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Direito Penal em Black Mirror: entre a ficção e a culpabilidade Criminal Law in Black Mirror: between the fiction and the culpability Isabelli Cristine Barbosa1 Nathália Sales Oliveira2 Resumo O artigo retrata a convergência entre Direito e Arte na análise de um instituto do Direito Penal, a culpabilidade. A aproximação desses ramos far-se-á pela observância da série intitulada Black Mirror, criada por Charlie Brooklin em 2001. Enfoca-se no episódio “Hino Nacional” que, por meio de seu enredo, compara-se com o Direito Penal do Brasil. O discorrer do artigo foi realizado em torno do método hipotético-dedutivo, fazendo-se a abordagem qualitativa e realizando pesquisa exploratória e bibliográfica para que os objetivos de aproximação da arte no direito penal fosse alcançada. Palavras-chave: Direito Penal. Culpabilidade. Arte. Série. Abstract The article is about the convergence between Law and Art in the analysis of a criminal law institute, culpability. The approximation of these branches is made by observing the series entitled "Black Mirror", created by Charlie Brooklin in 2001. It focuses on the episode "National Flag" which, through its plot, is compared with the Law Of Brazil. The discussion of the article was carried out around the hypothetical-deductive method, making the qualitative approach and conducting exploratory and bibliographic research so that the objectives of approximation of art in criminal law were achieved. Keywords: Criminal Law. Culpability. Art. Series. Introdução O Direito, como ciência social aplicada, necessita estar em constante conexão com diferentes intersecções de conhecimentos, convergindo para a construção de uma análise jurídica que vai além do positivismo puro. Quando se trata de sociedade, a arte aflora as 1 Graduando em Direito pela UEMS. E-mail: isabelli1824@hotmail.com 2 Graduando em Direito pela UEMS. E-mail: nathaliasalesdl@gmail.com 2 emoções e é uma das maneiras mais próximas de retratar a realidade de um tempo histórico, de um acontecimento e, desta forma, do convívio social como um todo. Este ramo vai desde a literatura clássica, perpassando pela literatura infanto-juvenil, encontrando, por fim, na modernidade, a arte do cinema como um todo. A importância de convergir Arte e Direito, como supracitado, tornar-se-ia uma ferramenta poderosa de entendimento de diversos fatores no ramo jurídico. Mas, não se trata de uma união muito explorada nos estudos por, muitas vezes, não ser reconhecida que componentes do universo da ficção estão estritamente ligados a aspectos jurídicos, políticos, sociais, educacionais, entre tantos outros. O trabalho a seguir, porém, visa a análise do instituto da culpabilidade perante a observação de um episódio da série Black Mirror3, buscando examinar de maneira lúdica e com aproximação da realidade social um conceito de extrema importância para o Direito Penal e sua aplicabilidade como um todo. 1. Importância da Arte para o Direito “O direito e a poesia se levantaram juntos de um mesmo leito” (GRIMM, 1816, p. 234). Esta frase de Jacob Grimm, linguista da gramática germânica de grande relevância, traz um grande confronto com o positivismo jurídico, pois une Arte e Direito como confrontadores do que Lenio Streck denominou exorcismo da realidade4, em sua obra Verdade e consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas, de 2009. Aproximar realidade e Direito se faz como peça fundamental na engrenagem de usar essa ciência como ela é: ciência social aplicada. Mesmo que essa afirmação se faça presente em discussões atuais, o pensamento é antigo. O romano Ulpiano (170-228 d.c) possui como famosa frase “Ubi homo ibis societas; ubi societas, ibi jus”, ou seja, “Onde está o homem, há sociedade; onde há sociedade, há o Direito”5. A aproximação do Direito com a realidade do indivíduo, destarte, encontra-se em confronto com a acessibilidade do cidadão. Afirmar, por exemplo, que o cônjuge é o indivíduo a qual se liga matrimonialmente, ou que de acordo com o artigo 39, I do Código do Direito do Consumidor, a venda casada é proibida e que todos podem entrar com bebidas e 3 Traduzido para a língua portuguesa: espelho negro. Tradução nossa. 4 Conceito usado por Lenio Luiz Streck em Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas, para retratar a defasagem causada pelo positivismo no tempo. 5 Dicionário online de Português. Significado de Ubis Societas, ibi jus. 2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/ubi-societas-ibi-jus/. Acesso em: 20 jul.2020. 3 alimentos comprados em outro estabelecimento no cinema e, até mesmo que o de cujus é apenas o falecido, são barreiras demonstradas com a separação entre operadores do Direito e a acessibilidade social como um todo. “Trata-se de conhecer os direitos e deveres que asseguram a própria dignidade da pessoa humana e não um conjunto de regras, normas, pedidos e decisões formulados por “operadores-robôs” do direito” (SANTANA, online). A arte como um todo, por sua vez, possui em seu enredo um poder único: ampliar as visões a sociedade, abrindo espaço para a diegese6 adentrar o solipsismo7. Ou seja, a doutrina da narratologia, capaz de unir a dimensão ficcional com a dimensão de quem aprecia a arte, dando lugar ao ideal de que, além do indivíduo, há exclusivamente suas experiências. Esta convergência se dá desde a leitura de um clássico literário, como o grande mistério da suposta traição de Capitolina a Bento Santiago em Dom Casmurro, de Machado de Assis, ultrapassando as barreiras da literatura infantil, como a observação do pacto social em Pinóquio, perpassando pelo cinema em Jogos Vorazes e o totalitarismo, até adentrar em séries como Black Mirror com reflexões que ultrapassam as questões morais, para as políticas e sociais como um todo. Desta maneira, poder-se-ia corroborar para a aproximação entre sociedade e Direito, para que essa ciência possa, de fato, ser socialmente aplicada, afinal, “O Direito também pode ser contado a partir da literatura. Assim, estaríamos não só humanizando o Direito como também mostrando que ele não precisa desempenhar sempre o papel de vilão da história” (STRECK, TRINDADE, 2012, p. 6). O mundo cinematográfico, portanto, quando observado como fonte da aproximação da realidade do indivíduo, bem como suas emoções até mesmo seus delitos, carrega consigo uma interdisciplinaridade que abre a visão da dogmática tradicional para a análise das necessidades sociais e suas transgressões. "Os filmes nos permitem ir além do entendimento conceitual e avaliar a possibilidade de satisfação concreta da Justiça, através do Direito" (OLIVEIRA, online). 2. O desenvolvimento dos modelos narrativos no âmbito cinematográfico e os seus impactos sociais Em 28 de dezembro de 1895, a população parisiense pode desfrutar da sua primeira experiência pública cinematográfica, foi em solo francês que Auguste e Louis Lumière 6 Presente na narratologia, refere-se ao mundo ficcional do cinema, da dramaturgia e dos estudos literários. 7 Doutrina que defende a crença de uma experiência linear, ou seja, além de cada um, só existe sua própria experiência. 4 desenvolveram um novo instrumento denominado cinematógrafo, o qual gravava e projetava imagens. Foram expostos, nesta mostra, dez filmes de curta duração, dentre eles: A chegada do trem à estação de La Ciotat8 e a A saída dos operários da fábrica9. Seis meses depois da primeira exibição em Paris, em 8 de julho de 1896, é realizada a primeira sessão de filmes no Brasil, no Rio de Janeiro. Até então, o objetivo dos cineastas era registrar mecanicamente acontecimentos reais, sem o intuito de trazer uma narrativacompleta, apenas o desejo de ascender o fascínio popular pela nova técnica fotográfica (BRITO, 2006, p. 138). Através de uma câmara imóvel, era possível gravar o que estava sendo reproduzido diante da lente, como se fosse um "teatro filmado". Desse modo, neste momento, o cinema era utilizado somente para fins documentais e de registro. No entanto, foi a partir dessa nova era que o surgimento da linguagem cinematográfica e de uma narrativa específica ao meio pôde ser desenvolvida. Alice Guy--Blaché10 e Georges Méliès11 foram os pioneiros na arte de produzir e incorporar técnicas narrativas ao cinema. É nesse momento que inúmeros modelos narrativos passaram a fazer parte do mundo cinematográfico. Não se pode esquecer que o cinema foi fundamental na formação do imaginário coletivo do século XX. Vinculou-se à literatura, através dos novos mecanismos tecnológico da época, que encantaram e conquistaram uma significativa quantidade de espectadores, atingindo uma proporção inimaginável em comparação ao público da literatura elitista do século XX. Segundo Bazin (1985), o cinema foi um divisor de águas na dinamização e na distribuição da arte literária no século XX, de fato teria realizado o que nenhuma outra atividade artística conseguiria ao longo da história moderna. Foi o responsável pela restauração da popularidade da arte, haja vista que o triunfo do romance nos séculos XVIII e XIX ficou reduzido à classe burguesa, enquanto o cinema alcançaria todas as esferas sociais. 8 "L'arrivée d'un train en gare de La Ciotat ", França, 1895, 1min.; PxB. Direção: Louis Lumière e Auguste Lumière. 9 “Sortie des usines Lumière”, França, 1895, 1min.; PxB. Direção: Louis Lumière e Auguste Lumière. 10 Alice Guy-Blaché (Saint-Mandé, 1 de julho de 1873 — Wayne, 24 de março de 1968) foi a precursora no cinema francês. É normalmente conhecida como a primeira cineasta e roteirista de filmes ficcionais. Biography.com (ed.). «Alice Guy-Blaché». A&E Television Networks. Consultado em 20 jul. 2020. 11 Georges Méliès nasceu em 1861 e se tornou mais famosos mágicos ilusionistas da França. Juntamente dos irmãos Lumière, os quais acabavam de inventar o deram uma idéia ao mágico Méliès que viu no cinematógrafo uma boa maneira de mostrar sua arte. FARIA, Caroline. George Méliès. Disponível em: https://www.infoescola.com/biografias/george-melies/. Acesso em: 20 jul. 2020. 5 Assim, tem-se que o cinema nasceu destinado a um público iletrado, na necessidade de uma linguagem direcionada a todos, principalmente, para a camada mais popular da sociedade. A partir do momento em que as técnicas e os modelos narrativos se consolidam no mundo cinematográfico, tem-se o encontro dos elementos: prosa, som, cor e imagem. Essa montagem, atualmente, é reconhecida como parte integrante da linguagem cinematográfica (Enciclopédia do Intercom, 2010). Desse modo, as criações cinematográficas, como filmes, além de exporem uma nova técnica de projetar imagens em movimentos, passaram a ter o intuito de contar estórias, sejam elas fictícias ou assentadas na realidade da comunidade. Ainda no século XX, já com advento das salas de cinema e televisões, outro modelo narrativo, além dos filmes, passou a fazer parte do cotidiano social. Seria esse um novo formato de apresentar estórias ao público. Contada por capítulos distribuídos em temporadas com número pré-definido de episódios, as séries trouxeram inovações no meio artístico e cultural da época, uma vez que dispunham da possibilidade de duração ilimitada dos seus episódios, passando muitas vezes anos no ar, dependendo da audiência. Essa nova forma de cativar a atenção do público, por mostrar, muitas vezes, realidades distópicas, mas também situações recorrentes, passou a ter espaço principalmente nas televisões. Em 1946, Pinwright's Progress12 foi o primeiro seriado a estrear na TV. Formado por 13 episódios, o seriado narrava a história de J Pinwright, que administrava a loja Macgillygally's em meio aos obstáculos impostos pelos funcionários e inimigos. Em 1950, por exemplo, estreou a primeira série brasileira: Rancho Alegre13, um programa de humor com durabilidade de 4 anos, protagonizado por Abelardo Barbosa, o Chacrinha, grande símbolo humorístico brasileiro. Logo em seguida, em 1952, estreou o famoso Sítio do Pica Pau Amarelo14, um verdadeiro marco na história das séries brasileiras. Resultado do desenvolvimento cinematográfico narrativo ao longo da história, a cultura das séries é produto das mudanças e evoluções tecnológicas e constituem-se em uma nova forma de produção e consumo audiovisual. 12 Série de comédia britânica criada, em 1946, pela emissora BBC One. LEWISOHN, Mark (2003). Radio Times Guide to TV Comedy. BBC Worldwide Ltd. Acesso em: 20 jul. 2020. 13 Série de televisão brasileira, transmitido pela Rádio Tupi de São Paulo desde 1946. Dirigido por Cassiano Gabus Mendes e comandado por Mazzaropi. Portal Imprensa. Estreia “rancho alegre” com chacrinha no comando (tupi). Disponivel em: http://portalimprensa.com.br/tv60anos/anos50_56_ranchoalegre_texto.asp. Acesso: em 20 jul. 2020. 14 Em 1974, o Sitio do Picapau Amarelo foi ao ar pela primeira vez. É uma série de 23 volumes de literatura fantástica, escrita pelo autor brasileiro Monteiro Lobato. FURQUIM, Fernanda. Séries Clássicas – O Sítio do Picapau Amarelo. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/temporadas/series-classicas-8211-o-sitio-do- picapau-amarelo/. Acesso em: 20 jul. 2020. https://www.google.com/search?client=opera&hs=d2U&sxsrf=ALeKk01V8zNOZZNaMIkUcNTeu8WpkliUbg:1595950415518&q=BBC+One&stick=H4sIAAAAAAAAAOPgE-LUz9U3sDAwTUpTAjMN04zKDbQks5Ot9EvKgCi-oCg_vSgx1yovtaQ8vyh7ESu7k5Ozgn9e6g5WRgDjJMeLQAAAAA&sa=X&ved=2ahUKEwjcheLMovDqAhXZKLkGHa0LDvcQmxMoATAWegQIFBAD 6 Diante do seu crescimento e popularização, formou-se uma geração de espectadores em busca de entretenimento. Mas, para além da diversão, as séries passaram a criar dimensões e realidades muito parecidas com o cotidiano social. Assim, mostraram-se, durante o tempo, um aparato muito rico e ilustrativo ao se tratar de problemáticas sociais, sendo objeto de estudo, muitas vezes, de setores profissionais como a Psicologia, Ciências Sociais e, até mesmo, no Âmbito Jurídico. Com o surgimento da Netflix15, os espectadores puderam através de um clique assistir a sua série ou filme favorito, podendo parar e continuar a ver onde e quando quiserem. Desse modo, tanto o contexto tecnológico atual, com a afirmação da internet e a criação de plataformas que facilitam a circulação de filmes e séries, quanto a inserção de ambientes tangíveis similares a realidade social em forma de ficção, mostraram-se fatores fundamentais na disseminação e consumo desse novo modelo cinematográfico. 3. A trajetória de Black Mirror e a sua importância para o Instituto da Culpabilidade Black Mirror é uma série de televisão britânica criada por Charlie Brooker16. A sua transmissão estreou em dezembro de 2011 na emissora Channel 4, no Reino Unido. Atualmente, conta com 5 temporadas, as quais foram produzidas e exibidas pela Netflix. Segundo Brooker “cada episódio tem um elenco diferente, um cenário diferente, até mesmo uma realidade diferente, mas todos se tratam da forma que vivemos agora — e da forma que podemos estar vivendo daqui a 10 minutos se formos desastrados"17. Da mesma forma, a Netflix descreve a sequência como uma série antológica de ficção científica, que trabalha com um espaço de tempo póstero, onde a essência humana e a tecnologia avançada estão em constante conflito. Assim, o autor busca provocar no espectador um compilado de sensações e utiliza da singularidade de cada episódio para atingir o seu objetivo. 15 Plataforma provedoraglobal de filmes e séries de televisão. 16 Charlie Brooker, nasceu na Inglaterra e ficou mundialmente conhecido por conta da série Black Mirror. É jornalista, produtor, apresentador, humorista e escritor. Saraiva. Conheça a história de Charlie Brooker, criador de Black Mirror. Disponível em: https://blog.saraiva.com.br/charlie-brooker-criador-de-black-mirror/. Acesso em: 20 jul. 2020. 17 Charlie Brooker em entrevista fornecida ao canal britânico Channel 4, disponibilizada no site: http://www.channel4.com/info/press/programme-information/black-mirror. Texto original: “Over the last ten years, technology has transformed almost every aspect of our lives before we’ve had time to stop and question it. In every home; on every desk; in every palm – a plasma screen; a monitor; a Smartphone – a black mirror of our 21st Century existence. Our grip on reality is shifting. We worship at the altars of Google and Apple. Facebook algorithms know us more intimately than our own parents. We have access to all the information in the world, but no brain space left to absorb anything longer than a 140-character tweet“. https://pt.wikipedia.org/wiki/Channel_4 https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_Unido 7 Bruno Amile Bracco traz em seu compêndio de Criminologia, a seguinte reflexão acerca da série: “longe de ficção e longe do futuro, é apenas a humanidade, esta humanidade atual, ali retratada visceralmente”18. Assim, pelo fato de abordar uma sucessão de reflexões a respeito das problemáticas sociais contemporâneas, utilizando como plano de fundo um ambiente distópico, que Black Mirror consegue despertar no público uma sensação de proximidade e fascínio. Outro aspecto da atratividade da série em relação aos seus espectadores é a forma como se desenvolve a trama. André Pontarolli e Paulo Silas Taporosky Filho, em suas avaliações, apontam que histórias como Black Mirror prezam por um enredo chocante. Em suas palavras: Esse choque se dá principalmente pela constatação de que a ficção não caminha tão distante da realidade. Cada episódio, uma história. Cada história, uma exposição social crítica do mundo em que vivemos ou que estamos fadados a viver. Muito daquilo que é contado em Black Mirror se traduz num reflexo da própria sociedade. Quando não é uma denúncia daquilo que já vivemos, é um alerta sobre a linha de chegada constante no final do caminho que estamos trilhando19. A partir das considerações abordadas, o motivo do fascínio das pessoas quanto a série torna-se evidente e o seu caráter ficcional passa a ser um espelho da vida cotidiana, isto é, o retrato de uma realidade possível. A fim de ilustrar o Instituto da Culpabilidade, dentro do Direito Penal, a série Black Mirror mostra-se um objeto de estudo lúdico, possibilitando a assimilação dos elementos da temática. Para tanto, faz-se necessária a análise de um dos episódios retratados na série. O episódio a ser analisado é o Hino Nacional (The National Anthem), comumente conhecido como “o porco”. Em suma, nesse episódio, um indivíduo anônimo sequestra a princesa Susana, com o intuito de ter a sua mercê o Primeiro Ministro, Michael Callow, do Reino Unido. Em um “beco sem saída”, o ministro se vê diante de duas opções, cumpre com o que foi exigido pelo sequestrador e salva a princesa ou desobedece e ocasiona a morte 18 BRACCO, Bruno Amábile. Black Mirror: um compêndio de Criminologia. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/03/13/black-mirror-um-compendio-de- criminologia/#:~:text=A%20série%20britânica%20Black%20Mirror%20é%20um%20desses%20fenômenos%20 curiosos.&text=E%20–%20caso%20raro%20–%20é%20uma,mais%20cruas%20que%20nos%20rodeiam. Acesso em: 22 jul. 2020. 19 Texto citado na obra: FILHO, Paulo Silas Taporosky. PONTAROLLI, André. Black mirror, Michel Foucault e o sistema penal “white bear”. Disponível em: http://www.salacriminal.com/home/black-mirror-michel-foucalt-e- o-sistema-penal-white-bear. Acesso em: 22 jul. 2020. http://www.salacriminal.com/home/black-mirror-michel-foucalt-e-o-sistema-penal-white-bear http://www.salacriminal.com/home/black-mirror-michel-foucalt-e-o-sistema-penal-white-bear http://www.salacriminal.com/home/black-mirror-michel-foucalt-e-o-sistema-penal-white-bear http://www.salacriminal.com/home/black-mirror-michel-foucalt-e-o-sistema-penal-white-bear 8 daquela. O sequestrador, a fim de pressionar e não deixar brechas para a tomada de outra atitude senão aquela imposta, pública o vídeo da ameaça nas redes sociais revelando as condições para que o ato seja cumprido. Apesar das inúmeras tentativas de retirada do ar, o vídeo, cada vez mais, tomava proporções incontroláveis, até mesmo, sendo noticiado em canais televisivos. O ato imposto consistia na prática sexual completa do primeiro ministro com um porco, condicionando sua pratica à divulgação em tempo real até às 18 horas do mesmo dia, para que todo o Reino Unido pudesse ver. Sem escapatória, o ministro, coagido, realiza o ato grotesco em rede nacional, a fim de salvar a princesa. A peculiaridade do episódio, na verdade, é que durante a execução do ato a princesa já havia sido solta, questão de meia hora antes do horário previsto, em uma ponte extremamente movimentada. Impressionantemente, ninguém percebeu a sua soltura, já que a cidade estava mais focada no ato esdrúxulo do primeiro ministro do que na sobrevivência da princesa. Diante deste último ato, é possível entender que grande parte da repercussão da cena gira em torno da espetacularização pública da punição, que no caso, refere-se a conduta grotesca realizada pelo primeiro ministro. No entanto, além de ser um rico compêndio de Criminologia, Black Mirror apresenta relevância para o Direito Penal Brasileiro, uma vez que o episódio se desenvolve a partir da coação envolta do Ministro. Desse modo, a cena aborda questões muito pertinentes ao estudo da Culpabilidade, principalmente, no âmbito do seu afastamento, ao se tratar das hipóteses de coação. 4. Do Instituto da Culpabilidade 4.1. Conceito De acordo com Luiz Regis Prado (1999, p. 47): “O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade.” Em relação aos referidos bens, a Constituição Federal de 1988 destaca que os principais valores protegidos pelo Direito Penal são: a propriedade, a liberdade e a vida. Assim, no momento em que um bem jurídico penalmente tutelado é lesionado, exterioriza-se no âmbito jurídico o chamado Direito Penal subjetivo, onde o Estado irá, através do seu direto de punir, reprimir o contraventor do tipo penal, na busca de recuperar o equilíbrio social. O jus puniendi20, no entanto, não pode ser exercido de forma arbitrária e 20 Expressão advinda do latim que pode ser traduzida como direito de punir do Estado. 9 ilegal, devendo respeitar e submeter-se às limitações estabelecidas pelos postulados que compreendem o Direito Penal e a sua aplicação. A prática delituosa, por exemplo, depende da conduta do infrator, assim, para que o indivíduo seja devidamente penalizado, é imprescindível que ocorra o reconhecimento analítico do crime. Este reconhecimento, portanto, se dá pela análise dos elementos jurídicos que tornam a conduta praticada um fato punível. Desse modo, para que o crime seja considerado punível, o Direito Penal adotou a chamada teoria tripartite, em que a culpabilidade, objeto de análise deste trabalho, é o terceiro elemento do crime, sendo o primeiro a tipicidade e o segundo a ilicitude do fato. Com efeito, bem descreve o professor Bitencourt (2003, p. 14): (…) A culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico,isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Da mesma forma, Rogério Greco (2014, p. 379) conceitua a culpabilidade como: “O juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente”. Assim, a culpabilidade, para ser aferida, deve preencher alguns requisitos. O agente, para ser culpável, segundo a teoria normativa pura, deve ser imputável, ter potencial consciência da ilicitude e ser-lhe possível agir, no caso concreto, de forma diversa. Além disso, de acordo com Luiz Flávio Gomes e Antônio Molina (2007, p.275) é importante destacar, que no instituto da culpabilidade: Quem é reprovado (censurado) é o agente, mas não qualquer agente, senão o agente do fato (ou seja: o agente de um fato formal e materialmente típico, antijurídico e punível). Com isso, fica claro o seguinte: o agente é o objeto da censura (da reprovação), mas só pode ser censurado pelo que fez, não pelo que é. Assim, tendo em vista que a culpabilidade representa a reprovação do homem por aquilo que ele fez, considerando-se a sua capacidade de autodeterminação, tem-se, ao comparar os fatos apresentados em Black Mirror, que a reprovação da conduta do primeiro ministro, de acordo com o direito penal brasileiro, enquadra-se no crime de zoofilia21, 21 Lei nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998 Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104091/Lei-no-9605-de-12-de-Fevereiro-de-1998#art-32 10 destacado no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98. Ainda na mesma linha de raciocino, o agente do fato só pode ser reprovado, segundo Gomes e Molina (2007, p.275): “se podia se motivar de acordo com a norma e, ademais, se podia agir de modo diverso, consoante o Direito”22. Por isso, surge em torno da cena descrita, uma dúvida atrelada ao instituto da culpabilidade, se no momento do fato praticado o primeiro ministro poderia agir ou não de modo diverso daquele efetuado. Para que a dúvida seja elucidada, faz-se necessária a compreensão dos elementos que compreendem a culpabilidade, destacando-se a imputabilidade, o potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Da mesma forma, será simultaneamente utilizada as diretrizes positivadas no art. 59, caput, do Código Penal, em relação a análise dos "graus de culpabilidade" do agente, o qual terá influência na aplicação correta da pena. Desse modo, estudar-se-á cada substrato da culpabilidade apontando, também e especialmente, as causas excludentes deste instituto, evidenciando as condutas delituosas presentes no episódio Hino Nacional da série Black Mirror. 4.2. Dos Elementos da Culpabilidade 4.2.1. Da Imputabilidade Ao se tratar de culpabilidade, faz-se necessário o estudo das suas causas de exclusão, ou seja, a imputabilidade. No Direito Penal, “fala-se em imputabilidade (capacidade) ou inimputabilidade (incapacidade) para responder penalmente por uma ação delitiva praticada” (CUNHA, 2015, p. 277). Destarte, há casos em que o agente, seja por critérios biológicos, bastando portar anomalia psíquica; seja por critérios psicológicos, não necessariamente portador de anomalia psíquica, observando-se a capacidade de entendimento; ou, como adotado no Código Penal pela união dos dois fatores, o critério biopsicológico, que une o fato de portar condição mental que levará o agente a não ser inteiramente capaz de compreender a ilicitude do fato. Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. 11 Para o agente ser inimputável, portanto, conforme o artigo 26 do Código Penal, deverá “Por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Neste caso, a consequência jurídica será a absolvição imprópria, ou seja, o juiz irá absolver o réu, aplicando-o uma medida de segurança, conforme disposto no artigo 386, VI do Código Processual Penal brasileiro. No que tange ao primeiro-ministro e sua atuação no ato de cometer o crime, pode-se pensar, em um primeiro instante, que estaria sendo inimputável do crime. Todavia, este conceito estaria sendo aplicado de maneira errônea ao acontecimento. Afinal, para classificar segundo este elemento da culpabilidade, a imputabilidade: Deve-se observar se o mesmo era portador de alguma doença mental ou se possuía o desenvolvimento mental incompleto ou retardo, e se ao tempo do fato, detinha incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (NASCIMENTO, 2018). No episódio Hino Nacional, portanto, não houve caso em que se aplica-se o critério biopsicológico do Código Penal brasileiro, sendo o protagonista Michael Callow, imputável no enredo em questão. 4.2.2. Da Potencial Consciência da Ilicitude O segundo elemento da culpabilidade, a potencial consciência da ilicitude, não está expressamente escrito no Código Penal quando se trata de seu conceito. Todavia, segundo Rogério Sanches Cunha, pode-se entender a potencial consciência da ilicitude como “a possibilidade que tem o agente imputável de compreender a reprovabilidade da sua conduta” (CUNHA, 2015, p. 286). Desta forma, define-se como o agente, ao praticar um ato não jurídico, ter a compreensão da ilicitude do mesmo, esta chamada de consciência profana do injusto. Ao se tratar de potencial consciência da ilicitude, não se faz referência a uma profunda compreensão acerca das normas jurídicas, ou de ser um típico operador do Direito, mas ter uma base acerca da conduta reprovável. Afinal, para saber que roubar se trata de um crime, não é necessário saber que a previsão legal está no artigo 157 do Código Penal, pois se trata de um conhecimento que não requer formação formal na área. Da mesma maneira, não se faz indispensável o estudo do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, lei n. 9.605/98, para se ter a compreensão de que a zoofilia, ou seja, a atividade sexual realizada com animais, é não 12 somente socialmente, mas legalmente inaceitável, como disposto no episódio Hino Nacional em Black Mirror. A potencial consciência da ilicitude possui como causa excludente o erro de proibição. O Código Penal Brasileiro, no artigo 21, retrata que: Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. Destarte, de acordo com o artigo 1 da LINDB, toda lei é publicada no Diário Oficial, tornando-se, desta maneira, conhecida por todos. Mas, há umalacuna que pode desaguar em erro de conhecimento acerca da lei que, neste caso, findaria em exclusão de culpabilidade. Neste caso, conforme o artigo do Código Penal supracitado, o erro poderia incidir sobre dois fatores: erro escusável, sendo impossível o agente ter consciência do fato ser lícito ou ilícito, erro de proibição e erro de tipo. O erro de tipo, diferente do erro de proibição visto anteriormente que recai sobre a ilicitude, recai sobre o fato. Com a finalidade de exemplificação, cita-se o contexto criado por Rogério Sanches Cunha, em sua obra “Manual de Direito Penal” em que o personagem João, ao ver uma criança se afogar, confunde-a com um animal, ignorando o fato. Desta maneira, devido ao seu equívoco, a ação de João pode ser caracterizada como erro de tipo, por equivocar-se das circunstâncias reais do fato. Antônio, por sua vez, na mesma situação, não ajuda a criança por não ter relação com a mesma, recaindo sobre erro de proibição, afinal, por não haver obrigação de parentesco, considera-se ação tolerada pela lei. O episódio Hino Nacional, em Black Mirror, no que tange ao segundo elemento da culpabilidade, não se enquadra na questão. Afinal, o primeiro-ministro de um país, além de esperar-se que seja detentor de conhecimento mínimo das leis de seu país, estava apoiado por diversos profissionais que o alertaram sobre todas as consequências que seus atos trariam para a nação como um todo. Sendo assim, o enredo se dá envolto de uma série de informações cercada por três eixos, “o lado dos civis que acompanham a história pelos meios de comunicação, o lado do primeiro ministro e seus companheiros que tentam driblar a situação "criminosa" e o lado da mídia que faz a ponte informativa entre o governo e o espectador” (MATTOS, 2018). 13 4.2.3. Da Exigibilidade de Conduta Diversa A exigibilidade de conduta exige que, além do autor ser imputável e ter potencial consciência da ilicitude, é necessário, no momento da ação ou da omissão, que o agente tenha a possibilidade de atuar de acordo com o ordenamento jurídico, embora tenha agido de forma diversa (CUNHA, 2015, p. 290). Diante disso, a responsabilidade penal só recai sobre o agente do fato caso não esteja excluída, de alguma forma, a culpabilidade. Bem como explica Fernando de Almeida Pedroso: O cometimento de fato típico e antijurídico, por agente imputável que procedeu com dolo ou culpa, de nada vale em termos penais se dele não era exigível, nas circunstâncias em que atuou, comportamento diferente. Não se pode formular um juízo de censura ou reprovação, destarte, se do sujeito ativo era inviável requestar outra conduta23. Assim se, no tempo do fato, for inviável ter outra conduta senão a ilícita, não se pode emitir um juízo de censura ou reprovação. Entretanto, para se chegar nessa condição, deve-se analisar os requisitos da imputação da culpabilidade presentes no art. 22 do Código Penal: "Se o ato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem". A coação, a que se refere o dispositivo, é a coação moral irresistível, a qual pode ser traduzida como a ameaça ou promessa de realizar um mal. No entanto, dentro do Instituto da Culpabilidade, a coação pode ser física de caráter irresistível ou moral de caráter irresistível ou resistível. Como bem explica Cleber Masson (2016, p. 421): A coação de natureza física e irresistível afasta a conduta do coagido, e, consequentemente, o fato típico, por ausência de vontade, um dos elementos inerentes ao dolo e à culpa. Já a coação moral irresistível exclui a culpabilidade do coagido, em face da inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, 1ª parte, do CP). Mas, se tais coações forem resistíveis, haverá concurso de pessoas entre coator e coagido. Aquele terá a pena agravada (art. 62, II, do CP); já em relação a este, a reprimenda será atenuada. A título de exemplo, o enredo lúdico do episódio Hino Nacional, apresentado pela série Black Mirror, traz para o instituto da culpabilidade uma porção de fatores ilustrativos, tal como a existência de um fato típico ilícito, ao tratar da zoofilia, e os seus elementos, destacando-se a imputabilidade da conduta, a capacidade de consciência da ilicitude e a 23 PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal-Parte Geral. São Paulo: Editora Método, 2008. p. 569. 14 exigibilidade de conduta diversa. Diante deste último componente foi possível observar que se desenvolveu, ao longo do episódio, a execução de um ato ilícito, em que o agente do fato infringiu o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98 ao realizar a prática da zoofilia. No entanto, tal conduta só foi efetuada, pois no momento do ato o infrator estava diante de uma ameaça moral volvida por um segundo indivíduo. Na verdade, aqui, tem-se a configuração de um crime realizado sob o âmbito da coação moral, em que o coator impõe ao coagido a prática de um determinado ato ilícito. Assim se, o fato típico e ilícito apresentado for proveniente de uma coação moral irresistível ter-se-á a exclusão da culpabilidade conforme o art. 62, inc. II, do CP, pois o agente não poderia ter se comportado de outro modo senão aquele. Agora, se o fato típico e ilícito for considerado proveniente de uma coação moral resistível, os dois personagens respondem pelo crime, o coator pela agravante do art. 62, II, do CP, e o coagido pela atenuante do art. 65, III, "c", do CP. A partir da análise do fato concreto, foi possível concluir que o primeiro ministro, a fim de garantir a sobrevivência da princesa, praticou de fato um delito. No entanto, para que ele fosse responsabilizado ou não pelo ato, foi necessário, em princípio, analisar os pressupostos da exigibilidade de conduta diversa, uma vez que teve a coação como condição da incidência da culpabilidade. Assim, da mesma forma, para que haja a configuração, em geral, de um ato em um fato típico e ilícito, deve-se analisar tanto os elementos da culpabilidade, quanto os pressupostos de incidência que a compõem, posto que, sem a exigibilidade de conduta diversa, não há culpabilidade e, sem culpabilidade, não há crime. 5. Das Causas de Exclusão da Culpabilidade Discorrido sobre os elementos da culpabilidade, percebe-se que cada um deles apresenta requisitos próprios no que concerne a aplicabilidade do instituto culpabilidade, bem como as suas causas legais de exclusão. Desse modo, tanto a imputabilidade, quanto a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa possuem dirimentes que incidem no afastamento da aplicabilidade da culpabilidade. Na Imputabilidade, por exemplo, além da citada anomalia psíquica (art. 26, caput, CP), a culpabilidade é afastada nos casos de: menoridade (art. 27, CP) e embriaguez acidental (art. 28, § 1°, CP). Ademais “o indígena não é considerado inimputável, salvo se portador de anomalia psíquica, for menor de 18 anos ou apresentar embriaguez completa acidental” (CUNHA, 2015, p. 296). Logo, se o agente do fato típico e ilícito corresponder a um desses https://www.sinonimos.com.br/componente/ 15 fatores não responderá por crime em razão da ausência de imputabilidade, que exclui a culpabilidade. No caso da potencial consciência da ilicitude, a culpabilidade vai ser afastada somente se houver erro de proibição inevitável (art. 21, CP). Assim, conforme dispõe o Código Penal, “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”. Por último, no que diz respeito a exigibilidade de conduta diversa, caso o fato típico e ilícito tiver sido feito sob coação moral irresistível ou obediência hierárquica, a culpabilidade é excluídaapenas em relação ao coagido, enquanto o mandante assume a responsabilidade penal do ato. Por fim, é importante ressaltar que, tanto na imputabilidade, quanto na capacidade de consciência da ilicitude o rol de dirimentes é taxativo, isto é, estabelece uma lista determinada de hipótese que excluem a culpabilidade, não dando margem a interpretações extensivas. Enquanto na exigibilidade de conduta diversa, o rol é exemplificativo, de acordo com o entendimento do STJ, ou seja, admite causas supralegais além das referidas hipóteses. Assim, a ausência de qualquer um destes componentes implicará na inexistência da própria culpabilidade. Considerações Finais Através da análise de uma das cenas presentes no episódio Hino Nacional de Black Mirror, pudemos observar a grande relevância da arte para o estudo da dogmática penal brasileira. Diversos temas do direito penal, como a criminologia, vitimologia, penalogia, dentre outras áreas, tiveram grande destaque ao longo da narrativa. Porém, delimitamos apresentar apenas a perspectiva analítica do crime, em que a culpabilidade, sendo o terceiro elemento do crime, demonstrou grande correspondência à história narrada. Em um primeiro momento, fez-se necessária a compreensão da importância da arte para o estudo do Direito, principalmente no âmbito penal, demonstrando o instante de sua intertextualidade, o desenvolvimento da sua forma de utilização e os seus impactos intelectuais e sociais no modo de agir e pensar das pessoas. Dentre os modelos artísticos descritos, ao longo do estudo, priorizamos o de caráter cinematográfico, uma vez que foi por meio das séries que foi desenvolvida a análise do instituto da culpabilidade. Ademais, apresentamos, também, o desenvolvimento dos modelos narrativos no âmbito cinematográfico e os seus impactos sociais. Primeiramente, foi evidenciada a sua 16 utilização como mera técnica de captação de imagens em movimentos, em seguida, demonstramos a sua evolução, a qual passou a ter, também, o intuito de contar estórias, sejam elas fictícias ou assentadas na realidade social. Por fim, mostramos o impacto do cinema na sociedade, já que este nasceu da necessidade de uma linguagem direcionada a todos, como uma forma de entretenimento e reflexão. Na segunda parte, passamos a explorar a dogmática penal brasileira, principalmente, no que tange ao conceito analítico de crime e os seus substratos. Em princípio, escolhemos a culpabilidade como elemento principal de análise do crime demostrando o seu conceito, os seus elementos e as suas hipóteses de admissão, bem como as de exclusão. Na terceira parte, por meio dos elementos da culpabilidade, mostramos a correspondência do episódio escolhido perante o ordenamento jurídico penal brasileiro. Diante disso, não só foi possível entender os elementos que constituem a culpabilidade, como também, demonstrar a aplicação do instituto e a sua finalidade, tendo em vista o caso concreto apresentado. Por fim, em relação aos seus elementos, fizeram parte da análise a Imputabilidade, a Potencial consciência sobre a ilicitude dos fatos e a Exigibilidade de conduta diversa, bem como as suas hipóteses de admissão e de exclusão. Dentre os itens citados, destacou-se o elemento da exigibilidade de conduta diversa, pois o episódio escolhido envolvia a coação como uma das premissas de admissão ou exclusão da culpabilidade. Assim, foi possível, através do estudo da exigibilidade de conduta diversa, apresentar alguma das condições de aplicabilidade do instituto da culpabilidade, demonstrando o que aconteceria, no âmbito jurídico, com o coagido nas hipótese de responsabilização penal em relação ao ato ilícito praticado. Por tudo isso, as análises e reflexões feitas em torno do direito e da arte, tiveram como finalidade o enriquecimento do conhecimento, tanto no âmbito de quem atua na área, quanto no meio social, a fim de proporcionar um maior entendimento das ciências jurídicas, ainda que por uma perspectiva mais lúdica como o cinema e os seus derivados. Ainda, através das prorrogativas apresentadas, diversas outras análises da série poderiam ser realizadas e baseadas no âmbito jurídico. No entanto, ao estabelecermos como ponto de partida a dogmática penal frente ao instituto da culpabilidade, abrimos margem para o estudo dos diferentes temas supracitados, desde que o principal objetivo, além da apresentação de novas técnicas de aprendizagem, seja sempre envolta da transmissão do conhecimento. 17 Referências BARROS, Flávio Monteiro de. Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. BAZIN, André. O que é o cinema. São Paulo: Brasiliense. 1985. BERNSTS, Luísa Giuliani, TRINDADE, André Karam. O estudo do Direito e Literatura no Brasil:surgimento, evolução e expansão. Revista internacional de Direito e Literatura, 2017. BEZERRA, Juliana. História do Cinema. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/historia-do-cinema/. Acesso em: 20 jul. 2020. Biography.com (ed.). «Alice Guy-Blaché». A&E Television Networks. Consultado em 19 jul. 2020. BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral: volume 1. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003. 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