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KICKBOXERS_Esportes_de_Combate_e_Identid

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
KICKBOXERS
Esportes de Combate e Identidade 
Masculina.
Édison Luis Gastaldo 
Porto Alegre, novembro de 1995. 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
KICKBOXERS
Esportes de Combate e Identidade 
Masculina.
Dissertação apresentada como 
requisito parcial para obtenção do 
grau de Mestre em Antropologia 
Social pelo Programa de Pós-
graduação em Antropologia Social 
da Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul.
Édison Luis Gastaldo 
Orientação: 
Profª Drª Ondina Fachel Leal
Porto Alegre, novembro de 1995. 
Sumário
Resumo/Abstract 5
Introdução 7
Capítulo 1. As Artes Marciais 19
1.1 A Arte da Guerra 19
1.2 Artes Marciais e Esportes de Combate 25
1.3 Artes Marciais e Indústria Cultural 28
1.4 A Organização das Artes Marciais no Campo Esportivo 35
Capítulo 2. O Full-Contact 46
2.1 Generalidades 46
2.2 Universo de Pesquisa: Os Praticantes de Full-Contact 47
2.3 A Prática Esportiva em Grupos Sociais Diferenciados 53
2.3.1 Dois Casos 55
2.4 O Lado de Dentro das Academias 59
2.4.1 O Espaço: 61
2.4.2 Uma Aula: 66
2.4.3 Uma Tarde de Lutas 74
 a. O Evento 74
b. O Público 78
c. Os Lutadores 85
d. Um Combate 86
Capítulo 3. Identidade Masculina e Competitividade 92
3.1 Sobre a Noção de Gênero 92
3.2 A Construção Social da Identidade Masculina 94
3.2.1 Aspectos Sociais da Masculinidade em Diversas Culturas 97
3.2.2 A Masculinidade e seu Reverso 99
3.3 A Identidade Masculina no Ambiente das Academias 100
3.4 A Competitividade: Jogo e Hierarquização da Masculinidade 111
3.4.1 O Ethos Masculino e a Competitividade 111
3.4.2 O Jogo 117
3.4.3 A Hierarquização da Masculinidade 119
3.5 Uma Semântica da Virilidade 127
3.5.1 Sobre os Valores "Força" e "Técnica" 135
3.6 Ringues e Rinhas, Galos e Goleiras: a masculinidade posta à prova 139
Capítulo 4. Homens de Ferro: a Construção do Corpo 150
4.1 O Uso e a Percepção Social do Corpo 150
4.2 A Utilização do Corpo para a Luta 153
4.3 O Desprezo à Dor 158
4.4 A Aceitação das Regras 163
Conclusão 166
Referências Bibliográficas 171
Índice Remissivo 180
Anexo: Glossário de Termos Usuais no Full-Contact 183
 
Resumo
Esta pesquisa etnográfica trata da prática de um esporte de combate, 
o "full-contact", em academias na cidade de Porto Alegre, sob o 
viés da construção social da identidade masculina. Como este 
esporte é praticado quase que exclusivamente por homens, este 
trabalho busca compreender como se articulam os diversos 
elementos constituintes da identidade masculina no ambiente destas 
academias.
Abstract
This etnographical research approaches the practice of a sportive 
fight, the "full-contact", in the city of Porto Alegre, under the 
perspective of the social construction of male identity. As this sport 
is practiced almost exclusively by men, this work wishes to 
understand how do the shaping elements of this male identity 
articulate within the environment where this sport is practiced.
Lutar e vencer em todos os 
combates não é a glória suprema; 
a glória suprema consiste em 
vencer o inimigo sem lutar.
Sun Tzu (c. 500 a.C.)
Introdução
Esta dissertação consiste em um estudo acerca da construção social 
da identidade masculina entre jovens praticantes de um esporte de combate, o 
full-contact, tomando como universo de pesquisa os freqüentadores das 
academias onde se aprende e pratica este esporte, na cidade de Porto Alegre.
Este trabalho pretende contribuir para os estudos sobre a construção 
da identidade de gênero, apresentando os praticantes de full-contact (em sua 
absoluta maioria homens jovens, entre 15 e 25 anos) e o uso social que eles 
fazem do espaço no interior das academias, produzindo significados e 
compartilhando determinadas atitudes, valores, gestos e expressões 
constituidoras de uma identidade de gênero, no caso o masculino. Nestas 
academias, como veremos, se valorizam aspectos como a "valentia", a força 
física, a "garra" e uma noção de corporalidade baseada no domínio sobre o 
corpo através do aprendizado da técnica de combate, bem como o desprezo à 
dor decorrente da prática do combate e dos treinos. Em um plano mais 
simbólico, na interação entre os membros do grupo pesquisado se desvaloriza 
a conduta "homossexual" e se lança publicamente esta pecha à guiza de 
desafio, sendo a conduta esperada pelo grupo a pronta reação do "ofendido". 
Como veremos, estes valores e atitudes não são apenas esperadas de um 
praticante de full-contact, mas correspondem de modo geral a uma espécie de 
"estereótipo" da atitude masculina em nossa sociedade, conforme demonstram 
os trabalhos de Leal (1992c), Jardim (1991) e Leczneiski (1995), entre outros.
 O fato de ser praticado quase que exclusivamente por homens (em 
dois anos de trabalho de campo, só foi registrado um caso de mulher 
praticando este esporte) e envolver um estreito contato físico entre os 
8
praticantes (o termo "full-contact" significa literalmente "contato pleno") torna 
o ambiente das academias um local onde valores associados a esta constituição 
de uma identidade masculina se tornam particularmente evidentes.
O full-contact, além disso, é representativo de uma série de outras 
técnicas corporais conhecidas sob o nome genérico de "artes marciais". 
Oriundas em grande parte de antigas tradições orientais, estas técnicas 
corporais de luta corpo-a-corpo sofreram, em maior ou menor grau, um 
processo de reinterpretação ao serem adaptadas à nossa sociedade, adotando, 
muitas vezes, o caráter de práticas esportivas, desviando-se de sua utilização 
original de técnicas de combate para uso militar.
Assim, o tema que este trabalho aborda são estas técnicas corporais 
conhecidas como "artes marciais", sob o prisma da construção da identidade 
masculina. As academias onde se ensinam e aprendem estas técnicas são 
tomadas aqui como um locus privilegiado para o entendimento da construção 
desta identidade de gênero. 
O universo das artes marciais, entretanto, é demasiado vasto para 
ser abarcado em um único trabalho de cunho antropológico, e se o fosse, 
provavelmente o grau de generalização necessário a uma tarefa desta ordem 
poria a perder a riqueza das especificidades inerentes a cada estilo de luta. 
Como colocar em um único trabalho, por exemplo, as complexas relações 
sociais presentes nas origens da capoeira com a imensa representatividade do 
judô no cenário esportivo brasileiro? Assim, optei por apenas uma modalidade 
de luta, que fosse representativa deste universo e cujas especificidades 
pudessem acrescentar novos dados para o entendimento destas técnicas 
corporais e sua relação com a construção de uma identidade masculina em 
nossa sociedade.
9
Neste trabalho, busco construir uma interpretação do que sejam os 
aspectos constituintes desta identidade masculina perante o grupo pesquisado. 
Entendendo, como Geertz (1978: 15), que a cultura seja como uma "teia de 
significados" produzida pelos homens, acrescida da análise sobre esta teia, e a 
antropologia como uma "ciência interpretativa, à procura do significado", 
procuro captar os significados produzidos pelo grupo pesquisado, para em um 
processo interpretativo, analisar estes significados à luz da teoria 
antropológica.
Para atingir este objetivo de compreender e interpretar os 
significados produzidos por este grupo, foi utilizada a observação 
participante. Os dois anos emque convivi com o grupo pesquisado, 
observando, entrevistando os praticantes, conversando ou mesmo participando 
de alguns treinos de full-contact se inserem neste trabalho como uma parte 
importante do processo de interpretação destes significados. O olhar 
posicionado do pesquisador e seu estranhamento frente à situação de campo 
relativizam e reinterpretam as outras fontes de dados, por vezes confirmando, 
por vezes contradizendo estas informações, mas sempre conduzindo a um 
conhecimento mais aprofundado do objeto desta pesquisa.
 Para viabilizar este objetivo, foram utilizadas diferentes técnicas de 
pesquisa, como a realização de entrevistas abertas e semi-diretivas com 
praticantes e professores de várias academias, todas gravadas e transcritas 
ipsis litteris. Além das entrevistas, também foi realizada uma extensa cobertura 
fotográfica de treinos, lutas de demonstração e combates oficiais. Estas 
fotografias foram utilizadas não só como material etnográfico, como uma 
forma auxiliar na descrição de locais e eventos, mas também foram 
posteriormente mostradas aos praticantes, sendo seus comentários a respeito 
anotados, fornecendo novos dados acerca do grupo pesquisado, além de 
10
estabelecer uma espécie de troca, que levou a um ganho em sociabilidade e 
confiança por parte do grupo. Parte destas fotografias encontra-se no corpo 
deste trabalho. As minhas impressões pessoais eram escritas imediatamente 
após qualquer ida a uma situação de campo, sob a forma de um diário de 
campo. Todos estes procedimentos ajudaram a fornecer informações para este 
trabalho, que serão tratadas como "dados etnográficos". Estes dados, por sua 
vez, como ressalta Jardim (1991), são também produtores de significados, uma 
espécie de "metassignificação" acerca da situação de campo, ou seja, uma 
interpretação da interpretação original. Nos termos de Geertz (1978: 25), 
apenas o "nativo" teria acesso à interpretação original (afinal, é a sua cultura), 
a interpretação antropológica via de regra é uma interpretação de segunda ou 
terceira mão. Não que isso represente um problema muito sério; afinal de 
contas, ainda segundo Geertz, a necessidade de atenção para um trabalho 
etnográfico encontra-se basicamente no grau em que ele é capaz de esclarecer 
o que ocorre na situação de campo a que ele se refere, de modo a reduzir a 
perplexidade derivada de "atos não-familiares que surgem de ambientes 
desconhecidos", o assim chamado estranhamento (Geertz, 1978: 26). Dito de 
outra forma, trata-se de realizar o trânsito de informações que tornem o exótico 
em familiar, de modo a reduzir este estranhamento perante um universo de 
significados do qual não somos originários, a cultura de um outro.
Os nomes das pessoas e das academias de full-contact pesquisadas 
foram trocados, de modo a preservar a privacidade dos informantes. As 
transcrições de trechos de entrevistas foram realizadas a partir do registro em 
gravações magnéticas. Eventuais erros de concordância nestes trechos devem-
se à intenção de preservar o quanto possível a fluência original da fala dos 
informantes. As referências bibliográficas utilizadas neste trabalho que não 
estavam originalmente em português foram traduzidas por mim. Estas 
11
traduções estão indicadas com um asterisco (*) na legenda abaixo da citação, e 
transcritas no original em nota de rodapé.
Com a finalidade de tornar o acesso a pontos específicos do texto 
mais fácil e rápido, ao final foi incluído um índice remissivo contendo os 
autores citados e palavras-chave consideradas relevantes. Após o índice 
remissivo, coloquei em anexo um glossário de termos usuais do full-contact, 
de modo a familiarizar o leitor neófito neste vocabulário. Via de regra, os 
termos que indicam nomes de golpes ou especificidades da prática do full-
contact estão italizados, assim como palavras em língua estrangeira.
Uma abordagem mais geral acerca das técnicas corporais chamadas 
de "artes marciais" é traçada no primeiro capítulo, com um breve histórico 
destas práticas, em especial as de origem oriental. É feita também neste 
capítulo uma distinção entre dois grupos diversos de modalidades de luta: as 
"artes marciais" e os "esportes de combate". Ainda neste capítulo, é abordada a 
relação entre estas práticas de luta e sua apropriação por parte de produtos da 
indústria cultural, e a influência advinda desta apropriação no imaginário dos 
praticantes. Finalmente, este primeiro capítulo relaciona algumas informações 
acerca da organização política destas técnicas de luta na nossa sociedade, sob a 
forma de modalidades esportivas. Para tanto, é utilizado o conceito de "campo 
esportivo" de Bourdieu, "campo" onde se inserem e organizam estas práticas 
na nossa sociedade, segundo uma rígida hierarquização, conforme veremos.
No segundo capítulo, é tratado mais especificamente o full-contact. 
Após abordar alguns aspectos gerais a respeito desta prática esportiva, passo à 
delimitação do universo de pesquisa. O recorte em que situo o grupo 
pesquisado é o de "praticantes de full-contact". Esta categorização implica em 
um corte transversal que engloba pessoas provenientes das mais diversas 
origens sociais. É evidente que diferenças provenientes deste pertencimento a 
12
camadas sociais distintas existirão. Porém, acredito que, isoladas estas 
diferenças, os indivíduos que se situam sob este recorte teórico possuem em 
comum uma série de características que transcendem o simples pertencimento 
a uma determinada camada social, especialmente no que diz respeito à 
construção da identidade masculina. A discussão acerca desta questão está no 
tópico "a prática esportiva em grupos sociais diferenciados". Após este tópico, 
relato dois casos, histórias de vida de praticantes provenientes de grupos 
sociais distintos, como ilustração da discussão anterior, e em seguida passo à 
descrição etnográfica de diversos aspectos ligados à prática do full-contact. No 
tópico intitulado "O lado de dentro das academias", descrevo sob uma 
abordagem interacionista a organização do espaço em uma academia de full-
contact, a didática do combate dentro das academias e, finalizando este 
capítulo, descrevo a realização de um evento de lutas organizado pela 
Federação Gaúcha de Full-Contact, abordando aspectos da constituição do 
espaço, do público, as relações entre os lutadores e, por fim, a realização de 
um combate.
O terceiro capítulo aborda a questão da identidade masculina sob 
diversos aspectos. Inicialmente, este capítulo trata do tema geral onde se 
localiza a problemática da identidade masculina, a noção de gênero. Situada 
esta noção, passo a descrever mais pormenorizadamente aspectos da 
construção social da identidade masculina. Através da referência a etnografias 
clássicas dentro da antropologia, busco demonstrar como, nas mais diversas 
sociedades, a noção de masculinidade, antes de ser biologicamente dada, é 
uma construção social, constituída de atributos socialmente valorizados que 
devem ser conquistados pelos meninos em cada cultura para que sejam 
considerados "homens". Um destes aspectos, ressaltado por diversos autores, é 
a "negação da feminilidade", que freqüentemente toma a forma de um repúdio 
13
à homossexualidade. Como este aspecto é relevante junto ao grupo pesquisado, 
ser-lhe-á dada maior atenção. Após esta abordagem teórica acerca da 
masculinidade, veremos como se articulam estes conceitos na interação entre 
os praticantes no interior das academias, analisando os dados de campo à luz 
daqueles dados teóricos. A seguir, um aspecto importante da constituição de 
um ethos masculinoé levado em consideração: a competitividade. Como 
veremos, nas mais diferentes sociedades existe uma estreita ligação entre o 
"ser homem" e a participação em jogos e disputas, em geral com outros 
homens. Após uma revisão bibliográfica sobre este tema, abordo a questão do 
jogo propriamente dito, segundo a visão de alguns autores que trataram do 
tema. O nexo entre as noções de jogo e identidade masculina é feito a seguir, 
no tópico "a hierarquização da masculinidade", onde abordo a prática de jogos 
e disputas – os esportes, de modo especial – como sendo criadoras de uma 
hierarquia de poder entre homens, uma espécie de ranking simbólico da 
masculinidade. Em seguida, analiso os significados de gestos, falas e 
expressões de uso corrente entre os praticantes de full-contact pesquisados sob 
a ótica da construção da identidade masculina, estabelecendo uma "semântica 
da virilidade", nome deste tópico. Finalmente, o último tópico deste capítulo 
trata da questão da masculinidade posta à prova, estabelecendo relações entre 
a prática de esportes de combate com outras atividades competitivas 
eminentemente masculinas, como as rinhas de galo e o futebol, abordando as 
conclusões de diversos trabalhos antropológicos nesta área em confronto com 
os dados de campo obtidos neste estudo. 
O quarto capítulo trata da questão da corporalidade entre os 
praticantes de full-contact. Como qualquer prática esportiva, o full-contact 
exige do praticante uma intensa preparação física. No início deste capítulo, 
discuto alguns conceitos a respeito do uso social da corporalidade, como a 
14
noção de "técnica corporal" de Mauss e o conceito de "corpo social" de 
Douglas. Considero que, embora todo ser humano possua um corpo 
biologicamente dado, o uso que se faz deste corpo é determinado pela 
sociedade na qual cada ser humano está inserido. A utilização deste corpo para 
a prática de lutas não seria exceção. O corpo humano precisa ser ensinado a 
realizar quaisquer atividades. A prática da luta exige que o praticante molde 
determinados aspectos de sua constituição corporal para adaptar-se a estas 
circunstâncias. Além disso, na prática do combate, é freqüente a ocorrência de 
lesões. No ambiente das academias pesquisadas, desta forma, se valoriza 
socialmente o desprezo à dor, não apenas como um índice de masculinidade, 
mas como um sinal de pertencimento àquele grupo. Sem nenhum acordo 
explícito, os praticantes relatam histórias de contusões, fraturas e hemorragias 
de modo leve e despreocupado, valorizando as cicatrizes que fazem questão de 
exibir como "troféus de batalha". A valorização das cicatrizes como 
"emblemas" da masculinidade também é tratada por Jardim (1991). Um último 
aspecto a ser tratado neste capítulo refere-se à aceitação incondicional das 
regras por parte dos praticantes. Embora a relação dos praticantes com os 
professores seja bastante informal, quando em assuntos acerca da prática do 
combate, suas palavras são atendidas sem hesitação. O professor, nestas 
circunstâncias, é tratado, como em muitas artes marciais orientais, como um 
mestre, detentor absoluto de um saber do qual o aluno deseja compartilhar. 
Suas palavras e ordens são, neste sentido, indiscutíveis.
Sobre a subjetividade inerente ao fazer antropológico, posso dizer 
que ao longo da realização de meu trabalho de campo etnográfico fui recebido 
pelo grupo pesquisado de modos os mais diversos. De todos os graus de 
estudada indiferença até uma implicante desconfiança a priori ("quê que tu 
quer por aqui com essa câmara?"). Afinal de contas, um pesquisador 
15
observando, anotando e fotografando tudo o que ocorre em um evento de lutas 
não passa despercebido ao público presente. Fui várias vezes interpelado por 
perguntas de treinadores, lutadores e torcedores. O mote das perguntas era 
invariavelmente a minha câmara fotográfica a tiracolo, que todos associavam 
com fotojornalismo. Ao tirar fotos, freqüentemente alguém perguntava: "Vai 
sair na Zero Hora?" ou "Tu tá vendendo essas fotos?" Ao explicar que o que 
eu fazia era reunir material para uma dissertação de mestrado em antropologia, 
várias cabeças ao redor se viravam para ver do que se tratava. Posteriormente, 
algumas pessoas já puxavam assunto diretamente nesse tema: "Tu tá fazendo 
mestrado em antropologia? Qual é a tua tese?" Ao explicar que a tese versava 
sobre aspectos da masculinidade entre lutadores de full-contact, me 
perguntaram: "E isso aí [apontando o ringue, onde ocorria uma luta], qual é o 
teu parecer, aprova ou desaprova?" Tentei me esquivar com uma resposta 
dúbia: "Não aprovo nem desaprovo, eu só observo, anoto e depois escrevo a 
respeito". 
Um professor de boxe que estava sentado do meu lado, ao saber que 
eu estava escrevendo uma dissertação, mostrou que para ele aquilo não era 
novidade: "Eu sei como é que é isso, lá na minha academia já foi um estágiário 
do Jornalismo e um mestrando da Educação Física, fazendo a mesma coisa que 
tu tá fazendo, anotando tudo e tirando foto". Enfim, na interação que se 
estabalece entre pesquisador e pesquisados, temos, como pesquisadores, um 
papel social relativamente delimitado a que temos que nos ater.
Um fator que me ajudou bastante a conquistar a confiança das 
pessoas do grupo pesquisado foi o fato de eu também ser praticante de uma 
técnica de combate, no caso, a arte marcial chamada "Kung fu estilo Shaolin 
do Norte". Vi várias vezes o rumo de entrevistas que prometiam ser 
desanimadoras, dada a desconfiança do entrevistado com a presença de um 
16
antropólogo – manifesta nas respostas monossilábicas – mudar de modo 
surpreendente, assim que eu contava en passant que também era praticante de 
artes marciais. Após uma ou duas perguntas do entrevistado: "qual estilo?" 
"quem é o professor?", o semblante deste desanuviava-se, as frases tornavam-
se mais longas e confidentes, e o tratamento geral a mim dispensado passava a 
ser o mesmo dado a um "colega de outra academia": de uma certa maneira, 
"um deles". Com o tempo, aprendi a colocar esta informação a meu respeito, 
que descobri ser importante para conquistar a confiança dos praticantes, logo 
no começo da conversa, para auferir rapidamente dos benefícios etnográficos 
desta identificação.
Enfim, vicissitudes inerentes ao ofício de etnólogo, essa mania de 
"xereta profissional", que chega na situação de campo a qualquer hora, senta, 
puxa um bloquinho, uma caneta, um gravador, uma câmara fotográfica e sai 
fotografando e fazendo perguntas insólitas para todo mundo. É evidente que o 
reconhecimento do grupo pelo meu trabalho é gratificante: quase no final de 
meu trabalho de campo, fui convidado por um professor para fazer a entrega 
oficial dos prêmios de um torneio de full-contact; em outra ocasião, fui 
apresentado pelo presidente da Federação a um dos diretores: "este aqui é o 
antropólogo amigo nosso, que está escrevendo um livro sobre full-contact". No 
final das contas, compensa.
Gostaria de deixar registrados aqui, ao final desta introdução, uma 
série de agradecimentos a pessoas cuja ajuda foi de fundamental importância 
para que a realização deste trabalho fosse possível. 
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha orientadora, 
professora Ondina Fachel Leal, não só pela lucidez de suas indicações teóricas 
em antropologia como pela paciência, cuidado e tempo que dedica a cada um 
17
de seus orientandos, mesmo envolta no seu mar agitado de compromissos 
cotidianos. 
Agradeço particularmente a meus colegas de seminário de tese e 
amigos leais Luiz Eduardo Robinson Achutti, Maria de Nazaré Agra Hassen e 
Maria Cristina Duarte Ribeiro, pelo inestimável auxílioteórico-prático e pela 
cumplicidade nos meandros do mundo acadêmico. Meu agradecimento sincero 
também às minhas colegas de turma Liliane Stanisçuaski Guterres e Maria 
Letícia Mazzuchi Ferreira pelo apoio e interlocução qualificada.
Meus agradecimentos também a toda a equipe do Laboratório de 
Antropologia Visual, cuja disponibilidade permitiu que fosse realizada a 
gravação em vídeo de diversos combates, de grande valia na descrição 
etnográfica. De toda a equipe do Laboratório, agradeço especialmente à 
professora Cornélia Eckert, pela leitura minuciosa e comentários valiosos 
sobre a primeira versão deste trabalho; a Adriane Rodolpho, apoio logístico 
indispensável na obtenção de equipamento de vídeo e ao bolsista Alfredo 
Barros, pela operação competente da câmara de vídeo no trabalho de campo.
Agradeço também à professora Sônia Maria Haas, da Agência 
Experimental de Publicidade e Propaganda da Unisinos, pela disponibilidade 
no uso do equipamento (scanner e computadores) desta Agência na 
digitalização e editoração das imagens fotográficas incluídas nesta dissertação.
No métier do full-contact, agradeço particularmente ao sr. Vinícius 
Guarilha, presidente da Federação Gaúcha de Full-Contact, e aos professores 
Aimoré Goulart e Sincinato Rodrigues, pela disponibilidade e colaboração 
generosa nas informações necessárias a este trabalho, além dos demais 
professores e praticantes de full-contact, pela paciência e boa-vontade.
18
Agradeço de modo muito especial a meus pais e irmãos, pelo apoio, 
e principalmente à minha irmã Denise Gastaldo, exemplo de pesquisadora, 
cuja leitura atenta e comentários precisos sobre a primeira versão deste 
trabalho foram de enorme valia, além da pesquisa bibliográfica que ela 
realizou na University of London, com resultados inestimáveis. Agradeço 
também a minha esposa, Adriana Braga, cujo constante incentivo e carinho 
cotidiano em muito colaboraram para a finalização deste trabalho.
Meu agradecimento também aos amigos Marco Zimmer, pelo apoio 
bibliográfico sobre dados esportivos; Guilherme Wagner Ribeiro, pelo auxílio 
na valiosíssima pesquisa bibliográfica na biblioteca da UFMG e João "Nenê" 
Carneiro, por sua sempre solícita e simpática assessoria nos mais diversos 
qüiproquós informáticos.
Além destas pessoas, gostaria de agradecer de modo especial ao 
Conselho Nacional de Pesquisa Científica - CNPq, pela concessão da bolsa de 
estudos que viabilizou a minha formação de mestrado com dedicação 
exclusiva, sem a qual eu dificilmente teria conseguido completá-lo.
Capítulo 1. As Artes Marciais
1.1 A Arte da Guerra
Em termos semânticos, a palavra "arte" no termo "arte marcial" tem 
o significado de "técnica refinada". A palavra "arte" deriva do latim arte, 
enquanto que a palavra "técnica" deriva do grego  (téchne), traduzido no 
dicionário Aurélio por "arte", o que dá uma indicação da relação estreita entre 
os dois termos. A palavra "marcial" deriva do latim martiale, relativo à Marte, 
deus da guerra, ou seja, bélico, militar, guerreiro. Portanto, uma tradução 
possível de "arte marcial" seria "técnica militar", ou "técnica guerreira". Em 
chinês, o termo genérico empregado para designar qualquer estilo de arte 
marcial é Wu Shu, que significa literalmente "técnica militar", ou "arte da 
guerra", e, nesse sentido, possui o mesmo significado de "arte marcial" (Chan 
e Veiga, 1995). Assim, pode ser percebida a estreita ligação das chamadas 
"artes marciais" com a prática da guerra propriamente dita. 
Na maioria absoluta das sociedades humanas, a sobrevivência 
esteve sempre associada, além da obtenção de alimentos, à necessidade de 
defesa contra ataques inimigos. Assim, no conjunto das sociedades, simples ou 
complexas, a existência da guerra é um fato praticamente universal (Clastres, 
1980b e Gilmore, 1990). Segundo Clastres (1980b), a guerra na sociedade 
primitiva possui a função de manter a sociedade indivisa, sem estratificação 
social, de modo a resistir perante um inimigo sempre à espreita. A existência 
de um "inimigo" torna necessária a obtenção de uma "tecnologia militar", que 
permita fazer frente aos seus ataques ou, em sociedades particularmente 
20
belicosas, atacar os inimigos de modo eficaz. Desenvolveu-se, assim, nessas 
sociedades, paralelamente aos demais aspectos sociais, uma espécie de 
"cultura militar", com desenvolvimento técnico e tecnológico próprios para 
esta "arte guerreira". Assim, muitas armas de caça foram aproveitadas na 
guerra, como a lança e o arco e flecha, e outras foram criadas e desenvolvidas 
especialmente para a guerra, como a borduna, o tacape e o escudo. O uso de 
cada uma destas armas exige o aprendizado de uma técnica corporal adequada 
para otimizar o desempenho do guerreiro no seu manejo.1 Estas técnicas 
tradicionais de combate com cada tipo de arma e, por vezes, técnicas de 
combate desarmado estão na origem das técnicas corporais hoje em dia 
chamadas de "artes marciais". Paralelamente a estas técnicas militares, é 
bastante freqüente em muitas sociedades a existência de lutas "esportivas", 
com finalidade ritual ou de entretenimento (Clastres, 1980. Neste sentido, ver 
também Gilmore, 1990). Ballery (1954) descreve várias modalidades de lutas 
tradicionais ("folclóricas", segundo este autor) em países como a Turquia, 
Islândia, Suíça, Rússia, Senegal, Ilhas Canárias, Filipinas e Marrocos, entre 
outros (Ballery, 1954: 67-84). Em geral, essas lutas são realizadas corpo-a-
corpo e desarmadas, tendo como objetivo imobilizar o oponente ou deitar-lhe 
as costas no chão, como na modalidade olímpica chamada "luta greco-
romana". Um exemplo desta relação entre as práticas militares e jogos rituais 
foram os jogos olímpicos realizados na Grécia antiga, durante doze séculos, 
de 776 a.C a 393 d.C. As provas disputadas nos jogos olímpicos eram 
variações esportivas de técnicas militares, como o arremesso do dardo, o 
arremesso do disco e o "pancrácio" – luta em que eram válidos todos os tipos 
de golpes. Mesmo provas de corrida, como a célebre maratona, estão 
1 O conceito e a discussão sobre "técnica corporal" encontram-se no capítulo 4 desta dissertação. Ver 
também Mauss (1974). 
21
associadas a proezas militares (Durantez, 1987).2 Assim como as técnicas 
militares estão na origem das atuais artes marciais, estas lutas disputadas entre 
"adversários" (e não "inimigos"), com regras determinando os golpes válidos 
estão na origem dos atuais esportes de combate, e os próprios jogos olímpicos 
da Grécia antiga serviram de modelo na idealização por Pierre de Coubertin 
dos chamados "jogos olímpicos da era moderna", gênese do esporte como o 
conhecemos hoje.
Comumente, o termo "arte marcial" refere-se às artes marciais 
orientais, embora, como foi visto, no sentido em que emprego este termo, 
existam "artes marciais" em quase todas as sociedades. As artes marciais 
orientais são oriundas da China, onde existem estilos de wu shu praticados há 
vários séculos. O templo budista de Shao Lin, no norte da China, local de 
origem de um dos mais famosos estilos de arte marcial chinesa, o estilo 
"Shaolin do Norte", recentemente comemorou 1500 anos de sua fundação. 
Durante séculos, a cultura chinesa dominou as nações circunvizinhas, como a 
Coréia, o Japão e os países do sudeste asiático, influenciando profundamente a 
filosofia, a medicina, a culinária, o comércio e vários outros aspectos da 
cultura destes países, entre eles as técnicas militares. Assim, modalidades de 
artes marciais orientais atualmente praticadas, como o karatê,o taekwondo e 
outras, possuem um tronco comum ligando-as ao wu shu chinês(Chan e Veiga, 
1995).3 
2 A origem da Maratona é atribuída a um soldado grego que correu os 42 Km que separavam a planície 
de Maratona, local de uma batalha, até Atenas, onde, após dar a notícia da vitória grega sobre os 
persas, caiu morto de exaustão.
3 A maioria das informações acerca da história das artes marciais foram obtidas em Virgílio, 1986 e 
Chan e Veiga, 1995. Informações complementares sobre este tema, especialmente sobre as artes 
marciais chinesas, foram obtidas através de entrevistas com o professor Ruben Vieira, professor de 
artes marciais e presidente da Federação Gaúcha de Kung Fu, que prepara um livro sobre o assunto. 
Informações adicionais, em especial sobre a história do full-contact, foram obtidas em entrevistas com 
o professor Aimoré Goulart, professor de full-contact.
22
Muitas destas técnicas tradicionais de combate, que tomavam como 
paradigma da tecnologia militar a lâmina de aço usada nas chamadas "armas 
brancas", como espadas, lanças e punhais, tornaram-se obsoletas para 
utilização militar com o advento da arma de fogo. Muitas armas e a técnica 
necessária para usá-las desapareceram ou tornaram-se conhecidas de 
pouquíssimas pessoas, suplantadas pelo impacto e poder de alcance das armas 
de fogo. Várias dessas armas e técnicas, entretanto, sobreviveram até nossos 
dias sob a forma de jogo, através de um processo de "esportivização" no qual, 
submetendo a sua prática a regras, tornaram-se modalidades esportivas. Proni 
(1994) denomina a este processo "esportivização das artes marciais". Assim, 
hoje em dia existem competições de arco e flecha, de esgrima, de arremesso de 
dardo, bem como de várias outras "artes marciais", mesmo que nenhuma 
destas técnicas guerreiras seja hoje usada com finalidade militar. 
Segundo Proni (1994), a expansão das artes marciais orientais no 
ocidente se deu mais acentuadamente a partir do fim da Segunda Guerra 
Mundial, com o aumento da emigração asiática para os Estados Unidos. No 
início dos anos 50, tornou-se moda praticar "boxe chinês" (nome genérico 
dado então a todas as artes marciais de origem oriental) entre os astros de 
Hollywood (Hyams, 1992). Muggiati (1984) aventa algumas hipóteses para 
este crescente interesse por aspectos da cultura oriental na sociedade norte-
americana do pós-guerra, como o contato dos soldados americanos com a 
cultura japonesa durante a ocupação do Japão ou como uma reação decorrente 
do sentimento de insatisfação com os valores judaico-cristãos vigentes naquela 
sociedade (Muggiati, 1984: 106). Com a crescente valorização deste 
"orientalismo" na sociedade americana, diversas manifestações culturais 
oriundas do extremo oriente passaram a ser vistas como algo extremamente 
positivo, na medida em que representavam parte da reação à cultura ocidental 
23
tradicional, no movimento que se chamou de "contracultura" (Pereira, 1983). 
Expoentes das artes naquele país, como Jack Kerouak, Allen Ginsberg, George 
Harrison e outros aderiram a religiões e seitas indianas e chinesas, como o 
Hare Krishna, o Zen-budismo e a "meditação transcendental" do guru 
Maharishi. A adesão a estas religiões orientais naquele momento representava 
uma alternativa às religiões judaico-cristãs ocidentais. Estas religiões incluíam 
nos seus ensinamentos uma nova maneira de lidar com a mente, o espírito e o 
corpo. Na esteira desta valorização de aspectos da cultura oriental, várias 
outras manifestações culturais do oriente foram se difundindo, entre elas as 
artes marciais. Com o tempo, as artes marciais foram se popularizando nos 
Estados Unidos e, de lá, estas técnicas acabaram sendo difundidas para o resto 
do mundo ocidental, inclusive por meio de produtos da indústria cultural, tema 
que será tratado adiante. Na adaptação destas técnicas tradicionais de combate 
corpo-a-corpo de origem oriental para a sociedade ocidental, o lugar destinado 
às artes marciais acabou sendo o de prática esportiva. No anos seguintes, 
muitas modalidades tradicionais se "esportivizaram", estabelecendo-se 
campeonatos, rankings e federações nacionais de cada modalidade. Em 1964, 
o judô foi admitido provisoriamente como modalidade esportiva olímpica, nos 
jogos olímpicos de Tóquio. Em 1972, nas Olimpíadas de Munique, ele foi 
incorporado definitivamente aos jogos (Virgílio, 1986). Assim, o jodô tornou-
se a primeira "arte marcial" de origem oriental (transformada em "esporte de 
combate") a fazer parte das Olímpíadas da Era Moderna. Atualmente outras 
artes marciais "esportivizadas", como o taekwondo e o karatê, estão se 
candidatando a serem modalidades olímpicas, o que deve ocorrer nos próximos 
anos.
No final dos anos 60, nos Estados Unidos, alguns praticantes de 
diferentes modalidades de arte marcial, como o taekwondo e o karatê, 
24
começaram a testar uma nova modalidade de luta com uma regra tal que 
permitisse o confronto entre lutadores de estilos diferentes. Esta tentativa de 
fazer um estilo que unisse as particularidades dos demais acabou criando um 
novo estilo, com suas próprias particularidades, o full-contact. No início, o 
full-contact era praticado de modo bastante parecido com o karatê, as lutas 
eram realizadas em um tablado e não num ringue e as luvas eram mais leves, 
de modalidades de "semi-contact", como alguns estilos de karatê. O próprio 
nome da nova modalidade indica o vínculo com o karatê na sua origem: 
"karatê full-contact". Aos poucos, o full-contact foi se autonomizando em 
relação ao karatê. Após as primeiras lutas, que se assemelhavam a um combate 
de karatê com luvas de semi-contact, as regras foram se modificando, e em 
poucos anos acabaram tomando a forma atual. A divisão dos lutadores por 
categorias de peso, o uso de luvas idênticas às de boxe e a realização dos 
combates dentro de um ringue aproximaram o full-contact da prática do boxe, 
com a diferença dos golpes de perna, totalmente derivados do taekwondo e do 
karatê.
Hoje em dia existem diversas associações mundiais que regulam a 
prática do full-contact, com pequenas diferenças técnicas nas regras de cada 
uma delas, como a obrigatoriedade ou não de chutar o adversário determinado 
número de vezes por round, a validade ou não de chutes abaixo da linha da 
cintura, etc. Dentre estas entidades, a associação mundial que tem maior 
representatividade no Brasil é a ISKA (International Sports Karate 
Association), considerada pelos praticantes entrevistados a mais importante, e 
onde estão os melhores lutadores. Em outra associação, a WAKO (World 
Association of Kickboxing Organizations), de grande representatividade na 
Europa, o campeão mundial é um lutador brasileiro, Paulo Zorello, motivo 
pelo qual esta entidade vem crescendo em representatividade no país.
25
O full-contact chegou no Brasil através do lutador paulista Sérgio 
Batarelli, no início dos anos 80. Batarelli criou algumas das especificidades 
que este esporte tem no país, como a hierarquização dos praticantes por meio 
de faixas coloridas, a exemplo do karatê, e uma sistemática de avaliação dos 
praticantes com crescente grau de dificuldade de uma faixa para a outra, o 
chamado "Batarelli System". Este sistema inclui um teste para aquisição da 
faixa-preta, chamado por alguns praticantes de "Homem de Ferro", em que o 
candidato deve lutar durante dez rounds contra três adversários que se 
revezam. O "Batarelli System" não é unanimemente aplicado, e, na prática, 
apenas uma linha de alunos diretos deste lutador aplicam seu método.4 Estes e 
outros aspectos mais específicos da prática do full-contact serão 
pormenorizados mais adiante. 
A maioria dos professores pesquisados neste estudocomeçou a 
praticar luta em outras modalidades (em geral o karatê, taekwondo ou o boxe) 
que não o full-contact, e aplicam em suas academias o seu próprio método, de 
acordo com a sua experiência pessoal, com visível influência da modalidade da 
qual cada um é "originário".
1.2 Artes Marciais e Esportes de Combate
O termo "arte marcial" em geral refere-se a uma técnica de luta 
tradicional que visa oferecer ao praticante meios de ataque e defesa contra um 
adversário em uma situação de confronto. É senso comum entre os praticantes 
destas técnicas de luta que o termo "arte marcial" se aplica somente às técnicas 
de luta de origem oriental, que seriam elevadas à categoria de "arte" por 
trazerem em seus ensinamentos uma "filosofia" que esportes como o boxe, por 
4 As especificidades envolvendo este teste e seu significado simbólico para os praticantes serão 
assuntos tratados mais adiante nesta dissertação.
26
exemplo, não teriam. Discordo desta justificativa. A origem de cada técnica de 
luta está impregnada dos valores da cultura onde esta técnica foi gerada. Por 
exemplo, no Japão, a partir do século XVI, houve uma crescente influência do 
zen-budismo nas mais diversas instâncias da vida social, incluindo, 
naturalmente, as técnicas de combate (Hyams, 1992). A influência do zen-
budismo, entretanto, não se limitou à arte marcial; a ótica zen vê "caminhos" 
para o aprimoramento do indivíduo em qualquer atividade que este realize, 
desde que o faça com a correta disposição mental, como o ikebana ("arranjo 
floral"), ou o origami ("dobraduras de papel"), por exemplo. Da mesma forma, 
um esporte criado e desenvolvido no ocidente, como o boxe, por exemplo, está 
repleto de valores e características da cultura que o gerou, a própria lógica 
interna da prática esportiva, que implica na busca de superação do adversário 
dentro das limitações impostas pela regra, é fruto da moderna sociedade 
industrial (Bourdieu, 1983). O boxe, neste sentido, também tem a sua 
"filosofia"... Além disso, mesmo as artes marciais orientais não incluem no 
corpo de ensinamentos aplicados nas academias nenhuma noção de "filosofia", 
mas pura e simplesmente o aprendizado de técnicas corporais de ataque e 
defesa. As artes marciais podem, neste sentido, eventualmente ser um 
"caminho" para o desenvolvimento espiritual do indivíduo, mas esta escolha 
deve partir do próprio indivíduo. No sentido zen da palavra "caminho", este 
também pode ser encontrado na poesia, na jardinagem ou, como sugere Robert 
Pirsig (1984), na "arte da manutenção de motocicletas". 
A diferença entre uma "arte marcial" e um "esporte de combate" 
reside na destinação original do desenvolvimento de cada estilo de luta. Como 
foi visto, uma arte marcial tem na sua origem a intenção de treinamento 
militar, ou seja, seu local de aplicação é numa situação de guerra, onde se 
estabelecem confrontos de vida ou morte. Quando a maior parte destas 
27
técnicas foi criada, no extremo oriente, não existiam armas de fogo, e a 
maioria dos combates era corpo-a-corpo. A destreza de um guerreiro no 
manejo de armas brancas e, quando desarmado, de seu próprio corpo 
transformado em arma, garantia-lhe a sobrevivência em um combate. Assim, 
nos ensinamentos de uma arte marcial incluem-se o controle e fratura de 
articulações, golpes dirigidos a pontos vitais (técnica chamada de atemi, em 
japonês) ou estrangulamentos, técnicas que visam eliminar o perigo 
representado pelo adversário da forma que for necessária, mesmo que ao custo 
da vida do oponente (Virgílio, 1986). Em um confronto em que seja necessário 
o uso de técnicas marciais, o lutador mata o oponente para não ser morto por 
ele. Neste sentido, Rapoport, referindo-se à relação estabelecida com o 
adversário na modalidade de conflito do tipo luta, afirma que 
...em uma luta o adversário é um estorvo. Precisa ser eliminado, 
desaparecer ou perder seu tamanho e importância. O objetivo de 
uma luta é subjugar ou fazer desaparecer o adversário. 
(Rapoport, 1980: 14)
Já o "esporte de combate", como o próprio nome indica, é uma 
modalidade esportiva, em que o objetivo é derrotar o oponente atingindo o seu 
corpo com determinados golpes permitidos por regras estritas. A finalidade de 
um esporte de combate, desde sua origem, sempre foi lúdica, esportiva, como 
o boxe, por exemplo. As lutas de boxe começaram na Inglaterra, em meados 
do século passado, como entretenimento em feiras livres, tendo suas regras 
sido sistematizadas por Lord Queensberry, por volta de 1860 (Gonçalves et al., 
s/d). Assim como ocorre nas rinhas de galo, o público apostava em um dos 
lutadores, que, usando apenas golpes com os punhos (sem luvas nem ataduras, 
naquela época), devia derrotar o seu oponente. Mesmo hoje em dia, as lutas de 
boxe profissionais são em geral associadas a apostas em dinheiro, como nas 
28
corridas de cavalos e nas rinhas de galo. As regras do boxe permitem apenas 
socos, e o objetivo de uma luta de boxe sempre foi esportivo. 
A representatividade do full-contact no universo das técnicas de 
combate, pode-se sugerir, provém do fato de ele, sendo um esporte de combate 
de origem extremamente recente, criado há menos de trinta anos, ter sofrido 
profunda influência de estilos de luta os mais diversos, orientais e ocidentais, 
como o boxe inglês, o taekwondo coreano e o karatê japonês. Estas diferentes 
influências tornam este esporte uma espécie de "forma híbrida" de artes 
marciais orientais e esportes de combate ocidentais. O estudo mais 
aprofundado das particularidades do full-contact, assim, acaba se referindo a 
outras artes marciais. Estas referências a outros estilos, sempre presentes, 
tornam o full-contact bastante representativo do universo das técnicas de luta.
1.3 Artes Marciais e Indústria Cultural
O conceito de "indústria cultural" foi usado pela primeira vez em 
1947, por Horkheimer e Adorno, com o fim de distinguir os então incipientes 
produtos dessa indústria de bens culturais do termo "cultura de massa", já que 
os produtos da indústria cultural não são, como poderia parecer, oriundos 
espontaneamente da própria "massa", como se fossem uma forma 
contemporânea de "arte popular" (Adorno, 1978). Pelo contrário, a relação da 
indústria cultural com a massa é a de adaptar os seus produtos ao consumo 
desta. Como veremos a seguir, em muitos casos, os produtos industriais 
culturais acabam por refletir, no seu próprio conteúdo, aspectos de um 
determinado momento sócio-político. Esta espécie de "referência" não ocorre 
para determinar a conduta da massa no sentido do consumo desses produtos, 
mas como um efeito paralelo decorrente da interação entre produtores e 
consumidores destes bens culturais. 
29
A indústria cultural se define pela produção centralizada e 
distribuição massificada de "produtos culturais", como filmes de 
cinema ou programas de televisão – que no início dos anos 60, 
ainda de modo incipiente, já anunciavam estas características 
descritas por Adorno. Para Adorno, o termo "indústria" não deve 
ser tomado literalmente, já que permanecem instâncias de 
produção individual no processo de produção, por exemplo, de um 
filme. Segundo este autor, o termo "indústria" se aplica 
especialmente à "estandardização da própria coisa", como no caso 
de filmes produzidos segundo os padrões de um gênero específico, 
como o western ou, como veremos, os chamados "filmes de ação", 
que seguem uma espécie de "receita" em seu roteiro. 
(Adorno, 1978: 289)
Como vimos anteriormente, o advento da contracultura, nos anos 50 
e 60, trouxe à cena cultural norte-americana a valorização de uma série de 
aspectos da cultura do extremooriente, num movimento cultural que se 
chamou de "orientalismo". Vinculado em princípio ao movimento beat, a 
valorização de aspectos da cultura oriental tornou-se na década seguinte um – 
mais um – lucrativo empreendimento para a indústria cultural dos Estados 
Unidos. Toda uma geração de jovens sedentos por incenso, Kama Sutra, 
cítaras e meditação transcendental manifestou seu interesse pela cultura 
oriental, entre outras coisas, consumindo livros de Lobsang Rampa, Banghwan 
Rajneesh e discos de Ravi Shankar, por exemplo (Muggiati, 1984). Parte deste 
mesmo movimento foi o súbito sucesso no cinema dos filmes de arte marcial 
de Bruce Lee, que veio a popularizar ainda mais as artes marciais orientais 
junto ao grande público. Em alguns episódios do seriado de televisão 
"Batman", produzidos em meados dos anos 60, Lee aparece como "Kato", o 
fiel ajudante do "Besouro Verde", outro herói mascarado. Tendo seus primeiros 
filmes produzidos em Hong Kong, Bruce Lee atingiu o estrelato com o filme 
"Operação Dragão". 
$$$
30
Foto 1: Pôster de Bruce Lee, Academia Central
Após o sucesso deste filme, no final dos anos 60, os chamados 
"filmes de arte marcial" vieram a tornar-se um ramo da indústria 
cinematográfica, em geral associados a produções de segunda linha, mas que 
já fizeram surgir alguns ídolos do cinema, como o ator belga Jean-Claude Van 
Damme, o já citado "dragão" Bruce Lee ou Chuck Norris, ex-heptacampeão 
americano de karatê. No início dos anos 70, o seriado de televisão "Kung Fu", 
com David Carradine no papel principal, levou para os lares do mundo inteiro 
a informação de que "kung fu" era uma luta praticada por sábios monges 
chineses, ajudando, desta forma, a popularizar as artes marciais orientais no 
ocidente. Neste seriado, um monge Shao Lin foragido da China por ter 
vingado a morte injusta de seu mestre vem para a América em meados do 
século XIX, nos tempos do western. Com este argumento, "Kane" (o nome do 
monge) vagueia pelo deserto do velho-oeste americano, agindo sempre com 
serenidade e paciência "orientais". Em todos os episódios, a serenidade e a 
paciência de Kane são postas à prova por cowboys prevalecidos que pretendem 
abusar do humilde chinês ou de outros desfavorecidos, de quem Kane sempre 
toma partido. Neste momento, entra em ação o "kung fu" que dá o nome à 
série: Kane (inaugurando na televisão o efeito de slow motion) derrota com as 
mãos desarmadas vários adversários ao mesmo tempo, com golpes certeiros de 
sua arte marcial. Em cada episódio, Kane também recorre à memória (sob a 
forma de flash backs) para se lembrar de algum sábio conselho de seu mestre – 
um velhinho cego que o chamava pelo apelido de "gafanhoto" – no templo de 
Shao Lin. O argumento desta série parece ilustrar simbolicamente o que 
ocorreu no imaginário norte-americano com o momento em que se desenvolve 
este "orientalismo". O símbolo masculino por excelência da cultura norte-
americana, o cowboy, até então sempre retratado com atributos positivos, passa 
31
a ser visto neste seriado como um brutamontes covarde e truculento. De 
"mocinho", passa a "bandido", exatamente o que estava acontecendo com a 
imagem pública dos soldados americanos entre a Segunda Guerra Mundial e a 
Guerra do Vietnã. Em enormes manifestações de protesto, jovens americanos 
queimavam publicamente suas cartas de convocação e carregavam cartazes de 
Ho Chi Min, líder do Vietnã do Norte, considerando o povo vietnamita como o 
verdadeiro "herói" desta guerra, ao sustentar-se com mínimos recursos contra o 
poderoso exército americano, prevalecido como os cowboys-vilões de Kane 
(Pereira, 1983). O oriental, neste seriado, era visto como um homem bom 
(afinal de contas, ele era o "mocinho"), dotado de vários adjetivos positivos, e 
possuidor de uma arma que não se comprava em nenhuma loja: o poder sobre 
o próprio corpo, utilizado como arma pelo conhecimento de uma arte marcial. 
Os produtores da indústria cultural souberam muito bem captar o momento em 
que essas mudanças de mentalidade estavam se passando e traduzi-las em 
linguagem televisiva. O enorme sucesso da série, em princípio nos Estados 
Unidos e – por conta dos canais de distribuição dos produtos da indústria 
cultural – em vários outros países, manifesta o quão adequada era a metáfora 
naquele momento. 
Na esteira destes produtos da indústria cultural, como uma espécie 
de "efeito colateral", houve uma grande popularização das artes marciais, em 
especial do kung fu, arte marcial praticada por "Kane" e por Bruce Lee. Uma 
música bastante famosa no início dos anos 70 chamava-se – não sem motivo – 
"Everybody is Kung Fu Fighting". 
 Nas academias de full-contact é bastante freqüente verem-se 
pendurados à parede pôsteres de Bruce Lee ou Van Damme, denotando a 
influência destes filmes no imaginário dos praticantes. Vários praticantes 
declararam ter tido o seu primeiro contato com as artes marciais através de 
32
programas de televisão ou em filmes no cinema, como pode ser visto no 
seguinte depoimento, onde um praticante justifica a sua escolha, na 
adolescência, pela prática das artes marciais:
"Eu sempre gostei de luta. Desde pequeno, eu sempre vi filmes, 
Bruce Lee, David Carradine, só que eu procurei o kung fu, no caso 
o Shao Lin do Norte, que era o que tinha na época [em 1979], por 
causa do que ele ensina, não me interessa só aprender a lutar, eu 
quero mais, eu gosto da história..."
(Lúcio, 30 anos, porteiro)
Notável neste caso é a influência exercida pela indústria cultural no 
sentido do praticante escolher não apenas uma arte marcial, mas a mesma arte 
praticada pelos dois atores citados pelo praticante, o kung fu chinês.
No caso do full-contact, ocorre hoje em dia um fenômeno parecido 
com o que sucedeu ao kung fu no início dos anos 70. A extraordinária 
visibilidade patrocinada pela sua presença em diversos produtos da indústria 
cultural tornou o full-contact extremamente popular. O full-contact é uma das 
modalidades do chamado kickboxing, termo genérico que define as 
modalidades de luta esportiva que utilizem mãos enluvadas e golpes com as 
pernas. A partir de filmes de artes marciais como "O Grande Dragão Branco", 
com Jean Claude Van Damme, ele próprio praticante de kickboxing, esta 
modalidade adquiriu grande visibilidade. Outros filmes do gênero reforçam 
esta visibilidade, com títulos como "O Rei dos Kickboxers", "American 
Kickboxer" ou mesmo "Full-Contact: Contato Mortal", que, apenas por 
curiosidade, nada tem a ver com o esporte, é só um título. 
Em "O Grande Dragão Branco", o personagem representado por 
Van Damme realiza um movimento inverso ao de "Kane" em "Kung Fu". Se 
neste seriado o herói era um chinês que sobrevivia em um meio socialmente 
adverso, o velho-oeste americano, contando apenas com o seu auto-controle e 
o conhecimento de artes marciais, no filme de Van Damme o protagonista é um 
33
militar americano que, tendo aprendido os segredos das artes marciais com um 
mestre oriental, vai ao extremo oriente participar de um torneio de artes 
marciais. 
$$$
Foto 2: Pôster de Van Damme, Academia Central
O torneio, ilegal, chama-se Kumite e nele se inscrevem lutadores de 
todos os estilos, em lutas que duram enquanto um dos lutadores não desistir ou 
desmaiar. A luta final do torneio (e do filme) é contra um chinês corpulento 
que usa de todas as vilanias para vencer, como atacar um lutador caído (não 
por acaso, um wrestler americano, amigo de Van Damme) ou jogar areia nos 
olhos do "mocinho" na luta final.5 A lógica maniqueísta do filme de uma certa 
forma "vinga" os cowboys-vilões de "Kung Fu". Desta feita, o grande 
"bandido" é um imenso chinês quesó vence porque usa de meios ilícitos (ao 
contrário de "Kane" e Bruce Lee, ambos de pequena estatura, habilíssimos no 
combate, e sempre éticos perante o adversário). O "mocinho", além de ser 
militar, americano, branco e de olhos verdes, vai até o mais fundo porão do 
extremo oriente competir com lutadores de todo o mundo e de todos os estilos, 
ou seja, perfaz o caminho de "Kane" ao contrário, invadindo o próprio "berço" 
das artes marciais para mostrar que aprendeu muito bem sua lição. Ao final, 
consagrado pela vitória – inevitável –, Van Damme recebe de todos os 
orientais que presidem o torneio o título de "O Grande Dragão Branco". Cabe 
lembrar que "Dragão" era o apelido de Bruce Lee, que acabou tornando este 
ser imaginário em uma espécie de "animal totêmico" das artes marciais. 6 
5 "Wrestling" é a denominação americana para uma modalidade de luta-livre, conhecida no Brasil 
como "catch" ou "telecatch". Wrestler é o praticante de wrestling.
6 O apelido de "Dragão" deriva de uma antiga denominação das virtudes necessárias a um mestre de 
kung fu. São os chamados "cinco animais do kung fu", cada um deles representando uma virtude: 
tigre, a força; leopardo, a velocidade; serpente, a agilidade; grou, a flexibilidade e, finalmente, o 
Utilizando-se do "título" de Bruce Lee, já falecido, acrescido dos adjetivos 
"grande" e "branco", Van Damme adquire para si o trono simbólico de "maior 
lutador do mundo" – do mundo do cinema, evidentemente –, vago desde a 
morte de Lee. Não basta mais ser apenas um "dragão": há que ser "grande" e, 
principalmente, "branco". 
Assim, ao contrário de outras artes marciais menos conhecidas, 
como o kempô ou o hapkidô, o full-contact possui uma "visibilidade" social 
derivada dessa influência da indústria cultural, tornando-o "conhecido" e 
consumido mesmo por pessoas de fora do métier das artes marciais. Esta 
influência da indústria cultural produziu um grande aumento no número de 
praticantes deste esporte em relação a outras artes marciais estabelecidas há 
bem mais tempo. Além disso, se ao número dos praticantes de artes marciais e 
esportes de combate for somado o dos consumidores de produtos da indústria 
cultural que se referem a combates corpo-a-corpo, como a transmissão de 
combates pela televisão, os filmes de ação ou os videogames de luta, fica clara 
a representatividade que estas práticas e consumos têm no imaginário de nossa 
sociedade. 
A propósito dos videogames que simulam situações de combate, é 
notável a freqüência com que, entre os lutadores disponíveis de serem 
manipulados pelo jogador, aparecem referências a Van Damme e a Bruce Lee. 
Nestes videogames, quase sempre existe um lutador cuja característica é a 
abertura lateral das pernas de 180°, referência a Van Damme. Em uma cena de 
"O Grande Dragão Branco" que o tornou famoso no mundo das artes marciais, 
Van Damme treina para uma luta com os calcanhares apoiados em duas 
cadeiras, as pernas diametralmente opostas. Da mesma forma, outro 
personagem freqüente nos videogames é um chinês franzino de calças pretas e 
dragão, que representa o poder espiritual do mestre de artes marciais.
35
sem camisa que associa seus ataques fulminantes a gritos estridentes, 
referências claras a Bruce Lee. Em um jogo chamado Pit Fighter, um dos 
lutadores, que na abertura do jogo aparece treinando um kati de kung fu e 
associa gritos estridentes ao seu ataque, chama-se – não por coincidência – 
"Kato", exatamente o mesmo nome do personagem de Bruce Lee no seriado 
"Batman".7 Em outro jogo, chamado Mortal Kombat, um dos lutadores chama-
se "Johnny Cage", que é apresentado como um famoso astro do cinema 
americano, praticante de kickboxing, que apresenta no seu repertório de golpes 
uma súbita abertura das pernas a 180° que lhe permite golpear o baixo-ventre 
do adversário.
Se esta associação do full-contact com o conteúdo dos filmes 
referidos e com jogos de videogame por um lado promove a popularização do 
full-contact, por outro traz consigo uma série de preconceitos em relação a este 
esporte, ao apresentá-lo como uma competição sangrenta onde todos os meios 
são lícitos na busca da vitória, os lutadores transformados em gladiadores 
sanguinários, como no enredo dos filmes ou dos videogames. O full-contact, 
na verdade, é apenas um esporte de combate como tantos outros, repleto de 
regras proibindo golpes perigosos e com o corpo do lutador coberto de 
equipamentos de proteção. Desmitificar esta imagem pública com que o senso-
comum cerca as artes marciais em geral e em especial o full-contact me parece 
importante, e também é um dos objetivos deste trabalho.
1.4 A Organização das Artes Marciais no Campo Esportivo
Neste trabalho será utilizado o conceito de "campo", nos termos 
tratados por Bourdieu (1989). Um "campo" pode ser inicialmente definido 
7 Kati – kata, em japonês – é uma série de movimentos predeterminados que simulam os golpes 
característicos de cada estilo de arte marcial. 
36
como um "universo relativamente autônomo de relações específicas" 
(Bourdieu, 1989: 65-66). Posto nestes termos, o conceito é vago, dada a 
imensa multiplicidade de "campos" distintos, como o campo da alta costura, o 
campo científico, o campo econômico e o campo do poder, por exemplo. 
Apesar dessa diversidade, existem propriedades em comum, a ponto de 
Bourdieu sugerir uma "Lei Geral dos Campos" (Bourdieu, 1983a: 89). Nos 
termos deste autor, um campo é basicamente um terreno de luta "entre o novo 
que está entrando e que tenta forçar o direito de entrada, e o dominante que 
tenta defender o monopólio e excluir a concorrência" (Bourdieu, 1983a: 89). 
Assim, a estrutura de um campo é dada pela relação de força entre os agentes 
ou instituições em conflito pela distribuição do capital específico deste campo. 
Por exemplo, o "campo da religião" é o espaço social onde se trava uma luta 
entre as igrejas e crenças tradicionais, já estabelecidas, e o avanço de novas 
seitas e cultos, estes ansiosos por conquistar o maior número de "fiéis", e 
aquelas, temerosas de perder os fiéis já conquistados. O exemplo é 
evidentemente simplificado, mas posto nestes termos, o "capital específico" do 
campo são os fiéis, que garantirão a sobrevivência, a manutenção ou a 
ascensão de um corpo de crenças dentro desse campo das práticas religiosas, 
que tem como "produto" os chamados por Bourdieu "bens de salvação" 
(Bourdieu, 1992). Uma característica decorrente deste conflito é a oposição 
entre as duas posições citadas, que assume a forma de conflito entre 
"ortodoxia" versus "heresia". Os que mantêm a posição dominante 
(freqüentemente monopolizando a posse do capital específico) tendem a 
estratégias de conservação, ao passo que os que possuem menos capital e 
querem estabelecer-se no campo recorrem a estratégias de subversão, de modo 
a minar o poder dos dominantes.
37
Essa luta por uma parcela mais significativa do capital específico do 
campo, entretanto, não é uma guerra de extermínio. Na verdade, se formos 
utilizar a classificação de Rapoport (1980), nem se trata de luta, mas de jogo. 
Nos termos deste autor, 
...o jogo parte não de um desacordo, mas de um acordo, isto é, o 
acordo entre os oponentes de lutar por objetivos incompatíveis 
dentro de certas regras. (Rapoport, 1980: 2)
Assim, apesar do interesse conflitante dos agentes envolvidos, há 
um acordo tácito entre eles, e um interesse em comum pela preservação do 
campo. Mesmo as estratégias de subversão ocorrem dentro de limites estritos, 
sob pena de exclusão. Afinal, a subversão levada a seu extremo levaria à 
dissolução do campo, fato que não é do interesse de nenhumdos agentes 
envolvidos. Referindo-se ao "jogo" como função cultural, Huizinga relata fato 
semelhante. A transgressão da regra leva, segundo ele, à expulsão do 
transgressor ou, se tal não ocorrer, ao fim do jogo (Huizinga, 1971: 14). A 
analogia do campo como um terreno de jogo é enfatizada por Bourdieu, que 
considera, dado o investimento em tempo e esforço para a entrada no campo, 
(ou seja, no jogo) "praticamente impensável a destruição pura e simples do 
jogo" (Bourdieu, 1983a: 137).
Colocada a questão nestes termos, o universo das práticas e 
consumos esportivos pode ser considerado como um "campo esportivo". 
Bourdieu considera o esporte moderno como um sistema de agentes e 
instituições que começou a funcionar como um "campo de concorrência". Se 
esse sistema funciona como um campo, dada a autonomia que o caracteriza, 
não se pode simplesmente associar em relação direta os fenômenos esportivos 
num dado momento e as condições econômicas e sociais das sociedades 
correspondentes. A respeito desta relativa autonomia que caracteriza o "campo 
esportivo", Bourdieu afirma:
38
A história do esporte é uma história relativamente autônoma que, 
mesmo estando articulada com os grandes acontecimentos da 
história econômica e política, tem seu próprio tempo, suas próprias 
leis de evolução, suas próprias crises, em suma, sua cronologia 
específica. (Bourdieu, 1983a: 137)
O "campo esportivo" ao longo de seu processo de constituição 
tornou-se palco de lutas as mais diversas, pelo monopólio da legitimidade de 
representar determinado esporte e seus praticantes, pela legitimidade da 
"prática amadora" (mais fiel aos ideais da elite) contra a "profissionalização" 
(mais próxima da realidade das classes populares), o "esporte-prática" contra o 
"esporte-espetáculo", e mesmo dentro de um mesmo esporte, as lutas por 
hegemonia de determinadas "escolas" ou "estilos". Essas lutas todas opõem 
entre si não apenas atletas, treinadores e dirigentes, mas também médicos, 
nutricionistas, fabricantes de artigos esportivos, designers e estilistas de moda, 
publicitários e profissionais de imprensa.8 Para Bourdieu, essas lutas pela 
legitimidade dentro do campo esportivo são reflexo "do estado das relações de 
força entre as frações das classes dominantes e entre as classes sociais no 
campo das lutas pela definição do corpo legítimo e dos usos legítimos do 
corpo" (Bourdieu, 1983a: 142). No "campo esportivo", como em todos os 
outros campos, existe uma luta entre diferentes setores da sociedade pela 
legitimidade dos espaços conquistados naquele campo. Como um exemplo, 
pode ser vista a difícil relação estabelecida entre a realização dos jogos 
olímpicos da era moderna e a prática esportiva profissional, apenas 
recentemente permitida naqueles jogos. Durante quase um século – ou seja, 
durante praticamente toda a história dos jogos olímpicos modernos – só 
podiam competir nos jogos olímpicos (que representavam um ideal de "espírito 
esportivo" caracterizado pela distância de vantagens materiais auferidas por 
meio do esporte) atletas ditos "amadores". Esta categoria se opõe à categoria 
8 Ver também, neste sentido, Cristan, 1994.
39
"profissional", ou seja, "amadores" são aqueles que praticam o esporte "por 
amor" e não "por profissão". A disputa acerca destas duas categorias revela um 
conflito entre duas posições sociais distintas: de um lado os membros das 
chamadas "elites", que podem praticar esportes de modo "amador", devido à 
disponibilidade de recursos financeiros; de outro, os esportistas oriundos das 
camadas populares, que para disporem de tempo para treinar, precisam receber 
pagamento pelas horas de treinamento, ou seja, tornam-se "profissionais". Há 
poucos anos, esta posição foi revista, e hoje participam dos jogos olímpicos 
todos os atletas que obtiverem um determinado índice técnico específico para 
cada modalidade, independente do pagamento ou não dos "serviços" do atleta. 
A relação conflituosa no campo esportivo derivada de diferenças de origem 
social, entretanto, persiste.
As diferentes práticas e consumos de produtos esportivos em nossa 
sociedade – bem como os demais tipos de consumo – se dão de modo 
diferenciado de acordo com o pertencimento de cada agente a determinados 
grupos sociais.9
Não somente as possibilidades de acesso ao consumo desses bens 
são menores para as pessoas provenientes das camadas populares como o 
próprio tempo necessário para a prática esportiva em si é aproveitado de modo 
diferente. As alternativas de lazer disponíveis – entre as quais se inclui o 
esporte – também são diferentes para pessoas de camadas diferenciadas. 
Mesmo no caso da prática de um esporte como atividade de lazer, cada grupo 
social apresenta uma tendência a escolher determinada modalidade esportiva, 
de acordo com a natureza das motivações envolvidas a respeito. A própria 
natureza "gratuita" e "descompromissada" da prática esportiva representa um 
reflexo das circunstâncias sociais que deram origem ao esporte moderno.
9 Ver, neste sentido, Bourdieu (1983a), e Boltanski (1979).
40
O esporte, como o conhecemos hoje, surgiu em fins do século 
passado, apesar de serem referidos jogos e competições entre os mais diversos 
povos desde a mais remota antigüidade. De acordo com Bourdieu (1983a), 
uma possível "história social do esporte" deveria ressaltar o surgimento da 
competição esportiva associado aos liceus e escolas destinados aos filhos das 
classes dominantes da Inglaterra e França em fins do século passado. Através 
de uma releitura de jogos populares, retirou-se desses jogos todo o elemento de 
interesse material imediato (inclusive suas ligações com festas e tradições 
populares), tornando-os um fim em si mesmos, uma atividade irredutível a 
qualquer outra categoria. Estava criado o "esporte amador", e não é por 
coincidência que Pierre de Coubertin, o criador dos modernos jogos olímpicos 
era um barão de nobreza antiga. Essa inclinação pela atividade desinteressada 
e sem finalidade específica é "uma dimensão fundamental do ethos das 'elites' 
que sempre se vangloriaram de desinteresse e se definem pela distância eletiva 
(...) em relação aos interesses materiais." (Bourdieu, 1983a: 139) Esse "berço 
nobre" no qual nasceu o esporte deixou sua marca ao longo do processo de 
autonomização do campo esportivo, na forma de uma "filosofia política do 
esporte" (Bourdieu, 1983a: 140). Esta filosofia política é uma dimensão da 
filosofia aristocrática baseada no desinteresse por razões materiais e pela busca 
tenaz da vitória, desde que jamais se desobedeça às regras. É o assim chamado 
fair play (sempre invocado na época das Olimpíadas e Copas do Mundo) que, 
na perspectiva de Bourdieu, representa uma forma de forjar o caráter e 
desenvolver as virtudes viris dos futuros líderes, conforme os preceitos 
daquelas instituições de ensino. Além disso, a prática esportiva era também 
recomendada pelos educadores de então como uma maneira saudável de 
ocupar, vigiar e, principalmente, canalizar a agressividade latente naqueles 
grupos de adolescentes sob seus cuidados. Essa função de mobilização, 
41
ocupação e controle exercida pelo esporte foi rapidamente apropriada por 
todos quantos tinham sob sua influência grande número de pessoas. Desta 
forma, surgiram associações esportivas vinculadas inicialmente a sindicatos, 
partidos e igrejas que, adquirindo autonomia, transportaram para o campo 
esportivo rivalidades políticas dos mais diferentes níveis (Bourdieu, 1983a).
 Nessa transposição da prática esportiva do meio social das elites 
dominantes para as camadas populareshouve uma profunda reinterpretação 
dos significados dessas práticas, segundo os critérios das camadas populares. 
Um dos principais efeitos dessa transposição foi a profissionalização do 
esporte, fato que contraria frontalmente o chamado "espírito esportivo" 
conforme preconizado por Coubertin. No confronto estabelecido entre esporte 
amador e esporte profissional, aquele sendo possuidor de uma "pureza" de 
princípios que este, por envolver uma soma em dinheiro, não possuiria, muitos 
esportistas foram discriminados por serem "profissionais". Fato notável a esse 
respeito foi o episódio ocorrido na Olimpíada de Estocolmo, em 1912, quando 
um atleta americano, Jim Thorpe, um índio algonquim do Oklahoma, tornou-se 
o primeiro campeão olímpico do decatlo e pentatlo. Após os jogos, teve as suas 
medalhas cassadas pelo Comitê Olímpico de então por ter, supostamente, 
recebido no passado quinze dólares por semana para jogar beisebol, o que faria 
dele um "profissional" (Maranhão, 1980). Esta obrigatoriedade da 
desvinculação ao interesse financeiro durou até há bem pouco tempo no 
Comitê Olímpico Internacional, que não aceitava atletas "profissionais" nos 
jogos olímpicos.
Para profissionais ou amadores, as quadras de esporte, pistas, 
campos ou ringues são locais privilegiados para a realização de confrontos 
competitivos em nossa sociedade. Às diferentes práticas esportivas 
correspondem diferentes praticantes. Vários autores referem-se a uma relação 
42
estatisticamente comprovável entre as diferentes modalidades esportivas e a 
origem social de seus praticantes, como Benach (1987), Bourdieu (1983a), 
Kregel (1987) e Boltanski (1979). Assim, entre pessoas provenientes das 
classes populares, a utilização do próprio corpo como instrumento de trabalho 
revelaria uma tendência a escolher esportes que demandem um grande 
investimento de esforço físico, "por vezes, mesmo dor e sofrimento", tais 
como os esportes de combate (Bourdieu, 1983a). Já nas camadas médias, a 
motivação para praticar uma determinada modalidade esportiva adviria de 
benefícios na manutenção da saúde e da forma física do indivíduo. Nestes 
grupos, a prática de esportes arriscados, como o full-contact (onde o risco de 
sair ferido ou nocauteado é sempre uma possibilidade real), limita-se a uma 
espécie de "licença" concedida aos membros mais jovens e impetuosos destes 
grupos, por um período limitado. Em geral, estas práticas são abandonadas 
muito cedo (Bourdieu, 1983a). Para as pessoas provenientes das classes 
populares, entretanto, a prática do esporte com finalidade profissional 
representa uma alternativa bastante viável de ascensão social, talvez uma das 
únicas (Bourdieu, 1983a e Magnane, 1969). 
Assim, as artes marciais encontram-se, junto com os esportes de 
combate, ligadas a uma realidade maior, o "campo das práticas e consumos 
esportivos". Para cada estilo de luta existem produtos especializados, desde o 
uniforme da academia onde se treina até acessórios importados, como armas 
orientais, no caso do kung fu e kendô, ou equipamentos de proteção, como 
botas e caneleiras, para full-contact e outros estilos de kickboxing. No 
mercado de bens e serviços, os "serviços" são prestados por todas as 
academias, locais onde se transmitem os conhecimentos acerca de cada 
modalidade de luta, com um corpo técnico autorizado a ministrá-los, a partir 
de um alvará emitido pela federação que regulamenta cada modalidade. Nas 
43
últimas décadas, muitas artes marciais tradicionais foram transformadas em 
modalidades esportivas, com a incorporação de regras para competições, 
estabelecimento de rankings, filiação a entidades internacionais de luta 
esportiva e organização nacional em federações e confederações, como é o 
caso do judô, karatê, jiu jitsu e muitas outras modalidades.
As diversas modalidades de luta encontram-se todas organizadas 
em federações e confederações, ligadas em última instância ao poder público, 
através do Ministério da Educação e Cultura.10 A organização política de uma 
modalidade de luta esportiva ou arte marcial segue uma hierarquia que vai da 
academia ao MEC. O Ministério da Educação e Cultura regulamenta a prática 
do esporte no Brasil através do Conselho Nacional de Desportos (CND). A este 
órgão estão ligadas todas as confederações esportivas nacionais. Uma 
confederação é formada a partir da adesão de no mínimo dez federações 
estaduais de uma mesma modalidade. No caso dos esportes de combate, a 
maioria deles está vinculada à Confederação Brasileira de Pugilismo, que 
possui um departamento para cada modalidade. Modalidades que estejam 
organizadas no país inteiro, entretanto, podem se autonomizar e fundar a sua 
própria confederação, como é o caso da Confederação Brasileira de Judô, hoje 
desvinculada da Confederação Brasileira de Pugilismo. A nível estadual, a 
organização política das práticas esportivas é similar. As modalidades de luta 
mais freqüentes possuem, em cada Estado, uma federação que regulamenta sua 
prática, cabendo a ela emitir alvarás autorizando determinados praticantes a 
lecionar, referendar testes para passagens de degraus hierárquicos para os 
praticantes, organizar competições e estabelecer os rankings amador e 
profissional daquela modalidade. Em princípio, uma modalidade nova no 
10 As informações acerca da organização política das modalidades esportivas foram obtidas através de 
entrevistas com o sr. Vinícius Guarilha, ex-presidente da Federação Gaúcha de Pugilismo e atual 
presidente da Federação Gaúcha de Full-Contact. 
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"campo esportivo", em se tratando de um esporte de combate, terá sua prática e 
ensino normatizada, no Rio Grande do Sul, pela Federação Riograndense de 
Pugilismo, como é o caso do hapkidô, capoeira e kendô, onde cada um destes 
esportes está organizado como um departamento daquela federação. À medida 
em que uma modalidade vai crescendo de importância dentro do campo 
esportivo, pelo aumento expressivo do número de seus praticantes, aumenta 
também o número de instrutores a ela associados, e esse processo em geral 
leva a modalidade a buscar autonomia, através de uma federação própria. Após 
um ano organizada como um departamento da federação, os clubes filiados 
podem pedir a desvinculação desta, através da publicação de um edital de 
desvinculação, marcando a eleição da primeira diretoria, de um conselho fiscal 
e de um tribunal de justiça esportiva próprios. Cada clube filiado há mais de 
um ano tem direito a voto, e o estatuto da nova federação deve ser aprovado 
pelo CND. Foi o caso do full-contact no Rio Grande do Sul, que inicialmente 
era ligado à Federação Gaúcha de Pugilismo. Os instrutores mais antigos 
fizeram seus testes para faixa-preta em São Paulo, através da Federação 
Paulista de Full-Contact, e depois tiveram seu resultado referendado pela 
Federação Gaúcha de Pugilismo. Com o súbito sucesso desta modalidade 
desde o final dos anos 80, em 30 de dezembro de 1991 foi criada a Federação 
Gaúcha de Full-Contact, que, com sete clubes fundadores, hoje conta cerca de 
35 faixas-pretas (praticantes autorizados a lecionar) e aproximadamente 2000 
praticantes registrados em todo o Estado (Dados da Federação Gaúcha de Full-
Contact).
Em nível internacional, o full-contact, a exemplo do boxe, encontra-
se organizado por associações mundiais, como a ISKA, a WAKO e a FFKA. 
Cada uma destas entidades disputa com as outras a supremacia dentro do 
"campo esportivo", filiando o maior número de países e organizando rankings 
45
e competições mundiais. As regras de cada uma destas associações são 
ligeiramente diferentes,

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