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Sociologia do Esporte Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Leandro Thomazini Revisão Textual: Prof.ª Me. Luciene Santos Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte • Sociologia do Esporte; • Contribuições de Norbert Elias para Sociologia do Esporte; • Pierre Bourdieu e a Sociologia do Esporte. · Demonstrar as contribuições que os sociólogos Norbert Elias e Pierre Bourdieu para o desenvolvimento da área da Sociologia do Esporte, apresentando suas principais ideias e construções a respeito do fenô- meno esportivo na sociedade. OBJETIVO DE APRENDIZADO Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Contextualização Anteriormente, estudamos o papel da Sociologia, ou melhor, a sua contribuição para o campo científico vinculado às Ciências Sociais, seus principais pensadores e as influências das correntes de pensamento sociológico. Por sua vez, na Unidade anterior, buscamos compreender o surgimento do fenô- meno denominado Esporte, retratando a gênese do fenômeno esportivo, iniciado na relação imbricada entre o Jogo, chegando ao Esporte Moderno como conhe- cemos hoje. Neste momento, iremos destacar os principais pensadores que foram importan- tes para a consolidação dessa área especializada da Sociologia, que é a Sociologia do Esporte. 8 9 Sociologia do Esporte Para a Sociologia, os esportes podem ser classificados a partir das interações es- pecíficas entre seus atores e o meio ambiente. Esportes individuais são diferentes dos grupais ou coletivos, esportes em ambiente natural podem ser distinguidos de esportes praticados em ambientes padronizados e que eliminam as incidências da natureza. Um esporte organizado em torno de clubes, como o futebol, tem significados sociológicos diferentes daquele esporte no qual o clube desempenha papel reduzido, como no tênis, que não dispõe de torcida organizada (mas concentra espectadores como o esporte em geral). Os princípios que organizam os esportes são objeto do trabalho sociológico tanto quanto as formas de organização dos torcedores e os motivos das práticas e do gosto pelo espetáculo esportivo. As pessoas nem sempre escolheram o que queriam ser, nem as sociedades sem- pre tiveram ciência de suas aplicações no esporte ou na atividade física, tampouco associações esportivas, desde os clubes até as confederações. Portanto, os objetos da Sociologia possuem uma história, e os da Sociologia do Esporte também. Para a Sociologia, é muito importante saber como se formou a estrutura do es- porte moderno e também como surgiram as ginásticas metódicas, racionalizadas, baseadas em crenças que, habitualmente, dizem estar fundadas nos conhecimentos científicos historicamente condicionados. São importantes os processos de institu- cionalização, a criação de políticas públicas e privadas, os processos de mercantili- zação e espetacularização dos esportes (LOSIVOLO, 2001). Segundo Bracht (2005), até o início do século XX, não havia sido realizado nenhuma tentativa séria para a explicação do fenômeno denominado esporte, que carecia de um esclarecimento sociológico e psicológico desse tema, pois, até mo- mento, os estudos sobre o fenômeno esportivo dentro do viés sociológico ou mes- mo filosófico foram assistemáticos. A partir da metade do século XX, é que se inicia o desenvolvimento mais siste- matizado do fenômeno esportivo, nesse sentido, iremos situar a seguir dois autores importantes para a consolidação e que forneceram bases para a Sociologia do Esporte: Norbert Elias e Pierre Bourdieu. 9 UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Contribuições de Norbert Elias para Sociologia do Esporte Figura 1 Fonte: Wikimedia Commons Norbert Elias (1897 – 1990) foi um dos grandes pesquisadores de seu tempo, com a colaboração de alguns discípulos, a exemplo de Eric Dunning. Elias é considerado um dos principais precursores da chamada Sociologia figuracional (a qual se insere a Sociologia do Esporte), através do qual se procura estudar as relações humanas de forma processual. Entende-se por figuracional tudo aquilo que é usado para ilustrar redes de interdependência entre os indivíduos e a distribuição de poder entre eles. Percebe- se que o autor não tem uma visão estática das configurações das sociedades e busca captá-las em contínuo processo de constituição e transformação. Ou seja, as configurações não podem ser planejadas, programadas, ou previstas porque estão, constantemente, sendo construídas e redimensionadas (ELIAS; DUNNING, 1992). Elias não foi um autor que estudou apenas o fenômeno esportivo, diversos temas são discutidos, como a formação do Estado, solidão e medo da morte, teoria do símbolo, até lazer. Tamanha variedade e atualidade de temas demonstra um autor preocupado com questões que continuam a permear nossa sociedade. No tema de análise da disciplina – a Sociologia do esporte – é percebida pela ótica de Elias, como um ramo esquecido ou sem a merecida atenção dada pela Sociologia, como se vê em seus escritos. Elias e Dunning (1992) afirmam que os sociólogos esqueciam a temática “espor- te”, mencionando que o menosprezo acontecia pelo fato de as atividades de lazer estarem ligadas ao prazer envolvendo mais o corpo que a mente e sem nenhum 10 11 valor econômico. Esse fato se dá devido às circunstâncias da época, na qual não havia ainda o interesse merecido, e os crescentes estudos e seriedade com a temá- tica desenvolvida no campo esportivo na atualidade. Uma obra principal que procura analisar o esporte é “A busca da excitação”, que mostra a relevância da questão do esporte para o entendimento das sociedades atuais. A contribuição de Elias em seu estudo, como também para o entendimento do fenômeno esportivo da disciplina, está para além de demonstrar comoessas práticas emergiram na nossa sociedade, mas na descoberta do “por que” de ter acontecido esse fenômeno e “qual” o seu significado. Um dos pontos principais é a analise da violência no esporte, Elias e Dunning (1992) explicam-na reportando-se historicamente à Revolução Industrial. Segundo esclarecem, naquele período, houve um processo denominado de “desportivização” (que seria o mesmo que esportivização), que veio a ajudar no processo civilizador da sociedade, sinais da necessidade cada vez maior de atividades de recreação ordenadas, de maior regulamentação e menor violência física na sociedade. Em outra obra de Norbert Elias (1993), são desenvolvidas algumas refl exões e também o conceito de processo civilizador, que, em suma, constitui numa mudança na conduta, hábitos e nos sentimentos humanos. Hoje, por exemplo, parece natural que façamos nossas refeições sentados à mesa, usando garfo, faca e guardanapo. No entanto, a leitura dessa obra e o entendimento do conceito mostram-nos que esse comportamento foi construído pelos homens ao longo do tempo, passando por diversas transformações, de acordo com as demandas e objetivos das respectivas sociedades. Ex pl or O autor tentou dar uma resposta ao problema de como teriam surgido, na civili- zação humana, formações sociais que não foram planejadas, de forma intencional, por nenhum indivíduo isoladamente. Sua compreensão a respeito do conceito de sociedade perpassa pela concepção de que as pessoas, através de suas disposições e inclinações básicas, são orientadas umas para as outras e unem-se umas às outras das mais diversas maneiras. Logo, essas pessoas constituem teias de interdepen- dência ou configurações de muitos tipos. Assim, ao longo desse processo de civilização, mudanças específicas na maneira como as pessoas se prendem uma as outras lhes transformaram a personalidade, estabelecendo um modelo civilizador. Essas mudanças e as consequências que elas disseminaram na sociedade atual representam uma das preocupações do autor, quando estuda o processo civilizador e suas relações sobre o esporte. A racionalização, segundo esclarece, nos contornos de um processo civilizador, está na peculiar modelação da economia das pulsões que conhecemos pelos nomes de “vergonha” e “repugnância” ou “embaraço”, ou mesmo na libido (ELIAS, 1993). Um ponto chave é que a busca da excitação, por meio do esporte, é considerada muito mais a partir da sua prática como atividade de lazer e menos pelos que 11 UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte o praticam com fins profissionais. Para estes últimos, o esporte se converteria em uma atividade de trabalho como outra qualquer, sujeita aos mesmos tipos de constrangimentos (ELIAS; DUNNING, 1992). Outro problema importante na obra de Elias e Dunning (1992) é sobre o esporte e sua origem remetida aos Jogos da Antiguidade Clássica (que foi abordado na Unidade anterior). Apesar das similaridades entre os jogos da antiguidade e o esporte moderno, os autores apresentam a ressalva, que devemos analisar com cuidado, não usando os “olhos da sociedade atual”, para uma prática de uma outra sociedade, com diferenças notáveis. Os esportes modernos podem ser associados aos ideais clássicos de uma forma artificial, refutando qualquer fato que revele o contrário como uma exceção. Um dos exemplos colocados por Elias e Dunning (1992) para ressaltar esta diferença entre as sociedades é o nível de violência presente nos Jogos da Antiguidade e nos jogos dos séculos XIX e XX. Nos primeiros, admitia-se um alto grau de violência, bem mais elevado do que o permitido pelo regulamento dos segundos. Com base na teoria do Processo Civilizador, podemos perceber que, desde a sociedade antiga até a sociedade contemporânea, houve uma crescente regulação da violência, retirando este poder das mãos de cada indivíduo, recobrindo de ver- gonha e repugnância tais atos, e passando o monopólio da violência ao Estado. Movimento similar ocorreu no esporte, passando de uma atividade com um alto grau de violência e poucas regras para uma atividade onde esta é repudiada e existe um regulamento imbricado, além do controle externo da arbitragem. Elias e Dunning (1992) afirmam que este processo também afetou o esporte em contínuo ao século XX, gerando uma modificação global do código de conduta e da sensibilidade envolvidos na atividade. Ao comparar jogos populares com bola praticados no final da Idade Média com o futebol e o rúgbi, os autores explicitam que o grau de sensibilidade em relação à violência aumentou, não sendo mais tolerada como outrora. Essa diminuição da violência foi resultante de um conjunto de regras que a limitava a um determinado grau e a momentos específicos, iniciada na Inglaterra e largamente adotada por outros países. Este ainda é um importante tema de debate entre os estudiosos da área sobre o suposto papel “civilizador” dos esportes, ou mesmo de discussões para os futuros profissionais da área de esporte, dos valores pretensos que o esporte pode desenvolver nos jovens, dos valores do amadorismo, como o fair play e a ideia de que competir é mais importante do que vencer. 12 13 O profissionalismo – mistura do esporte com valores orientados pelo dinheiro –, a atitude de “vencer a qualquer custo”, que acompanha o esporte profissional e a pressão derivada do número de equipes, e o número de espectadores fazem com que seja difícil a sobrevivência de atitudes e valores amadores como o fair play. Os autores referiam-se aos esportes modernos como formas de “guerra sem armas”. Mas a despeito de todos os problemas gerados pelos esportes, eles são muito, melhores do que a guerra, especialmente dado o poder de destruição das armas modernas. Os esportes são locais para a geração de excitação prazerosa, amizade e sociabi- lidade. Eles são uma grande invenção coletiva, que consegue com sucesso resolver a aparente contradição entre rivalidade e amizade. Pode-se dizer que os esportes são formas de “rivalidade amistosa”, e como tais, são extremamente valiosos. Sobre a interface esporte, violência e civilização, o sociólogo Eric Dunning, aluno e colaborador próximo de Norbert Elias, em entrevista, afirmou que processos civilizatórios não são simples, lineares e progressivos, mas formações complexas, que são como ondas, com múltiplos níveis e que ocorrem no nível dos indivíduos tanto quanto no das sociedades. Pois, embora haja uma relação clara entre o esporte e o processo civilizatório, que, na teoria de Elias, seria uma forma da burguesia e o Estado diminuírem a violência na sociedade. Há um movimento inverso denominado por Duning e Elias de processos des-civilizatórios, onde a violência se manifesta nos esportes, como exemplo cita: o hooliganismo no futebol contemporâneo como parte dessa tendên- cia mundial (GASTALDO, 2008). Hooliganismo é tema de estudo de Eric Dunning, no qual analisa grupos de torcidas organi- zadas que surgiram na Inglaterra com comportamento destrutivo e desordenado nos está- dios, geralmente com atos de violência contra grupos específi cos ou torcidas adversárias. Misturam a paixão pelo clube com a vontade de fazer vandalismo, na maioria das vezes, associada ao consumo de álcool. Alguns entre os torcedores defendem ainda ideologias políticas (em geral de extrema direita). No Brasil, apesar de características diferenciadas, as torcidas organizadas apresentam o mesmo comportamento violento, estudos similares são desenvolvidos no Brasil pela pesquisadora Heloisa Helena Baldy dos Reis. Ex pl or 13 UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Pierre Bourdieu e a Sociologia do Esporte Figura 2 Fonte: Wikimedia Commons Pierre Félix Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês, que desenvolveu diversostrabalhos abordando a questão da dominação e é um dos autores mais lidos, em todo o mundo, no campo da Sociologia, cuja contribuição alcança as mais variadas áreas do conhecimento humano, seja na educação, esporte, arte, política, literatura, mídia, entre outras. O fenômeno esportivo, como já foi abordado, não foi alvo de estudos sistemáticos, sendo concebida como de “menor valor” perante os estudiosos da Sociologia (excetuando para aqueles que estão ligados diretamente a área de Esporte/Educação Física), por não serem pensados como um meio de leitura da sociedade e não se inserirem nos círculos sociais, até então relevantes para a abordagem sociológica, como as tradicionais temáticas ligadas à economia e à política. Bourdieu, embora tenha se debruçado sobre o esporte, não foi um sociólogo do esporte (como muitos por vezes fazem essa associação). Ao invés disso, recuperou o esporte (dentre outros inúmeros objetos tidos como insignificantes no âmbito das ciências sociais) enquanto um objeto digno de ser abordado cientificamente no universo de produção sociológica (SOUZA; MARCHI JR, 2010). Conheça um pouco mais sobre os antecedentes históricos da obra desse grande intelectual francês: https://youtu.be/VbiA29A4mDkEx pl or 14 15 Campo, habitus e distinção Dentro da teoria de Pierre Bourdieu, existem alguns conceitos que perpassam sua obra como um todo e servem também para analisar o fenômeno esportivo aqui em questão. Entre esses termos, destacam-se o conceito de campo, habitus e suas relações que levam à distinção entre os agentes. O campo pode ser definido como um espaço abstrato de relações sociais (pode ser o campo esportivo, campo político, campo jurídico), no qual agentes específicos (que podem ser políticos, religiosos, acadêmicos, esportistas etc.) atuam buscando melhores posições, obedecendo a regras específicas do campo, (com critérios de entrada definidos – concursos, provas, peneiras), com estratégias, com capitais específicos, buscando glórias, prestígios, notoriedade, desejos, monopólio e reconhecimentos (postos desejados, por exemplo, no campo acadêmico, ou ser o melhor atleta no campo esportivo), em disputa com outros agentes do mesmo campo, numa relação em que existem agentes dominantes e agentes dominados (um exemplo no esporte/ futebol – para cada Neymar/ Cristiano Ronaldo existem vários jogadores amadores), que, por sua vez, são socialmente autorizados a falar daquele espaço e consequentemente, a construírem as suas regras, seja conservando-as ou modificando-as. Dentre esses espaços que possuem cronologia própria e uma história estrutural relativamente autônoma da esfera econômica e política, encontra-se o campo es- portivo, como já apontamos nos exemplos acima. O campo esportivo, a propósito dos demais campos, também se trata de um espaço estruturado, onde há dominan- tes e dominados que disputam os capitais específicos em jogo e buscam conservar a estrutura ou então transformá-la. A dimensão do campo não representa um processo linear garantido por regras previamente definidas, ou enquanto produto de um cálculo racional dos agentes. Pelo contrário, a história de um campo muda à medida que agentes e instituições entram no jogo, à medida que novos interesses emergem, os antigos e outros objetos de disputa passam a orientar a rede de relações e atrair a atenção dos jogadores. Para exemplifi carmos essa relação dentro do campo esportivo, como local de disputa entre os interesses dos agentes tanto para manter ou mudar as óticas das relações, apresento uma reportagem, que exemplifi ca um pouco destas relações. No fi nal do ano de 2017, o Comitê Olímpico do Brasil (COB), após a renúncia de Carlos Arthur Nuzman, cria uma Comissão Estatuinte para a mudança do estatuto da entidade: https://goo.gl/XYs41Y Ex pl or No entanto, não se pode pensar a noção de campo de forma mecânica, esque- cendo-se de que o mesmo deve ser abordado na perspectiva de sua constituição histórica, estabelecendo uma comparação estrutural entre os vários momentos de sua história relativamente autônoma e não necessariamente linear (SOUZA; MAR- CHI JUNIOR, 2010). 15 UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Além disso, esse campo, como qualquer outro espaço social, desenvolve algumas características que lhe são pertinentes, ou seja, um senso comum que atribui lógica ao campo e um conjunto de leis invariantes que regulamentam as ações dos agentes. Essas relações que constroem o conceito de campo estão ligadas a outro conceito denominado por Bourdieu de habitus. A constituição de um campo relativamente autônomo das práticas esportivas se institui uma vez que se considera a incidência dos habitus esportivos nesse espaço, já que, como ensina Bourdieu, o campo estrutura o habitus em tão presente medida que o habitus constitui o campo. (BOURDIEU, 1998). O habitus funciona como um programa de percepção, classificação e organi- zação da ação; uma espécie de força que mantém e sustenta determinada ordem social na perspectiva do campo vislumbrado. Exatamente por isso é que o habitus se apresenta e se distingue como sistemas de disposições duráveis e incorporados pelos agentes. O habitus é um sistema de espaço simbólico, como uma segunda natureza, incorporado por seus agentes, parcialmente autônoma, já que é histórica e presa ao meio. Isso quer dizer que ele nos permite agir em um meio dado sem cálculo ou controle consciente. O habitus não supõe fins. É princípio de um conhecimento sem consciência, de uma intencionalidade sem intenção. No entanto, mesmo sem ter intencionalidade, é adquirido por aprendizagem explícita ou implícita, e funciona como um sistema de esquemas geradores de es- tratégias que podem ser objetivamente conformes aos interesses dos seus autores, sem terem sido concebidas com tal fim. Ele contém em si o conhecimento e o reconhecimento das regras do jogo em um campo determinado. O habitus funciona como esquema de ação, de percepção, de reflexão. Presente no corpo (gestos, posturas) e na mente (formas de ver, de classificar) da coletividade inscrita em um campo, automatiza as escolhas e as ações em um campo dado, “economiza” o cálculo e a reflexão. A mídia tem papel central na estruturação dos modos hegemônicos de usar o corpo, sob a égide do consumo relacionado às práticas esportivas. O habitus é o produto da experiência biográfica individual, da experiência his- tórica coletiva e da interação entre essas experiências. Uma espécie de programa, no sentido da informática, que todos nós carregamos (THIRY-CHERQUES, 2006). O sociólogo sistematiza uma economia cultural dos bens esportivos pautado na relação entre, de um lado, a oferta – bens esportivos oferecidos aos agentes sob a forma de práticas e consumos – e de outro, a demanda – orientada pelo gosto e pelas transformações nos estilos de vida. Com base nisso, pode-se entender pela demanda da prática de esportes o ato de os agentes estarem jogando voleibol, lutando caratê ou disputando uma corrida de atletismo. 16 17 Já o consumo esportivo passivo se evidencia quando os agentes estão acom- panhando uma partida de um esporte qualquer pela TV, ou compram uma cami- seta do time que torcem, ou ainda, quando crianças e adolescentes, passam a se comportar de acordo com os estereótipos e padrões disseminados por meio da transmissão de espetáculos esportivos na mídia e que incitam modos de vestir, de falar, de se alimentar. Ao pensar nas formas como se apresentam os consumos e as práticas esportivas, Bourdieu procura estabelecer relação imediata com as posições sociais. Segundo Bourdieu (1983), à medida que se desce na hierarquia social, a probabilidade de um agente praticar esporte depois da adolescência, isto é, quando adulto ou idoso, diminui nitidamente. Já quantoà possibilidade de assistir aos espetáculos esportivos mais populares, essa decresce à medida que os agentes sobem na hierarquia social. Conforme Bourdieu, os lucros distintivos são dobrados quando a distinção entre as práticas distintas e distintivas, como os esportes “chiques”, e as práticas que se tornaram “vulgares”, devido à divulgação de vários esportes originalmente reservados à “elite” (modelo adotado na Inglaterra), como o futebol, é acrescida da oposição, mais marcada ainda, entre a prática do esporte e o simples consumo de espetáculos esportivos (BOURDIEU, 1983). Aqui se alia a análise de outro conceito importante na obra do sociólogo, que é o conceito de distinção, que também é abordado no campo esportivo. Com efeito, o universo do esporte é marcado por divisões de idade, classe, origem social, sexo, entre outros. O esporte é uma dessas práticas classificadas, classificantes e classificadoras. Não obstante, os próprios produtos e bens culturais atrelados, direta ou indiretamente à indústria do esporte também o são, definem posições distintivas a serem antecipadas por agentes dotados do senso de percepção e apreciação requisitada. Pouco antes do seu falecimento, Pierre Bourdieu foi procurado pela professora da UFRJ, Gisèle Sapiro, que na ocasião estava na França. Como resultado desse encontro, foram gra- vadas entrevistas, as quais foram registradas em um projeto audiovisual intitulado “Encon- tros com Pierre Bourdieu”: https://youtu.be/PuJBKjvwTd8 Ex pl or Algumas modalidades tendem a ser praticadas, majoritariamente, por membros da classe alta ou média alta (hipismo, automobilismo, pólo, natação, golfe, remo), enquanto outros são praticados, na maior parte, por membros das classes sociais mais baixas (atletismo, boxe). O esporte, ao contrário do que apregoam discursos populistas e demagógicos, classifica pessoas, categoriza grupos, distingue universos sociais. A participação não é aberta e democrática uma vez que as sociedades de classes constroem limites e definem campos de possibilidades para a prática e o sucesso (ASSUMPÇÃO et al, 2010). 17 UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Assim, é possível perceber a formação de um campo esportivo substanciado pela tônica da dicotomia entre esporte-prática e esporte espetáculo; entre esporte de elite e esporte de massa. Contudo, outras oposições também se vinculam a este campo, como as que seguem reiteradas: amadorismo contra o profissionalismo; esporte de lazer versus esporte de competição; esportes de contato direto e esportes à distância; esportes que requerem maior atividade intelectual e menor dispêndio físico versus esportes que solicitam maior uso da força e menor capacidade de reflexão, entre outros. Decorre desses sistemas de classificação e dicotomias, que o esporte em si confere um estilo de vida distintivo aos seus consumidores e praticantes. Em outros termos, o esporte moderno na forma como é consumido e praticado se demonstra perfeitamente compatível e complacente com a lógica da estrutura de organização do espaço social, ou melhor, enquanto um campo onde estão em jogo as próprias definições legítimas da prática esportiva e dos usos diferenciados que se pode fazer do corpo nos esportes. E isso essencialmente porque o esporte e os bens culturais correlatos se tratam de práticas objetivamente classificadas e com potencialidade a se converter em práticas classificadoras, isto é, a se tornarem um lucro e expressão simbólica da condição de classe. Importante! Amparado nessa arquitetura teórica pautada na relação entre habitus e campo, Bourdieu (1983) circunscreve o campo esportivo como um lugar de disputas pela definição legítima da prática esportiva e das funções legítimas das atividades esportivas, lembrando que dessas lutas, que são lutas para impor novos princípios de visão e divisão no campo, resultam estilos de vida distintivos, que denotam as estratégias dos agentes como um locus de “escolhas” e “investimentos”, os quais, além de diferenciar seus agentes, refletem as condições sociais e objetivas de sua própria produção. Em Síntese 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos A Sociologia é um Esporte de Combate Neste documentário intitulado “A Sociologia é um Esporte de Combate”, (2001), dirigido por Pierre Charles, Bourdieu é acompanhado durante três anos em palestras, viagens, encontros com estudantes, seus colaboradores de pesquisa e em atos políticos. https://youtu.be/41W3RapeK5Q O Campo Político Neste vídeo, o Prof. Clóvis de Barros apresenta o conceito de campo da obra de Bourdieu, a partir de exemplos bem interessantes do campo político e acadêmico. https://youtu.be/aAk6j8ypIlk Quem é Norbert Elias? Conheça um pouco mais sobre a história e obras do sociólogo Norbert Elias. https://youtu.be/lNxq_B9Oz9I Leitura Como é possível ser esportivo? Para os que quiserem se aprofundar sobre o fenômeno esportivo, leiam o artigo “Como é possível ser esportivo?” de Pierre Bourdieu. https://goo.gl/yN88zB 19 UNIDADE Contribuições de Sociólogos contemporâneos para a Sociologia do Esporte Referências ASSUMPÇÃO, L.; SAMPAIO, T.; CAETANO, J.; CAETANO JUNIOR, M.; SILVA, J. Temas e questões fundamentais na Sociologia do esporte. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 8, n. 2, p. 92-99, 2010. BOURDIEU, P. Como é possível ser esportivo? In: BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p.136-153. BOURDIEU, P. L’espace des sports-1. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v.79, p. 02-115, sep. 1989. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. BRACHT, V. Sociologia Crítica do esporte: uma introdução. Ijuí: Unijuí.3.ed. 2005. ELIAS, N.; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. ELIAS, N. O processo civilizador: formação do estado e civilização. 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