Prévia do material em texto
TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 51 44.. CCIINNÉÉTTIICCAA DDOO CCRREESSCCIIMMEENNTTOO CCEELLUULLAARR 4.1 Introdução Quando células vivas presentes em um meio encontram condições físico-químicas favoráveis, elas crescem e se multiplicam. Com esse objetivo, as células realizam uma série de reações que convertem compostos do ambiente em massa celular. Como resultado, produtos do metabolismo são liberados no meio extracelular. Enquanto as condições favoráveis e ideais persistem, a velocidade específica de crescimento é máxima. Se o ambiente é fechado ou não permite uma mistura perfeita, compostos nutricionais se esgotam e produtos do metabolismo se acumulam. Esses fatores, isoladamente ou em conjunto, poderão começar a limitar o crescimento celular. Tanto a concentração dos substratos assimilados pelas células, quanto os produtos excretados, podem afetar sua velocidade de crescimento e multiplicação. A variação das concentrações desses componentes no meio e seus respectivos efeitos sobre a fisiologia da célula caracterizam o estudo da cinética do crescimento celular. Esse processo pode ser descrito como: SUBSTRATO + CÉLULA → PRODUTOS EXTRACELULARES + CÉLULAS ∑ +→+∑ nX P XS O crescimento celular é função de muitos fatores, entre eles: 1) o número de microrganismos presentes; 2) a natureza e a concentração dos nutrientes no meio de cultura; 3) a genética do microrganismo; 4) as condições fisiológicas; 5) a história prévia do microrganismo; e 6) as condições físico- químicas da cultura. A cinética do crescimento celular estuda as velocidades (ou taxas) de crescimento das células, de consumo de substrato(s) e de formação de produto(s), e os efeitos das várias condições químicas e físicas do ambiente sobre essas taxas. Apesar de algumas bactérias crescerem muito lentamente, requerendo horas para a síntese de uma nova célula, o crescimento rápido é característico de muitas espécies, particularmente aquelas que precisam competir no meio por nutrientes escassos ou intermitentes. O processo total de síntese de uma célula de Escherichia coli, por exemplo, em meio mínimo, com glicose e minerais, dura cerca de 40 minutos a 37ºC e pode ocorrer em metade desse tempo em um meio rico (NEIDHARDT et al., 1990). Quando a concentração de cada componente celular aumenta de forma constante e na mesma taxa, o crescimento é balanceado, ou seja, existe equilíbrio dinâmico. Na prática, esse é o único período onde todos os dados são reproduzíveis. Quando o aumento dos componentes de novas células não é constante, o crescimento é não-balanceado. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 52 O crescimento é irrestrito quando a concentração de nutrientes não é limitante e os compostos tóxicos produzidos pelas células não estão em níveis efetivos. O crescimento celular se torna restrito devido às mudanças no meio resultantes do próprio crescimento ou por alterações externas nas condições físicas e, ou, químicas, sendo as mais comuns o esgotamento de nutrientes, a redução da disponibilidade de oxigênio e o acúmulo de ácidos e outros produtos do metabolismo celular. É possível quantificar o crescimento celular pelo rendimento, que é a medida da quantidade total de crescimento, ou pela taxa, que é a medida de sua velocidade. Ambas as medidas são importantes para entendimento dos fatores que são críticos ao processo de crescimento. O estudo cinético do crescimento de qualquer célula – microbiana, vegetal ou animal – é importante para o entendimento, o projeto e a operação dos sistemas que empregam essas células. Além disso, o conhecimento da cinética do crescimento microbiano pode ser útil na determinação da vida-de-prateleira de produtos e na definição de pontos críticos e de estratégias de controle nos processos de conservação de alimentos. Em adição a esses propósitos, ainda existe o interesse pelo entendimento da fisiologia das células. Existem diversos sistemas onde a cinética do crescimento celular é de interesse para o engenheiro, por exemplo: • produção de massa celular; • produção de etanol, ácidos orgânicos e solventes, enzimas e outras proteínas, aminoácidos, antibióticos, vitaminas, pigmentos, produtos farmacêuticos, etc.; • biotransformação em processos fermentativos e sistemas de tratamento de resíduos; • controle ou inibição do crescimento de microrganismos indesejáveis em alimentos, durante seu processamento, estocagem ou vida-de-prateleira. Em todos esses sistemas é de fundamental importância a combinação dos conhecimentos da biologia e da engenharia. Com os avanços da genética, tornou-se possível a construção de células com características especiais, como capacidade para superproduzir medicamentos, produzir alimentos, degradar componentes especiais ou produzir compostos antes apenas produzidos por células vegetais ou animais. Essas e outras características resultam em uma variedade de aplicações que somente são obtidas com o trabalho de equipes multidisciplinares. Um bom exemplo dessa combinação de conhecimentos é a produção da penicilina. Quando Alexander Fleming, em 1928, realizava estudos de isolamento da bactéria Staphylococcus aureus , observou que uma das placas havia sido contaminada por uma partícula e que nenhuma bactéria foi capaz de crescer próximo à partícula contaminante. Fleming entendeu que as bactérias não cresciam devido à produção de algum agente bactericida e, então, recuperou a partícula e isolou um fungo do gênero Penicillium. Após a descoberta, a cultura foi mantida em seu laboratório por aproximadamente uma década antes da realização de pesquisas aplicadas, em conseqüência da Segunda Guerra Mundial. Laboratórios de empresas privadas e governamentais, assistidos por universidades, começaram a buscar uma solução para a produção do composto em quantidade suficiente para sua utilização na guerra. Em 1939, a concentração final do composto, a penicilina, era de 0,001 g/L, em um meio típico de fermentação. Entretanto, tratava-se de um produto sensível e instável, o que dificultava os processos de recuperação e purificação. Hoje, a concentração de penicilina no meio de fermentação alcança concentrações superiores a 50 g/L. Esse avanço envolveu o melhor entendimento da fisiologia do fungo, das vias metabólicas, da estrutura da penicilina, dos métodos de mutação e de seleção de fungos, do desenvolvimento de meios de cultura, do controle de processos e do projeto de reatores, o que não seria possível sem a combinação de conhecimentos. Durante esse período, a Merck , uma das indústrias farmacêuticas envolvidas, verificou que não era possível encontrar um profissional com conhecimento de engenharia e de biologia no nível desejado. Assim, selecionou um engenheiro e um microbiologista para trabalharem em todas as etapas do projeto; eles deveriam, juntos, planejar, executar e analisar o projeto experimental. Neste capítulo serão utilizados os conhecimentos adquiridos sobre cinética de reações e projeto de reatores para descrever, matematicamente, sistemas biológicos envolvendo crescimento celular. Também serão derivadas as equações aplicadas na análise e no projeto de biorreatores ideais tipo batelada, PFR e CSTR, ou suas combinações, e as equações para biorreatores não-ideais. Os conhecimentos adquiridos poderão ser facilmente estendidos para entendimento e descrição matemática do crescimento microbiano em alimentos in natura, processados, ou durante as diferentes etapas do seu processamento. Tarefa: Transformações resultantes do crescimento celular Identifique dois sistemas biológicos que envolvam transformações provocadas pelo crescimento celular, um no qual as transformações são desejáveis e outro no qual as transformações são indesejáveis. Descreva o sistema e cite fatores que podem afetar a velocidade dessas transformações. 1) Descrição e fatores: TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 53 2) Descrição e fatores:4.1.1 Condições ambientais para cultivo de células Uma etapa importante no estudo da cinética do crescimento celular é identificar, nas condições de crescimento, os fatores que o afetam e, com base em dados experimentais, descrever matematicamente o efeito de cada fator na velocidade específica de crescimento da célula. Células vivas podem ser encontradas nos mais diversos ambientes da natureza, desde que exista água no estado líquido. Temperatura, pH, nível de oxigênio e umidade variam de um microrganismo para outro. As células podem crescer desde temperaturas de -20oC, em solução salina para prevenir congelamento, até 120oC, onde a água encontra-se sob pressão suficientemente alta para prevenir evaporação. A maioria dos microrganismos eucarióticos não cresce, ou até mesmo morre, em temperaturas acima de 45ºC (apesar de alguns fungos terem capacidade de crescer em 60ºC), enquanto o crescimento bacteriano pode ocorrer em valores extremos de temperatura: -7ºC e 90ºC (DAWES e SUTHERLAND, 1992). De acordo com sua faixa de temperatura para crescimento (mínima, ótima e máxima), os microrganismos são classificados em quatro grupos, apresentados na Tabela 4.1. A Fig. 4.1 ilustra o efeito da temperatura na velocidade de crescimento de microrganismos que crescem em diferentes faixas de temperatura. Tabela 4.1 – Temperaturas mínima, ótima e máxima para o crescimento de microrganismos Tipo de microrganismo T mínima (°C) T ótima (°C) T máxima (°C) Psicrófilo -5 a 5 12 a 15 15 a 20 Psicrotrófico -5 a 5 25 a 30 30 a 35 Mesófilo 5 a 15 30 a 45 35 a 47 Termófilo 40 a 45 55 a 75 60 a 90 Figura 4.1 – Faixas de temperatura para crescimento dos diferentes tipos de microrganismos, com alguns exemplos (BROCK et al., 1994). Muitos organismos crescem em pH ótimo próximo à neutralidade. No entanto, é possível encontrar organismos na natureza que crescem em ambientes com pH desde 1,0 ou 2,0 até 9,0. Da mesma forma, a TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 54 maioria dos organismos cresce em ambientes com elevada atividade de água, enquanto alguns podem crescer em meios com alta concentração de sal. Células que necessitam de oxigênio para crescimento e metabolismo são denominadas aeróbicas. Os organismos anaeróbicos têm seu crescimento inibido pela presença de oxigênio e crescem apenas na sua ausência. Os facultativos conseguem crescer na ausência ou na presença de oxigênio, com adaptação do seu metabolismo. Alguns organismos são capazes de crescer em ambientes com restrita presença de nutrientes. Algumas cianobactérias (normalmente chamadas de algas azul-verdes) podem crescer em ambiente com reduzida umidade e com alguns minerais dissolvidos. Essas bactérias são fotossintéticas e podem converter CO2 da atmosfera nos componentes orgânicos necessários. Também podem converter N2 em NH3 para utilização nas macromoléculas. Dessa forma, esses organismos são importantes na colonização de ambientes nutricionalmente deficientes. 4.2 Determinação da concentração de células A quantificação da biomassa em um meio de cultura é essencial no estudo da cinética do crescimento celular. O crescimento pode ser estimado pelo aumento da massa celular ou do número de células ou, ainda, pela concentração de qualquer outro constituinte celular. As taxas de desaparecimento de nutrientes e de acúmulo de metabólitos também estão relacionadas ao crescimento. Quando a cultura está em crescimento balanceado, todas essas medidas são equivalentes e qualquer uma delas pode ser usada para estimar a velocidade de crescimento. Os métodos para quantificar biomassa podem ser classificados como diretos e indiretos . Em muitos casos, a quantificação direta das células, em termos do número ou da massa de células, não é possível devido à presença de sólidos em suspensão ou outros componentes no meio, os quais podem interferir na determinação, ou devido às características do crescimento celular. Na maioria dos estudos cinéticos, a determinação da massa celular é sempre desejada, uma vez que reflete tanto o aumento da massa de uma célula, como a divisão celular, o que não ocorre com a estimativa do número de células. A concentração de células pode também ser estimada por técnicas indiretas, a partir das taxas metabólicas ou da quantificação de um componente celular, do substrato consumido ou do produto formado. As limitações de cada método tornam sua escolha uma decisão difícil, a qual é influenciada por: 1) propriedades da biomassa (por exemplo: facilidade de separação do meio, idade das células ou sua taxa de crescimento); 2) propriedades do meio de cultura, como viscosidade, cor, presença de sólidos em suspensão ou matéria dissolvida; e 3) precisão, sensibilidade e velocidade das medidas. Portanto, a escolha pelo método ideal considera as vantagens e desvantagens de cada técnica, a finalidade dos dados e as condições das análises, como tempo para amostragem, disponibilidade dos materiais e instrumentos, bem como a cultura em estudo. Os métodos para quantificar biomassa podem ser relacionados entre si por meio de curvas-padrão, que indicam a proporcionalidade entre as medidas, permitindo ao investigador escolher o método que mais lhe convier e também expressar os dados de várias formas. 4.2.1 Métodos diretos Peso seco. A estimativa do peso seco é o método direto mais comum, o qual envolve separação das células do meio por filtração ou centrifugação, lavagem das células para remoção de compostos aderidos, secagem até peso constante e, finalmente, pesagem. A lavagem da biomassa deve ser feita de forma a eliminar os compostos presentes no meio; é recomendado o uso de uma solução salina isotônica ao invés de água, a fim de evitar a lise celular por choque osmótico. A lavagem isotônica, entretanto, pode resultar em uma medida superestimada do peso, devido à remoção incompleta da solução salina, o que pode ser corrigido. Alguns autores sugerem que a secagem das células seja feita à 85oC, sob vácuo, enquanto outros sugerem a temperatura de 105oC. O peso seco é, provavelmente, o parâmetro que melhor reflete a biomassa, porém o método possui as desvantagens de requerer uma grande quantidade de amostra e de ser demorado, não sendo adequado para monitoramento contínuo de uma cultura em crescimento. Esse método não pode ser aplicado se o meio tiver uma quantidade indeterminada de outros sólidos, além da biomassa; pode ainda ocorrer a precipitação não específica de materiais inorgânicos durante o processo de centrifugação ou filtração, podendo resultar em valores errôneos do peso. Peso úmido. Se na determinação da biomassa por pesagem direta não for realizado o processo final de secagem, é obtido o peso úmido. Normalmente, um determinado volume de meio é centrifugado, com rotação e tempo definidos, em um tubo especialmente projetado para permitir a separação e a compactação das células, as quais são quantificadas em termos de volume ou peso de material compactado. Esse TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 55 método não é tão preciso quanto o do peso seco, porém é mais rápido, sendo muito utilizado no monitoramento de processos industriais. Contagem de células totais em microscópio ou contador eletrônico. A biomassa pode ser estimada pela contagem do número total de células individuais ou organelas, como núcleo, presentes na amostra. As vantagens desse método são a rapidez na obtenção dos resultados e a possibilidade de observação das características morfológicas dos organismos. As desvantagens incluem: possibilidade de células mortas não serem distinguidas das células vivas (assim como nos métodos de peso seco e peso úmido), a não ser que um corante adequado seja utilizado; impossibilidade de utilização do método para suspensões de células com baixa densidade; dificuldade de visualização de células pequenas no microscópio, as quais podem ser desconsideradas na contagem; procedimento demorado decontagem, o que pode causar cansaço visual; e impossibilidade de aplicação do método para células floculantes, como micélios. Existe, ainda, a possibilidade de erro quando o número de células na amostra for muito grande. Contagem de células viáveis. Esse método baseia-se na habilidade de uma única bactéria viável, com capacidade de se multiplicar, produzir uma colônia em um meio sólido. Meios ricos são preferenciais porque células individuais isoladas freqüentemente são mais exigentes nutricionalmente do que uma população densa. Se for utilizado meio seletivo, o método pode ser empregado para enumerar organismos de diferentes tipos em uma cultura mista. As amostras são adequadamente diluídas e alíquotas de volumes definidos são espalhadas, com uma alça de vidro estéril, na superfície do ágar solidificado em placas de Petri (método spread plate), ou distribuídas, com agitação adequada, após a adição da amostra em ágar ainda liquefeito na placa de Petri (método pour plate). As placas são, então, incubadas em condições apropriadas para a contagem das colônias que se desenvolverem. Entre as desvantagens desse método estão a possibilidade de uma colônia ser iniciada por mais de uma célula, subestimando o número de células na amostra, e de uma célula não apresentar capacidade de se multiplicar, apesar de estar viva. Por isso, os dados resultantes são expressos como UFC (Unidades Formadoras de Colônias) por unidade de volume. Se as células estão agregadas, o número de colônias reflete o número de grupos e não de células individuais. Devem ser tomados cuidados especiais com o tempo entre a amostragem e o plaqueamento da amostra a fim de evitar a multiplicação ou a morte celular; esse tempo deve ser reduzido ou as condições de estocagem da amostra devem ser apropriadas. É importante que a diluição da amostra seja definida de modo a evitar alta ou baixa concentração de células. O número de colônias desenvolvidas nas placas não deve ser muito grande, para permitir que todas as células cresçam e formem colônias facilmente identificadas, ou muito pequeno, para que os dados estatísticos sejam representativos. Na prática, é comum a contagem somente em placas que têm entre 30 e 300 colônias. O número de colônias depende não somente do inóculo, mas também do meio de cultura utilizado e das condições de incubação (meio, temperatura e tempo). Número Mais Provável - NMP. Essa técnica é utilizada também para estimar o número de células viáveis e com capacidade de reprodução em um meio de cultura. O método consiste do preparo de diluições decimais sucessivas da amostra e da transferência de alíquotas dessas diluições para uma série de três ou cinco tubos contendo meio de cultura adequado. A estimativa do NMP baseia-se na probabilidade estatística de um certo número de microrganismos estar presente na amostra quando uma série de resultados positivos ocorre, isto é, quando o crescimento for evidenciado na amostra por algum indicador, como produção de gás, turbidez do meio, etc. O NMP é, então, obtido em uma tabela apropriada a partir da combinação de resultados positivos e negativos. A vantagem do método é a possibilidade de estimar pequenas concentrações de células. Densidade ótica. O uso de medidas turbidimétricas é um método simples e muito comum para estimar massa celular. A estimativa, baseada nas propriedades de dispersão da luz das células bacterianas, é de grande importância histórica, uma vez que tornou possível a medida instantânea da biomassa, essencial na elucidação da natureza do crescimento celular. Se um feixe paralelo de luz atravessa uma suspensão de células, sua intensidade é diminuída devido à absorção e à dispersão da luz pelas células, o que ocorre quando o índice de refração celular e do meio são diferentes. Assim, quanto mais material celular estiver presente, maior a turbidez do meio. A turbidez visível começa a se desenvolver quando a densidade celular alcança 105 – 106 /mL, dependendo do tamanho e do formato da célula, e pode ser determinada em um espectrofotômetro pela medida da luz transmitida (transmitância) ou da luz absorvida (absorbância). Diversos fatores físicos e biológicos importantes, nem todos geralmente conhecidos, podem afetar a magnitude da turbidez de uma suspensão de microrganismos. A concentração de células, X, e o comprimento da onda de luz, d, são relacionados às intensidades da luz incidente, I0, e da luz transmitida, It, pela expressão: dXA I I log t 0 ⋅⋅= (E4.1) TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 56 O valor de log(I0/It) é denominado densidade ótica (DO) e o fator A, chamado de coeficiente de extinção, é constante em baixas concentrações de células. O grau e a direção da dispersão da luz dependem do tamanho e da forma das partículas, do comprimento de onda da luz e da diferença entre o índice de refração das partículas e do meio. O comprimento de onda escolhido deve ser tal que minimize a absorção por componentes do meio. Geralmente o valor de d está entre 600 e 700 nm. É comum a utilização da curva de calibração, entre a densidade ótica e o peso seco ou UFC/mL. Deve-se observar nessa curva o valor da densidade ótica na qual a relação com o peso seco deixa de ser linear. Normalmente esse valor é superior a 0,4. Para estimativa da concentração de células em amostras com densidade ótica na faixa não-linear, deve ser realizada sua diluição apropriada. A turbidimetria é uma medida da concentração celular muito menos sensível que a contagem de células, mas apresenta algumas vantagens: é rápida e não afeta ou destrói a amostra. As medidas de DO são muito utilizadas para determinar a velocidade de crescimento de populações celulares, uma vez que a mesma amostra pode ser analisada repetidamente. A cultura a ser avaliada deve ter uma densidade capaz de registrar alguma turvação no espectrofotômetro. Culturas em meios com coloração intensa ou que contenham outros materiais em suspensão, além dos microrganismos, podem não ser medidas. Além disso, tanto as células vivas como as mortas contribuem para a turbidez do meio. 4.2.2 Métodos indiretos Concentração de um componente celular. A quantidade de um componente intracelular como, por exemplo, DNA, RNA, proteína e nitrogênio, pode ser determinada por método indireto para definir crescimento celular. A proporcionalidade entre o nitrogênio da célula e a biomassa seca somente ocorre sob uma faixa limitada de condições e depende da fase de crescimento na qual o microrganismo se encontra. A determinação da quantidade de DNA é baseada na estimativa colorimétrica da deoxirribose. O conteúdo de DNA, devido à sua constância e especificidade, é um bom método para estimar biomassa. Entretanto, esse método tem sido pouco empregado por ser mais demorado e menos sensível do que a quantificação de proteína. A quantidade de proteína é uma medida razoável do crescimento, por constituir, normalmente, a maioria (50-70%) do peso seco orgânico da célula. O método a ser utilizado depende do propósito do experimento e da quantidade de material envolvido. Recentemente, kits para determinação de proteína são encontrados no mercado e permitem uma determinação simples e rápida, comparada ao método de Kjeldahl. Concentração de ATP. A concentração intracelular de ATP (mg ATP/mg células) é aproximadamente constante em um certo organismo, podendo ser utilizada para estimar concentração de biomassa. O método baseia-se na atividade da enzima luciferase, que catalisa a oxidação de luciferina na presença de oxigênio e ATP, com a emissão de luz: LUCIFERINA + O2 + ATP → LUZ Quando luciferina e oxigênio estão em excesso, o total de luz emitida é proporcional ao total de ATP presente na amostra. A intensidade de luz emitida é medida em fotômetros. Esse método apresenta a vantagem de detectar pequenas quantidades de células, já que pequenas quantidades de ATP (10 – 12 g ATP/L) podemser medidas por fotômetros. Taxa de utilização de nutriente ou de formação de produto. Algumas vezes, a formação de produtos e o consumo de substratos, como nitrato, fosfato ou sulfato, podem ser utilizados para estimar crescimento celular. Para esse método devem ser evitados os nutrientes usados na formação de produtos, ou seja, a utilização de fontes de carbono e as taxas de consumo de oxigênio podem ser medidas para monitorar o crescimento quando a massa celular for o produto preponderante. Os produtos finais do metabolismo da célula também podem ser usados para monitorar e quantificar crescimento celular. Alguns produtos formados sob condições de anaerobiose, como etanol e acido lático, podem ser relacionados, de forma precisa, com massa celular. Nos processos aeróbicos, o produto mais utilizado é CO2. Mudanças no pH ou no consumo de ácido ou base em sistemas de controle de pH podem também ser utilizados, tanto para monitorar consumo de nutriente, como para crescimento de células. Em alguns processos onde ocorre o crescimento micelial de fungos ou a formação de polissacarídeos extracelulares por certos microrganismos, a viscosidade do meio, que pode aumentar durante o crescimento celular, pode ser também utilizada para estimar crescimento. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 57 4.3 Ciclos de crescimento para cultura em batelada Na cultura de células em um biorreator tipo batelada pode ocorrer um intervalo de tempo entre a inoculação e o início do crescimento rápido, conhecido como fase lag e caracterizado pela ausência de crescimento. O final da fase lag é seguido pela fase de crescimento exponencial. Como as células não alcançam simultaneamente o fim da fase lag, um curto período de tempo é observado entre o final dessa fase e o início da fase exponencial, denominado fase de crescimento acelerado. O crescimento exponencial é seguido por um período curto, a fase de crescimento desacelerado, na qual a fisiologia celular encontra-se em constante mudança, função das condições do meio, como limitação de substrato ou inibição por produtos excretados pelas células. A fase de desaceleração é seguida pela fase estacionária, durante a qual as taxas de produção de células e de morte são iguais. Após a fase estacionária, a morte celular se torna maior que a produção de células viáveis, caracterizando a fase de morte (ou de declínio), sendo esta também uma função logarítmica. A presença e a duração de cada fase depende da célula e das condições ambientais. Uma curva típica do ciclo de crescimento de células em uma cultura em batelada é representada na Fig. 4.2, na qual podem ser observadas as seis fases distintas. Figura 4.2 – Curva de crescimento típica para organismos unicelulares. I. Fase lag: período de tempo durante o qual a variação do número de células é zero. II. Fase de crescimento acelerado: o número de células começa a aumentar em conseqüência da velocidade específica de crescimento, que aumenta até atingir um valor máximo. III. Fase de crescimento exponencial: o número de células aumenta exponencialmente à medida que as células se dividem. Durante essa fase, a velocidade de divisão celular e a velocidade específica de crescimento permanecem constantes. IV. Fase de crescimento desacelerado: após a velocidade de crescimento alcançar um valor máximo, começa um período de desaceleração, tanto da velocidade de crescimento como da velocidade de divisão. V. Fase estacionária: a população de células alcança um valor máximo. VI. Fase de morte ou de declínio: após esgotamento dos nutrientes disponíveis e, ou, acúmulo de produtos metabólicos, as células começam a morrer e o número de células viáveis diminui. É necessário enfatizar que as fases de uma curva de crescimento celular são reflexões dos eventos em uma população. As descrições a seguir não se aplicam a células individuais, mas somente a populações de células. Fase lag. Período de adaptação das células ao novo ambiente, iniciado imediatamente após a inoculação, quando ocorre, então, intensa atividade metabólica. Na fase lag, as células reorganizam a sua constituição molecular em função do ambiente. Dependendo da composição de nutrientes, novas enzimas precisam ser sintetizadas, a síntese de outras enzimas é reprimida, e todo o metabolismo da célula é adaptado às novas condições de crescimento. Apesar do número de células permanecer constante, a massa celular pode aumentar durante esse período. A fase lag (estacionária inicial ou latente) é um período inicial de cultura, durante o qual a variação no número de células é zero ou desprezível, podendo ser caracterizado como fase de adaptação das células. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 58 Baixas concentrações de nutrientes e de fatores de crescimento podem causar a fase lag. O tempo da cultura ou a fase de crescimento do inóculo, bem como a porcentagem de inóculo, também afetam a extensão do período lag. Para eliminar ou minimizar essa fase, recomenda-se a utilização de um inóculo ativo, estando as células na fase exponencial de crescimento, em um meio idêntico ao definitivo, sendo a porcentagem de inóculo entre 5 e 10%. Em processos industriais, é desejável reduzir ou eliminar a fase lag por se tratar de um período improdutivo. Quando se trabalha com grandes biorreatores, é necessário ter uma série de tanques progressivamente maiores e com meios de cultura idênticos ou semelhantes para se reduzir ou eliminar essa fase. Uma alternativa comum na indústria de laticínios é a utilização de culturas starts, congeladas ou desidratadas, com alta concentração de células, já adaptadas ao meio. É possível observar mais de uma fase lag quando o meio contém mais de uma fonte de carbono e a célula consome os substratos em seqüência, não simultaneamente. Esse fenômeno, chamado de diauxia, é causado pela troca de uma via metabólica para outra, durante o crescimento. Normalmente, a seqüência de nutrientes consumidos está relacionada com o valor da velocidade específica de crescimento da célula proporcionada por cada nutriente: a célula consumirá primeiro o substrato que proporcionará a maior velocidade específica de crescimento ou a maior eficiência energética. A Fig. 4.3 ilustra graficamente a relação entre o log da concentração de células e o tempo de cultivo, quando a célula cresce em meio com diferentes substratos. Figura 4.3 – Fenômeno da diauxia no crescimento celular: a célula consome preferencialmente o substrato que lhe garante maior velocidade de crescimento; após o esgotamento desse substrato, ocorre um período de adaptação das células (fase lag) para alteração de sua via metabólica e consumo de outro substrato. Existem também interpretações errôneas, verificadas em diversos trabalhos científicos, que confundem fase lag com sensibilidade do equipamento de medida da concentração celular. A maioria dos espectrofotômetros utilizados em laboratórios não é sensível a, por exemplo, concentrações de bactérias inferiores a 105 – 106 UFC/mL. Dessa forma, se forem utilizadas concentrações iniciais de células para as quais variações na concentração não são detectadas pela técnica de determinação utilizada, as mudanças na concentração apenas serão observadas quando as células alcançarem populações detectáveis pelo equipamento. Portanto, esse período de tempo não pode ser confundido com fase lag. A duração da fase lag pode ser estimada por um método gráfico, proposto por PIRT em 1975, no qual são representados os valores de log (ou ln) da concentração de células, logX (ou lnX) versus tempo, como mostrado na Fig. 4.4, utilizando os dados obtidos na fase exponencial de crescimento. A parte linear da curva é extrapolada até o nível de biomassa inicial, ou seja, até cruzar a linha reta que representa log (ou ln) da concentração inicial de células, logX0 (ou lnX0). Pelo ponto em que as retas se cruzam, estima-se o tempo de duração (L)da fase lag. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 59 Figura 4.4 – Método gráfico para estimativa da extensão da fase lag. O período de transição entre a fase lag e a fase exponencial de crescimento é chamado de fase de crescimento acelerado e é freqüentemente incluído como parte da fase lag. Fase de crescimento exponencial . Durante essa fase, a célula encontra-se adaptada ao meio, crescendo sem nenhuma limitação (crescimento irrestrito). O microrganismo pode crescer tão rápido quanto possível, limitado somente por seu próprio potencial genético. Os sistemas metabólicos da célula operam com eficiência e taxas máximas. Se todos os requerimentos para esse crescimento são mantidos em níveis constantes e em excesso por um certo período de tempo, então, durante esse intervalo de tempo, dt, espera-se que o aumento na biomassa, dX, seja proporcional à concentração de células presentes no meio: ìXdt dX rX == (E4.2) sendo rX a velocidade de crescimento celular, X a massa de células por unidade de volume da cultura e µ a constante de proporcionalidade, definida como velocidade específica de crescimento, cuja unidade é o inverso do tempo. Depois de um certo tempo de crescimento irrestrito, a concentração de todos os constituintes celulares começa a aumentar na mesma proporção sobre o mesmo intervalo de tempo. Em outras palavras, o tempo necessário para duplicar o número de células será o mesmo tempo gasto pelas células para duplicar seu conteúdo de DNA, ribossomas, moléculas individuais de enzimas, etc. Esta é a condição especial chamada de crescimento balanceado que, apesar de ocorrer por um tempo considerável em laboratório, normalmente não persiste por um longo período de tempo em ambientes naturais. O crescimento é geralmente não-balanceado para a maioria das bactérias em condições naturais. A fase exponencial é a fase de crescimento balanceado na qual todos os componentes da célula aumentam na mesma taxa e a velocidade específica de crescimento, µµ, é constante e máxima, para as condições químicas e físicas do ambiente. A composição média de uma cultura permanece aproximadamente constante durante o período de crescimento balanceado. A velocidade específica de crescimento será a mesma, independente da unidade de concentração da biomassa (número ou massa de células). A velocidade específica de crescimento não deve ser confundida com a velocidade de crescimento, que tem unidade e significado diferente. A velocidade de crescimento é a mudança na concentração de células com o tempo, enquanto a velocidade específica de crescimento é a variação da concentração de células por unidade de tempo por unidade de massa celular, expressa por: dt dlnX dt dX X 1 ì == (E4.3) Se µ é constante durante o período de crescimento exponencial, a Eq. (E4. 3) pode ser integrada dos tempos t0 = 0 a t: ∫∫ = t0 X 0X ìdt X dX (E4.4) tXlnXln 0 µ+= (E4.5) t0 eXX µ⋅= (E4.6) O tempo requerido para ocorrer a duplicação da população é denominado tempo de geração, tG, o qual pode ser estimado a partir da Eq. (E4.5). Considerando X = 2X0 quando t = tG: TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 60 G00 ìtlnX)ln(2X += G 0 0 ìt X 2X ln = ì ln2 tG = (E4.7) Os tempos de geração variam muito entre os organismos. Muitas bactérias têm tempos de geração de 1-3 horas, mas os organismos que crescem um pouco mais rápido se dividem em 10 minutos, enquanto outros têm tempos de geração de várias horas ou mesmo dias (BROCK et al., 1994). Na Tabela 4.2 são apresentados os tempos de geração para algumas bactérias crescendo em diferentes temperaturas. Tabela 4.2 – Tempos de geração para algumas bactérias em meios complexos Organismo Temperatura (°C) tG (min) Vibrio natriegens 37 9,6 Bacillus stearothermophillus 60 8,4 Escherichia coli 40 22,8 Bacillus subtilis 40 25,8 Pseudomonas putida 30 45 Vibrio marinus 15 81 Rhodobacter sphaeroides 30 132 Fonte: NEIDHARDT et al., 1990. Fase de crescimento desacelerado. É o período que segue a fase exponencial. Após certo tempo crescendo exponencialmente, sem limitação, um ou mais substratos podem alcançar concentração baixa o suficiente para não permitir um crescimento pleno, reduzindo assim a velocidade específica de crescimento da célula. Além disso, produtos tóxicos produzidos pelas células podem atingir concentrações altas que reduzem a velocidade específica de crescimento. Esses efeitos podem atuar individualmente ou combinados. Como resultado, a velocidade específica de crescimento diminui do seu valor máximo até zero, ou até a paralisação do crescimento, quando a cultura entra na fase estacionária. A transição entre as fases exponencial e estacionária, chamada de fase de crescimento desacelerado, envolve um período de crescimento não-balanceado, durante o qual a taxa de síntese dos vários componentes celulares é desigual. Em um crescimento bacteriano típico, essa fase representa um período de tempo bastante curto e resulta em um crescimento não-balanceado, porque a síntese de alguns componentes celulares diminui ou pára antes de outros. Durante a fase de crescimento desacelerado, o estresse provocado pela limitação de nutrientes e, ou, acumulação de produtos tóxicos, induz uma reorganização da célula na tentativa de aumentar sua capacidade de sobrevivência no meio, com mecanismos moleculares de repressão e indução. Como estas mudanças acontecem muito rapidamente, a fisiologia celular da fase de crescimento desacelerado é mais bem estudada em biorreatores contínuos, discutidos no final deste capítulo. Fase estacionária. Durante a fase de crescimento desacelerado, em conseqüência das características do meio, as células podem começar a morrer. A fase estacionária inicia quando a velocidade específica de crescimento se torna igual à velocidade específica de morte. Durante este período, a maioria da energia produzida pela célula é direcionada para a sua manutenção no ambiente adverso. O início da fase estacionária é caracterizado pelo esgotamento de nutriente(s) ou pelo acúmulo de produto(s) inibidor(es). Nessa fase, a velocidade específica de crescimento é igual à velocidade específica de morte. Assim, mesmo com crescimento global igual a zero, as células continuam apresentando atividades metabólicas, produzindo metabólitos secundários e primários, para produção de energia necessária à sua sobrevivência. De modo geral, metabólitos primários são associados ao crescimento e metabólitos secundários são associados a massa celular. Existem também produtos, a exemplo do ácido lático, associados ao metabolismo primário e que são produzidos durante todas as fases de crescimento, enquanto existir células com atividade metabólica, sendo sua produção, portanto, associada ao crescimento e também à massa celular (não-associado ao crescimento). Alguns compostos, como antibióticos (penicilina e estreptomicina), hormônios e algumas enzimas, são produzidos principalmente durante a fase estacionária. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 61 Durante a fase estacionária, as células podem apresentar comportamentos diferentes, dependendo das células e das condições de estresse. Por exemplo: 1. A massa total de células pode permanecer constante, com a redução das células viáveis. 2. A lise celular ocorre com a redução das células totais e viáveis e, nesse caso, pode ocorrer crescimento devido à utilização de produtos liberados pelas células lisadas. 3. As células podem não crescer, porém podem se manter vivas com metabolismo ativo para produção de metabólitos secundários. A regulação das células é modificada quando concentrações de certos metabólitos (carbono, nitrogênio,fosfato) são baixas. Assim como para o crescimento, a morte das células é uma função exponencial, representada por: XK dt dX D−= (E4.8) sendo KD a velocidade específica de morte, função de diferentes fatores presentes no meio. Fase de declínio ou morte. A fase de declínio ocorre quando a velocidade específica de crescimento é menor que a velocidade específica de morte. Em algumas situações, é necessário representar a variação da concentração de células viáveis, XV, e de células totais, XT, com o tempo. Nesses casos, para células viáveis: VD V X )K(ì dt dX −= (E4.9) e, para células totais: V T ìX dt dX = (E4.10) Para maiores informações sobre os métodos de determinação da biomassa, e também sobre o ciclo de crescimento de populações celulares, descrito a seguir, são sugeridos os seguinte livros: 1. BROCK, T. D.; MADIGAN, M. T.; MARTINKO, J. M.; PARKER, J. Biology of microorganisms. New Jersey: Prentice Hall, Inc., 7. Ed., 1994. Cap. 9 2. CALDWELL, D. R. Microbial physiology and metabolism . Belmont: Star Publishing Company, 2. Ed., 2000. Cap. 5 3. COOPER, S. Bacterial Growth and Division. Academic Press, Inc. 1991. 4. NEIDHARDT, F. C.; INGRAHAM, J. L.; SCHAECHTER, M. Physiology of the bacterial cell: a molecular approach. Sunderland: Sinauer Associates, Inc., 1990. Cap. 7 5. PIRT, S. J. Principles of microbe and cell cultivation. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1975. Cap. 3 4.4 Quantificação da cinética de crescimento Diferente da cinética de reações químicas ou de reações catalisadas por enzimas, a cinética de crescimento celular é o resultado de numerosas e complexas reações bioquímicas e de fenômenos de transporte, os quais envolvem múltiplas fases e multicomponentes. O processo de síntese de uma nova célula envolve mais de 2.000 reações químicas de grande variedade de tipos. Algumas dessas reações envolvem transformações energéticas, outras estão relacionadas com a biossíntese de moléculas pequenas, macromoléculas (DNA, RNA, proteínas, etc.), e também cofatores e coenzimas, necessários para as reações enzimáticas. É possível distinguir o processo de crescimento celular em dois componentes: o componente biológico, formado pela população de células, e o componente físico-químico, que consiste do meio de cultura e das condições ambientais. A obtenção de uma descrição completa da cinética de crescimento de uma cultura deveria considerar a natureza estruturada de cada célula, formada por seus diversos componentes, e a segregação da cultura em unidades individuais (células), que podem ser diferenciadas entre si. Uma população de células em crescimento pode variar em tamanho, composição, idade e atividade metabólica. Sendo assim, o modelo deveria possuir os mesmos atributos. O modelo estruturado divide a célula em diferentes componentes e, quando representativo, deve refletir as alterações na relação entre esses componentes em função das mudanças ambientais. Da mesma forma, se o modelo de uma cultura é construído considerando unidades discretas, estará copiando a segregação observada no sistema real. Um modelo, portanto, dependendo dos seus objetivos, pode ser: estruturado e segregado; estruturado e não-segregado; não-estruturado e segregado; e não-estruturado e não-segregado. Os modelos estruturados e segregados são os mais realísticos, mas também os mais complexos em termos computacionais e, em especial, para validação experimental. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 62 Uma visão conceitual das diferentes aproximações e representações para o conteúdo biológico do sistema estão apresentadas na Fig. 4.5. Essa perspectiva classifica as aproximações para sistemas microbianos de acordo com o número de componentes usados na representação das células, se formadas por diferentes componentes ou apenas como uma “massa celular”, e se as células são vistas como uma população heterogênea de unidades individuais, como elas realmente são, ou como uma “mistura homogênea de células”, tornando-se assim conceitualmente semelhante aos demais componentes na solução. Figura 4.5 – Diferentes perspectivas para as representações da cinética de populações celulares (modificado de Bailey, Ollis, 1986). Um modelo não-estruturado considera que as células têm composição fixa, ou seja, assume crescimento balanceado. Durante a fase de crescimento exponencial de culturas contínuas em regime permanente, esta é uma consideração válida; assumir crescimento balanceado é inválido durante condições transientes. Se for considerado que a célula responde rapidamente a mudanças no ambiente, e se a magnitude dessas mudanças não é tão grande (isto é, variação de 10% a 20% em relação à condição inicial), então o uso de modelos não-estruturados é justificado. As representações celulares multicomponentes são denominadas estruturadas, enquanto aquelas que são componentes únicos são não-estruturadas. A consideração de células diferenciadas, heterogêneas, constitui um modelo segregado e a perspectiva não-segregada considera propriedades celulares médias. Os níveis de realismo e de complexidade do modelo dependem do sistema que se pretende descrever e dos objetivos do modelo. O modelador deve sempre procurar escolher o modelo mais simples, que descreve o sistema com precisão satisfatória. Além das aproximações para o componente biológico, são também importantes as aproximações e considerações para o componente físico-químico. Como já mencionado, a célula consome diferentes nutrientes em taxas variadas durante seu processo de crescimento e, ao mesmo tempo, produz diversos produtos, que se acumulam à medida que a célula cresce. Alguns desses produtos são liberados para o meio (extracelular), enquanto outros permanecem no citoplasma. Assim, o meio de cultura é um sistema multicomponente que, além de conter todos os nutrientes requeridos para o crescimento, contém subprodutos do metabolismo celular. A descrição das variações nas concentrações de todos os nutrientes e produtos extracelulares que acontecem no meio durante o crescimento é, para a maioria dos sistemas, desnecessária. Portanto, nos modelos são normalmente considerados apenas aqueles compostos que apresentam variações nas suas concentrações em níveis capazes de causar algum efeito no crescimento celular. Uma fase importante e laboriosa no desenvolvimento de um modelo matemático para simular o crescimento celular é sua descrição para posterior simplificação, com relação ao componente biológico e ao componente físico-químico do sistema. Para análise e descrição de populações celulares visando o projeto, a otimização e, ou, o controle de sistemas biológicos, é comum assumir o caso mais idealizado: modelo não-segregado e não-estruturado. No entanto, para algumas situações, como no estudo da fisiologia celular, pode ser necessário empregar modelos mais complexos para a fase biológica do sistema. Neste capítulo serão considerados apenas os modelos não-estruturados e não-segregados, mas recomenda-se a busca por informações sobre outros tipos de modelos. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 63 4.5 Fatores que afetam a velocidade de crescimento Uma etapa importante no estudo da cinética do crescimento celular é a definição dos fatores químicos e físicos que afetam significativamente os coeficientes cinéticos. Por exemplo, se a temperatura for um fator que pode variar em níveis representativos no sistema estudado, é fundamental definir quantitativamente o efeito dessa variação na velocidade específica de crescimento, dentro da faixa de interesse definida. Esse estudo é essencial para desenvolver e otimizar métodos de conservação de alimentos e assegurar a eficiência em processos fermentativos. Por conseguinte, uma das tarefas do pesquisador que pretende descrever a cinética do crescimento da célula é quantificaro efeito dos fatores que afetam o crescimento celular, ou definir a função para velocidade específica de crescimento: ( )1 2 n 1 2 n 1 2 nì = f S , S ,..., S , P, P,..., P, I, I,..., I , T,... (E4.11) e também para os demais coeficientes cinéticos. Como o crescimento celular é conseqüência de muitas reações bioquímicas, os fatores que o afetam são os mesmos que afetam a taxa de reações bioquímicas em geral, incluindo disponibilidade de substratos, presença de produtos e parâmetros físicos, como temperatura, pH e pressão. Uma vez que algumas reações requerem oxigênio, enquanto outras são inibidas por condições oxidantes, a concentração de oxigênio é também um fator importante. O solvente para a maioria das reações celulares é água e, portanto, as condições que reduzem sua disponibilidade para a célula também afetam o crescimento. A inibição do crescimento celular é análoga à inibição de reações enzimáticas. O efeito inibidor, seja por baixa concentração de substrato, ou por alta concentração de produto, de compostos tóxicos ou mesmo de substratos, será controlado por uma etapa de uma das vias metabólicas, na maioria dos casos. A etapa controladora será a reação, catalisada por uma enzima, mais sensível ao componente inibidor. Como a definição do mecanismo de inibição, para posterior proposição da relação matemática, não é uma tarefa simples e pode envolver mais de uma reação ou mecanismo para um mesmo composto inibidor, a descrição do seu efeito é obtida a partir do ajuste de dados experimentais a uma equação matemática. 4.5.1 Concentração de substrato Quando apenas a concentração de um substrato varia e todas as demais condições são mantidas constantes durante o crescimento celular, o efeito da concentração limitante desse substrato na velocidade específica de crescimento, µ, terá o comportamento hiperbólico ilustrado na Fig. 4.6 (linha sólida). Uma das expressões mais empregadas para representar o efeito da concentração de substrato limitante, (S), no valor de µ, é a equação proposta por Monod, em 1942, que tem a mesma forma da equação normalmente associada com a cinética de reações enzimáticas com um único substrato (equação de Michaelis-Menten): o S ì (S)ì K (S) = + (E4.12) sendo µo a velocidade específica de crescimento máxima para as condições de crescimento específicas, obtida quando o substrato limitante em estudo (S) está em excesso, ou seja, (S) >> KS, e as demais condições dos fatores que afetam o crescimento são constantes. Neste capítulo será utilizado µo para se referir à velocidade específica máxima para crescimento em condições específicas, sendo µmáx a velocidade máxima de crescimento da célula, nas condições fisiológicas ideais. Monod propôs que a relação entre a velocidade específica de crescimento e a concentração de substrato segue uma cinética de primeira ordem para concentrações muito baixas de substrato, sendo µ constante para altas concentrações de substrato. Esse comportamento, representado graficamente na Fig. 4.6 (linha cheia), é descrito pela Eq. (E4.12). Figura 4.6 – Relação entre a velocidade específica de crescimento e a concentração de substrato limitante, de acordo com a equação de Monod. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 64 A equação proposta por Monod foi derivada empiricamente e é um modelo simplificado do complexo sistema de crescimento celular ou mesmo da utilização de substrato pela célula. Os parâmetros µmáx e KS podem ser estimados a partir de estudos em laboratório. As equações de Michaelis-Menten e de Monod são diferentes, apesar de terem a mesma forma. A equação de Michaelis-Menten representa a taxa de formação de produto em uma reação catalisada por enzima e, como foi visto no capítulo 4, é um modelo mecanístico: )S(K )S(v dt dP m máx + = (E4.13) Um dos produtos de interesse formado durante o crescimento de microrganismos é massa celular. Então, pela equação de Monod (E4.12): X (S)K (S)ì ìX dt dX S máx + == (E4.14) De acordo com a equação de Monod, o aumento na concentração do nutriente limitante, após µ atingir o valor µmáx, não afeta a velocidade específica de crescimento, como mostrado na Fig. 4.6. Quando (S) << KS, existe uma relação linear entre a velocidade específica de crescimento e a concentração de substrato (Eq. E4.12), indicada pela região A da Fig. 4.6; na região B, a equação de Monod se aplica e C é uma região de alta concentração de substrato, isto é, (S) >> KS, ou, também de acordo com a Eq. (E4.12), µ = µmáx (linha sólida). O termo KS é um coeficiente do sistema, chamado de constante de saturação; seu valor é igual à concentração do nutriente limitante quando a velocidade específica de crescimento é metade do seu valor máximo. Sendo assim, a partir da Eq. (E4.12) e para KS = (S): (S)(S) (S)ìmáx + =µ (S)2 (S)ìmáx=µ 2 ìmáx=µ Os valores de KS estão inversamente relacionados à afinidade do microrganismo pelo substrato e geralmente são muito baixos. Na Tabela 4.3 são apresentados alguns valores de KS para microrganismos em diferentes fontes de carbono e de energia. Tabela 4.3 – Valores da constante de saturação, KS, para alguns microrganismos em diversos substratos Microrganismo Substrato KS (mg/L) Aspergillus Arginina Glicose 0,5 5,0 Candida Glicerol Oxigênio 4,5 0,45 Enterobacter (Aerobacter) aerogenes Amônia Glicose Magnésio 0,1 1,0 0,6 Escherichia coli Glicose Lactose Manitol Fosfato Triptofano 2,0-4,0 20,0 2,0 1,6 0,001 Klebsiella sp. Dióxido de carbono Magnésio Potássio Sulfato 0,4 0,56 0,39 2,7 Pseudomonas sp. Metano Metanol 0,7 0,4 Saccharomyces cerevisiae Glicose 25,0 Fonte: ATKINSON e MAVITUNA, 1991. Os parâmetros cinéticos são muito importantes para estudo do crescimento de culturas mistas. O gráfico de Monod para dois organismos com valores diferentes de µmáx e KS é mostrado na Fig. 4.7. Pode ser observada uma situação na qual um organismo (com maior valor de µmáx) poderia prevalecer na cultura, TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 65 em relação a um outro, em altas concentrações de substrato, enquanto o outro organismo poderia crescer mais rápido em baixas concentrações de substrato, devido à sua maior afinidade pelo substrato (menor valor de KS). Figura 4.7 – Relação entre velocidade específica de crescimento e concentração de substrato para uma cultura mista. Acima da concentração de substrato indicada, o organismo 1 cresce mais rápido; abaixo dessa concentração, o organismo 2 prevalece por ter KS menor e, portanto, maior afinidade pelo substrato (modificado de Dawes e Sutherland, 1992). Em altas concentrações de substrato, o crescimento celular pode ser inibido, isto é, a velocidade específica de crescimento pode ser reduzida à medida que (S) aumenta na região C da Fig. 4.6 (linha tracejada). Para esses casos, a equação de Monod não se aplica e uma outra relação deve ser utilizada. A Eq. E4.15, proposta por Andrews em 1968, apresenta o mesmo formato do modelo para inibição da reação enzimática por alta concentração de substrato e tem sido bastante utilizada: ++ = I 2 S máx K (S)(S)K (S)ì ì (E4.15) sendo KI a constante de inibição. Se o nutriente limitante é a fonte de energia para a cultura, uma certa quantidade de substrato pode ser usada para outros propósitos, além de crescimento. Alguns modelos incluem o termo m, que representa o gasto de energia com manutenção da célula: m (S)K (S)ì ì S máx − + = (E4.16) Quando a concentração de substrato, (S), é tão pequena de forma que o primeiro termo do lado direito da Eq. (E4.16) é menor ou igual a m, a velocidade específica de crescimento, µ, é igual a zero. Outras equações têm sido propostas para descrever o efeito de umsubstrato limitante na velocidade específica de crescimento e, dependendo do formato da curva µ versus (S), uma ou outra equação pode ser escolhida. As seguintes equações são alternativas para a equação de Monod: - Equação de Blackman: máxµ=µ se S � 2KS S máx K2 )S(µ =µ se S < 2KS - Equação de Verhulst (1839): −µ=µ X X 1 0 máx - Equação de Tessier (1942): (S)máx s1 e /K − µ = µ − - Equação de Moser (1958): [ ] 1nSmáxn S n máx )S(K1 )S(K )S( −−+µ= + µ =µ - Equação de Contois (1959): )S(XK )S( SX máx + µ =µ TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 66 Apesar da equação de Blackman sempre representar os dados experimentais melhor do que a equação de Monod, sua aplicação é limitada devido à sua descontinuidade. A equação de Tessier apresenta dois coeficientes de ajuste: k e µmáx. A equação de Moser é uma forma geral, equivalendo à equação de Monod quando n = 1. A equação de Contois tem uma constante de saturação proporcional à concentração de células que descreve limitação por substrato para altas concentrações de células. Essas equações podem ser descritas por uma única equação diferencial: ν = ⋅ ν − νa bd K (1 ) d(S) (E4.17) em que ν = µ/µmáx(S) é a concentração do substrato limitante e K, a e b são constantes. Os valores das constantes são diferentes para cada equação e são apresentados na Tabela 4.4. Tabela 4.4 – Constantes para a equação diferencial da velocidade específica de crescimento (E4.17) Equação a b K Monod 0 2 1/KS Tessier 0 1 1/K Moser 1-1/n 1+1/n n/KS 1/n Contois 0 2 1/KSX Se várias substâncias podem limitar o crescimento de um microrganismo, cada substrato deve ser avaliado individualmente e seu efeito descrito por uma das equações. Conhecidas as equações para cada substrato, uma equação conjunta pode ser composta na forma: = ⋅ ⋅máx 1 2 3ì ì f ( S ) f(S ) f(S )... É possível, também, não empregar a forma interativa e avaliar o efeito dos diversos substratos separadamente: µ = µmáx(S1) ou µ = µmáx(S2) ou . . . µ = µmáx(Sn), em que o menor valor de µ = µmáx(Si) é utilizado. 4.5.2 Concentração de produtos e de compostos tóxicos À medida que as células crescem, elas produzem substâncias metabólicas que podem se acumular no meio. O crescimento dos microrganismos é geralmente inibido por esses produtos, cujo efeito pode ser adicionado à equação que descreve a velocidade específica de crescimento. As Eqs. (E4.18) a (E4.21) apresentam a descrição matemática para o efeito das concentrações de um substrato (equação de Monod) e de um produto no crescimento da célula: + + = (P)K K (S)K (S)ìì P P S máx (E4.18) n mS máx )(P (P)1 (S)K (S)ìì − + = (E4.19) − + = n mS máx )(P (P) 1 (S)K (S) ìì (E4.20) P(P)/K S máx e (S)K (S)ìì − + = (E4.21) sendo KP a constante de saturação para o produto medido e (Pm) a concentração máxima de produto, acima da qual as células não apresentam crescimento (µ = 0). Tarefa: Efeito de S e P em µµ a) Utilizando as equações mencionadas para descrever o efeito da concentração de produtos ou de compostos tóxicos na velocidade específica de crescimento, esboce gráficos de µ versus (P). b) Qual a diferença básica entre as Eqs. (E4.19) e (E4.20) em relação ao valor de n? c) Analise as Eqs. (E4.19) a (E4.21) e cite suas características comuns e distintas. d) Esboce os gráficos para cada uma das equações. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 67 4.5.3 Condições ambientais As atividades microbianas são influenciadas pelas condições químicas e físicas do meio de cultura, como suprimento de oxigênio, temperatura, pH, atividade de água e pressão osmótica do meio. O entendimento do efeito das condições ambientais na velocidade específica do crescimento celular ajuda a explicar a distribuição dos microrganismos na natureza e torna possível o desenvolvimento de métodos para controle de atividades microbianas e crescimento de organismos indesejáveis. Oxigênio. O estudo dos efeitos do oxigênio nas culturas microbianas foi iniciado por Pasteur, que descobriu que leveduras obtinham energia para crescimento pela oxidação do açúcar ou pela conversão anaeróbica do açúcar em etanol e dióxido de carbono. O oxigênio inibe os processos anaeróbicos e, simultaneamente, diminui a taxa de conversão de glicose. Esse efeito inibidor do oxigênio é um exemplo da regulação metabólica por um substrato. Quando oxigênio é um fator limitante para microrganismos aeróbicos, a velocidade específica de crescimento segue a equação de Monod em relação à concentração de oxigênio dissolvido. É importante lembrar que oxigênio dissolvido é um importante substrato em processos aeróbicos e pode ser um substrato limitante, considerando que o oxigênio gás apresenta baixa solubilidade em água. Oxigênio é o fator limitante quando o nível de oxigênio dissolvido é menor que a concentração crítica de oxigênio dissolvido. Em culturas com altas concentrações de células, a taxa de consumo de oxigênio pode exceder sua taxa de suprimento, resultando na limitação por oxigênio. CHEN et al. (1985) apresentaram a variação das velocidades específicas de crescimento com a concentração de oxigênio dissolvido para Azotobacter vineladii e E. coli, e confirmaram o formato hiperbólico dessas curvas. A concentração crítica de oxigênio para bactérias e leveduras é de aproximadamente 5% a 10% da concentração de saturação de oxigênio dissolvido e, para fungos, é de aproximadamente 10% a 50% da concentração de saturação de oxigênio dissolvido, dependendo do tamanho da partícula do fungo formado. A concentração de saturação de oxigênio dissolvido em água a 25oC e 1 atm é de aproximadamente 7 ppm (SHULER e KARGI, 2002). O aumento da temperatura reduz a concentração de saturação. A presença de sal e ácidos também afeta o valor da concentração de saturação. Tabela 4.5 – Solubilidade de oxigênio a 1atm em diferentes temperaturas, em água (ATKINSON e MAVITUNA, 1991) Temperatura (oC) Concentração de Oxigênio (mmol/L) 0 2,18 10 1,70 15 1,54 20 1,38 25 1,26 30 1,16 35 1,09 40 1,03 Tabela 4.6 – Solubilidade de oxigênio a 1atm em soluções de sal e ácido, à 25oC (ATKINSON e MAVITUNA, 1991) Solubilidade do oxigênio (mM/L) Concentração (M) HCl H2SO4 NaCl 0,0 1,26 1,26 1,26 0,5 1,21 1,21 1,07 1,0 1,16 1,12 0,89 2,0 1,12 1,02 0,71 TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 68 O oxigênio é normalmente introduzido no biorreator pela injeção de ar no meio. A transferência da bolha de oxigênio para a célula é normalmente limitada pela transferência de oxigênio através do líquido que circunda a bolha. A taxa de transferência de oxigênio da fase gasosa para a fase líquida é representada por: OTR)C*C( akN LL2O =−⋅= (E4.22) em que kL é o coeficiente de transferência de oxigênio (cm/h), a é área da interface gás-líquido (cm 2/cm3), C* é a concentração de saturação de oxigênio dissolvido (mg/L), CL é a concentração de oxigênio dissolvido (mg/L) e NO2 é a taxa de transferência de oxigênio (mg O2/L.h). O termo taxa de oxigênio transferido (OTR) é também usado. A taxa de consumo de oxigênio, definida como OUR, é expressa como: 2X/O 2O Y ìX XqOUR =⋅= (E4.23) sendo qO2 a taxa específica de consumo de oxigênio (mg O2/g célula.h), YX/O2 o coeficiente de rendimento de oxigênio (g célula/g.O2) e X a concentração de células (g células/L). Quando oxigênio dissolvido é limitante, a taxa de consumo de oxigênio será igual à taxa de transferência de oxigênio do gás para o líquido. Se a quantidade de oxigênio para manutenção nãofor considerada desprezível, comparada com a quantidade para crescimento, então: )C *(C ak Y X LL 2X/O −⋅= µ (E4.24) ou: )C *(C akY dt dX LL2X/O −⋅⋅= (E4.25) Temperatura. A temperatura é um importante fator no comportamento do crescimento celular, por afetar as taxas das reações celulares, a natureza do metabolismo, os requerimentos nutricionais e a composição da biomassa. À medida que a temperatura aumenta, as taxas de reações químicas e enzimáticas nas células também aumentam e o crescimento se torna mais rápido. Como a maioria das reações que ocorre na célula é catalisada por enzima, existirá, para certa reação, uma temperatura ótima, acima da qual a velocidade específica de crescimento será reduzida. Aumentos na temperatura causam, eventualmente, ruptura da estrutura protéica, afetando, dessa forma, a afinidade do microrganismo pelo substrato e a atividade das enzimas regulatórias. Então, à medida que a temperatura aumenta, dentro de uma determinada faixa, a velocidade específica de crescimento e as funções metabólicas aumentam até certo ponto (quando a temperatura alcança o valor ótimo), a partir do qual começam as reações de inativação. Além disso, acima de uma certa temperatura, proteínas, ácidos nucléicos e outros componentes celulares podem ser desnaturados de forma irreversível com a interrupção da regulação metabólica ou a morte das células, representada pela Eq. (E4.8). Portanto, para cada microrganismo existe uma temperatura mínima, abaixo da qual o crescimento não ocorre, uma temperatura ótima, na qual o crescimento é muito rápido, e uma temperatura máxima, acima da qual o crescimento não é possível (Fig. 4.8). Figura 4.8 – Efeito da temperatura na velocidade de crescimento celular e as conseqüências moleculares (modificado de BROCK et. al., 1994). TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 69 Um coeficiente cinético muito utilizado em processos biológicos que relaciona o efeito da temperatura na velocidade específica de reações é o Q10. Para o caso de crescimento celular, o valor de Q10, pode ser definido como a relação entre a velocidade específica de crescimento a uma temperatura (T+10) e a uma temperatura T. Esse valor é aproximadamente igual a 2 na faixa de temperatura abaixo da temperatura ótima de crescimento para um determinado microrganismo, o que significa que a velocidade específica de crescimento pode dobrar a cada aumento de 10ºC na temperatura do meio. Para a maioria dos microrganismos, a velocidade específica de crescimento se aproxima de zero em temperaturas de 10ºC a 25ºC abaixo da temperatura ótima. As vias do metabolismo de fontes de carbono e de energia podem ser sensíveis à temperatura. Um exemplo é Lactobacillus brevis, que a 24ºC fermenta glicose pela via heterolática, enquanto a 37ºC requer frutose como receptor de hidrogênio (formando manitol) na fermentação de glicose (DE LEY, 1962, citado por PIRT, 1975). O metabolismo secundário e a produção de metabólitos intermediários podem responder de maneiras diferentes às mudanças de temperatura. Em uma cultura de Aspergillus nidulans , crescendo em um biorreator contínuo com glicose limitante, a taxa de produção de melanina duplica entre 23ºC e 37ºC, quando µ é mantido constante a 0,05 h-1 (ROWLEY e PIRT, 1972, citados por PIRT, 1975). A produção de riboflavina por Ashbya gossypii requer crescimento a 28ºC, apesar do microrganismo crescer igualmente a 37ºC, mas sem produzir riboflavina; entretanto, quando as células são incubadas inicialmente a 28ºC, irão produzir riboflavina em ambas as temperaturas, pois o crescimento em temperaturas mais baixas resulta na interrupção da regulação normal da síntese do sistema enzimático que produz esse composto (DEMAIN, 1972b, citado por PIRT, 1975). Os resultados de OWEN e JOHNSON (1955), também citados por PIRT (1975), para uma cultura em batelada, indicam que a temperatura ótima para produção de penicilina é menor do que aquela para crescimento do fungo. A temperatura também afeta os conteúdos de RNA, proteína e lipídio de bactérias e leveduras. Para um certo valor de µ, a quantidade de RNA aumenta várias vezes com a diminuição da temperatura. O conteúdo protéico total de leveduras pode aumentar ou diminuir com uma mudança na temperatura, dependendo da natureza do substrato limitante. Quando há redução na temperatura, o teor de ácidos graxos insaturados de leveduras aumenta. É provável que a estrutura lipídica da membrana seja continuamente modificada com as alterações de temperatura, a fim de manter a funcionalidade dos lipídios. A ruptura dessa estrutura pelo efeito da temperatura resulta na perda de metabólitos e, conseqüentemente, estimula sua produção pela célula. Arrhenius propôs uma equação para descrever o efeito da temperatura na constante de uma reação química, k: Ea/RTeAk −⋅= (E4.26) sendo A uma constante, R a constante universal dos gases, T a temperatura absoluta, em K, e Ea a energia de ativação. A Eq. (E4. 26) tem sido muito aplicada para descrever o efeito da temperatura na velocidade específica de crescimento das células, com a velocidade especifica de crescimento (�) substituindo a constante da reação (k). Para o crescimento celular, valores típicos de Ea estão na faixa de 10 a 20 kcal/mol. Na forma logarítmica, a Eq. (E4.26) torna-se: Aln T 1 R Ea ln + −=µ Então, o logaritmo velocidade especifica de crescimento é uma função linear do recíproco da temperatura absoluta; a linha reta tem uma inclinação negativa, -Ea/R, com a qual o valor da energia de ativação pode ser calculado. No entanto, se esse tipo de gráfico for construído para velocidade específica de crescimento de bactérias, um comportamento diferente será observado (Fig. 4.9). Em uma faixa média de temperatura, a cinética química pode ser aplicada, e uma linha reta é obtida, a qual se estende por uma faixa normal de temperatura. Na faixa de temperatura abaixo da temperatura normal, a inclinação da curva aumenta, tornando-se vertical no ponto de temperatura mínima para crescimento. Em valores altos de temperatura, a curva se torna vertical na temperatura máxima para crescimento. A temperatura na qual a velocidade de crescimento é máxima é chamada de temperatura ótima para crescimento, indicada nas Figs. 5.8 e 5.9. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 70 Figura 4.9 – Forma geral de um gráfico de Arrhenius para crescimento celular (modificado de NEIDHARDT et al., 1990). pH. O metabolismo celular é facilmente influenciado pelo pH, o qual pode afetar a composição do meio e a natureza da superfície celular devido à dissociação de ácidos e bases. Esse efeito pode ainda causar alterações nas propriedades superficiais, como adesão da célula a vidros ou metais e floculação da biomassa. A relação entre pH e concentração de íons hidrogênio (H+) é representada por: pH = -log (H+). Em alimentos, os ácidos de interesse são quase sempre os ácidos fracos (HA). Ácidos fortes têm valores muito baixos de pKa e, conseqüentemente, estão sempre dissociados na solução, ao contrário dos ácidos fracos. A membrana plasmática não é permeável aos íons hidrogênio, de forma que não há, necessariamente, um equilíbrio entre as concentrações intracelular e extracelular desse íon. A forma não- dissociada dos ácidos fracos pode difundir livremente através da membrana celular e se ionizar na célula em prótons, os quais acidificam o interior alcalino da célula. O pH do meio, por seu efeito na dissociação de um composto básico ou ácido, pode também influenciar a ação inibidora ou tóxica do composto. Por exemplo, a toxicidade de ácidos fracos, como ácidos acético e lático, é freqüentemente dependente do pH. O ácido não-dissociado é mais lipossolúvel do que a forma ionizada e, portanto, a reduçãodo pH indicará maior concentração de acido não-dissociado, favorecendo a entrada do ácido na célula. Dessa forma, o equilíbrio entre as concentrações interna e externa de íons hidrogênio pode ser atingido, desde que um ácido fraco lipossolúvel esteja presente no meio, o qual pode agir como condutor de prótons através da membrana plasmática. De modo geral, a célula pode crescer em uma ampla faixa de pH, apesar de muitas enzimas necessárias ao crescimento só atuarem em uma faixa mais estreita. Para a maioria das bactérias, o pH ótimo varia entre 3 e 8; para leveduras, entre 3 e 6; para fungos, entre 3 e 7; para células vegetais, entre 5 e 6; e, para células animais, entre 6,5 e 7,5. A maioria das células apresenta mecanismos de defesa, mantendo o pH intracelular constante, mesmo com variações do pH externo. Quando a diferença entre valores interno e externo do pH aumenta, o valor da energia de manutenção da célula também aumenta. O pH da cultura tem influência significativa nos produtos finais do metabolismo anaeróbico de fontes de carbono e de energia. Klebsiella aerogenes , em pH 5,0 e sob condições anaeróbicas ou de oxigênio limitado, produz 2,3-butanediol como produto principal da fermentação de açúcar; já em pH 7,0, lactato também é produzido. Em metabolismo anaeróbico, muitas bactérias em pH ácido tendem a produzir substâncias neutras e em pH alcalino tendem a produzir ácidos orgânicos. Entretanto, existem exceções a essa regra, como para bactérias do ácido lático, as quais fermentam açúcares formando ácido lático em pH ácido, e Acetobacter, que oxida álcoois transformando-os em ácidos também em valores de pH ácido. A natureza dos produtos finais da fermentação de açúcar por lactobacilos e estreptococos pode ser dependente de pH, porque esses microrganismos podem produzir ácido acético e ácido fórmico quando o pH é aumentado. A fermentação de açúcar por leveduras produz etanol em pH ácido, enquanto em pH alcalino são formados também glicerol e ácido acético1. As mudanças metabólicas na célula tendem a regular o pH do meio para a neutralidade. Alguns autores sugerem que as enzimas são reguladas de forma a manter uma atividade constante e compensar o efeito do pH do meio na célula. O pH de uma cultura pode ser controlado por soluções-tampão, ou pela produção balanceada e utilização de ácidos, ou ainda pela adição automática de ácido ou base. As equações mencionadas para descrever o efeito de inibidores na velocidade específica de crescimento são também utilizadas para o efeito do pH, ou, mais precisamente, da concentração de hidrogênio. 1 Todos os dados de PIRT, 1975. TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 71 Atividade de água. Para a maioria dos microrganismos, água é o componente principal da célula (80%) e, conseqüentemente, a disponibilidade de água é um dos fatores mais importantes que afetam o crescimento de microrganismos em ambientes naturais. Nas células vivas, a água tem quatro funções básicas: 1) participa de hidrólises e condensações, como um reagente químico; 2) age como um solvente para os metabólitos celulares, cujas concentrações poderiam ser críticas na regulação metabólica; 3) tem um papel mecânico na manutenção da turgidez celular, devido à pressão hidrostática que desenvolve na célula; e 4) tem uma função estrutural na hidratação de proteínas e outros componentes, a qual depende da habilidade da molécula da água de formar pontes de hidrogênio com grupos polares. Existem diversas maneiras de restringir a disponibilidade de água para a célula, incluindo: 1) dissolução de sal ou açúcar para aumentar a pressão osmótica do meio; 2) remoção física da água por evaporação ou sublimação; e 3) congelamento, o qual, se for feito rapidamente, leva à cristalização da água dentro dos microrganismos. Apesar da água ser essencial para crescimento, nenhum desses tratamentos é necessariamente letal para o microrganismo. De fato, os processos de congelamento rápido e de liofilização (congelamento e secagem das células) são freqüentemente utilizados para preservar culturas por longos períodos de tempo. A disponibilidade de água para a célula pode ser expressa em termos de pressão osmótica (atmosferas), de tonicidade (osmoles) do meio, ou de atividade de água, aw, que é a razão entre a pressão de vapor da água na solução em estudo, ρsol, e a pressão de vapor da água pura, ρH2O, nas mesmas condições de temperatura e pressão: 2 sol w H O ña = ñ ou seja, aw é equivalente à umidade relativa da atmosfera em equilíbrio com a solução; seu valor varia entre 0 e 1. A maioria das bactérias não pode crescer abaixo de aw = 0,9. Uma exceção é Staphylococcus aureus (aw = 0,86) e as bactérias halofílicas (Halobacterium sp.), as quais podem crescer em aw = 0,75 (equivalente a 5,5M NaCl). A levedura osmofílica Zygosaccharomyces rouxii e alguns fungos xerófilos podem crescer em altas concentrações de açúcar, em meios com aw = 0,6 (por comparação, uma solução saturada de sacarose, ou 70% de frutose, tem aw = 0,76) (PIRT, 1975). Valores mínimos de atividade de água para o crescimento de alguns microrganismos são apresentados na Tabela 4.7. Alguns microrganismos que são resistentes a altas concentrações de açúcar podem não ser também resistentes a altas concentrações de sal, como mostrado na Tabela 4.7, o que se deve às diferenças na forma como respondem aos íons e às moléculas orgânicas neutras. Tabela 4.7 – Valores limitantes de atividade de água para o crescimento de alguns microrganismos Bactérias aw Leveduras aw Outros fungos aw Bacillus mycoides 0,99 Saccharomyces cerevisiae 0,94 Mucor spinosa 0,93 Bacillus subtilis 0,95 Torula utilis 0,94 Penicillium sp. 0,8-0,9 Serratia marcescens 0,94 Zygosaccharomyces rouxii 0,65 Aspergillus flavus 0,90 Escherichia coli 0,93 Aspergillus niger 0,84 Sarcina sp. 0,92 Xeromyces bisporus 0,60 Staphylococcus aureus 0,87 Halobacterium sp. 0,75 Fonte: DAWES e SUTHERLAND, 1992. A Fig. 4.10 ilustra graficamente a relação entre a velocidade específica de crescimento e a concentração de íons sódio para microrganismos com tolerâncias diferentes ao sal. A concentração ótima de NaCl para microrganismos marinhos é cerca de 3%; para halófilos extremos, 12% a 30% (BROCK et al., 1994). TAL 416 – Cinética de Processos Bioquímicos 72 Figura 4.10 – Efeito da concentração do íon sódio no crescimento de microrganismos com tolerâncias diferentes ao sal (BROCK et al., 1994). 4.5.4 Coeficientes de rendimento Além da velocidade específica de crescimento, algumas relações estequiométricas são indispensáveis no estudo da cinética do crescimento celular. Para alguns substratos, como glicose, que é fonte de carbono e de energia, a variação da sua concentração com o tempo, d(S)/dt, será função da taxa de substrato consumido para formação de biomassa, formação de produto extracelular, energia de crescimento e energia para manutenção, ou seja: )manutenção()ocresciment()produto()biomassa( SSSSS ∆+∆+∆+∆=∆ Observando a estequiometria, verifica-se que o consumo de substrato para formação de biomassa e produção de energia para crescimento é diretamente proporcional à variação da concentração de biomassa (crescimento celular), e a energia para manutenção é proporcional à quantidade de biomassa viável presente. A parcela do substrato convertido em produto extracelular poderá ser proporcional ao crescimento celular (associado ao crescimento), à massa celular presente (não-associado ao crescimento) ou misto (parte associado ao crescimento e parte não-associado ao crescimento). Assim, é possível representar a variação da concentração de um substrato com o tempo proporcionalmente à variação da concentração de biomassa e à concentração de biomassa presente, ou seja: Xm dt dX Y 1 dt dS X/S ⋅− −= (E4.27) sendo YX/S o coeficiente de rendimento para crescimento