decidiu tornar-se médico para aprender a derrotar a morte.
Adler estudou medicina na Universidade de Viena (embora Freud lecionasse nessa 
universidade quando Adler estudava lá. eles nào se conheceram nessa época); formou-se 
em 1895, e começou a exercer sua profissão logo em seguida. Dois anos depois, casou-se 
com Raissa Epstein; dois de seus quatro lilhos mais tarde formaram-se em psicologia.
Diferenças entre Adler e a teoria freudiana
Em 1902, Adler estava entre os que eram convidados a participar dc alguns pequenos 
seminários ocasionais com Freud. Embora suas opiniões fossem um pouco diferentes dos 
pontos de vista dos psicanalistas freudianos, ele permaneceu como membro do grupo du­
rante vários anos. Porém, por volta de 1911, as divergências entre Freud e Adler torna­
ram-se acaloradas e einocionalmente intensas; Adler renunciou ao cargo de presidente da 
Sociedade Psicanalítica de Viena (nome pelo qual o grupo passou a ser chamado) e nunca 
mais teve nenhum tipo de contato com o grupo. Entretanto, os debates com o imperioso 
Freud e outros membros do grupo ajudaram Adler a estabelecer sua própria teoria sobre a 
personalidade, que. nessa época, estava começando a se desenvolver. Logo ele fundou sua 
própria sociedade, denominada Sociedade de Psicanálise Livre (que posteriormente passou 
a se chamar Sociedade de Psicologia Individual).
Um dos principais pontos em que as opiniões de Adler diferiram das de Freud foi na 
ênfase que cada um deu à origem da motivação. Para Freud, os motivadores primordiais 
eram o prazer (lembre-se dc que o id atua sobre o assim chamado princípio dc prazer) e a 
sexualidade. Para Adler, as motivações humanas eram bem mais complexas.
A psicologia individual de Adler
Adler chamou sua teoria de psicologia in d iv id u a l porque ele acreditava piamente 
nas motivações exclusivas dos indivíduos, e na importância da posição percebida por cada 
pessoa na sociedade. Como Jung, ele proclamou com segurança a importância dos aspec­
tos ideológicos, ou a orientação para metas, da natureza humana. Outra principal diferen­
ça entre suas filosofias, relacionada com a anterior, é que Adler, mais preocupado do que 
Freud com as condições sociais, via a necessidade de tomar medidas preventivas para evi­
tar distúrbios na personalidade.
Luta pela superioridade
Para Adler (1950). a principal essência da personalidade é 
a luta pela superioridade. Quando as pessoas têm um 
irresistível sentimento dc desamparo ou vivenciam alguns 
acontecimentos que fazem com que se sintam impotentes, 
elas em geral se sentem inferiores. Se esses sentimentos tor­
narem-se difusos, a pessoa pode desenvolver com plexo de
Capitulo 4 m As perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 12 3
Alfred Adler (1870-19)7). Muiiof dos constructos teóricos de Adler 
(complexo de inferioridade, inferioridade orgânica, protesto masculino) 
repercutem suas experiências pessoais de criança adoentada.
inferioridade. No complexo de inferioridade, sentimentos normais de incompetência as­
sumem proporções bem maiores, fazendo com que o indivíduo sinta que parece impossí­
vel alcançar metas e, portanto, que não vale a pena tentar. Veja o caso de David, que nun­
ca foi muito bem na escola. Ele nào é um péssimo aluno, mas comparado às distinções e 
conquistas acadêmicas de seus irmãos, seu histórico escolar pareceinsignificante. Com o 
tempo, ele desenvolveu um complexo de inferioridade — sentimento desconfortável de 
ser estúpido, até mesmo inferior a seu irmão e sua irmã.
A luta individual para superar esse complexo pode criar o com plexo de superiori­
dade como forma de manter um sentimento de auto-estima. Na verdade, foi isso que 
David fez. Se você fosse apresentado a ele. jamais suporia que ele tem uma questão de "in­
ferioridade" a ser resolvida. F.lc parece ter ótima opinião sobre si mesmo — está sempre se 
jactando e pronto para defender que sua solução para um problema é a mais correta. En­
tretanto, se você observá-lo mais de perto, verá que sua arrogância exagerada, na realida­
de. é uma supercompensaçáo do que ele acredita faltar nele; ele desenvolveu complexo de 
superioridade como forma de neutralizar a inferioridade que sente. Está tentando conven­
cer as outras pessoas e a si mesmo de que afinal de contas ele tem valor. Infelizmcntc para 
David, os complexos de superioridade em geral são considerados detestáveis por outras 
pessoas, c ele. portanto, está propenso a ser tratado com reserva ou mesmo aversão quan­
do a atitude arrogante sobressair-se. Essa rejeição, por sua vez. pode aumentar seus senti­
mentos mais íntimos de falta de valor, desencadeando uma compensação ainda mais 
agressiva, e a espiral enlouquecida então começa.
124 Teorias da personalidade
O ego de Hugh Grant
Eia Ih30 da madrugada cm 
Los Angeles. Um homem 
- voltava para casa após um 
demorado jantar. Descendo 
' a Sunset Strip em sua
BMW branca, viu uma mulher caminhando. Pa­
rou o carro e deu-lhe 45 dólares. Ela entrou no 
carro c em seguida ele o estacionou em uma rua 
secundária. Quando já estavam no banco dc trás. 
um carro da polícia aproximou-se; o policial fez 
algumas perguntas e imediatamente prendeu o 
casal. Essa teria sido uma noite comum cm Los 
Angeles, não fosse o fato de o homem na fotogra- 
lia de identificação tirada pela polícia ser o ator 
Hugh Grani.
Uma celebridade naquele momento. Grani já 
havia estrelado uma série de filmes de sucesso. 
Nào apenas sua carreira de ator chegava ao ponto 
máximo tanto na Inglaterra quanto nos Estados 
Unidos, mas sua vida pessoal igualmcntc estava no 
ápice; Grani estava noivo de sua namorada de vá­
rios anos. Elizabcth Hurlcy, porta-voz da Estée 
Ijudcr. Então, por que esse indivíduo, dc 34 anos.
que alcançara o estrelato e estava noivo dc uma 
top modtl arriscaria sua imagem de homem, no 
topo da carreira, para usar uma prostituta na rua?
Para Gram. Stella Thompson (também conhe­
cida por 'Divine Bnnvn'). segundo boatos, era a 
imagem de suas fantasias sexuais. Ela era morena, 
sensual e ilegal. Como (amasia. Divine Brown pode 
ter simbolizado algo que Grant, ao crescer, sentiu 
que nào podia ter. Por ser visto pela mãe. uma pro­
fessora de inglês, como um adolescente trincado 
que mais tarde faria um corso superior, em Oxford. 
Grani provavelmente era controlado e guiado por 
valores socialmente conservadores. Ele chegou a 
admitir que havia crescido desejando algo que não 
podia ter. ou. mais exatamente, alguém ou um tipo 
de pessoa. Isso foi ilustrado (»ela lembrança de que 
ele sempre tinha imensa e passageira paixão por lí­
deres de torcida, principalmenie as católicas.
Os psicanalistas possivelmente diriam que 
Grant cresceu com o conflito interno entre o id. 
que deseja fantasias proibidas, e o superego, que 
(normalmente) reprimiu nele esse arquétipo de 
fruto proibido. O ego de Grant não estava apto a
A evolução da teoria de Adler
A teoria de Adler passou por unia série de mudanças à medida que suas opiniões so­
bre as motivações humanas evoluíam. ( ) primeiro conceito que ele descreveu foi o de in ­
ferioridade orgânica — a idéia de que todo mundo nasce com alguma fragilidade física. 
É nesse "elo frágil", diz Adler, que a incapacidade ou doença tende a se enraizar e, portan­
to, o corpo tenta compensar a deficiência em outra área. (Observe que essa idéia é um tan­
to semelhante à teoria sobre homeostasia discutida no Capítulo 12.) Adler sustentou que 
essas enfermidades <e talvez, mais importante do que isso. as reações individuais a essas en­
fermidades! eram motivadores que influenciavam nas opções de vida das pessoas.
Pouco tempo depois. Adler adicionou a sou modelo o conceito de im pulso para a 
agressão. Ele acreditava que os impulsos poderiam ser imediatamente efetivos ou reverti­
dos em impulso oposto (isso se assemelha ao mecanismo de defesa proposto por Freud). A 
agressão era partieularmento importante para Adler, porque ele acreditava que está era 
reação à percepção de impotência ou inferioridade — ataque violento contra a incapacida­
de de alcançar ou de dominar alguma coisa.
O passo seguinte de Adler foi por ele chamado de protesto m asculino. Contudo, ele 
não queria dizer que somente os garotos vivcnciam esse fenômeno. Durante esse período 
da história, era apropriado cultural e socialmente usar as palavras feminilidade e masculini­
dade como metáforas de inferioridade e superioridade. Adler acreditava que todas as crian­
ças. em virtude de sua relativa dependência e falta de autoridade na ordem social, eram
Capitulo 4 m As perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 125
negociar uma conciliação perfeita para o id (a des­
peito de Elizabeth Hurley) porque não é possível 
ter essas mulheres proibidas de maneira social e 
moralmente aceitável. Porém, á medida que Grani 
foi ficando mais famoso, o id. ainda disposto a 
conseguir tudo, passou a exercer influência ainda 
maior. Alem disso. Grani não havia tido nenhum 
problema de comportamento nos últimos tempos 
e. portanto, talvez seu superego estivesse desar­
mado; para ele. as restrições da sociedade não 
eram proeminentes. Mas foi seu ego que o desam­
parou. Vários atores de sucesso de Hollywood de­
senvolvem problemas de ego. Em vez de lidar com 
os desafios para atingir a maturidade e a sabedoria, 
eles nadam em adulações falsas e superficiais de 
um público afetuoso que vê a imagem deles, mas 
não enxerga a verdadeira |>ersonalidade.
Alguns anos depois desse incidente. Grant 
afirmou em uma entrevista que detesta atuar c 
queria ter escolhido o que considera, honesta- 
mente, um caminho mais criativo como escrever 
roteiros ou livros. Contudo, como ele mesmo ad­
mitiu, acha que lhe falta a autodisciplina para as­
sumir essa tarefa. E, a despeito de sua separação
pública de Elizabeth Hurley, Grant acredita que 
eles mantêm uma relação de dependência mútua, 
e que ele realmente não consegue atuar sem ela. 
Essa insatisfação, tanto com a carreira quanto 
com o amor. encaixa-se no conceito de deficiência 
do ego.
Quando estava descendo a Sunset Boulevard, 
Hugh Grant foi seduzido pelo antigo desejo de ter 
o que era moral e socialmcnte inaceitável — a 
mulher proibida, mas scxualmcntc atraente. Ele 
tinha dinheiro, era importante, admirado por to­
dos, então, por que não? Com um ego bem de­
senvolvido que analisasse a realidade e dissesse 
para ele que sua indulgência era irracional, des­
leal com sua noiva, ilegal, perigosa e maluca, ele 
não teria parado o carro.
A teoria psicanalftica defenderia que todo esse 
fiasco psxlia ser remontado a um dos primeiros 
desejos do id de Grant. reprimido pelo superego. 
No entanto, os neo-analistas focalizam mais o ego 
de Hugh Grant — sua percepção de quem ele era 
e do que deveria estar fazendo. Grant tinha tudo e 
estava habituado a conseguir o que desejava. Por 
que parar?
marcadamcntc femininas, e que tanto os garotos quanto as garotas vivcnciam esse protes­
to masculino a fim de tornarem-se independentes e, consequentemente, iguais aos adul­
tos e às pessoas de poder no seu pequeno mundo. O protesto masculino é a tentativa indi­
vidual de ser competente e independente — autônomo — em ver de meramente um 
rebento dos pais. Às vezes, a luta pela superioridade pode ser saudável quando envolve 
uma assertividade positiva.
A busca de autonomia e de percepção de controle e eficácia foi posteriormenteincorpo­
rada nas teorias de inúmeros outros psicólogos da personalidade. Por exemplo, Robert White 
(1959) foi responsável pela introdução dos conceitos de motivação para a eficácia c compe­
tência na corrente do pensamento psicanalítico em voga. Ele achava que isso linha origem 
em suas próprias experiências c desejos de competência e afirmação dignificada como uma 
pessoa mais jovem — motivações que. segundo White, a filosofia freudiana negligenciou.
Um aspecto ou conceito relacionado, importante para Adler, foi chamado de luta 
pela perfeição. Adler acreditava que as pessoas não ligadas neuroticamente a um com­
plexo de inferioridade passam a vida tentando alcançar suas metas ficcionais. (Isso às 
vezes é chamado de 'finalismo ficcional*.) Essas metas, que variam de pessoa para pes­
soa. refletem o que cada uma considera perfeição e exigem que sejam eliminadas as im ­
perfeições identificadas. A crença na realidade dessas metas ficcionais c. algumas vezes, 
chamada de filosofia 'como se'. Todos nós temos metas ficcionais. Por exemplo, uma das 
metas ficcionais de Cleo é a de ter uma "carreira perfeita'. Ela imagina que pode levar a 
escola com 'u m pé nas costas" e tirar boas notas, concluir seu estágio de interna em um 
prestigiado hospital e ser convidada para trabalhar em uma multinacional que ofereça 
ambiente de trabalho agradável, salário invejável e oportunidades de viagem. Claro, ela 
também seria muito bem-sucedida e eficiente em seu cargo, agradaria todos os seus su­
periores e os surpreenderia com seu grande talento. Na realidade, Cleo não está tirando 
a escola de letra; ela está dando duro para manter a média. Ainda não dá para saber se 
ela vai conseguir residência em um prestigiado hospital ou simplesmente um trabalho 
comum; se vai galgar o plano de carreira da multinacional ou ficar no banco de reservas. 
Porém, ter essas metas ficcionais a motiva e faz com que se concentre mais; visualizar 
um futuro reluzente é sua pequena recompensa. Se ela sonhasse com menos, talvez 
nunca conseguiria alcançar nenhum desses sonhos. Em vez disso, ela sonha alto e, em ­
bora sem dúvida possa ter algumas decepções, provavelmente tornará muitos dos seus 
desejos realidade.
Adler tinha muito interesse em saber como os indivíduos percebem a responsabilida­
de social e como a entendem. Aproveitando-se da análise de Freud sobre o amor e o traba­
lho, Adler identificou três questões sociais fundamentais que ele acreditava todos nós de­
veríamos observar: ( I ) atividades ocupacionais — escolher e perseguir uma carreira que 
nos faça sentir dignos; (2) atividades sociais — fazer amigos c criar redes sociais; e (3) ati­
vidades amorosas — encontrar um parceiro de vida adequado. Além disso, ele acreditava 
que todas as três estavam entrelaçadas, ou seja, as experiências em qualquer dessas áreas 
influenciariam as outras duas.
O papel da ordem de nascimento
Concentrando-se na estrutura social e fazendo observações significativas (tanto sobre 
outras pessoas quanto sobre sua infanda), Adler passou a acreditar na importância da or­
dem de nascimento na determinação das características da personalidade. As crianças 
primoijôiiuis vivem por um tempo como o filho favorito porque são "filhos únicos". Mais
1 2 6 Teorias da personalidade
tarde, cias devem lidar com a constatação de que nâo são as únicas a precisar de atenção e 
que os pais, portanto, precisam dividir essa atenção com os outros filhos. Esse despertar um 
tanto inclemente pode criar uma tendência à independência e à luta por reaver o siaius ou, 
de outra forma, o primogênito pode tornar-se um falso pai preocupado com o social, aju­
dando a educar os próprios irmãos e as outras pessoas. As crianças do meio nascem em uma 
circunstância de disputa e competição. () próprio Adler enfrentou intensa sensação de estar 
disputando com seu irmão mais velho; sua incapacidade de competir em termos físicos, em 
decorrência dos problemas de saúde, foi responsável por sentimentos subsequentes de in­
ferioridade. Conquanto isso possa ser útil no sentido de estimular o filho do meio a realizar 
feitos mais notáveis, erros recorrentes podem ser muito prejudiciais à auto-estima. Os caçu­
las normalmentc são mais mimados do que todos os outros. Eles serão a vida toda o 'bebê 
da família*. Adler acreditava que o excesso de modelos do papel de irmão poderia levar 
essa criança a sentir-se sobremodo pressionada a ser bem-sucedida em todas as áreas, e a 
possível incapacidade de atingir isso poderia gerar atitude indolente e derrotista.
Os conceitos sobre ordem de nascimento e personalidade (que na verdade originam-se 
em parte do trabalho anterior de Francis Galton) produziram quantidade imensa de pesqui­
sas: dentre as várias descobertas, identificou-se que os primogênitos são de fato mais propen­
sos a ir para a faculdade c a ser bem-sucedidos como cientistas (Simonton, 1994). Porem, 
quanto aos caçulas, ê mais provável que sejam criativos, rebeldes, revolucionários ou 
vanguardistas. O livro Born io Relxl (Sulloway, 1996) propõe que as revoluções na ciência, 
religião, política e movimentos sociais são desproporcionalmente conduzidos pelos caçulas. 
Com base em ampla revisão crítica da biografia de 6.000 pessoas proeminentes na história 
ocidental, Sulloway concluiu que, embora os primogênitos mostrem disposição a alto nível 
de realização, eles são esmagadoramente menos propensos que os caçulas a propor ou apoiar 
(tontos de vista revolucionários.
Sulloway ressalta a dinâmica da família — em que os primogênitos parecem adotar 
diferentes estratégias de sobrevivência que os caçulas — para explicar o efeito da ordem de 
nascimento sobre a propensão que fomenta discórdia e aceita idéias radicais. O próprio 
Charles Darwin é exemplo clássico de caçula revolucionário: os dados nos quais Darwin 
fundamentou sua teoria da evolução, em 1837, eram amplamente acessíveis aos cientistas 
de sua época, mas foi necessária a rebeldia de um caçula para reconhecer que esses dados 
exigiam a reconsideração herética da doutrina do plano divino, então aceita. Observe que. 
para a abordagem de Sulloway, tanto quanto para a de Adler, não é a posição na ordem de 
nascimento per se que é importante, mas as motivações que ela cria. Adler. portanto, pre­
parou o caminho para muitos psicólogos motivacionais do futuro.
Os estudos sobre a ordem de nascimento normalmente nâo separam os efeitos da or­
dem biológica de nascimento dos efeitos da ordem de criação. Por exemplo, se o 
primogênito morrer ao nascer, então o segundo filho será o irmão mais velho. Ou. se o 
primogênito de uma família for adotado |K>r outra família que já tem filhos, esse novo filho 
será primogênito do ponto de vista biológico, mas será criado como caçula. Há diferenças 
biológicas já sabidas entre uma gravidez e outra (por exemplo, o útero é menor na primeira 
gravidez, as condições hormonais são diferentes, os seios na amamentação podem estar di­
ferentes, e assim por diante). Entretanto, pesquisas futuras deveriam prestar mais atenção 
à elucidação sobre o que ocorre quando o nascimento biológico é diferente da ordem de 
criação (Beer 6 Horn, 2000). Contudo, há uma evidência genuína de que primogênitos 
tendem a realizações e a ser mais conscienciosos do que os caçulas (Paulhus, Trapnell fr 
Chen. 1999).
Capitulo 4 m As perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 127
A tipologia da personalidade proposta por Adler
Adler tentou unir suas idéias com o clássico conceito grego de humores subjacente ã 
personalidade. De acordo com essas idéias antigas, a predominância da bílis amarela era 
indicativa de um temperamento irritável (colérico); do sangue acreditava-se que resultava 
um temperamento sanguíneo (otimista); da bílis negra resultava um temperamento so­
rumbático (melancólico) e da fleuma, um temperamento letárgico (ílcumático). A esse 
modelo básico Adler acrescentou suas idéias sobre níveis variados de interesse social, bem 
como a avaliação sobre nível de atividade.
Comomostra a Tabela 4.3, Adler renomeou os quatro componentes de sua tipologia: 
( I ) dominante (agressivo c dominador), (2) obtentor (tira dos outros: um tanto quanto 
passivo). (3) evitante (vence os problemas fugindo) e (4) social mente útil (enfrenta os 
problemas realisticamente; é cooperativo e cuidadoso). Presume-se que essa tendência de­
senvolve-se de experiências antigas. Adler escreveu que um corpo incompatível com seu 
ambiente será sentido pela mente como um fardo. As crianças que sofreram de "imperfei­
ção física' são desafiadas a tentar superar seus limites, tanto de maneira ativa, que não é 
social (tornando-se dominadoras), como de modo ativo, que é social (cooperação): de ma­
neira passiva, não social (pegando o que as outras pessoas dispensam), ou de maneira pas­
siva. deprimida (fugindo dos problemas). Em grande parte das crianças que são desafiadas, 
a mente torna-se sobrecarregada e elas passam a ser autocentradas (egoístas). O caminho 
para a saúde física e mental requer a superação desse egocentrismo. Da mesma maneira 
que nas grandes teorias, foi muito difícil estabelecer a validação simples e empírica para 
essa tipologia.
Alguns dos conceitos de Adler sobre a grande importância das situações sociais foram 
desenvolvidos posteriormente por Harry Stack Sullivan, examinados no Capítulo 10 (sobre 
as abordagens interacionistas da personalidade). Adler também preparou o caminho para 
pensadores como Erich Fromm, que, além de ter reconhecido tanto © lado básico e biologi­
camente impulsionado da personalidade quanto as severas restrições sociais da personali­
dade, também tentou reconciliar essas forças com as idéias de criatividade, amor e liberda­
de. Erich Fromm c essas idéias sào analisados mais adiante, no Capítulo 9 (sobre os pontos 
de vista humanísticos c existenciais da personalidade). Talvez a maior contribuição de 
Adler para a psicologia da personalidade tenha sido sua insistência na natureza positiva e 
orientada para metas da humanidade. Ele nos deixou uma imagem de pessoas que lutam 
para superar suas fraquezas e ter um desempenho produtivo — em outras palavras, pessoas 
que contribuem para a sociedade.
128 Teorias da personalidade
Tabela 4.5 U m a com paração en tre a tipologia 
de A d le r e a tip o lo g ia clássica grega
Humores
gregos
Tipos
gregos
Nível de
interesse
social
Nível de 
atividade
Tipos 
de Adler
Bílis amarela Colérico Baixo Alto Dominante
Fleuma Fleumático Baixo Baixo Obtentor
Bílis negra Melancólico Muito baixo Baixo Evitante
Sdtiguc Sanguíneo (Otimista) Alto Alto Socialmcntc útil
Karen Homey, cultura e feminismo_________________
Na fase de amadurecimento da brilhante e ambiciosa garota Karen Danielson. em 
Hamburgo. Alemanha, no fim do século XIX, ela enfrentou muitos desafios pessoais e so­
ciais. Seu pai. capitão de navio, perdera sua primeira esposa depois de ter quatro filhos 
com ela. Ele se casou nova mente com a atraente e sofisticada Clolilde, dezoito anos mais 
nova do que ele. Eles tiveram um filho e, quatro anos mais tarde, uma filha — Karen. Ela. 
portanto, cresceu em um mundo de meio-irmãos que nunca aceitaram totalmenie os no­
vos rebentos da família (Homey, 1980; Quinn, 1987).
O pai de Karen. com 50 anos quando ela nasceu, era um homem severo e muito reli­
gioso. Fundamentava suas convicções sobre a inferioridade das mulheres nas interpreta­
ções que fazia da bíblia c governava a família com pulso firme. Embora fosse mais aberta­
mente afeiçoado a Berndt, irmão de Karen, preocupava-se com Karen. Às vezes, trazia-lhe 
presentes de terras distantes c chegou até a permitir que ela o acompanhasse cm várias 
viagens a bordo do navio. Desse modo. Karen cresceu com sentimentos conflitantes em 
relação ao pai; ela o admirava, embora se sentisse menos amada |>or ele do que gostaria. 
Entretanto, ela e a mãe eram muito íntimas.
Conquanto Karen não fosse pouco atraente, ela se achava feia e muito cedo estabele­
ceu para si mesma que, se não podia ser bonita, pelos menos podia ser inteligente. Adora­
va a escola e tornou-se excelente aluna. Por volta dos 12 anos, resolveu que seria médica, 
opção que não agradou a seu pai. Porém, com a insistência de Karen. Berndt e Clotilde. 
acabou concordando em fornecer o dinheiro da mensalidade para que ela frequentasse 
uma escola pré-médica.
Na sociedade como um todo, as relações entre os sexos eram tumultuadas nessa épo­
ca. As mulheres clamavam por mais direitos e oportunidades educacionais. Karen foi uma 
das primeiras mulheres a receber permissão para frequentar o ensino médio (o 
gymtuisium1 alemão). As escolas medicas estavam apenas começando a abrir as portas para 
as mulheres. Em 1906. Karen iniciou a residência médica em Freiburg. Alemanha. Foi du­
rante esse período que ela conheceu Oskar Homey (pronuncia-se Horn-ai); ambos rapida­
mente desenvolveram uma forte amizade. Eles se casaram em 1909 e, por volta de 1910. 
sua primeira filha já estava a caminho. Esse prometia ser um ano estressante e de várias 
mudanças para Karen. Ela havia st* casado há pouco tempo, estava grávida e cursava psi­
canálise com Karl Abraham, discípulo de Freud, para se preparar para exercer a psiquia­
tria. E, não bastasse tudo isso, sua mãe morreu um pouco antes de ela dar à luz.
Karen e Oskar tiveram três filhas ao todo e cada uma delas chegou a comentar mais 
tarde que Karen era um tanto quanto desprendida delas quando eram ainda crianças. Em ­
bora parte disso sem dúvida fosse intencional, no sentido de estimular a independência 
(algo em que tanto Karen quanto Oskar acreditavam firmemente), havia a falta de afeto e 
interesse em seu estilo de educar as filhas. Isso é particularmcntc curioso se considerarmos 
os próprios sentimentos de Karen. negligência durante a infância, e suas posteriores teorias 
sobre o papel da indiferença parental como estimuladora de neuroses.
No início da década de 20, Karen e o marido começaram a se distanciar pouco a pouco. 
Então, um acontecimento trágico os afligiu. Em 1923. os investimentos financeiros de 
Oskar azedaram e. com a subida desenfreada da inflação, seu salário não era mais suficiente
Capitulo 4 m A s perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 129
I. Escola secundária cm alguns países europeus. cs|H-cialmentc na Alemanha, que prepara os alunos 
(tara a universidade <N. <ia T.>.
para evitar a falência da família. Além disso, ele foi acometido de meningite aguda, que o 
deixou fraco e frágil. Foi ainda durante esse ano que Karen perdeu seu querido irmão 
Berndt, vítima de infecção no pulmão. Tanto Karen quanto seu marido caíram em depres­
são e, por volta de 1926. não havia dúvida de que o casamento não sobreviveria. Karen e 
suas três filhas mudaram-se nesse mesmo ano para uma propriedade delas, mas Karen e 
Oskar só se divorciaram em I9J9.
As idéias de Karen Horncy até certo ponto eram semelhantes às de Adler. Horney 
acreditava, assim como Adler, que uma das descobertas mais importantes de uma criança 
é a própria impotência, e que é a luta seguinte para ganhar individualidade e controle que 
modela grande parte do self. Ela acreditava piamente na importância da auto-realizaçáo e 
n«) amadurecimento de cada indivíduo. Karen estava muito mais voltada para o mundo 
social e as motivações sociais do que «>s freudianos (voltados quase exclusivamente para os 
impulsos sexuais). Em 19}2. emigrou de Berlim para os Estados Unidos. Essa tremenda 
mudança cultural abriu-lhe ainda mais os olhos para as influências da sociedade sobre o 
desenvolvimento do indivíduo.
Rejeição da inveja do pênis
A análise de Freud sobre as mulheres foi fundamentada em torno do conceito de in­
veja do pênis. Horncy rejeitou a idéia de que as mulheres sentiam que seus órgãos 
genitais eram inferiores, embora minuciosa observação empreendida por ela tenha reve­
lado que com frequência as mulheres de fato se sentem inferiores aos homens. Freud. fazen­
do o mesmo exame, defendeu essa idéia do ponto de vista anatômico — a falta de um pê­
nis. Entretanto,Horney sustentou que «>s sentimentos de inferioridade das mulheres 
originavam-se da maneira como elas eram educadas na sociedade e da ênfase exagerada 
para que se assegurassem do amor de um homem. Ela acreditava que. se as mulheres fos­
sem criadas em ambientes nos quais a definição de "masculinidade" ft>sse forte, valente, 
competente e livre e, a de "feminilidade’ í«>sse inferior, delicada, frágil e submissa, as m u­
lheres sem dúvida ver-se-iam numa condição subordinada e. portanto, desejariam coisas 
'masculinas' como forma de ganhar poder. Porém, ela não concordava com a ideia de 
Freud de que era um pênis que as mulheres queriam; ao contrário, elas queriam a aut«>- 
nomia e o controle que associavam com a masculinidade. Além disso, ela postulou que os 
homens são inconscientemente invejosos de algumas qualidades femininas, como a capa­
cidade de ficar grávida.
Ansiedade básica
Pelo fato de as crianças serem impotentes — não estarem aptas a sair pelo mundo e 
reivindicar seu lugar legítimo — . precisam reprimir qualquer sentimento de hostilidade e 
irritação pelos adultos poderosos que vivem em seu próprio mundo e lutar para agradar a 
esses adultos como forma de satisfazer suas necessidades. Horney, portanto, substitui a ên­
fase biológica de Freud pela idéia de ansiedade básica. A ansiedade básica é o medo da 
criança de estar sozinha, desamparada e insegura. Ela provém de problemas nas relações 
da criança com os pais. como a falta de afeto, estabilidade, respeito ou envolvimento. Con­
sequentemente, acreditava Horney, a ansiedade básica podia ser direcionada praticamente 
a todas as pessoas, caso em que um tumulto interno seria focalizado externamente, no 
mundo em geral. Desse modo, embora Horney aceitasse o conceito psicanalítico básico de 
Freud de que as pessoas são impulsionadas por motivos inconscientes e irracionais que se
1 30 Teorias da personalidade
Capitulo 4 m A s perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 1 3 1
Karen Horney (1885-1952) modificou a psicanálise 
freudiana para mostrar as influências sociais e culturais 
sobre a personalidade, rejeitando a ênfase de Fretid sobre a 
sexualidade inata e o pênis. Sua perspectiva feminista o pos­
se ao ponto de vista freudiano patriarcal.
desenvolvem na infância, d a acreditava que esses 
motivos originavam-se de conflitos sociais dentro da 
família e de conflitos mais amplos dentro da socie­
dade (Homcy, 1968, 1987, 1991).
Em reação à ansiedade básica, os indivíduos 
são hipoteticamente acomodados em um modo pri­
mário de adaptação ao mundo. Aqueles que acredi­
tam que podem fazer maior progresso sendo con­
descendentes adotam o estilo passivo: aqueles que acreditam em lutar para sobreviver 
adotam o estilo agressivo: e aqueles que sentem que é melhor não se envolver emocio­
nalmente, de modo algum, adotam o estilo retraído. Essas ideias tem muito mais do que 
o simples interesse histórico; elas formam uma estrutura amplamente aceita que busca 
compreender a maneira adequada de criar filhos. Grande parte da preocupação atual em 
oferecer às crianças afeto e ambientes familiares respeitosos provém dessa teorização neo- 
analítica sobre o papel da sociedade em suavizar os instintos biológicos.
O self
Os neo-analistas concentraram-se na identidade e percepção do self Ao analisar pessoas 
neuróticas. Horney descreveu diferentes aspectos do self. Primeiro, há o self real, a essência 
interna da personalidade que nós percebemos sobre nós mesmos, que abrange nosso poten­
cial de auto-realização; essa essência é prejudicada pela negligência e indiferença dos pais. 
Essa negligência dos pais pode gorar o self desprezado, que consiste cm percepções de infe­
rioridade e deficiência, na maioria das vezes baseadas em avaliações negativas que outras 
pessoas fazem de nós e dos sentimentos de impotência daí resultantes. Talvez o mais impor­
tante tenha sido que Homcy identificou o self ideal — o que uma pessoa considera perfeito 
e espera realizar — como sendo modelado por impropriedades percebidas. Ao descrever o 
self ideal, Horney referiu-se ao que ela chamou de 'tirania do deveria", que é a ladainha de 
coisas que deveríamos ter feito de maneira diferente e com as quais nós nos atormentamos. 
O se//ideal é um composto de todos esses “deverias*. Para Horney, a finalidade da psicanálise 
não era ajudar alguém a alcançar seu self ideal, mas capacitar a pessoa a aceitar seu self real. 
As pessoas que são alienadas de seu self real tornam-se neuróticas e desenvolvem uma estra­
tégia de enfrentamento interpessoal para 'solucionar* esse conflito.
Estratégias neuróticas de enfrentamento
Horney, portanto, propôs uma série de estratégias usadas pelos neuróticos para que 
possam enfrentar outras pessoas. A primeira dessas abordagens é por ela denominada 
“aproximação" — isto é, sempre tentar fazer os outros felizes, obter amor e assegurar a
aprovação c a afeição dos outros. Para Homey, os indivíduos que empregam essa estratégia 
de enírentamento estão se superidentifícando com o self desprezado e, portanto, estão se 
considerando indignos de amor. As tentativas dessas pessoas para ganhar amor são, por 
um lado, um disfarce do que elas acreditam ser verdadeiro sobre si mesmas e, por outro, 
uma maneira de fazer os outros acreditarem que elas merecem afeição. Por exemplo, as 
mulheres que foram criadas por pais alcoólicos podem ter aprendido a obter auto-estima 
sujeitando-se a situações de exploração; quando adultas, essas mulheres talvez procurem 
homens aproveitadores e empenhem-se para faze-los felizes c. desse modo, ganharem a 
aprovação deles (Lyon fr Grccnberg. 1991). No jargão popular, esse padrão perturbado de 
relacionamento é às vezes chamado de codependimia.
Homey denominou a segunda abordagem de -'expansão"’ — isto c, lutar por poder c 
reconhecimento e pela admiração dos outros. Para Homey. esses indivíduos, em vez de 
identificarem-se exageradamente com o self desprezado, superidentificam-se com o self 
idealizado. Eles têm de passar a acreditar que todas as coisas que desejavam ter sido são 
verdadeiras e sua luta por reconhecimento e poder é um esforço para reafirmar para si 
mesmos a verdade dessa ilusão.
A terceira abordagem foi chamada de "afastamento' — isto é. desviar-se de qual­
quer investida emocional nas relações interpessoais, no sentido de evitar ser ferido nes­
sas relações. Para Homey. esses indivíduos desejam superar o self desprezado e. além 
disso, sentem-se incapazes de tornar-se o self idealizado. Eles se consideram, no estado 
em que se encontram, indignos de amor e atenção alheios e também se sentem incapa­
zes de alcançar algo melhor. Portanto, para evitar a diferença desagradável — a diver­
gência — entre esses dois aspectos do self, eles se escondem atrás da independência e da 
solidão.
No geral, essas estratégias de proteção do self. embora neuróticas, podem tornar-se 
uma necessidade difusa e chegar a dominar a personalidade de alguém. Homey enumerou 
dez defesas contra a ansiedade, as quais passaram a ser conhecidas como as dez necessida­
des neuróticas. Elas são relacionadas na Tabela 4.4.
Tabela 4.4 As dez necessidades neuróticas postuladas p o r K a re n H o rn e y
132 Teorias da personalidade
Afeição e aprovação (sempre tentar agradar aos outros»
Parceiro dominador (dependência exagerada)
Poder (necessidade de controlar os outros e de desdenhar a fragilidade)
Exploração (medo de ser cxplorado(a), mas não de explorar)
Reconhecimento e prestígio (busca constante |H>r um snnus mais alto)
Admiração (busca de elogios, mesmo se imerecidos)
Ambição e realização (desejo de ser superior, em consequência da insegurança interior) 
Auto-suficiência (não confiar nunca nos outros)
Perfeição (busca da impecabilidade)
Limites estreitos (contentar-se com pouco e, portanto, subjugar-se)
As pessoas neuróticas concentram-se compulsivainente em uma dessas necessidades cm todas 
as suas interações sociais. Essas necessidades são soluções irracionais aos desafios que todosnós enfrentamos (Horney, 1942). A necessidade de um neurótico nunca pode ser satisfeita.
O impacto dc Horncy sobre o pensamento psicanalítico
Em suma, Karen Horncy ajudou o pensamento psicanalítico a afastar-se da ênfase bio­
lógica, anatômica c individualista. Embora tenha aceitado o significado dos motivos incons­
cientes desenvolvidos na infância, Horncy enfatizou a importância do afeto, da estabilidade 
familiar, bem como do impacto da sociedade e da cultura tomadas num âmbito mais amplo. 
Além disso, da mesma maneira que Horncy, em sua própria vida, lutou contra os obstáculos 
impostos pela sociedade às realizações das mulheres, ela não aceitou a idéia de que a nature­
za das mulheres as torna inerentemente frágeis e submissas. Ela examinou as influências da 
família e da cultura sobre cada indivíduo e insistiu em que as pessoas podiam lutar para su­
perar seus demônios inconscientes. Homey também enfatizou a aflição da "tirania do deve­
ria' — as exigências neuróticas internas de perfeição. Homey escreveu que a psicanálise não 
é a única forma de solucionar conflitos internos — que 'a própria vida" é um terapeuta mui­
to eficaz (Homey, 1945).
A despeito das tentativas de Horncy, a psicanálise não deixou de centralizar-se signifi­
cativamente no sexo masculino c de ser paternalista. Como a feminista Germaine Greer 
(1971) disse espirituosamente. 'Freud é o pai da psicanálise. Ela não teve mãe*.
Capitulo 4 m A s perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 1 33
Transposição de Freudpara conceitos mais modernos
Anna Freud
Anna Frcud nasceu em dezembro de 1895, filha de Sigmund e Martha Freud — que 
haviam decidido previamente que não teriam mais nenhum filho. Em sua infância c 
adolescência, Anna era tímida e quieta, mas 
muito aleiçoada ao pai. Por volta dos vinte 
anos, ela experimentou a psicanálise (até 
mesmo com seu pai) e subsequentemente 
passou a integrar a Sociedade Psfcanalftica 
de Viena.
Em 1922. Anna apresentou stia primei­
ra dissertação a essa sociedade e. em 1925, 
começou a exercer a psicanálise, embora não 
tivesse recebido nenhum diploma formal cm 
psicologia ou medicina. Esse foi também o 
ano em que foi diagnosticado que Sigmund 
Freud estava com câncer na boca. As cirur­
gias que se seguiram pioraram ainda mais a
Anna Frciul (1895-1982). nesta foto. está com 17 
anos, acompanhada de seu pai. Sigmund, durante 
suas férias com a família, em 191). Seu trabalho 
concentrou-se na aplicando das abordagens 
psicanalítkas em crianças e adolescentes.
situação c talvez tenham ajudado Anna a estimular seu esforço apaixonado em dar conti­
nuidade às teorias do pai.
Diferentemente de seu pai. Sigmund. que tentou desnudar a infância do ponto de 
vista de um paciente adulto, Anna Freud trabalhou diretamente com crianças. Hla adap­
tou as técnicas psicanalíticas às necessidades particulares das crianças, de acordo com 
suas diferentes habilidades verbais e capacidade de concentração. A partir dai, durante 
meio século. Anna Freud seguiu os passos de seu pai. aplicando a teoria psicanalítica em 
crianças e adolescentes. Embora nunca tenha se desviado muito do pensamento psica- 
nalítico. ela começou a construir a ponte que posteriormente os neofreudianos atraves­
sariam. dando credibilidade ao estudo direto do ego. Anna conseguiu focalizar mais niti­
damente o ego ao enfatizar a influência do ambiente social, embora tenha mantido os 
vínculos entre o id e o superego. Além disso, ela transformou levemente o determinismo 
do pensamento psicanalítico, ou seja. embora com certeza nâo tenha rejeitado a impor­
tância das forças do id e as restrições do superego, concebeu o ego humano com certa 
funcionalidade proativa e independente que posteriormente os teóricos puderam desen­
volver <A. Freud. 1942).
Heinz Hartmann
Heinz Hartmann algumas vezes foi chamado de pai da psicologia do ego. Como Anna 
Freud. Hartmann desenvolveu um trabalho segundo a estrutura freudiana clássica, ao 
mesmo tempo expandindo e fortalecendo o conceito de Freud sobre o ego. Hartmann não 
acreditava que o ego estivesse sob o controle do id. embora não o considerasse completa- 
mente autônomo. Para ele, no entanto, o id e o ego funcionavam de modo compensatório, 
um regulando o outro. Por Hartmann ter aceitado a idéia de que a 'tarefa" do ego era aju­
dar uma pessoa a ter uma função no mundo, ele não teve de modificar o conceito 
freudiano tradicional sobre o indivíduo como um ser que deseja puramente diminuir a 
ansiedade e buscar o prazer. Em vez disso, para ele. geralmente o ego estava apto a dar o 
comando a uma pessoa, para que fizesse coisas que a longo prazo teriam o papel de 
autopreservação, mas a curto seriam desagradáveis. C) ego não apenas se opunha a impul­
sos libidinosos, mas também funcionava com autonomia para lidar com as exigências da 
sociedade < Hartmann, 1958).
Teorias das relações objetais: uw a ligação conceituaI 
en tre a identidade própria e a identidade soda!_______
Em geral, à medida que as abordagens psicanalíticas sobre a personalidade desen­
volviam-se, mais claro ficava que a atenção deveria ser desviada da psique íntima do in­
divíduo para suas relações com outras pessoas. Em outras palavras, a essência do que 
somos nâo pode ser entendida sem compreender nossas relações com outras pessoas sig­
nificativas. Essas abordagens são chamadas de teorias das relações objetais. Elas se 
concentram nos objetos dos impulsos psíquicos não como alvos instintivos, mas como 
entidades por si mesmas importantes. Ou seja, a criança tem conhecimento sobre self e 
os outros principalmente interagindo com outras pessoas. O termo "relações objetais" c 
mais comumente usado nesse contexto em referência à representação mental de outras 
pessoas significativas.
134 Teorias da personalidade
Isso às vezes dificulta a distinção entre os psicólogos das relações objetais, os psicólogos 
do ego e os psicólogos neo-analíticos: é raro um teórico restringir sua teoria estritamente a 
tuna única área. Entretanto, uma coisa que os teóricos das relações objetais têm em co­
mum é focalizar a importância das relações com outros indivíduos na definição da persona­
lidade. A maioria desses teóricos também acredita que o self é socialmente construído para 
interações interpessoais específicas, e não como algo que surge de maneira natural ao lon­
go d<> desenvolvimento biológico (Kernberg, 1984». (Veja o quadro Autoconhecimento. na 
página 136.)
Margarct Mahlcr c a simbiose
Foi o trabalho de Margaret Mahlcr com crianças emocionalmente perturbadas que a 
levou a desenvolver a teoria sobre simbiose. Ela observou que as crianças, as quais hoje po­
deriam ser chamadas de autistas, pareciam incapazes de formar laços emocionais com ou­
tros seres humanos (em particular com a mãe). Portanto, elas se desligavam do mundo. Na 
criança psicótica simbiótica, por sua vez, os laços emocionais que se formavam eram tão 
fortes que a criança era incapaz de ter a percepção de self — isto é, ela não tinha nenhuma 
existência autônoma. Em geral, enfrentamos a luta entre a necessidade de autonomia e a 
ânsia de nos rendermos e nos tornarmos um com alguém próximo.
Mahler acreditava que a formação de laços saudáveis com a mãe era de suma impor­
tância para a saúde psicológica, e as crianças que formavam laços normais com a própria 
mãe eram crianças simbióticas norm ais. Elas desenvolviam a empatia e a percepção de 
ser uma pessoa distinta, mas afetuosa. Assim como Anna Freud e Heinz Hartmann. 
Mahler valorizou muito o potencial do indivíduo de controlar o próprio mundo e o desen­
volvimento de um ego saudável. Porém, mais particularmente Mahler (1979), acrescen­
tou ainda a importância das habilidades maternas no desenvolvimento de uma criança 
emocionalmente saudável.
À medida que a teoria das relações objetais evoluiu, ela se ampliou e se desviou de 
pontos de vista mccanicistas. Por exemplo, Otto Kernberg <1984) sustentou que. do nasci­
mento em diante, são as nossas relações emocionais com pessoas significativaspara nós as 
que mais imporiam. Essas relações essenciais são internalizadas como memória emocio­
nal. Obtemos uma compreensão sobre nós mesmos, conhecemos outras pessoas significa­
tivas (chamadas de 'objetos* na teoria das relações objetais) e obtemos conhecimento so­
bre a natureza dos laços emocionais básicos (como amor. desconfiança etc.). Essas 
experiências ou representações sào então consolidadas em um self integrado, que é o “eu* 
ou ego. O interessante, como veremos, é esses pontos de vista amplos sobre o self 
construído socialmente terem sido desenvolvidos ao mesmo tempo na vertente sociológica 
tanto da psicologia social quanto da psicologia da personalidade.
Capitulo 4 m A s perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 1 35
Melanie Klein e a perspectiva relacional
Melanie Klein, psiquiatra inglesa nascida em Viena (1882-1960), também trabalhou 
intimamente com crianças e mergulhou na investigação sobre como elas começam a pen­
sar e a representar outras pessoas (na própria mente). Ela pode ser considerada a primeira 
grande psicanalista de criança. Klein queria ter sido bastante paciente para observar crian­
ças pequenas demoradamente quando elas estivessem brincando por conta própria. Con­
tudo. suas abordagens foram grandemente influenciadas por sua experiência como
1 3 6 Teorias da personalidade
II________________________
Autocokíhecimeytto
A v a l ia ç ã o d o e g o
As abordagens da psicologia do ego sobre a personalidade evidenciam o ulf — quem pensa­
mos que somos — como o aspecto central do indivíduo. Para uma elucidação clara sobre a avalia­
ção do ego, apresentamos três exercícios; cada um exemplifica uma abordagem psicológica dife­
rente sobre o ego em relação a essa questão.
I. O que nossas "m etas ficcionais" revelam ?
1. Quais são as três principais metas (de luta pelo auto-aperfeiçoamento) em sua vida nes­
te exato momento?
2. O que essas metas ficcionais revelam sobre você?
J. O que elas lhe revelam sobre as fraquezas que você percebe em você ou talvez até mes­
mo fraquezas que não admitiu para si mesmo?
4. Como essas metas ficcionais poderiam ajudã-Io a modelar sua vida no futuro?
5. A mudança de metas influencia a mudança de identidade?
II. Exercício para uma reflexão crítica sobre as abordagens do ego
Este exercício requer a participação de um parceiro que o conheça. Primeiramente, em 
particular, cada um deve fazer cinco pequenas descrições (urna frase), por escrito, sobre si 
mesmo. Essas descrições podem ser gerais ou específicas; o importante é que elas tentem 
capturar a essência de quem você é. Em seguida, reflita por um momento sobre seu par­
ceiro. Depois disso, cada um deve escrever cinco pequenas descrições (uma frase) sobre o 
outro. Ao finalizar, comparem as descrições de ambos.
Quão precisaraente seu parceiro o descreveu? Quão precisamente você o descreveu? Se 
houver inconsistências (e a maioria dos pares apresenta algumas), por acaso elas revelam 
algo sobre as diferenças entre seu ulf social e o ulf pessoal? Você se define em termos de 
papéis sociais? Em termos de metas? O fato de você saber como os outros o véem faz com 
que se redefina de alguma maneira?
IN. Análise dos sonhos
Todos sonhamos todas as noites, embora muitos de nós nào se lembrem dos próprios 
sonhos. Mantenha um bloco de anotações ao lado da cama e acesa uma luz fraca e difusa 
que não o incomode. Ao acordar durante a noite ou pela manhã, mantenha os olhos fe­
chados por um momento c procure lembrar-se do seu sonho. Fm seguida, abra os olhos e 
escreva rapidamente o que lembrou, (fi provável que se recorde melhor dos sonhos após 
algumas semanas de prática.)
Examine cuidadosamente seus sonhos para tentar identificar temas ou motivações 
recorrentes. Então, compare-os com metas, temas c motivações em seu dia-a-dia. Por 
exemplo, há alguma raiva ou conflito em seus sonhos que tenha a ver com alguma rai­
va ou conflito momentâneo em seu dia-a-dia? Existe alguma preocupação com fracas­
so? Seria uma finalização no amor? Há alguma representação de algum dos arquétipos 
de Jung?
Se você fi/er isso, digamos, lodo mês de dezembro durante vários anos. poderá procurar 
mudanças ao longo rio tempo cm suas motivações e cm sua identidade.
terapeuta, em que as relações com outras pessoas em geral são de suma importância. Suas 
idéias, como as de Otto Kernberg, (oram também moldadas pelos conceitos então emer­
gentes sobre interação social e identidade própria — conceito sobre self social — , que fun­
damentam a psicologia social moderna.
Klein promoveu o desenvolvimento da 'ludoterapia", hoje de aplicação bastante co­
mum. Por exemplo, as crianças enlutadas pela morte do pai ou por uma agressão física por 
elas sofrida podem ser tratadas atualmente em centro de tratamento especializado, no 
qual elas resolvem sentimentos e conflitos inconscientes por meio de brinquedos ou habi­
lidades artísticas, assim como um adulto faria por meio da análise dos sonhos ou da 
associação livre. Você recomendaria um tratamento como esse ao filho de um amigo ou a 
uma criança cm sua família que estivesse enfrentando algum tipo de aflição? ti mais fácil 
responder a perguntas como essa quando compreendemos a origem desses tratamentos e 
as teorias que os fundamentam.
Ao redirecionar as idéias de Freud, Klein (1975) examinou padrões no início da in­
fância. como a reação de um bebê quando é tirado do seio da mãe depois de amamentado. 
( ) seio é a primeira fonte de satisfação do bein'. Portanto, quando essa fonte é removida, o 
bebê de alguma forma culpa a mãe. Daí decorre que amamos e odiamos ao mesmo tempo 
as pessoas que nos são mais íntimas. Esse conflito é solucionado quando o bebe passa a 
compreender que o amor da mãe não é apenas o seio dela. Há uma diferenciação c uma 
compreensão mais profunda. Esse princípio de compreensão jxara com os outros estabele­
ce o padrão das relações futuras com outras pessoas.
Nos últimos anos, as idéias de Melanie Klein foram ampliadas por teóricos modernos 
do ego (das relações objetais) como Stephen Mitchell (2000), ao que foi chamado de pers­
pectiva relacional na psicanálise. Esses progressos resultam de experiências cujo propósito é 
revelar como o padrão e a representação iniciais da relação do self com outras pessoas, por 
nós construídos quando bebês e crianças, passam a influenciar nosso autoconceito e nos­
sas relações sociais nos vários desafios enfrentados ao longo da vida adulta. Se não houver 
uma base estável, é possível que posteriormente resulte daí uma psicopatologia. Por exem­
plo, podemos compreender um caçador à espreita, obcecado pelo 'am o r' de pessoas céle­
bres, segundo o ponto de vista de que ele não desenvolveu uma diferenciação normal en­
tre identidade própria, relações amorosas e o ato de compreender a perspectiva do outro. 
Essas abordagens são mais clínicas, mais humanísticas e mais filosóficas que as abordagens 
mais experimentais e empíricas da moderna psicologia da personalidade hoje em voga. 
mas elas abordam as mesmas questões acerca da natureza social do self.
Heinz Kohut
Heinz Kohut também colaborou para a elaboração de novos conceitos sobre o self 
(1971). O psicanalista Kohut sustentou que um dos principais problemas de muitas das 
pessoas ansiosas é o medo da perda de um importante objeto de amor (na maioria das ve­
zes os pais). Ele trabalhou com pacientes que sofriam de distúrbio de personalidade 
narcisistica. o que significa que se sentiam impotentes e dependentes, embora projetassem 
bravata e auto-exaltação. Kohut acreditava que os problemas desses pacientes origina­
vam-se da falta de aceitação |>or parte dos pais, o que resultava na inca|>acidade, por parte 
dos pacientes, de aceitar-se plenamente. F.le descobriu que, desempenhando o papel de 
terapeuta-pai. podia, na maioria das vezes, reverter esse processo e capacitá-los a desen­
volver um autoconceito saudável.
Capitulo 4 m A s perspectivas neo-analíticas da personalidade: identidade 1 37
Como exemplo, vejamos o caso