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61 CICLO DE KREBS OU CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO A maioria das células eucariotas e muitas bactérias normalmente são aeróbicas e oxidam os seus combustíveis orgânicos completamente até CO2 e H2O. Nestas circunstâncias, o piruvato formado na quebra glicolítica da glicose não é reduzido a lactato, a etanol ou a qualquer outro produto de fermentação, como ocorre sob condições anaeróbicas; ao invés disto ele é oxidado a CO2 e H2O na fase aeróbica do catabolismo, a respiração. No sentido fisiológico amplo, ou macroscópico, a respiração refere-se às trocas gasosas entre um organismo multicelular e seu meio ambiente, especificamente à captação de O2 e à eliminação de CO2. Entretanto, os bioquímicos e os biólogos celulares empregam o termo em um sentido microscópico e referem-se a um processo molecular que envolve o consumo de O2 e a formação de CO2 pelas células. Visto assim, este último processo pode ser denominado mais precisamente de respiração celular. A RESPIRAÇÃO CELULAR OCORRE EM TRÊS GRANDES ESTÁGIOS No primeiro estágio, como já visto, as moléculas dos combustíveis orgânicos – principalmente glicose - são oxidadas para produzir duas moléculas de piruvato. No segundo estágio, essas moléculas de piruvato são introduzidos no ciclo de Krebs, o qual os oxida enzimaticamente até CO2. A energia liberada pela oxidação é conservada nos transportadores de elétrons reduzidos, NADH e FADH2. No terceiro estágio da respiração, esses cofatores reduzidos são oxidados, desfazendo-se de prótons (H+) e elétrons. Os elétrons são conduzidos ao longo de uma cadeia de moléculas transportadoras de elétrons, conhecida como cadeia respiratória, até o O2, o qual é reduzido para formar H2O. Durante este processo de transferência de elétrons uma grande quantidade de energia é liberada e conservada na forma de ATP, através do processo chamado de fosforilação oxidativa. Nos organismos aeróbicos, a glicose e outros açúcares, são oxidados, em última instância, a CO2 e H2O através do ciclo de Krebs. Entretanto, antes que possam entrar no ciclo, os esqueletos carbônicos dos açúcares precisam ser degradados até o grupo acetila do acetil-CoA. O piruvato, derivado da glicose através da via glicolítica, é oxidado para liberar acetil-CoA e CO2 por um conjunto estruturado de três enzimas, o complexo da piruvato desidrogenase, localizado na mitocôndria das células eucarióticas. A reação completa catalisada pelo complexo da piruvato desidrogenase é a descarboxilação oxidativa, um processo irreversível de oxidação no qual o grupo carboxila é removido do piruvato na forma de uma molécula de CO2 e os dois carbonos remanescentes tornam-se o grupo acetila do acetil-CoA (Figura abaixo). O NADH formado nesta reação cede um íon hidreto (: H-), com seus dois elétrons, para a cadeia respiratória, que transporta estes elétrons até o oxigênio. Esta é uma reação preparatória para a ocorrência do ciclo de Krebs. Uma vez que o acetil-CoA seja formado a partir do piruvato, o ciclo de Krebs ou ciclo do ácido cítrico inicia-se. Em primeiro lugar notamos uma diferença fundamental entre a glicólise o ciclo de Krebs. A glicólise ocorre através de uma seqüência linear de passos catalisados enzimaticamente, enquanto a seqüência de reações do ciclo do ácido cítrico é cíclica. Para iniciar uma volta do ciclo (Figura abaixo), acetil-CoA transfere o seu grupo acetila para um composto com quatro átomos de carbono, o oxaloacetato, para formar o citrato, um composto com seis átomos de carbono. Citrato é então transformado em isocitrato, também uma molécula de seis átomos de carbono, e este é desidrogenado com perda de CO2, para formar o composto com cinco átomos de carbono, α -cetoglutarato. Este último também perde CO2 e libera succinato, um composto com quatro átomos de carbono. O succinato é convertido enzimaticamente, em uma reação de três passos, no oxaloacetato com quatro átomos de carbono e com o qual o ciclo se iniciou; assim, o oxaloacetato está pronto para reagir com uma nova molécula de acetil-CoA e iniciar uma segunda volta no ciclo. Em cada uma dessas voltas entra um grupo acetila (dois carbonos), como acetil-CoA, e saem duas moléculas de CO2. Em cada volta, uma molécula de oxaloacetato é empregada para formar citrato, mas, depois de uma série de reações, esta molécula de oxaloacetato é regenerada, Não ocorre, portanto, qualquer remoção final de oxaloacetato e uma molécula do mesmo pode, teoricamente, ser suficiente para participar da oxidação de um número infinito de grupos acetil. Quatro dos oito passos deste processo são oxidações e a energia liberada é conservada, na formação dos cofatores reduzidos (NADH e FADH2). 62 63 O CICLO DE KREBS TEM OITO PASSOS A seguir examinaremos as oito reações sucessivas do ciclo do ácido cítrico e colocaremos ênfase especial no estudo das transformações químicas que ocorrem à medida que o acetil-CoA é oxidado para liberar CO2 e a energia oriunda desta oxidação é conservada na forma das coenzimas reduzidas NADH e FADH2. 01. Formação do citrato a partir de acetil-CoA e oxaloacetato. - a primeira reação do ciclo é a condensação do acetil-CoA com o oxaloacetato para formar citrato, catalisado pela enzima citrato sintase: Nesta reação o carbono metila do grupo acetila é reunido ao grupo carbonila (C-2) do oxaloacetato. 02. Formação do isocitrato a partir de citrato - a enzima aconitase (mais formalmente, aconitato hidratase) catalisa a transformação reversível do citrato em isocitrato, através da formação intermediária do cis-aconitato, um ácido tricarboxílico que, normalmente, não se dissocia do sítio ativo. 03. Oxidação do isocitrato à α-cetoglutarato e CO2 - no passo seguinte a enzima isocitrato desidrogenase catalisa a descarboxilação oxidativa do isocitrato para formar o cetoglutarato: 04. Oxidação do α-cetoglutarato à succinil-CoA - o passo seguinte é outra descarboxilação oxidativa, o α-cetoglutarato é convertido em succinil-CoA pela ação do complexo da α- cetoglutarato desidrogenase; o NAD+ serve como aceptor de elétrons: Esta reação é virtualmente idêntica à reação da piruvato desidrogenase discutida anteriormente; as duas envolvem a oxidação de um α-cetoácido com a perda do grupo carboxila na forma de CO2 e a energia de oxidação do α- cetoglutarato é conservada na formação da ligação tioéster do succinil-CoA. 05. Conversão do succinil-CoA em succinato - No próximo passo do ciclo do ácido cítrico a energia liberada no rompimento da ligação tioéster do succinil-CoA é empregada para dirigir a síntese de uma ligação de anidrido fosfórico no GTP e posteriormente este é transformado em ATP e, finalmente, forma-se o succinato livre. A enzima que catalisa esta reação reversível é chamada de succinil-CoA sintetase ou de tioquinase succínica; ambos os nomes indicam a participação de um nucleosídeo trifosfato na reação. A síntese de ATP às expensas da energia liberada pela descarboxilação oxidativa do α- cetoglutarato é outro exemplo de fosforilação ao nível do substrato, como a síntese de ATP acoplada à oxidação do gliceraldeído-3-fosfato na glicólise. Estas reações são chamadas de fosforilações ao nível do substrato para distingui-las da fosforilação oxidativa ou fosforilação ao nível da cadeia respiratória. As fosforilações ao nível do substrato envolvem as enzimas solúveis e intermediários químicos como o resíduo de fosfohistidina na succinil-CoA sintetase, ou 1,3- bifosfoglicerato na via glicolítica. A fosforilação ligada à respiração, por outro lado, envolve enzimas ligadas à membrana e a gradientes transmembrana de prótons. 06. Oxidação do succinato a fumarato - o succinato formado a partir do succinil-CoA é oxidado a fumarato pela flavoproteína succinato desidrogenase. 7. Hidratação do fumarato para produzir malato - a hidratação reversíveldo fumarato em L- malato é catalisada pela enzima fumarase (fumarato hidratase): 08. oxidação do malato a oxaloacetato - na última reação do ciclo do ácido cítrico, a enzima L- malato desidrogenase, ligada ao NAD, catalisa a oxidação do L-malato em oxaloacetato: 64 A energia liberada pela glicólise (na qual uma molécula de glicose é convertida em duas de piruvato) corresponde à síntese de duas moléculas de ATP para uma de glicose metabolizada. Quando as duas moléculas de piruvato são completamente oxidadas com a formação de seis moléculas de CO2 na reações catalisadas pelo complexo da piruvato desidrogenase e pelas enzimas do ciclo de Krebs produz-se 8 NADH, 2 FADH 2 e 2 ATP. Embora o ciclo do ácido cítrico diretamente gere apenas uma molécula de ATP por volta (na conversão de succinil-CoA em succinato), os quatro passos de oxidação do ciclo fornecem um grande fluxo de elétrons para a cadeia respiratória e esta, eventualmente, leva à formação de um grande número de moléculas de ATP (34) durante a fosforilção oxidativa. O fluxo de átomos de carbono do piruvato para e através do ciclo de Krebs é estreitamente regulado em dois níveis: a conversão de piruvato em acetil-CoA, o material inicial do ciclo (a reação do complexo da piruvato desidrogenase), e a entrada de acetil-CoA no ciclo (a reação da citrato sintase). Como o piruvato não é a única fonte de acetil-CoA (a maioria das células pode obter acetil-CoA pela oxidação dos ácidos graxos e de certos aminoácidos), a possibilidade de obtenção de intermediários dessas outras vias é muito importante na regulação da oxidação do piruvato e do ciclo do ácido cítrico. O ciclo também é regulado na altura da reação da isocitrato desidrogenase e na reação da α-cetoglutarato desidrogenase. A produção de acetil-CoA pelo complexo da piruvato desidrogenase é regulada O complexo da piruvato desidrogenase de vertebrados é regulado alostericamente e através de modificação covalente. O complexo é fortemente inibido por ATP e por acetil-CoA e NADH, os produtos da reação. Esta inibição alostérica da oxidação do piruvato é muito aumentada quando estão presentes ácidos graxos de cadeia longa. Quando muito pouco acetato flui para o ciclo do ácido cítrico, acumulam-se AMP, CoA e NAD+, todos eles ativam alostericamente o complexo da piruvato desidrogenase. Assim, a atividade dessa enzima é desligada quando as substâncias combustíveis estão disponíveis de maneira ampla na forma de ácidos graxos e acetil-CoA e quando a concentração de ATP celular e a relação [NADH]/[NAD+] estão altas; entretanto, quando a demanda por energia está alta e é necessário um fluxo maior de acetil-CoA para o ciclo, a atividade do complexo enzimático é ligada. No complexo da piruvato desidrogenase dos vertebrados esses mecanismos de regulação alostérica são complementados por um segundo nível de regulação, a modificação covalente de proteínas. O complexo enzimático é inibido pela fosforilação reversível de um resíduo específico de serina em uma das duas subunidades de E1 da piruvato desidrigenase. Uma proteína quinase específica fosforila e, assim, inativa E1, uma fosfoproteína fosfatase específica remove o grupo fosfato por hidrólise e, desta forma, ativa E1. A quinase é ativada alostericamente por ATP, quando os níveis de ATP estão altos (refletindo um suprimento de energia suficiente), o complexo da piruvato desidrogenase é inativado por fosforilação de E1. Quando os níveis de ATP declinam, a atividade da quinase decresce e a ação da fosfatase remove os fosfatos de El, ativando o complexo. O complexo da piruvato desidrogenase de vegetais, que é encontrado na matriz mitocondrial, é fortemente inibido por NADH que pode ser o seu regulador primário. Três enzimas do ciclo do ácido cítrico são reguladas O fluxo de metabólitos através do ciclo do ácido cítrico e sob regulação estrita, porém não complexa. Três fato governam a velocidade do fluxo através do ciclo: disponibilidade de substratos, inibição por acúmulo de produto inibição alostérica retroativa das primeiras enzimas via pelos últimos intermediários. No ciclo, três passos são fortemente exergônicos, aqueles catalisados pela 65 citrato sintase, isocitrato desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase. Sob denominadas circunstâncias, cada um deles pode se tornar o passo limitante da velocidade global. A disponibilidade de substratos para a citrato sintase (acetil-CoA e oxaloacetato) varia com as circunstâncias metabólicas e algumas vezes limita a velocidade de formação do citrato. O NADH um produto da oxidação do citrato e do α-cetoglutarato acumula-se sob determinadas condições, e quando a relação [NADH]/[NAD+I torna-se grande, as duas reações de desidrogenação são severamente inibidas pela lei da ação das massas. De forma similar, a reação da malato desidrogenase está essencialmente em equilíbrio na célula (isto é ela é limitada pelo substrato), e quando [NADH]/[NAD+I é grande, a concentração de oxaloacetato é pequena, desacelerando o primeiro passo no ciclo. A mutação dos produtos inibe todos os três passos limitantes da velocidade do ciclo: a succinil-CoA inibe e a-cetoglutarato desidrogenase (e também a citrato sintase); o citrato bloqueia a citrato sintase; enquanto o produto final, ATP, inibe ambas: a citrato sintase e a isocitrato desidrogenase. A inibição da citrato sintase pelo ATP é aliviada pelo ADP, um ativador alostérico dessa enzima. Os íons cálcio, que nos músculos dos vertebrados são o sinal para contração e o concomitante aumento na demanda por ATP, ativa ambas as enzimas, isocitrato desidrogenase e α- cetoglutarato desidrogenase, assim como o complexo da piruvato desidrogenase. Brevemente, as concentrações de substratos e intermediários do ciclo do ácido cítrico regulam o fluxo através desta via em uma velocidade que fornece concentrações ótimas de ATP e NADH. Sob condições normais as velocidades da glicólise e do ciclo do ácido cítrico são de tal forma integradas que é matabolizada apenas a quantidade exata de glicose que fornece o ácido pirúvico suficiente para suprir o ciclo do ácido cítrico com seu combustível, os grupos acetila do acetil-CoA. Piruvato, lactato e acetil-CoA são normalmente mantidos nas concentrações do estado estacionário. A velocidade da glicólise é ajustada à velocidade do ciclo do ácido cítrico, não só pela concentração de citrato, mas também através da sua inibição por altos níveis de ATP e NADH, que são componentes comuns dos dois estágios da oxidação da glicose - glicolítico e respiratório. O citrato, o produto do primeiro passo do ciclo do ácido cítrico, funciona como um importante inibidor alostérico da fosforilaçâo da frutose-6-fosfato por fosfofrutoquinase-1 na via glicolítica.