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Nina Rosa Rezende Lenzi Atualidades em Giardíase na Medicina Veter inár ia: Revisão de Literatura Porto Alegre/RS 2013 Nina Rosa Rezende Lenzi Atualidades em Giardíase na Medicina Veterinária: Revisão de Literatura Monografia apresentada como requisito final para conclusão do Curso de Pós-Graduação, Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais do Centro de Estudos Superiores de Maceió, da Fundação Educacional Jayme de Altavila, orientada pelo Prof. MSc Jairo Ramos de Jesus. Porto Alegre/RS 2013 AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente ao Prof. MSc Jairo Ramos de Jesus que atendeu rapidamente meu pedido de orientação, e que sempre se mostrou muito presente, solícito e atencioso. Muito obrigada por ter despendido seu tempo me ajudando a elaborar este trabalho. Agradeço também a compreensão da minha chefe pelo tempo que tive que me ausentar do trabalho. E por fim, agradeço a minha mãe por me dar a chance de continuar estudando e assim concluir uma pós-graduação. Agradeço a Deus pela vida. Muito obrigada! “A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.” (Arthur Schopenhauer) RESUMO Giardíase é uma doença muito prevalente em animais jovens e pessoas e é causada pelo protozoário Giardia spp. Tem alta incidência na rotina clínica veterinária embora nem todos animais apresentem sintomatologia, é de suma importância seu estudo pelo possível potencial zoonótico que apresenta. Tem como principal sinal clínico a diarreia do intestino delgado que pode levar a síndrome de má absorção. O ciclo de vida do parasito divide-se em dois estágios: trofozoíto e cisto. O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão atualizada desta enfermidade para compreender melhor sua fisiopatologia e aplicar estes conhecimentos a prática clínica diária. Considera-se com este estudo que a giardíase é uma patologia cada vez mais frequente entre os seres humanos e os animais, pode se apresentar de forma sintomática ou assintomática, ressaltando ainda a importância da conscientização da população através de medidas profiláticas incluindo controle e tratamento de animais e pessoas doentes. Hábitos de higiene, cuidados com alimentos e água, tratamento antiparasitário periódico e acompanhamento médico veterinário regular mostram-se eficazes no controle da enfermidade. Palavras Chave: Giardia spp. Parasitologia. Intestino. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Ciclo de vida da Giardia. .......................................................................................... 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Ocorrência de Giardia em cães no Brasil. ................................................................ 13 Tabela 2: Ocorrência de Giardia em amostras de fezes de cães encaminhadas a alguns laboratórios de diagnóstico veterinário no Brasil ..................................................................... 14 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 1 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................. 9 1.1 Definição e Taxonomia ............................................................................................... 9 1.2 Ciclo de Vida............................................................................................................. 10 1.3 Epidemiologia: Distribuição e Prevalência ............................................................... 12 1.4 Patogenia ................................................................................................................... 15 1.5 Sinais Clínicos ........................................................................................................... 16 1.6 Diagnóstico ............................................................................................................... 17 1.7 Tratamento ................................................................................................................ 19 1.8 Saúde Pública ............................................................................................................ 22 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 26 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 27 8 INTRODUÇÃO A giardíase é uma doença causada pelo protozoário Giardia spp. que acomete animais domésticos, silvestres e o homem. Tem uma frequência alta na rotina clínica veterinária em todo o país e é uma zoonose de importância mundial. O protozoário acomete com maior frequência animais jovens, sem resistência imunológica ou que convivem em grupos. Nos animais jovens a doença pode ocasionar síndrome da má absorção retardando o crescimento. Alguns animais tem quadros assintomáticos. A via de transmissão fecal-oral é a mais comum e o hospedeiro pode se infectar pela ingestão de água, alimentos ou fezes contendo cistos. Giardia spp. não apresenta especificidade quanto ao hospedeiro e pode parasitar seres humanos assim como uma variedade de outros animais, sendo considerada uma importante zoonose. Os cistos do protozoário são liberados pelas fezes, podendo contaminar o esgoto doméstico demonstrando o alto risco zoonótico da doença e grande impacto na saúde pública. O prognóstico é variável, embora os cistos possam persistir no ambiente, levando a reinfecção. Definir a epidemiologia e a prevalência desta doença é de suma importância para o controle desta zoonose na sociedade, levando em conta a veiculação hídrica que o parasito sofre. O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão de literatura atual, sobre essa doença emergente, entendendo seu ciclo de vida, patogenia e sinais clínicos que apresenta. Para Lindsay; Zajac 2009 e Almeida et al. 2007, mesmo com o uso de vermífugos mais presente, o problema é visto diariamente em consultórios, clínicas e hospitais veterinários, podendo ser considerada a doença entérica mais importante na clínica médica de pequenos animais, por isso a importância de um estudo atualizado sobre o tema. 9 1 REVISÃO DE LITERATURA 1.1 Definição e Taxonomia Segundo Levine et al. (1980) a Giardia é uma espécie de protozoário, eucariota, unicelular, flagelado que parasita o intestino, principalmente a porção delgada de mamíferos (incluindo o homem), anfíbios e aves. Apresenta-se em duas formas: trofozoíto e cisto. A atual taxonomia, adotada pela Sociedade Brasileira de Protozoologia para Giardia é a seguinte: Reino: Protista Phylum: Sarcomastigophora Subphylum: Mastigophora Classe: Zoomastigophorea Orden: Diplomonadida Suborden: Diplomonadina Familia: Hexamitidae Gênero: Giardia Giardíase é uma doença causada pela infecção por Giardia spp. e ocorre em muitas espécies animais, incluindo os seres humanos (LINDSAY; ZAJAC, 2009). A nomenclatura de Giardia ainda é confusa, uma vez que cada pesquisador emprega uma denominação. O número de espécies de Giardia também é uma grande controvérsia, os nomes usados hoje em dia estão constantemente mudando (BOWMAN et al. 2010; THOMPSON et al., 2000). Atualmente, a classificação mais aceita para Giardia tem como base as características morfológicas e as espécies descritas são: G. agilis, parasito de anfíbios; G. muris, roedores; G. ardeae, parasito de pássaros; G. intestinalis, esta última, também denominada duodenalis ou G. lamblia parasito de mamíferos (APPELBEE, 2005; THOMPSON, 2000). Sabe-se hoje que somente a G. duodenalis parasitoo homem e as diversas espécies de mamíferos, o que indica o grande potencial zoonótico deste protozoário. Recentemente, por biologia molecular, 10 pesquisadores canadenses identificaram 11 diferentes genótipos de Giardia, dos quais oito foram encontrados no homem (HEALTH CANADA, 2011). Um rápido levantamento entre as palestras proferidas e os trabalhos apresentados no evento, II Conferência Internacional sobre Giardia e Cryptosporidium, revelou que 21 trabalhos adotaram o nome G. lamblia, 21 nomearam G. duodenalis, 16 referiram-se à G. intestinalis, 2 referiram-se apenas a Giardia Assemblages sem empregar o nome específico e 1 grupo já denomina de G. enterica a Assemblage A de origem humana. Em várias palestras foi ressaltada a necessidade de uniformizar a nomenclatura e de denominar corretamente a espécie com base no Código Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN) (CARVALHO, 2009). 1.2 Ciclo de Vida O ciclo do protozoário é direto e passa por dois estádios conforme Figura 1. O hospedeiro se infecta por transmissão fecal-oral, que é feita através da ingestão de alimento ou água contaminada com cistos do parasito. Não necessita de hospedeiros intermediários ou vetores e tem duração média de sete a quatorze dias. A coprofagia, comum em animais, é uma via significativa de autoinfecção e amplifica a disseminação da enfermidade. O parasito apresenta-se de duas formas: trofozoíto e cisto (FARTHING, 1994). A Giardia na forma de trofozoíto tem formato piriforme a elipsoide, o corpo apresenta um achatamento dorso-ventral que forma o disco suctorial. Este disco é a organela de ataque, que se adere no epitélio intestinal do hospedeiro (LEVINE et al., 1980; REY, 1991). No interior da célula há dois núcleos com grandes endossomas que dão ao microrganismo a aparência de “raquete de tênis com olhos”. A maioria dos flagelados intestinais habitam o céco e cólon, já Giardia parasita o intestino delgado e pode ser observada aderida as células da mucosa (BOWMAN et al. 2010). O cisto tem formato oval ou elipsoide, no seu interior encontram-se dois até quatro núcleos, um número variável de fibrilas e os corpos escuros com forma de meia lua, situados no pólo oposto aos núcleos. As estruturas em forma de meia lua e escuras, observadas em microscopia e confundidas com o corpo mediano, provavelmente são primórdios do disco suctorial (SOGAYAR; GUIMARÃES, 2000). 11 O trofozoíto é a forma que habita o intestino delgado do hospedeiro e causa a doença giardíase. É móvel e pouco resistente no meio ambiente. Alimenta-se no jejuno e no íleo do intestino delgado. Já o cisto é imóvel e resistente ao ambiente externo, sendo a forma latente do parasito, sobrevivendo por vários meses em ambiente úmido e frio. Possui grande importância em saúde humana e animal porque o parasito é agente causador de diarreia, podendo contribuir para a ocorrência de deficiências nutricionais e dificuldade de ganho de peso (HEALTH CANADA, 2011). Após a ingestão do cisto infeccioso, as condições ácidas do estômago e as enzimas pancreáticas estimulam o processo de desencistamento, que faz com que ele se rompa e libere dois trofozoítos, a forma ativa do parasito. No intestino delgado os trofozoítos multiplicam-se assexuadamente e por divisão binária chegam à luz do intestino, onde se aderem à mucosa por mecanismo de sucção, iniciando a alimentação e estabelecendo a infecção. Em condições apropriadas estes trofozoítos são novamente transformados em cistos. A formação dos cistos ocorre quando o parasito transita o cólon e assim se mistura, sendo eliminados junto às fezes, figura 1 (LINDSAY; ZAJAC, 2009). Figura 1: Ciclo de vida da Giardia. Fonte: http://tetevet.blogspot.com.br/2012/04/verminose.htm 12 Segundo Bowman et al. (2010) os cistos maduros com potencial para formar dois trofozoítos são as formas encontradas normalmente nas fezes do hospedeiro infectado. Trofozoítos são observados em fezes diarreicas, porém esta forma é incapaz de causar infecção e pouco resistente ao meio. Uma vez instalado no ambiente o cisto é bastante resistente e pode sobreviver por longos períodos. A temperatura interfere no ciclo biológico do protozoário. A Giardia tem maior incidência em estações do ano em que a temperatura é mais fria. Variações sazonais são um dos fatores mais comuns para a prevalência de parasitos em cães (SILVA et al., 2007). Santos et al. (2007) fizeram um experimento para avaliar a viabilidade dos cistos de Giardia lamblia estocados em baixa temperatura. Foram usadas 38 amostras fecais e a viabilidade inicial foi de 94%. Após 24 horas armazenados a 4ºC, a viabilidade caiu para 88%, durante dois meses com leituras diárias e armazenados em geladeira não foram observadas mudanças significativas. A partir do 3º ao 5º mês verificaram-se quedas nas porcentagens de cistos viáveis, 29,5%, 27,91% e 23,23% respectivamente. No último mês de observação, 9º mês, constatou-se a perda de viabilidade em 100% dos cistos. 1.3 Epidemiologia: Distribuição e Prevalência A incidência e prevalência de giardíase em humanos e animais têm sido documentadas em todo o mundo, mas varia consideravelmente entre as populações e localizações geográficas (LINDSAY; ZAJAC, 2009). Dados de pesquisa mostram que a prevalência da giardíase é alta em diferentes regiões do país e que provavelmente sua ocorrência sempre foi subestimada, principalmente por falta de diagnóstico e pelo fato de indivíduos infectados apresentarem eliminação de cistos de forma intermitente (PARRA; GRECCO, 2008). A giardíase é considerada uma doença emergente, sendo um dos principais problemas a contaminação ambiental disseminada. A Giardia pelo seu ciclo de vida simples e a capacidade de seus cistos de sobreviver no ambiente, tem permitido que a infecção converta-se em uma das mais predominantes enfermidades parasitárias em muitas espécies de mamíferos (FORT DODGE, 2012). Giardia é um parasito de região temperada e tropical, sendo considerado o protozoário patogênico mais prevalente em seres humanos (BECK et al, 2003). Segundo 13 Bowman et al. (2010) cerca de 7% da população humana mundial abriga Giardia no intestino delgado, mas pouco se sabe sobre a epidemiologia deste parasito, especialmente no que diz respeito ao papel dos mamíferos como fontes de infecção para o homem. Todos os mamíferos são susceptíveis à infecção por Giardia. Mesmo que os animais eliminem nas fezes cistos dos protozoários, as pessoas geralmente se infectam por transmissão direta, de pessoa para pessoa. Mesmo com o uso de vermífugos mais presente, o problema é visto diariamente em consultórios, clínicas e hospitais veterinários, podendo ser considerada como a doença entérica mais importante na clínica médica de pequenos animais. A incidência de giardíase em animais é maior em populações de cães e gatos em instalações de reprodução e abrigos de animais confinados com falta de saneamento e condições de superlotação (LINDSAY; ZAJAC, 2009; ALMEIDA et al. 2007). O que se observa é uma maior sensibilidade de animais jovens, por apresentarem sistema imunológico não totalmente amadurecido. É considerado ainda que o comportamento dos filhotes que facilita a contaminação já que eles têm contato mais frequente com todo tipo de material que pode estar contaminado por cistos (MUNDIM et al., 2003). Estudos em cães revelam que cerca de 10-20% dos animais bem tratados são acometidos pela doença, sendo que a maior prevalência ocorre em animais jovens 20-50%, em canis este índice pode chegar a 100%. No Brasil a prevalência de Giardia em cães varia de 32-80% dependendo da região (BARR; BOWMAN, 2010). A tabela 1 resume dados de ocorrência do agente em estudos com cães realizados em diferentes regiões do país: Tabela 1: Ocorrência de Giardia em cães no Brasil Fonte: Gennari e Souza (2002) 14 Para estabelecer uma real prevalênciade giardíase em cães no Brasil, foi realizado um estudo de ocorrência com laboratórios de diagnóstico veterinário. Os laboratórios forneceram dados que representam a porcentagem de amostras positivas para Giardia entre todas aquelas que foram enviadas para exame coproparasitológico. Os resultados estão na Tabela 2. Todos os laboratórios citados utilizaram o método de flutuação com sulfato de zinco. Os estudos citados utilizaram apenas uma amostra de fezes para diagnóstico definitivo, portanto podem apresentar resultados de ocorrência de Giardia subestimados (GENNARI; SOUZA, 2002). Tabela 2: Ocorrência de Giardia em amostras de fezes de cães encaminhadas a alguns laboratórios de diagnóstico veterinário no Brasil Fonte: Gennari e Souza (2002) No Rio Grande do Sul, em um estudo realizado no município de Canoas de 322 amostras coletadas de fezes de cão/gato, 34 % foram positivas para Giardia (BECK et al., 2003). Em Santa Maria, de 29 amostras coletadas de fezes de cão, 12,8% foram positivas (SILVA et al., 2007). Em Passo Fundo, foram analisadas 81 amostras de fezes de animais silvestres e domésticos, resultando em uma prevalência de 62,96% positivos (VIEIRA et al., 2009). Em Caxias do Sul, de 77 amostras de fezes de cão/gato, apenas 7% mostraram-se positivas (BRINCKER et al., 2009). Em Porto Alegre, de 526 amostras analisadas de fezes de cães 38% foram positivas para Giardia, sendo 22% de animais jovens com até 11 meses de idade, mostrando uma taxa de positividade muito maior em filhotes do que em cães adultos (BARTMANN; ARAÚJO, 2004). O mais recente trabalho realizado por Silva em 2010, na cidade de Porto Alegre, das 454 amostras de fezes de cães examinadas resultou em 18,5% de positividade para cistos de Giardia. Foram avaliados cães domiciliados e sem proprietário, a 15 prevalência encontrada em cães com proprietário foi maior 9,85% do que nos cães de rua 2,89%. 1.4 Patogenia A patogenia da giardíase ainda não está completamente estabelecida. Na maioria dos casos, os animais adultos são portadores assintomáticos, favorecendo a eliminação de cistos no meio ambiente, podendo contaminar outros animais e o homem (BARR; BOWMAN, 2010). Segundo Lindsay e Zajac, (2009) a maioria dos cães e gatos são capazes de ingerir cistos infecciosos de Giardia, sem ter a doença. Outros desenvolvem graus variados da doença e de sinais clínicos. O número de cistos ingeridos desempenha um papel importante na patogênese da doença. Em seres humanos, 10 a 100 cistos são necessários para estabelecer uma infecção, já em animais à ingestão de somente 10 cistos é capaz de causar a infecção. Objetos inanimados, como tigelas de alimentos e gaiolas em gatis, e canis podem servir como reservatório de cistos infectantes. O período de incubação da giardíase é de uma a três semanas, geralmente nove a quinze dias após o paciente ingerir os cistos do parasito. A duração do período de incubação está relacionada com o tamanho do inóculo. A fase aguda dura três ou quatro dias . Uma vez ingeridos, os cistos de Giardia podem ser eliminados nas fezes cinco a dezesseis dias mais tarde e a eliminação pode durar em média 35 dias. Ainda podem permanecer subsistentes na água de rios ou lagos por até 84 dias (BRINCKER et al., 2009). Há algumas hipóteses quanto à patogenia do protozoário: o revestimento do epitélio intestinal por numerosos trofozoítos seria um obstáculo físico à absorção dos nutrientes; substâncias tóxicas secretadas pelos parasitos; causaria competição entre parasito e hospedeiro pelos nutrientes, excessiva secreção mucosa devido à irritação da mucosa causada pelos parasitos, supercrescimento bacteriano associado, anormalidade nos sais biliares, inflamação (SWANGOet al. 1992). A sua aderência à superfície da mucosa ocorre devido à interação entre o trofozoíto e as proteases produzidas pelas células intestinais. Os trofozoítos possuem uma lecitina, que por ação da tripsina, causa aderência à superfície do enterócito. Como a tripsina é 16 ativa na porção anterior do intestino delgado, o parasitismo ocorre neste local. A infecção promove atrofia das vilosidades e das microvilosidades intestinais resultando em uma síndrome de má digestão e absorção (GENNARI; SOUZA, 2002). Ainda segundo os mesmos autores, a síndrome de má absorção é explicada quando os trofozoítos colonizam o duodeno causando uma redução difusa da altura das microvilosidades e, portanto, uma perda generalizada da superfície de absorção em até 50%. É observado também um aumento na motilidade intestinal. Sogayar (2001) explica que um dos mecanismos mais aceitos para explicar a diarreia e má absorção são as alterações funcionais e morfológicas da mucosa, provavelmente ocasionadas pelo processo inflamatório induzido pelo parasito, devido à reação imune do hospedeiro. A Giardia contém várias proteases, algumas delas capazes de agir sobre as glicoproteínas da superfície das células epiteliais e romper a integridade da membrana. A anormalidade da mucosa se restabelece com a erradicação dos parasitos. Animais com giardíase podem apresentar infecção simultânea por outros agentes enteropatogênicos como: coccídeas (Toxoplasma gondii, Isospora spp. entre outros), bactérias (Salmonella, Enterobacter, E. coli), helmintos e/ou cestódeos. Nestes casos, o quadro clínico pode apresentar-se agravado, perdendo as características de uma infecção exclusivamente por Giardia (TAYLOR et al., 2007). Acredita-se que há cepas mais e menos virulentas de Giardia. A resposta imune do hospedeiro exerce um papel fundamental sobre a forma clínica ou assintomática da infecção, tendo em vista que os quadros mais graves acometem indivíduos jovens e imunodeprimidos. Para sobreviver no indivíduo o parasito na sua forma de trofozoíto tem que estar bem aderido a célula intestinal. Esta aderência está ligada à deficiência de dissacarídeos e enzimas presentes nas microvilosidades, como lactase e maltase (SOUZA et al., 2000). 1.5 Sinais Clínicos Para Parra e Grecco (2008) as manifestações clínicas podem variar em um amplo espectro de quadros clínicos, associados ou isolados. Não existem sinais característicos da giardíase, pois diversas enfermidades intestinais se assemelham a ela, como as gastroenterites virais, bacterianas ou causadas por outros parasitos. Também se assemelha às alergias de 17 origem alimentar, à enfermidade da má absorção, a gastroenterite induzida por fármacos e as enfermidades alérgicas. Infecções com Giardia são comuns, mas uma parte dos animais e pessoas permanecem assintomáticos. A intensidade dos sinais clínicos varia de acordo com a idade, estado, nível de estresse imunológico e nutricional. Os sinais podem ocorrer em cães com menos de um ano de idade. A infecção em jovens pode vir a causar graves quadros clínicos e até levar a óbito, principalmente quando ocorre em filhotes (LINDSAY; ZAJAC, 2009). Pode ocorrer também em cães mais velhos que sofrem de outras doenças ou naqueles submetidos a medicação imunodebilitante, quimioterapia ou corticosteróides. Geralmente na análise do sangue, observa-se um aumento no número de eosinófilos e anemia branda (ROBERTSON et al., 2010). A diarreia é a manifestação mais comum e vem acompanhada de dor abdominal, podendo acontecer de forma aguda, crônica ou em surtos intercalados com defecação normal. As fezes são pastosas ou liquefeitas e mal cheirosas, geralmente claras e acinzentadas, podendo conter muco (SOUZA et al. 2000). A diarreia é geralmente auto-limitante, raramente apresenta sangue ou pus (LINDSAY; ZAJAC, 2009). Em gatos o principal sinal clínico também é a diarreia, resultante de má absorção intestinal. As fezes de gatos infectados geralmente são mucoides, pálidas, pastosas e quase sempre fétidas (KIRKPATRICK, 2007). 1.6 Diagnóstico O diagnóstico da giardíase geralmente é subestimado, apesar da Giardia ser um dos parasitosde maior prevalência em cães e gatos atualmente. As razões para isso podem incluir falha ao desconsiderá-la em diagnósticos diferenciais, falhas em reconhecer o microrganismo, uso de métodos inapropriados para análises fecais e excreção intermitente dos protozoários nas fezes de indivíduos infectados. Há alguns fatores que interferem no resultado dos exames de fezes e por isso devem ser levados em conta quando analisados na amostra. A consistência das fezes: em fezes formadas tem-se a presença de cistos e em fezes mais pastosas ou líquidas a presença de trofozoítos, que não permanecem por mais de 30 minutos no meio ambiente. O padrão de excreção dos cistos: existem indivíduos com padrões 18 diferentes de eliminação de cistos, alguns com frequências mais altas do que outros. O número de amostras de fezes: como a eliminação dos cistos é de forma intermitente nas fezes, muitos autores indicam realizar o exame com três amostras fecais de dias consecutivos ou alternados. O uso de conservantes para as fezes: muitas vezes não é possível examinar as fezes recém- eliminadas por isso algumas substâncias são usadas para preservar as estruturas do parasito, entre elas a formalina, o álcool polivinílico e o MIO (mertiolate-iodo-formol). E algumas substâncias que sabidamente mascaram o resultado, incluem antibióticos, antiácidos, óleos laxativos ou preparações para enema que podem causar alterações morfológicas ou o desaparecimento do parasito nas fezes (SOGAYAR, 2001; PARRA; GRECCO, 2008). Segundo Taylor et al. (2007), os cistos de Giardia podem ser detectados nas fezes por inúmeros métodos. Os mais tradicionais de identificação envolvem: exame direto de esfregaço fecal, ou concentração fecal por acetato-formalina e sulfato de zinco, seguido de exame microscópico. Recomenda-se analisar três amostras consecutivas, já que os cistos são excretados de forma intermitente. Os métodos de flutuação são os mais adequados, e o sulfato de zinco é a solução mais apropriada para pesquisa de cistos de Giardia, além de ser o mais econômico (GENNARI; SOUZA, 2002). Parra e Grecco (2008) concordam dizendo que este método requer a centrifugação da amostra durante cinco minutos e leitura da lâmina imediatamente. Para Mundim, (2003) esta técnica e a centrífugo-sedimentação com mertiolato-iodo- formaldeido são as mais práticas e utilizadas atualmente. No experimento que realizou dos 100 cães examinados, 41% foram positivos para Giardia representando uma prevalência alta de infecção pelo parasito. A técnica de concentração fecal pelo método de centrífugo-flutuação baseia-se na diferença de densidade específica entre os cistos do parasito, os detritos fecais e a solução empregada para a flutuação (KATAGIRI; OLIVEIRA-SEQUEIRA, 2007). O método de Faust et al. (1939) conhecido como Técnica de Centrífuga-flutuação em Sulfato de Zinco a 33% com densidade de 1,18/ml foi desenvolvido para diagnosticar cistos de protozoário e tem sido recomendado para uso de diagnóstico de Giardia por causar menos distorções nos cistos deste parasito além do baixo custo e facilidade de execução (ARAÚJO; FIALHO 2007). Como diagnóstico sorológico para Giardia, os métodos mais utilizados são a imunofluorescência direta e o método de ELISA. Segundo Sogayar e Guimarães (2000), a detecção de anticorpos anti-Giardia no soro apresenta algumas desvantagens como resultados falso-positivos, baixa sensibilidade e especificidade. Isso ocorre, pois os anticorpos IgG 19 permanecem elevados por um longo período de tempo, impedindo a diferenciação entre infecções recentes e passadas, dificultando o diagnóstico nas áreas endêmicas. Já o teste de ELISA para pesquisa de anticorpos da classe IgM apresenta alta sensibilidade e especificidade (96%), conseguindo detectar os antígenos de Giardia nas fezes mesmo que o animal não esteja eliminando cistos no momento do exame, permitindo distinguir casos de infecção recente e de grupos controle, sendo recomendado para o uso de rotina no diagnótico de giardíase. 1.7 Tratamento Uma vez diagnosticada a giardíase, a ação a ser tomada é tratar com os medicamentos usualmente prescritos. O objetivo do tratamento é a eliminação dos sinais clínicos, da infecção e interromper a eliminação de cistos. Entretanto, animais assintomáticos com o parasito também podem necessitar de tratamento, uma vez que as infecções por Giardia podem levar a um aumento de suscetibilidade a outras doenças e a ganho de peso e conversão alimentar reduzidos (BECK et al. 2003). Existem várias drogas que já foram usadas para o tratamento da giardíase, entre elas estão o metronidazol, a quinacrina, o albendazol, o febendazol, a furazolidona e a nitozoxamida (CEPAV, 2009; ABBITT 1986). O metronidazol deve ser usado na dose de 22 a 25 mg/kg, oralmente, duas vezes ao dia durante cinco dias (BOWMAN et al. 2010). Tem aproximadamente 67% de eficácia em cães, mas também apresenta eficácia contra outros microorganismos da microbiota do trato gastrointestinal e possíveis efeitos imunológicos sobre populações de células do intestino. É 100% eficaz em gatos (BARR; BOWMAN, 2010). Para Greene (1998), o metronidazol está associado com o desenvolvimento agudo de sinais neurológicos, incluindo anorexia e vômitos, ataxia e nistagmo. Por possuir efeito teratogênico também não deve ser usada em fêmeas prenhes. É interessante a associação de drogas ampliando o espectro de ação, como por exemplo, a associação de metronidazol com a sulfadimetoxina. Enquanto o metronidazol atua preferencialmente contra a giárdia, a sulfadimetoxina age contra outros protozoários e bactérias patogênicas do trato gastrointestinal. 20 Bowman et al. (2010) indicam a quinacrina no tratamento da giardíase canina na dose de 6,6 mg/kg duas vezes ao dia por cinco dias. Para Greene (1998) é totalmente efetiva, mas associada a uma estimativa de 50% dos animais de um estudo em que foi utilizada, sentiram efeitos colaterais, que regrediram em dois a três dias após cessada a administração. O tratamento com albendazol é indicado na dose de 25 mg/kg, a cada 12 horas, até atingir quatro doses, e já demonstrou sua eficácia em cessar a eliminação de cistos por cães infectados. Tem eficácia de 90%, mas é potencialmente tóxico, causando mielosupressão. Também há suspeitas de que seja teratogênico não sendo indicado para gestantes. Foi observada pancitopenia em cães e gatos tratados com o fármaco, sendo indicado cuidado ao prescrever (BOWMAN et al. 2010). O fembendazol é indicado na dose de 50 mg/kg, a cada 24 horas, durante três dias. Apresenta mais de 90 % de eficácia e pode ser usado em animais prenhes, além de não causar efeitos colaterais como diarreia. Fembendazol e a associação de febantel-praziquantel-pirantel são os preferidos por causa da ausência de efeitos colaterais e da eficácia elevada (BARR et al. 1994). A furazolidona é efetiva contra a giardíase e conveniente para uso em felinos, pois se encontra em forma de suspensão. É utilizado na dose de 4 mg/kg, duas vezes ao dia durante sete dias. Pode apresentar como efeitos colaterais, vômitos e diarreia, e deve ser evitado em fêmeas prenhes (CAVALLINI; ZAPPA, 2011). De acordo com Sequeira et al. (2008), a administração prévia de probióticos revelou-se capaz de reduzir a taxa de infecção de animais e a excreção de antígenos de Giardia nas fezes, sendo que há uma evidência científica de que os probióticos podem constituir uma alternativa na prevenção dessa parasitose. Os autores relatam que o uso do probiótico Saccharomyces boulardii associado ao metronidazol é mais eficaz que o uso do metronidazol isolado no tratamento da giardíase. Podem ocorrer falhas no tratamento da giardíase resultantes da resistência do parasito aos fármacos, da sensibilidade diferenciada das cepas de giárdia e dos possíveis déficits da resposta imune do hospedeiro. Em visto que nenhum medicamentoé 100 % eficaz, o êxito das medidas terapêuticas depende, além da eficácia do agente quimioterápico escolhido, das propriedades de resistência desse composto e da colaboração do proprietário no tratamento (PARRA; GRECCO, 2008). 21 Os mesmos autores ainda afirmam que tanto a imunidade celular como a humoral são importantes na prevenção das infecções por Giardia e na eliminação do parasito. Estudos demonstraram que tanto a produção de IgA, quanto de IgG e IgM contribuem para a erradicação da Giardia. A IgG tem atividade giardicida e a IgA atua recobrindo os trofozoítos, impedindo assim sua aderência à parede intestinal. É sabido que, a imunidade natural conferida contra a Giardia após a infecção é transitória. Os níveis de imunoglobulinas circulantes nos animais que já se infectaram com Giardia são similares aos medidos nos animais não infectados. A incapacidade do animal de formar uma forte resposta imunológica pode ser devido à natureza intraluminal e não invasiva do parasito. As infecções crônicas são comuns em humanos e animais. Além disso, os sinais clínicos severos relatados em animais imunossuprimidos e a menor incidência de infecção e diarreia nos indivíduos expostos repetidamente ao protozoário, mostram o significado da imunidade específica na eliminação da infecção (OLSON et al., 2001). O fato de que o estado imune do hospedeiro influencia a susceptibilidade à infecção e a severidade dos sinais clínicos, associado à alta prevalência da doença em animais, fez com que o laboratório Fort Dodge Animal Health desenvolvesse uma vacina contra a Giardia. De acordo com a Pfizer Saúde Animal, a Giardiavax é uma vacina constituída por trofozoítos inativados de Giardia e por se tratar de uma vacina morta, são necessárias duas doses de primovacinação, e a proteção só é conferida cerca de 15 dias após a segunda dose (GENNARI; SOUZA, 2002). De acordo com Wolfe (1992), a vacinação foi capaz de prevenir tanto a colonização do intestino quanto eliminar os trofozoítos por meio do sistema humoral ou celular. Foi observado que os trofozoítos de Giardia recobertos por IgA e IgG não são capazes de aderir à mucosa intestinal. Para Belosevic (1994), a vacina induz uma forte resposta imune celular e humoral, isso explica a efetiva eliminação dos trofozoítos de Giardia em animais vacinados. Nos estudos realizados por Olson et al. (2001) em cães para testar a eficácia da vacina, os animais vacinados foram desafiados um ano após a vacinação. Não foi observada diarreia nestes animais e alguns animais eliminaram poucos cistos (média de 0,8 cistos/g fezes) por um período curto, ao redor de sete dias. Não foram encontrados trofozoítos no intestino delgado destes cães no final do experimento. Isso demonstra a eficácia da vacina e que, mesmo cães vacinados quando desafiados podem ter eliminação de cistos de Giardia nas fezes. Estudos sugerem que trofozoítos que sofreram a ação de anticorpos humorais e 22 celulares dão origem a cistos não viáveis. Para Bowman et al. (2010), contudo pesquisas sobre o efeito dessa vacina em cães previamente infectados mostraram que elas falharam em eliminar o parasito das fezes desses animais. Barr e Bowman (2010) afirmam que o tratamento pode fornecer um controle eficaz, mas em muitas situações, as reinfecções são comuns, devido à dificuldade em se eliminar a fonte de infecção do meio ambiente. Muitos estudos recentes sugerem que, quando se controla a diarreia em animais com giardíase, o tratamento deve ser acompanhado de medidas para remoção dos cistos da pelagem e do ambiente do animal. Continua dizendo que as medidas para a limpeza e desinfecção do ambiente, com o objetivo de reduzir a carga ambiental de cistos, incluem a remoção das fezes e de toda a matéria orgânica do local, seguida pela eficaz desinfecção das superfícies com água fervente e desinfetante (solução de amônia quaternária). A manutenção de áreas secas e ambientes com grande exposição à luz solar também é recomendado. Os animais devem ser banhados para remover os cistos aderidos à pelagem, sendo indicada a aplicação de amônia quaternária sobre o pelame, especialmente na região perianal, e o enxague repetidamente, para evitar a irritação da pele e mucosas. Os mesmos devem ser completamente secos antes de serem remanejados para os locais desinfetados. 1.8 Saúde Pública Os cães são hospedeiros definitivos de algumas espécies de parasitos zoonóticos. Atualmente com o crescente número de animais domiciliados, peridomiciliados e errantes no nosso país, associado ao fácil acesso destes aos locais de lazer, como praças públicas e praias, têm aumentado o risco de infecção para o homem especialmente para crianças, constituindo um problema de saúde pública (SANTAREM et al., 1998; SCAINI et al., 2003; CASTRO et al., 2005). Os parasitos intestinais de cães e gatos, além de serem responsáveis por causar danos à saúde dos animais, ocasionalmente podem infectar o homem, sendo também capazes de acarretar doença. De acordo com Campos Filho et al. (2008), a contaminação de praças públicas por parasitos de cães tem sido alvo de pesquisas no Brasil e tem demonstrado a importância delas como ambiente propício a transmissão de agentes zoonóticos para os seres humanos. Dentre os parasitos observados em cães, destacam-se os dos gêneros Toxocara, 23 Ancylostoma, Trichuris e Giardia, alguns deles agentes da larva migrans visceral, larva migrans cutânea em humanos, e giardíase em humanos e animais (SCHANTZ, 1999; ROBERTSON; THOMPSON 2002). Dos protozoários que frequentemente acometem os animais e o homem, Giardia spp. tem despertado maior interesse dos pesquisadores, possivelmente por seu potencial como agente zoonótico (MUNDIN et al., 2003). A Organização Mundial da Saúde considera a giardíase uma zoonose desde 1979, por ela apresentar baixa especificidade pelo hospedeiro. Existem fortes evidências de que o homem possa contaminar os animais e vice-versa. Espécies de Giardia obtidas de fezes humanas e de animais mostraram-se indistinguíveis (SOGAYAR; CORREA, 1984). As formas infectantes dos agentes patogênicos a saúde humana são liberadas via fezes ou urina dos hospedeiros infectados, fazendo com que o esgoto doméstico seja uma importante fonte de contaminação ambiental e com grande impacto na saúde pública (MACPHERSON, 2005). A maioria das infecções humanas ocorre pela ingestão de água contaminada, a giardíase é um exemplo importante de doença de veiculação hídrica. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que 88% das mortes por diarreia em todo o mundo, são causadas por ingestão de água contaminada ou saneamento inadequado. A prevalência de giardíase humana no Brasil é alta em algumas regiões, principalmente naquelas onde o saneamento básico e as medidas higiênicas são precárias. Acomete com frequência maior crianças de 0 a 6 anos. Geralmente é uma parasitose sem intercorrências graves, mas cabe maior atenção quando acomete pessoas com desnutrição ou com alguma imunodeficiência. A formação de aglomerados e o convívio em creches aumenta a disseminação deste enteropatógeno. Em muitas regiões há um pico sazonal simultâneo à estação do verão, relacionado ao maior uso de piscinas comunitárias. O cisto permanece viável no meio ambiente por até 60 dias, sendo destruído por temperaturas superiores a 64ºC. A giardíase humana é um evento notificável em vários países industrializados como Canadá, Japão, EUA, Nova Zelândia e vários membros da União Européria. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças estima que 2 milhões de casos ocorram nos EUA atualmente (BALLWEBER et al., 2010). Na população humana existem subgrupos com diferentes susceptibilidades ao parasitismo causado por Giardia que incluem crianças, idosos, pessoas desnutridas, prejudicadas por outras doenças (ex. diabetes), e imunocomprometidos (pacientes com SIDA, transplantadose que realizam quimioterapia). Na Ásia, África e América latina 24 aproximadamente 200 milhões de pessoas tem giardíase sintomática e 500 mil novos casos são reportados a cada ano. Os sintomas nos seres humanos são de ordem intestinal, aparecendo entre uma e duas semanas após a infecção, podendo durar de duas a seis semanas ou mais tempo. Neste período pode-se observar diarreia, gases, flatulência, dores abdominais e náuseas, a aparência das fezes pode ser oleosa. Perda de peso e desidratação pode ocorrer (KATAGRI; OLIVEIRA-SEQUEIRA, 2007). Alguns países desenvolvidos já estabeleceram limites de aceitação para cistos de Giardia em água para abastecimento. A “United States Environmental Protection Agency” (USEPA, 1999), estabeleceu como meta a ausência de protozoários, e define que o limite de remoção com inativação de cistos e oocistos deva ser de 3 e 2 log, respectivamente. Em termos de transmissão, nos Estados Unidos é tolerado um risco anual de infecção de 1:10.000 (10-4). Já no Reino Unido, o “Drinking Water Inspectorate” (DWI, 2005) indica que o limite máximo adotado é de um oocisto em 10L, com risco anual de 1:10 (10-1).No Brasil, o Ministério da Saúde através da Portaria N° 518/2004, apenas recomenda a pesquisa de oocistos de Cryptosporidium e cistos de Giardia com o objetivo de atingir um padrão de ausência. A não exigência do monitoramento destes protozoários patogênicos em água para abastecimento público no Brasil pode estar colocando em risco a saúde da população, uma vez que a associação com os principais indicadores de qualidade da água não é bem entendida (BRASIL, 2004). Casos de giardíase em humanos têm sido relatados desde a década de 40, mas os registros dos primeiros surtos foram na década de 60. Na década de 70, Giardia lamblia foi o agente etiológico mais identificado em água para abastecimento nos EUA. A maior parte dos casos de diarreia não bacteriana na América do Norte é causada pela Giardia, onde se estima que 2% da população estejam infectadas pelo protozoário (US-FDA, 2006). Os principais surtos da doença foram associados ao consumo de água proveniente de sistemas que não utilizam a filtração ou que apresentam deficiências no processo de tratamento. No Brasil, a prevalência de giardíase é de 4% a 30% (SOGAYAR; GUIMARÃES, 2000). No município de Campinas, Cantusio Neto (2004) analisou a presença de protozoários no Rio Atibaia e em uma estação de tratamento de água. Detectou cistos de Giardia em 90% das amostras de água bruta no primeiro experimento e, em 100% das amostras no segundo experimento, totalizando uma concentração média de 34,3 cistos/L. Berino (2004) investigou a presença de cistos e oocistos nas águas brutas de quatro afluentes do Lago Guaíba, em Porto Alegre. Os seguintes resultados foram obtidos para os rios Taquari, 25 Caí, Sinos e Gravataí, respectivamente: 75, 42, 33 e 25% das amostras foram positivas para Cryptosporidium e 92, 83, 67 e 50% para Giardia. Os valores médios observados foram: 0,8 oocistos e 1,76 cistos/L no rio Taquari; 0,47 oocistos e 0,66 cistos/L no rio Caí; 19 oocistos e 53 cistos / 100L no rio Sinos; e 0,16 oocistos e 0,92 cistos/L no rio Gravataí. O autor afirma que estes resultados podem estar subestimados devido à baixa recuperação dos métodos analíticos empregados. Em um estudo realizado por Dias et al. (2008), sobre a presença de Giardia e Cryptosporidium em água de manancial superficial de abastecimento contaminada por dejetos humanos e animais, verificou-se a elevada concentração de cistos de Giardia sugerindo que a forma de ocupação do solo interfere na qualidade parasitológica da água bruta. Os resultados apontaram a importância da adoção de medidas preventivas para proteger os mananciais, tentando reduzir o risco da transmissão de protozoários via água de consumo humano. De acordo com Campos Filho et al. (2008), que analisou a contaminação de praças públicas por fezes de cães em Itabuna, Bahia, das 119 amostras 56,3% possuíam alguma forma evolutiva parasitária. Cistos de Giardia representaram 1% deste total. Quadros et al. (2004) analisaram a presença de parasitos intestinais em centros de educação infantil no município de Lages, Santa Catarina e verificaram que 70% das crianças apresentavam ao menos uma infecção parasitária, Giardia teve uma prevalência de 15% dos casos. Brincker et al. (2009) coletaram amostras de fezes de 77 cães e 23 felinos que frequentavam uma estética de Caxias do Sul. Todos animais encontravam-se em bom estado nutricional sem apresentar sintomatologia de qualquer parasitose. Foram analisadas pela Técnica de Centrífugo-flutuação com sulfato de zinco, onde 7% dessass foram positivas para Giardia. Observou-se com este resultado que a prevalência de giardíase foi relativamente baixa. Mas deve-se levar em conta que o número de amostras utilizadas foi pequeno e que os animais eram domiciliados em casa ou apartamento. A grande maioria eram animais adultos, onde se coletou apenas uma amostra, quanto maior o número de amostras maior a chance de se obter amostras positivas. 26 CONSIDERAÇÕES FINAIS A giardíase, sendo uma doença frequente na clínica veterinária de pequenos animais, foi estudo deste trabalho como forma de atualização. O parasito, cada vez mais prevalente é causador de doença em homens e animais despertando interesse em conhecer melhor o tema, que por muitas vezes é subestimado. Locais onde há aglomerações de animais e ambientes com muitos filhotes são mais propícios à infecções por Giardia, justificando a importância de medidas sanitárias serem adotadas quando há suspeitas da doença. Todos os animais devem ser examinados pois, muitos assintomáticos eliminam os cistos pelas fezes. O médico veterinário atual é aquele que estuda diariamente, tem papel importante na saúde dos animais, no tratamento das doenças e na instrução e prevenção de zoonoses. O tratamento da giardíase em humanos e animais quando bem realizado é eficaz, mas as reinfecções são comuns, porque a dificuldade em eliminar a fonte de infecção do meio ambiente requer disciplina e vigilância. O cisto permanece viável por longos períodos em temperaturas frias, e por ser eliminado de forma intermitente seu controle é ainda mais difícil. A falta de hábitos de higiene é outro fator que propicia a propagação do cisto. Já que a prevalência da infecção e a distribuição da doença são de ordem mundial, cabe ao médico veterinário tratar os animais doentes, orientar os proprietários do risco de zoonoses e preservar a saúde pública. 27 REFERÊNCIAS ABBITT, B. et al. Treatment of giardiasis in adult greyhunds, using ipronidazole medicated water. Journal American Veterinary Medicine Association, v. 188, p. 67-69, 1986. ALMEIDA, F. M; SILVA, M. M. O; LABARTHE, N. Giardia spp em amostras fecais de gatos domésticos do Rio de Janeiro. Acta Scientiae Veterinariae, p. 468-469, 2007. APPELBEE, A.J; THOMPSON, R.C.A; OLSON, M.E. Giardia and Cryptosporidium in manmalian wildlife- currents status and future needs. Trends in parasitology. Calgary, v. 21, p. 371-376, 2005. ARAÚJO, A.F.; FIALHO, C. Diagnóstico laboratorial em protozoologia. Porto Alegre: UFRGS, 67p. 2007. BARR, S. C. BOWMAN, D. D. 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