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ENSINO DA HISTORIA DA AFRICA

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Revista História Hoje
Ensino da História da África 
e da Cultura Afro-brasileira 
ANPUH - Brasil
 
Diretoria NacioNal • aNPUH - Brasil • GestÃo 2011-2013
Presidente: Benito Bisso Schmidt – UFRGS
Vice-Presidente: Margarida Maria Dias de Oliveira – UFRN
secretário Geral: Angelo Aparecido Priori – UEM
1o Secretário: Antonio Celso Ferreira – UNESP
2o Secretário: Carlos Augusto Lima Ferreira – UEFS
1o Tesoureiro: Francisco Carlos Palomanes Martinho – USP
2o Tesoureiro: Eudes Fernando Leite – UFGD
editoria da revista Brasileira de História: Marieta Moraes Ferreira – UFRJ/FGV
editoria da revista História Hoje: Patrícia Melo Sampaio – UFAM
coNselHo coNsUltivo • aNPUH - Brasil
Almir Félix Batista de Oliveira – ANPUH-RN
Altemar da Costa Muniz – ANPUH-CE
Áurea da Paz Pinheiro – ANPUH-PI
Braz Batista Vas – ANPUH-TO
Célia Costa Cardoso – ANPUH-SE
Célia Tavares – ANPUH-RJ
Élio Chaves Flores – ANPUH-PB
Eurelino Coelho – ANPUH-BA
Hélio Sochodolak – ANPUH-PR
Hideraldo Lima da Costa – ANPUH-AM
Jaime de Almeida – ANPUH-DF
João Batista Bitencourt – ANPUH-MA
Julio Bentivoglio – ANPUH-ES
Luís Augusto Ebling Farinatti – ANPUH-RS
Luzia Margareth Rago – ANPUH-SP
Marcília Gama – ANPUH-PE
Maria da Conceição Silva – ANPUH-GO
Maria de Nazaré dos Santos Sarges – ANPUH-PA
Maria Teresa Santos Cunha – ANPUH-SC
Neimar Machado de Sousa – ANPUH-MS
Ronaldo Pereira de Jesus – ANPUH-MG
Sérgio Onofre Seixas de Araújo – ANPUH-AL
Thereza Martha Borge Presotti Guimarães – ANPUH-MT
RePReSenTanTe da anPUH/BRaSil no 
ConSelHo naCional de aRqUiVoS (ConaRq)
Ismênia de Lima Martins - UFF (Titular)
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira - UERJ (Suplente)
Revisão: Armando Olivetti
Diagramação: Flavio Peralta (Estúdio O.L.M.)
 
Revista História Hoje
Ensino da História da África 
e da Cultura Afro-brasileira
 
Revista História Hoje nº 1 • Biênio: Agosto de 2011 a Julho de 2013
Editora Responsável
Patrícia Melo Sampaio – UFAM
Conselho editorial da RHHJ
Andréa Ferreira Delgado – UFSC
Ângela Maria de Castro Gomes – UFF
Circe Maria Fernandes Bittencourt – USP
Dilton Cândido Santos Maynard – UFSE
Eduardo França Paiva – UFMG
Flávia Eloisa Caimi – UFPF
José Miguel Arias Neto – UEL
Josenildo de Jesus Pereira – UFMA
Keila Grinberg – UNIRIO
Luiz Carlos Villalta – UFMG
Marcelo de Souza Magalhães – UNIRIO
Mauro Cézar Coelho – UFPA
Mônica Lima e Souza – UFRJ
Nilton Mullet Pereira – UFRGS
Susane Rodrigues de Oliveira – UnB
Conselho consultivo da RHHJ
Ana Livia Bomfim Vieira – ANPUH-MA
Antonio Jacó Brand – ANPUH-MS 
Carla Mary da Silva Oliveira – ANPUH-PB
Chrislene Carvalho dos Santos – ANPUH-CE 
Claudira do Socorro Cirino Cardoso – ANPUH-RS 
Cristiano Pereira Alencar Arrais – ANPUH-GO 
Franciane Gama Lacerda – ANPUH-PA 
James Roberto Silva – ANPUH-AM 
Janete Ruiz de Macedo – ANPUH-BA
José Antonio Vasconcelos – ANPUH-SP
Laurindo Mékie Pereira – ANPUH-MG 
Marcelo Balaban – ANPUH-DF 
Marcos Silva – ANPUH-SE 
Osvaldo Batista Acioly Maciel – ANPUH-AL 
Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes – ANPUH-SC 
Yonissa Marmitt Wadi – ANPUH-PR
Secretária da RHHJ
Paula Dantas – UFAM
Endereço na Web: http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index 
Email: rhhjsecretaria@anpuh.org e rhhjeditor@anpuh.org
A Revista História Hoje publica artigos relacionados à temática de História e Ensino com a 
finalidade de promover a divulgação de reflexões, projetos e experiências nesta área e também criar 
um espaço institucional de debate relativo aos campos de trabalho dos profissionais de História.
 
SUMÁRIO
Apresentação 7
Dossiê: Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira 
Apresentação • Dossiê 13
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África 17
Marina de Mello e Souza
Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade 
e o ensino de História da África nas escolas brasileiras 29
Anderson Ribeiro Oliva
Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil 45
Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais 61
Verena Alberti
O ensino de história entre o dever de memória e o direito à história 89
Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza
“Por uma autêntica democracia racial!”: 
os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história 111
Amilcar Araujo Pereira
Entrevista 
Mônica Lima e Souza 131
Martha Abreu e Silvio de Almeida Carvalho Filho
Artigos
Reflexões sobre o ensino colonial em África: trajetórias 
da instituição escolar no antigo Sudão (1889-1952) 139
Patricia Teixeira Santos
As bandas de congo mirins: ensino popular e 
vivência de cultura afro-brasileira na Serra (ES) 157
Michel Dal Col Costa
 
Contribuições do Movimento Negro e das teorias críticas do 
currículo para a construção da educação das relações étnico-raciais 179
Richard Christian Pinto dos Santos e Grace Kelly Silva Sobral Souza
Diásporas e comunidades quilombolas: perspectivas metodológicas 
para o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira 193
Maria Walburga dos Santos e Ana Cristina Juvenal da Cruz
Para construir outro olhar: notas sobre o ensino 
de história e cultura africanas e afro-brasileiras 217
Hilton Costa
Um olhar sobre a historiografia africana e afro-brasileira 239
Luciano Everton Costa Teles
Espaço cibernético, cibercultura e pesquisa acadêmica 253
Marcos Silva
Falando de História Hoje 
Currículos de História e expectativas de aprendizagem 
para os anos finais do ensino fundamental no Brasil (2007-2012) 269
Margarida Oliveira e Itamar Freitas 
E-storia
E-storia 307
Dilton C. S. Maynard e Marcos Silva
História Hoje na sala de aula
Detetives do passado no mundo do futuro: 
divulgação científica, ensino de História e internet 315
Keila Grinberg e Anita Almeida
Resenhas
Historiografia e Nação no Brasil – um clássico e suas possibilidades, 
da gênese da historiografia ao lugar da História Ensinada nos dias de hoje 329
Mauro Cezar Coelho
Oficina da história no ciberespaço 335
Anita Lucchesi
 
7
ApresentAção
A revista História Hoje inicia uma nova fase com a publicação do núme-
ro 1 desta série. Em julho de 2011, retomando discussões e anseios que mar-
caram sua criação em 2003, o Conselho Editorial assumiu a tarefa de revitali-
zar o periódico, adotando a temática “História e Ensino” como estrutura de 
sua linha editorial. Para isso, investiu na publicação de Dossiês Temáticos, 
reviu a periodicidade da revista, agora semestral, e criou novas seções para a 
RHHJ – “História Hoje na Sala de Aula”, “E-Storia” e “Falando de História 
Hoje”, com a finalidade de manter canais de diálogo permanentes com pro-
fessores e pesquisadores, discutindo e compartilhando experiências. Por fim, 
a migração para a base OJS/SEER, ao garantir acesso amplo e maior qualidade 
editorial, completa este momento significativo na institucionalização da RHHJ 
na Anpuh/Brasil, no momento em que completamos 50 anos.
Neste número, abrimos com o Dossiê “ensino da História da África e 
da cultura afro-brasileira”, organizado por Martha Campos Abreu e Silvio 
de Almeida Carvalho Filho. Ele reúne autores com experiências ricas e subs-
tantivas para refletir sobre as conquistas e desafios decorrentes da implantação 
das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. O resultado, como se verá, é extraordiná-
rio! Participam dele Marina de Mello e Souza (“Algumas impressões e suges-
tões sobre o ensino de história da África”), Anderson Ribeiro Oliva (“Entre 
máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da 
África nas escolas brasileiras”), WlamyraAlbuquerque e Walter Fraga Filho 
(“Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil”), Vere-
na Alberti (“Proposta de material didático para a história das relações étnico-
-raciais”), Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza (“O ensino de história 
entre o dever de memória e o direito à história”) e Amilcar Araujo Pereira 
(“‘Por uma autêntica democracia racial!’: os movimentos negros nas escolas e 
7Junho de 2012
8
 Apresentação
nos currículos de história”). Lidos em conjunto, os artigos apresentam um 
retrato vívido da diversidade do campo, de seu notável vigor e dos inúmeros 
enfrentamentos que ainda se colocam diante de nós, profissionais de História. 
Todas essas dimensões ganham perspectiva renovada na emocionante entre-
vista de Mônica Lima e Souza, também conduzida pelos organizadores do 
Dossiê.
Entre os artigos, o de Patricia Teixeira Santos nos permite acompanhar 
as experiências do cotidiano escolar no Sudão contemporâneo, enquanto o de 
Michel Dal Col Costa ilumina a sonoridade e o colorido das vivências das 
crianças capixabas envolvidas nas bandas de congo mirins. A preocupação com 
a articulação entre produção historiográfica, construção curricular, cultura 
histórica e saberes escolares dão o tom dos textos de Richard Christian Pinto 
dos Santos e Grace Kelly Silva Sobral Souza, de Maria Walburga dos Santos e 
Ana Cristina Juvenal da Cruz, de Hilton Costa e de Luciano Everton Costa 
Teles. As reflexões produzidas nos convidam ao debate e também à análise das 
diferentes possibilidades que as experiências de ensino e de pesquisa têm re-
velado. Por fim, Marcos Silva nos coloca diante de questões contemporâneas 
quando se debruça sobre o impacto e as possibilidades de uso da cibercultura 
nas práticas pedagógicas.
Falando de História Hoje é um espaço dedicado a reflexões e debates de 
temas do nosso tempo. O artigo de Margarida Oliveira e Itamar Freitas traz 
uma leitura de peso para um problema candente: a questão dos currículos de 
História. Os autores apresentam os resultados de uma pesquisa que examinou 
currículos de História em 18 estados brasileiros entre 2007 e 2012 com a fina-
lidade de conhecer o que se tem pretendido ensinar, como podemos intervir 
e o que ainda não sabemos sobre essa questão.
e-storia é uma seção que nasceu com espírito inovador. Dilton Cândido 
Santos Maynard e Marcos Silva, seus organizadores, partiram da imensa gama 
de possibilidades abertas pelas novas tecnologias da informação para oferecer 
aos leitores da RHHJ, a cada edição, em lugar de uma listagem de endereços 
eletrônicos, a indicação de novos ambientes no mundo virtual que sirvam de 
inspiração e de estímulo. Na mesma direção, Keila Grinberg e Anita Almeida 
inauguram a seção História Hoje na sala de aula com os “Detetives do Pas-
sado”, uma estimulante iniciativa, detalhada no texto que reuniu temas como 
Revista História Hoje, vol. 1, nº 18
99
 Apresentação
divulgação científica, ensino de História e o impacto da internet no nosso 
trabalho.
Na seção resenhas, Mauro Cezar Coelho faz uma incursão instigante na 
obra de Manoel Luiz Salgado Guimarães, Historiografia e Nação no Brasil 
(1838-1857), enquanto Anita Lucchesi analisa o livro Escritos sobre história e 
internet, de Dilton C. S. Maynard.
Deixo registrado o entusiasmo, o comprometimento e o espírito de tra-
balho coletivo dos membros do Conselho Editorial para que pudéssemos che-
gar até aqui. Todo nosso empenho é fazer que a revista História Hoje se trans-
forme em uma referência nas discussões da área, abrangendo dimensões do 
Ensino da História nos níveis Fundamental, Médio e Superior e consolidando-
-se como espaço efetivo de circulação e compartilhamento de ideias e expe-
riências acerca de um dos nossos mais importantes compromissos: a formação 
de gerações empenhadas em um ideal de cidadania, pautadas pelo respeito à 
diferença, pela valorização da diversidade e por uma compreensão crítica sobre 
o tempo que passa.
A revista História Hoje convoca os historiadores a interagirem com a 
sociedade em que vivem, a atuarem positivamente sobre o presente, a eviden-
ciarem a relevância da reflexão sobre o passado em um dos mais nobres cam-
pos de atuação, a Educação e seus desdobramentos. Pois, ao fim e ao cabo, ela 
é a nossa mais importante trincheira. 
Patrícia Melo Sampaio 
Editora (2011/2013)
Junho de 2012
 
11
 
13
ApresentAção
Com enorme orgulho, apresentamos ao público o dossiê “Ensino da 
História da África e da Cultura Afro-brasileira”, elaborado por especialistas, 
professores e pesquisadores da área. Nosso objetivo foi reunir trabalhos que 
discutissem as conquistas resultantes da implantação da obrigatoriedade le-
gal do estudo da História da África e do Negro no Brasil, assim como os li-
mites, problemas e desafios com que se defrontam os profissionais de edu-
cação que assumem tão importante tarefa. Mas, em meio a muitas 
dificuldades enfrentadas pelos professores – dentre elas a insuficiência de 
formação teórica e prática, a oposição de familiares e setores sociais, a carên-
cia de recursos pedagógicos para aprofundamento da temática –, é evidente 
que a Lei 10.639/2003, modificada pela Lei 11.645/2008, vem sendo implan-
tada e, hoje, podemos acompanhar diversas experiências positivas em várias 
unidades escolares espalhadas pelo Brasil. Sem dúvida, os visíveis esforços 
nesse sentido contribuem significativamente para a construção de uma so-
ciedade brasileira mais justa e mais livre dos preconceitos e discriminações 
que sempre acompanharam as visões sobre o africano e seus descendentes 
na Diáspora. Nosso dossiê visa também oferecer aos leitores, especialmente 
aos educadores e aos interessados em geral, caminhos de trabalhos pedagó-
gicos e reflexões teóricas no que diz respeito ao “Ensino da História da Áfri-
ca e da Cultura Afro-brasileira”.
Marina de Mello e Souza escreve “Algumas impressões e sugestões sobre 
o ensino de história da África” com base em sua experiência na formação de 
professores e como autora de livro de referência sobre o assunto. Oferece um 
balanço sobre as possibilidades de acesso a conhecimentos a respeito da Áfri-
ca, inclusive no que se refere às fontes orais, e, ao mesmo tempo, discute as 
inúmeras dificuldades e os preconceitos enfrentados pelos docentes que se 
13Junho de 2012
14
 Apresentação • Dossiê
envolvem com o ensino de temas afro-brasileiros. A autora, fundamentalmen-
te, procura compreender as razões históricas e ideológicas desses empecilhos, 
base fundamental para sua superação.
Discutir a importância de se refletir sobre a identidade brasileira para se 
assegurar um currículo que contemple a História da África no Brasil consti-
tui um questionamento central no artigo de Anderson Ribeiro Oliva, “Entre 
máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da 
África nas escolas brasileiras”. O autor, a partir das contribuições trazidas 
pelas reflexões sobre multiculturalismo, culturas híbridas, identidades plurais 
e parciais, afirma a necessidade de se reconhecer, no ambiente escolar e em 
seus currículos, as múltiplas identidades obscurecidas por uma nacional, pre-
tensamente homogênea e exclusiva. Em sua opinião, nossas escolas ainda 
desconhecem os traços culturais específicos de determinadas comunidades 
de alunos, impondo-se um discurso oficial da Identidade Nacional. Não ha-
verá, para Oliva, um espaço criativo e transformador para uma História da 
África nos currículos se não tivermos, como suporte, uma prática de respei-
to e valorização da diversidade identitária dos nossos discentes, componente 
curricular importante não só para os afrodescendentes, como para aqueles 
que não o são, pois a maneira como se enfrenta a alteridade também trans-
forma os sujeitos.
Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho oferecem um sinceroe ins-
tigante retrospecto de suas motivações e opções ao escreverem Uma História 
do Negro no Brasil. Ao ler o artigo, refletimos sobre as conquistas e desafios 
colocados aos profissionais de História com as Diretrizes Curriculares para a 
Educação das Relações Étnico-raciais da Lei 10.639/2003. Dentre os caminhos 
oferecidos pelos autores, destaca-se a valorização do protagonismo dos africa-
nos e seus descendentes no contexto cultural, para além do mundo do trabalho 
e da escravidão. Essa perspectiva torna-se uma importante estratégia para o 
combate ao racismo e para a superação de antigas representações sobre a pre-
sença negra na sociedade brasileira.
Brindando-nos com diretrizes e sugestões para a elaboração de materiais 
didáticos sobre a história das relações raciais no Brasil, Verena Alberti em 
“Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais” 
considera especialmente sua disponibilização na rede virtual. Sua prioridade 
14 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
15
Apresentação • Dossiê
é apontar caminhos para que o aluno possa refletir historicamente, ou, em 
sua própria expressão, para que aprenda a conhecer o passado como forma 
de se ‘alfabetizar’ na ‘leitura do mundo’. Entre as questões tratadas, destacam-
-se a implantação do trabalho escravo indígena e africano, a generalização 
dos termos ‘índio’ e ‘negro’, o uso das biografias de africanos e seus descen-
dentes, as lutas pelo fim da escravidão, a importância das noções de ‘raça 
social’ e etnia ou da dimensão ‘cor’ no Brasil e a atuação dos movimentos 
negros e indígenas.
Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza, com o artigo “O ensino de 
história entre o dever de memória e o direito à história”, apresentam o impac-
to da Lei 10.639/2003 no sistema de ensino brasileiro. Principalmente a partir 
das possibilidades de trabalho em sala de aula com as manifestações culturais 
de congadas e reisados, procuram oferecer subsídios para as discussões sobre 
a cultura afro-brasileira e identidades no ensino de História. Uma ótima su-
gestão dos autores é o uso de práticas iniciais de história oral, propondo rodas 
de conversa e entrevistas com diferentes sujeitos envolvidos em práticas e ma-
nifestações culturais afro-brasileiras.
Completando o conjunto, o texto “‘Por uma autêntica democracia racial!’: 
os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história”, de Amilcar 
Araujo Pereira, oferece subsídios para que se possam compreender historica-
mente os movimentos negros no Brasil e os motivos para que essa problemá-
tica não tenha sido ainda contada nos bancos escolares. Tema fundamental 
para ser tratado no ensino de História, permite que o professor se afaste de 
imagens preconceituosas, amplamente difundidas nos livros didáticos, sobre 
escravos passivos e vitimizados. Dentre as principais e mais antigas reivindi-
cações dos movimentos negros, destaca-se exatamente a luta pela reavaliação 
do papel do afrodescendente na história do Brasil.
Acreditamos que o presente dossiê será de grande valia para dar continui-
dade à efetiva implantação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, pois sabemos 
que uma legislação educacional é vivida no cotidiano escolar de formas dife-
renciadas, de acordo com os docentes que a aplicam, mas que destes se exige 
reflexão para que tenham condições objetivas e subjetivas de praticá-la. Acom-
panhando este Dossiê, a seção Entrevista da Revista História Hoje traz neste 
número um empolgante depoimento da historiadora Mônica Lima, reconhe-
cida referência na área de pesquisa e ensino de História da África.
Junho de 2012 15
 
16
Enfim, não podemos deixar de louvar a preocupação da revista História 
Hoje em nos oferecer a oportunidade de organizar este dossiê, permitindo aos 
pesquisadores a divulgação de suas reflexões críticas e, a seus leitores e ao 
público em geral, possibilidades de transformação de nossa identidade brasi-
leira. Nossos agradecimentos.
E, agora, mãos à obra!
Martha Campos Abreu 
Silvio de Almeida Carvalho Filho 
16 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
 Apresentação • Dossiê
Algumas impressões e sugestões 
sobre o ensino de história da África
Some impressions and suggestions 
on teaching African history
Marina de Mello e Souza*
Resumo
Com base na experiência como professo-
ra de história da África e no contato com 
professores de níveis diversos, indico al-
guns problemas referentes ao ensino de 
história da África e, secundariamente, 
cultura afro-brasileira, e proponho for-
mas de o professor abordar o tema e 
aprimorar seu domínio sobre a área.
Palavras-chave: ensino de história da 
África; pesquisa de história da África; 
vencendo preconceitos.
Abstract
From my experience as a teacher of Af-
rican history and the contact with 
teachers working in different levels, I 
point out some problems concerning 
teaching African history and, second-
arily, afro-Brazilian culture, and I sug-
gest ways that can help teachers to ap-
proach the subject and to enhance their 
knowledge about this area.
Keywords: teaching of African history; 
researching African history; struggling 
against prejudices.
Quase dez anos após a promulgação da Lei 10.639, que regulamentou a 
obrigatoriedade do ensino de história da África e cultura afro-brasileira nas 
escolas de nível fundamental e médio, o tema ainda é polêmico e a lei não é 
plenamente aplicada. Como o assunto é dos mais delicados, envolvendo ques-
tões centrais na construção da nacionalidade e identidade brasileiras no que 
diz respeito às formas como as heranças africanas e escravistas deixaram suas 
marcas, essas dificuldades são compreensíveis. Inserirmos as formas de abor-
dar as contribuições africanas nos processos históricos e nos contextos que as 
conformaram da maneira como se apresentam hoje é condição para que en-
tendamos melhor como lidamos com elas. E é assim que têm agido os interes-
sados no assunto que o abordam com mais seriedade, considerando as noções 
* Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade 
de São Paulo (FFLCH/USP). Av. Prof. Lineu Prestes, 338. 05508-000 – São Paulo – SP – Brasil. 
marinamsouza@usp.br
Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 17-28 - 2012
Marina de Mello e Souza
18 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
evolucionistas e da ideologia do branqueamento em vigor no final do século 
XIX e início do XX, os conflitos e contradições presentes na consolidação de 
uma jovem nação que buscava se integrar no mundo ocidental de acordo com 
os valores dele emanados, as soluções encontradas por intelectuais e políticos 
para afirmar uma identidade própria, mestiça, agregadora e inimiga de confli-
tos abertos, e as várias maneiras, em diferentes momentos, pelas quais mili-
tantes negros propuseram que a segregação racial fosse tratada, em termos não 
só teóricos mas também práticos.
O meu ingresso no terreno do ensino de história da África e cultura afro-
-brasileira deu-se a partir do momento em que me tornei professora de histó-
ria da África, em 2001, e principalmente depois de ter escrito um livro paradi-
dático, África e Brasil africano, cuja primeira edição é de 2006, portanto 
derivado da minha prática e não de um projeto prévio. Desde então criamos 
um novo curso no Departamento de História da Universidade de São Paulo 
(USP), voltado para ajudar futuros professores a cumprirem as demandas da 
Lei 10.639, e passei a dar palestras e visitar escolas em vários lugares do Brasil 
para apresentar o livro e conversar com professores sobre o ensino dos temas 
ali contidos. Essas experiências, ligadas à academia e ao ensino fundamental e 
médio, permitiram-me conhecer ações e situações diversas.
É nítido que nos últimos anos, a despeito das dificuldades e, em muitos 
casos, da falta de empenho daqueles que deveriam estar à frente dos processos 
de implantaçãoda lei, os temas ligados à cultura afro-brasileira e à África ga-
nharam espaço nas reflexões e ações dos educadores. Isso pode ser constatado 
pela proliferação dos cursos de formação de professores voltados para o assun-
to, por meio da produção de material didático, elaboração de sites e publicação 
de literatura infanto-juvenil e adulta. O que não quer dizer que estejamos em 
céu de brigadeiro, pois parte do material didático apresenta problemas signi-
ficativos quanto à forma como os temas são apresentados, muitas vezes refor-
çando estereótipos e frequentemente demonstrando um conhecimento muito 
precário no que diz respeito à história da África. Com relação aos cursos de 
formação tenho menos conhecimento. Esse quadro é resultado de anos de 
desatenção aliada à súbita valorização do assunto e às demandas não só edu-
cacionais como também de mercado, mas pode ser alterado de forma positiva 
com o tempo e atitudes adequadas.
Junho de 2012 19
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
Olhando para minha própria experiência, entendo que o mais importan-
te para avançarmos de forma adequada no sentido de produzir e transmitir 
um conhecimento de qualidade é trazermos para primeiro plano a necessida-
de de estudo e pesquisa. Sem eles, não há como alcançar e transmitir conheci-
mentos de qualidade. Se esses requisitos são mais fáceis de alcançar quando 
estamos inseridos no meio universitário (e mesmo nele, nem sempre), eles 
devem ser estendidos para todos os níveis da educação, pois sem formação 
adequada e tempo para estudo permanente fica difícil ser um professor dinâ-
mico, atualizado, com capacidade não só de transmitir informações corretas 
como de captar a atenção dos alunos, num mundo cada vez mais cheio de 
estímulos interessantes e absorventes. E se já é difícil manter-se atualizado com 
relação a temas há muito explorados, a dificuldade aumenta quanto tratamos 
de assuntos estigmatizados, permeados de preconceitos e, por isso mesmo, 
postos à margem.
No que diz respeito ao ensino de história, as universidades são a principal 
instância formadora de professores e há nelas um aumento da atenção dada à 
África que pode ser medido pelo número de concursos que são abertos nessa 
área. Entretanto, mesmo nesse âmbito, que podemos considerar pioneiro, per-
cebemos a dificuldade no estabelecimento de estudos africanos, seja por esta-
rem frequentemente diluídos nos estudos sobre tráfico e escravidão, seja pela 
dificuldade em preencher os postos abertos, na medida em que muitos con-
cursos não aprovam nenhum candidato. Passando para o ensino fundamental 
e médio, ao lado das exceções representadas por experiências bem-sucedidas, 
multiplicam-se os depoimentos de professores que, para atender à lei ou por 
interesse particular, propõem medidas às coordenações das escolas nas quais 
dão aulas, sem serem ouvidos. As ações tomadas nesse sentido ficam, então, 
geralmente restritas às iniciativas pontuais e individuais, que além de não te-
rem apoio institucional muitas vezes são mal vistas pelos colegas e superiores. 
Em tese defendida no Departamento de Antropologia da USP, Raquel Bakke 
chamou de “pedagogia do evento” uma situação também recorrente, na qual 
são desenvolvidas atividades relacionadas a datas específicas como o Dia da 
Consciência Negra ou celebrações em torno do dia 13 de maio, sem nenhum 
desdobramento posterior.1 
Há ainda a situação na qual são tomadas iniciativas no sentido de promo-
ver estudos sobre a África e a cultura afro-brasileira, mas o despreparo ou os 
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 120
interesses políticos dos agentes levam a que o enfoque adotado e os conteúdos 
transmitidos careçam de consistência ou mesmo veiculem informações erra-
das. Nesse sentido, não é raro encontrarmos material didático, tanto para su-
porte de cursos de formação quanto para ser usado em aula, cheio de erros 
grosseiros, principalmente quanto se trata de história da África, ou de parti-
darismos ideológicos resultantes de uma dada militância, principalmente 
quando aborda temas relativos à cultura afro-brasileira. A despeito desses pro-
blemas, característicos de uma área em processo de constituição e permeada 
de questões ideológicas, não se pode jogar a criança fora com a água do banho. 
O importante é que os problemas sejam detectados com acuidade cada vez 
maior e os desvios sejam corrigidos: e pelo que percebo isso vem sendo feito 
com o aprimoramento e a disseminação do conhecimento sobre assuntos afri-
canos e o desnudamento dos preconceitos que envolvem o tratamento de te-
mas afro-brasileiros.
O aprimoramento do conhecimento acerca da história da África pode ser 
medido pelo aumento de traduções para o português de textos importantes 
para a área e da publicação de trabalhos produzidos por estudiosos brasileiros, 
na maior parte das vezes vinculados a programas de pós-graduação.2 A disse-
minação desse conhecimento produzido na esfera acadêmica deve ser alcan-
çada com a sua articulação com outros níveis de ensino, revistas de divulgação, 
programas ligados a mídias audiovisuais, cursos de curta duração e outras 
formas de levar para fora dos limites da universidade o conhecimento ali pro-
duzido. Na medida em que essa articulação ganhe força, será possível garantir 
um ensino de qualidade com menos margem de erro, tanto no que diz respei-
to à produção de material didático quanto no que se refere às aulas nos diver-
sos níveis e cursos de formação de professores. E pelo que vemos, esse proces-
so está em curso, mesmo que com menor velocidade e abrangência do que 
seria ideal.
Quando nos voltamos para os segmentos menos favorecidos, que frequen-
tam as escolas públicas, nas quais as condições de trabalho são na maior parte 
das vezes bastante precárias, há uma variável importante que, conforme vários 
relatos, tem prejudicado a implantação do estudo de temas africanos e afro-
-brasileiros. Ela diz respeito à resistência, e mesmo oposição aberta, dos adep-
tos de religiões evangélicas quanto ao ensino de cultura afro-brasileira. São 
vários os depoimentos relativos à dificuldade de abordar assuntos relativos à 
Junho de 2012 21
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
religiosidade africana ou afro-brasileira na presença desses grupos, os quais se 
recusam a tratar do assunto, quando não partem para a ofensiva diante do que 
entendem serem seitas diabólicas. 
Esse tema foi abordado com vagar na já mencionada tese de Raquel Bakke. 
Por meio de uma pesquisa de campo a autora constatou que a esfera religiosa 
é a preferencialmente eleita pelos professores e programas de cursos para abor-
dar a cultura afro-brasileira. De acordo com sua análise há um processo de 
transformação da religião em cultura, com aquela assumindo a totalidade da 
expressão desta. Isso estaria ligado à elevação do candomblé como símbolo 
máximo da identidade afro-brasileira e à sua associação com a ideia de resis-
tência negra na construção de identidades. Como o ensino de temas afro-
-brasileiros estaria intimamente vinculado a uma posição política, a religião, 
como espaço maior de resistência, seria privilegiada como tema. Dessa forma, 
aumentaria a dificuldade da implantação real da Lei 10.639, pois são justamen-
te os temas ligados às religiosidades afro-brasileiras os que encontram maior 
resistência junto a professores e alunos, principalmente se a presença de evan-
gélicos for significativa. Esse mecanismo recorrente seria, no seu entender, um 
fator, entre outros, da dificuldade de execução das recomendações da lei. Dian-
te do quadro descrito pela autora, me parece que um caminho para contornar 
essa dificuldade seria mudar o foco de interesse principal para outra esfera, 
que não a religiosa, e dessa forma introduzir conhecimentos que permitissem 
a construção de uma relaçãorespeitosa com a alteridade representada pela 
cultura afro-brasileira.
Vale notar que a pesquisadora estava preocupada com o ensino de cultu-
ra afro-brasileira e não de história da África, sugerindo ser exagerada a preo-
cupação com o esta última ao dizer que, 
Se é possível fazer a crítica ao conteúdo de história, que insiste em dar mais ênfa-
se à história da África, e continua não abrindo muito espaço para se analisar o 
papel do negro como sujeito político após a abolição da escravidão, as demais 
disciplinas, como geografia, sociologia e filosofia, possibilitam essa abordagem.3
É fato que ao fazer essa observação a autora está apontando para a defi-
ciência no tratamento do negro como agente histórico, mas atribui isso à aten-
ção excessiva dada à história da África. No meu entender, o que acontece é 
justamente o contrário. Uma vez que os professores pouco sabem acerca das 
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 122
sociedades africanas, seus sistemas de pensamento e os processos históricos 
por elas vividos, têm dificuldade em abordar temas carregados de preconceitos 
de forma a derrubá-los, ao tratar os fenômenos das culturas afro-brasileiras 
com base nas lógicas de suas matrizes africanas e dos processos que lhes deram 
origem. Minha posição é de que somente conhecendo bem as sociedades afri-
canas, suas histórias e os processos que nos ligam a elas, assim como desven-
dando as noções por trás da construção histórica e ideológica dos preconceitos 
contra o africano e o negro, teremos condições de analisar com consistência 
as manifestações afro-brasileiras e o lugar que os africanos e seus descendentes 
ocuparam no passado e ocupam no presente, no contexto da sociedade brasi-
leira como um todo.
Dessa forma, minha perspectiva também é bastante diferente da que me 
parece ser a do movimento negro em geral, que vê a lei como possibilidade de 
afirmação política e inclusão social de um segmento marginalizado da popu-
lação. Não que eu discorde disso, mas penso que não são as razões políticas 
que devem indicar o caminho, sendo o alcance de suas bandeiras o ponto de 
chegada, e não o de partida. As boas intenções daqueles que se guiam princi-
palmente pelas razões políticas acabam sendo fragilizadas pelo descaso quan-
to à necessidade de abordar os temas de forma consistente, resultante de estu-
do e conhecimento aprofundado acerca deles. Informações equivocadas, e 
mesmo perniciosas, podem acabar por comprometer as boas intenções, dando 
munição aos que não concordam com a existência da lei e argumentam que 
ela reflete uma postura autoritária ou mesmo que acirra antagonismos funda-
dos em distinções de base racial. Postura com a qual não concordo de forma 
alguma e que desconsidera a longa luta encabeçada pelo movimento social 
genericamente chamado de movimento negro, que conquistou, vencendo re-
sistências profundamente arraigadas na sociedade brasileira, um importante 
espaço no caminho da construção de uma sociedade mais igualitária, na qual 
as diferenças de aparência e ancestralidade não possam ser acionadas como 
instrumentos para inferiorizar e marginalizar alguns segmentos sociais.
Como Raquel constatou em sua pesquisa, os temas ligados às culturas 
afro-brasileiras são assuntos que incomodam, o que resulta na dificuldade em 
colocar em prática a lei. Para que os temas deixem de incomodar é necessário, 
no meu entender, explicitar os processos históricos e ideológicos presentes nas 
bases das percepções contemporâneas acerca da África e da cultura afro-bra-
Junho de 2012 23
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
sileira, como aliás, conforme dito no início deste texto, é indicado por várias 
pessoas que se detiveram sobre o assunto. Dessa perspectiva, é fundamental o 
ensino de temas africanos, considerados não apenas pelos seus aspectos nega-
tivos, largamente divulgados pela imprensa e pelas mídias oficiais, mas sim 
pelo que podemos chamar de aspectos positivos, ou seja, as características 
culturais e formas de organização social e política próprias, os processos his-
tóricos tanto internos quanto pertinentes à sua relação com outros continentes, 
seja com as sociedades ocidentais, seja com as orientais.
No meu entender, ao tratarmos de assuntos africanos em geral e história 
da África em particular, devemos partir do princípio de que temos pouca, ou 
mesmo nenhuma familiaridade com os temas relativos ao continente africano. 
Dessa forma, como já dito, o estudo e a pesquisa são requisitos fundamentais 
para adquirirmos essa familiaridade e aprofundar o conhecimento sobre a 
África. Se olharmos para a trajetória da construção desse conhecimento no 
âmbito do chamado mundo ocidental, do qual fazemos parte, veremos que os 
europeus só passaram a conhecer melhor o continente africano na segunda 
metade do século XIX, quando se multiplicaram as expedições de exploração. 
Naquele momento, além de o combate às doenças ali existentes ter se tornado 
mais eficiente, permitindo a maior sobrevivência dos estrangeiros, as técnicas 
de medição e de transporte estavam aprimoradas, o que contribuiu para a 
elaboração de um conhecimento mais preciso sobre o interior da África. Nes-
se processo são importantes as sociedades de geografia e as companhias de 
comércio interessadas em atuar nos espaços africanos, principalmente com-
prando matérias-primas e explorando suas riquezas naturais.
Outro princípio fundamental do qual devemos partir diz respeito aos pre-
conceitos associados aos povos africanos e suas sociedades. Quando o conhe-
cimento sobre o continente começou a se aprofundar, predominavam as ideias 
de hierarquia entre as raças, baseada em diferenças biológicas, e de hierarquia 
entre as sociedades, fundada em níveis de evolução. Nesse contexto a África 
era vista como um continente atrasado, primitivo, habitado por populações 
em estágios inferiores da evolução humana. Havia variações nessa classificação, 
e no Brasil, no final do século XIX e ao longo do XX, os iorubás eram vistos 
como superiores aos bantos, percebidos como detentores de culturas menos 
complexas, portanto mais primitivas. Essa postura deve ser entendida como 
resultado de uma maneira de pensar historicamente constituída, ligada a de-
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 124
terminadas teorias que se tornaram ultrapassadas por maneiras de pensar que 
vieram depois e negaram a ideia de hierarquia entre as raças e mesmo entre as 
culturas, noção que substituiu a de raças. Hoje pensamos em termos de dife-
renças culturais, de sistemas simbólicos, sem inserir as diferenças em uma 
escala evolutiva, associada às ciências biológicas. Na era da valorização do 
multiculturalismo e das diferenças os preconceitos podem ser superados ao 
mostrarmos as bases sobre as quais eles foram construídos, e que não se sus-
tentam mais.
No caso específico da história, outro ponto de partida para abordar o 
continente africano é descartar a ideia de que documentos escritos são impres-
cindíveis para o conhecimento histórico. Essa também é uma visão ultrapas-
sada na medida em que a história contemporânea incluiu em sua esfera de 
interesse as camadas populares e mesmo iletradas, sendo suas preocupações 
antes centradas nos feitos dos dirigentes e dos heróis. Paralelamente a isso, a 
história passou a utilizar instrumentos de outras disciplinas como a antropo-
logia, a análise literária, a geografia, a arqueologia e a linguística, assim como 
passou a considerar a oralidade uma fonte produtora de informações impor-
tantes para a reconstrução dos acontecimentos e processos históricos. Essa 
postura permite que seja aceita a possibilidade de fazer a história de populações 
que não deixaram registros escritos e cuja importância não é medida pelo 
impacto de suas ações na história da humanidade como um todo.
Considerocentral no ensino de história da África a identificação destes 
três pontos de ordem mais geral: o desconhecimento sobre o continente afri-
cano, a desconstrução dos preconceitos a ele relacionados e a multiplicidade 
de possibilidades metodológicas na construção do conhecimento histórico. 
Quanto a o que ensinar, à guisa de auxiliar o professor nesse campo ainda 
pouco percorrido, proponho alguns conjuntos de fontes para buscar informa-
ções sobre a África, considerando a divisão cronológica tradicional no campo 
da história, assim como o recurso aos documentos escritos, sem me deter nas 
diferentes escolas de interpretação, pois há uma variedade delas a orientar as 
análises dos processos ali ocorridos nos diversos tempos.4
Com relação ao período chamado de Antiguidade pela historiografia, as 
regiões com maior quantidade de informações são as próximas ao rio Nilo, ao 
mar Vermelho e ao Mediterrâneo, que estavam inseridas nos circuitos comer-
ciais e políticos em curso naquela região, considerada em sua totalidade. Fon-
Junho de 2012 25
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
tes gregas, romanas e árabes trazem indícios sobre acontecimentos e processos 
ocorridos no Egito, na Núbia, na Etiópia, nos portos do mar Vermelho e do 
Mediterrâneo.
Com relação ao período chamado de Idade Média pela historiografia, 
além de relatos sobre as regiões acima mencionadas existem ainda fontes sobre 
as sociedades existentes às bordas leste e sul do deserto do Saara, como Gana, 
Mali e Songai, principalmente de comerciantes e viajantes árabes. Para o final 
desse período e já entrando na Idade Moderna, existem relatos feitos por afri-
canos islamizados, que incorporaram a escrita a partir do contato com os ára-
bes na região do Sael, sendo os exemplos mais conhecidos as crônicas escritas 
no século XVII: Ta’rikh al-Sudan e Ta’rikh el-Fattash, traduzidas para o fran-
cês no início do século XX.
Com relação ao período chamado de Idade Moderna pela historiografia, 
além da existência de documentos sobre todas as regiões já mencionadas, a 
presença de europeus nas costas atlântica e índica do continente produziu um 
aumento considerável de relatos escritos por estrangeiros, como comerciantes, 
administradores, missionários católicos e viajantes. O contato com os europeus 
em alguns lugares também levou à incorporação da escrita, havendo documen-
tos escritos produzidos por africanos principalmente em regiões da África 
centro-ocidental.5
Com relação ao período chamado de Contemporâneo, os documentos 
escritos são ainda mais abundantes, acompanhando os processos de incorpo-
ração dos padrões ocidentais por parte das sociedades africanas, intensificados 
a partir do final do século XIX e da ocupação colonial por grande parte do 
continente, e mais ainda a partir das independências nacionais. Além dos tex-
tos produzidos pelas viagens de exploração e pelas relações comerciais e diplo-
máticas, foram escritos muitos trabalhos sobre as sociedades africanas, abor-
dadas principalmente a partir de suas organizações políticas e sociais, mas 
também de seus processos históricos, mesmo que em menor quantidade. Se 
num primeiro momento predominaram os trabalhos feitos pelos agentes co-
loniais e as perspectivas próprias dos lugares que eles ocupavam, a partir dos 
anos 1960, das independências nacionais e da consolidação de centros de es-
tudo e pesquisa acadêmica, africanos passaram a escrever sua história combi-
nando perspectivas ocidentais com as tradicionais, ganhando destaque o re-
curso à história oral.
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 126
Quanto às fontes não escritas, além da oralidade, considerada como forma 
de acesso ao passado desde os gregos, disciplinas como a arqueologia, a lin-
guística, a geografia, a antropologia e a análise literária contribuem para um 
maior conhecimento acerca do continente africano e de sua história. Aqui 
vale chamar a atenção para a especificidade do que estamos chamando de 
história, ou seja, uma disciplina formada no âmbito das formas de conheci-
mento ocidentais, que lida com a ação dos homens ao longo do tempo. Esta é 
uma maneira específica de apreensão do passado, que segue procedimentos e 
regras próprias, existindo outras possibilidades de lidar com o passado das 
sociedades, como as eminentemente africanas. Nestas a transmissão oral das 
informações, que podem ser de diferentes naturezas (genealogias, lendas, mi-
tos, história das migrações, saberes técnicos), caracteriza maneiras específicas 
de lidar com o conhecimento sobre o passado e a sua transmissão.6
Para fazer história da África hoje no Brasil, não dispomos de muitos ma-
teriais, mas, com a proliferação de textos digitalizados e a publicação de fontes, 
é possível fazer alguma coisa. O aprofundamento do conhecimento exige o 
domínio de pelo menos uma língua estrangeira (inglês ou francês), na medida 
em que ainda há muito poucas traduções de trabalhos de história, publicados 
na forma de livros ou de artigos em revistas especializadas. A ampliação do 
número de títulos disponíveis em bibliotecas, as assinaturas de revistas e o 
enriquecimento de acervos, de obras escritas ou da chamada cultura material, 
são tarefas que devem ser priorizadas pelas instituições de ensino e pesquisa 
para que os estudos africanistas se consolidem entre nós. E isso vem aconte-
cendo não apenas no âmbito do ensino superior, em várias universidades do 
país, como também em museus e instituições de pesquisa que, como dito, 
devem estreitar cada vez mais seus laços com o ensino básico e fundamental, 
de forma a consolidar o ensino e a pesquisa sobre assuntos africanos em terras 
brasileiras.7
Como tudo que diz respeito ao conhecimento e ao ensino, o estudo é fator 
indispensável para o professor atingir plenamente seus propósitos de educa-
dor, e, além da motivação individual, é preciso haver apoio institucional para 
isso, tanto na forma de tempo disponível como na de remuneração adequada 
que considere o trabalho feito fora da sala de aula. Sendo a interferência nestes 
últimos fatores tarefa de segmentos organizados em termos políticos e traba-
Junho de 2012 27
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
lhistas, fica aqui a minha modesta contribuição no que diz respeito às possibi-
lidades de aprimoramento individual.
NOTAS
1 BAKKE, Raquel Rua Baptista. Na escola com os orixás: o ensino das religiões afro-brasi-
leiras na aplicação da Lei 10.639. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em 
Antropologia Social, Departamento de Antropologia, FFLCH, USP. São Paulo, 2011. p.88.
2 Dentre as traduções mais recentes destaco os oito volumes da História Geral da África 
disponíveis em www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/gene-
ral_history_of_africa_collection_in_portuguese-1/; M’BOKOLO, Elikia. África negra. His-
tória e civilizações. Trad. Alfredo Margarido. Salvador: Ed. UFBA; São Paulo: Casa das 
Áfricas, 2009; THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 
1400-1800. Trad. Marisa Rocha Motta. Rio de Janeiro: Campus; Elsevier, 2004; LOVEJOY, 
Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Trad. Regina A. R. F. 
Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Dentre os 
autores nacionais, destaca-se SILVA, Alberto da Costa e, autor de, entre outros, A enxada 
e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Edusp, 
1992; A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira; Fundação Biblioteca Nacional, 2002; Um rio chamado atlântico: a África no Bra-
sil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. UFRJ, 2003; Francisco Félix de 
Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. Uerj, 2004. Quantoa 
trabalhos produzidos no âmbito dos programas de pós-graduação, foram publicados al-
guns produzidos no Departamento de História da USP, como: GEBARA, Alexsander. A 
África de Richard Francis Burton: antropologia, política e livre-comércio, 1861, 1865. São 
Paulo: Alameda, 2010; SANTOS, Gabriela Aparecida dos. Reino de Gaza: o desafio portu-
guês na ocupação do sul de Moçambique (1821-1897). São Paulo: Alameda, 2010; SILVA, 
Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros da África central no século XIX. São Pau-
lo: Alameda, 2011.
3 BAKKE, Raquel Ruas Batista, op. cit., p.74-75.
4 Para referências de narrativas de diversos momentos e procedências, ver FAGE, J. D. A 
evolução da historiografia da África. História Geral da África I, p.1-22. Disponível em: 
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000318.pdf.
5 SANTOS, Catarina Madeira; TAVARES, Ana Paula. Africae Monumenta, v.I. Arquivo 
Caculo Cacahenda. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga/ Instituto 
de Investigação Científica Tropical, 2002, apresenta um conjunto de textos que exemplifi-
cam a apropriação da escrita por sociedades centro-africanas antes do século XIX.
6 Um texto clássico sobre a questão da oralidade e da memória nas sociedades africanas é 
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.) História Geral da 
África I. Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática; Unesco, 1980. Também 
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 128
disponível em: unesdoc.unesco.org/images/0019/001902/190249por.pdf. Quanto a uma 
perspectiva acadêmica o livro que primeiro se debruçou sobre o tema é VANSINA, Jan. 
Oral tradition as History. Madison: The University of Wisconsin Press, 1985.
7 Em São Paulo vale destacar a atuação educativa do Museu Afro-Brasil, que recebe grande 
quantidade de escolas, tem uma bem treinada equipe de educadores e uma importante bi-
blioteca.
Artigo recebido em 20 de janeiro de 2012. Aprovado em 26 de março de 2012.
Entre máscaras e espelhos: reflexões 
sobre a Identidade e o ensino de 
História da África nas escolas brasileiras1
Among masks and mirrors: reflections about Identity 
and the teaching of African history in Brazilian schools
Anderson Ribeiro Oliva*
Resumo
O presente artigo tem como objetivo 
analisar os reflexos, na construção das 
identidades individuais e coletivas de es-
tudantes, das abordagens de conteúdos 
sobre a história africana no ensino brasi-
leiro. Partindo dos referenciais teóricos 
ligados aos Estudos Culturais, o trabalho 
analisa a forma como o tratamento con-
cedido ao assunto pode fomentar, inter-
ditar e justificar a existência de reflexos 
identitários plurais – com a presença das 
‘máscaras’ africanas de reconhecimento 
do outro e de autorreconhecimento – em 
nossos espaços escolares. Ao mesmo 
tempo o texto se propõe a discutir o sen-
tido da identidade nacional em uma so-
ciedade composta por conjuntos popula-
cionais híbridos, complexos e marcados 
pelas relações interculturais e multicultu-
rais geradas ao longo de sua composição 
histórica mais recente.
Palavras-chave: identidades; ensino de 
história africana; Estudos Culturais.
Abstract
This article aims at analyze the reflexes, 
in the construction of individual and 
collective identities of students, of the 
approaches of contents about African 
history in Brazilian education. Based on 
the theoretical references connected to 
Cultural Studies, the study analyzes how 
the treatment accorded to the subject 
can foster, interdict and justify the exis-
tence of plural reflections of identity – 
with the presence of the African ‘masks’ 
of recognition of others and of self-rec-
ognition – in our school spaces. The text 
also proposes to discuss the meaning of 
national identity in a society composed 
by hybrid sets of population, complex 
and marked by intercultural and multi-
cultural relations formulated along its 
recent historical composition.
Keywords: identities; teaching of Afri-
can history; Cultural Studies.
*Departamento de História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília (UnB). 
Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Ala Norte, 1º andar, s645/62 Asa Norte. 70190-900 
Brasília – DF – Brasil. oliva@unb.br
Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 29-44 - 2012
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 130
No Brasil, um dos debates mais frutíferos sobre a questão da Identidade 
Nacional foi vivenciado nos últimos dez anos. Motivado, entre outros ingre-
dientes, pela implementação das cotas raciais em algumas universidades pú-
blicas brasileiras, é certo afirmar que um dos seus efeitos positivos foi forçar 
uma parte significativa da sociedade brasileira, até então desinteressada em 
relação ao tema, a se posicionar ou a refletir sobre os mitos fundadores da 
identidade nacional, sobre as nossas múltiplas identidades e as distorções ex-
perimentadas nas relações interidentitárias.
Observamos, na realidade, o continuar das experiências de fabricação da 
Identidade Nacional, talvez tão impactantes quanto aquelas iniciadas na se-
gunda metade do século XIX (caracterizadas pela negação da pluralidade ét-
nica, pela valorização de nossa suposta eurodescendência e pelos referenciais 
teóricos do Determinismo Racial) e na década de 1930 (com a defesa de uma 
suposta cultura nacional homogeneizadora e embebida na ideia da miscigena-
ção e da ‘democracia racial’).
O atual momento, iniciado há pelo menos quarenta anos, refunda algu-
mas de nossas velhas crenças redefinindo a Identidade Nacional a partir da 
combinação ou coexistência de outras identidades. Esse ‘novo’ diálogo, envol-
vendo máscaras e reflexos identitários, que é muito mais revelador para os 
teóricos/educadores, e muito mais significativo para aqueles que se veem for-
çados a assumir ou a negar o pertencimento a alguma dessas ‘outras identida-
des’, parece ser mais funcional e crível do que o suposto manto de uma iden-
tidade comum que recobriria a todos.
A cultura e a identidade nacionais (ditas no singular) foram substituídas, 
neste caso, por um conjunto multifacetado e plural de práticas, ideias, padrões 
de comportamento, características psicológicas, estéticas, definições sobre 
identidade e alteridade que criam um mosaico de percepções de pertencimen-
to e de estranhamento que abalaram fundações que pareciam indestrutíveis. 
Não somos apenas ‘brasileiros’. Somos afro-brasileiros, nipo-brasileiros, luso-
-brasileiros, teuto-brasileiros, ítalo-brasileiros. Mais do que isso, somos tam-
bém homens e mulheres; nordestinos ou nortistas; brancos e negros; morado-
res de bairros diferentes; exercemos profissões distintas (inclusive no status); 
somos portadores de crenças e estilos distintos. É claro que essas múltiplas 
identidades sempre nos pertenceram, mas elas ficavam esquecidas quando as 
Junho de 2012 31
Entre máscaras e espelhos
relações interidentitárias nos forçavam a uma definição homogênea ou exclu-
siva: ser brasileiro.
Não me parece absurdo lembrar que o debate acerca das identidades mul-
ticulturais e das relações interculturais não é uma exclusividade do cenário 
brasileiro. Outros espaços globais têm sido tocados cotidianamente pela ques-
tão. Nas Américas, na África e na Europa (para limitarmos nossos olhares aos 
efeitos das diásporas africanas mais recentes), a situação dos imigrantes afri-
canos e das crescentes parcelas das populações de alguns países formadas por 
seus descendentes intensifica o debate sobre as identidades a cada caso de ra-
cismo, xenofobia, ou de explosões sociais vindas das periferias. Motivados por 
esses contextos complexos, há alguns anos, vários teóricos têm se dedicado ao 
estudo dessas realidades. Dentre esses, um grupo tem chamado a atenção pelo 
seu formato híbrido: são teóricos/cientistas, mas são também integrantes de 
experiênciasdiaspóricas ou pós-coloniais, que procuram explicar, entender e 
vivenciar. Acredito que nenhum outro conjunto de especialistas avançou tan-
to sobre esse debate como aqueles vinculados aos “Estudos Culturais” (Cultu-
ral Studies) ou aos Estudos Pós-Coloniais.2
Entre os debates intentados por esses teóricos, a fundação e o emprego de 
algumas categorias/conceitos, como multiculturalismo, culturas híbridas e iden-
tidades plurais, resultaram como potenciais ferramentas de análise e compreen-
são de várias experiências histórico-culturais ocorridas em sociedades cunhadas 
pelas diásporas e pelas migrações, recentes ou não. Neste caso, me parece certo 
que, para refletirmos com nossos estudantes sobre a relevância de conteúdos 
vinculados à história africana em seus cotidianos escolares existe um obrigatório 
eixo ou elemento de articulação: o debate reflexivo sobre as identidades.
Fundamentalmente, é sobre isso que estamos a falar. Como nos identifica-
mos? Como identificamos aos Outros? Sejam eles, ou sejamos nós, o que formos, 
falamos sobre os critérios de descrição, atribuição, reconhecimento ou negação 
de uma ou várias identidades. As relações identitárias, o multiculturalismo e os 
mecanismos relacionais devem tencionar a Escola a assumir uma nova postura 
perante a pluralidade cultural e as identidades plurais brasileiras.
Partindo do cenário descrito, o presente artigo tem como objetivo maior 
refletir acerca dos possíveis reflexos, na construção das identidades individuais 
e coletivas de estudantes, das abordagens de conteúdos da história africana no 
ensino brasileiro. A intenção principal do trabalho é analisar a forma como o 
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 132
tratamento concedido ao assunto pode fomentar, interditar e justificar a exis-
tência de reflexos identitários multiculturais – com a presença das ‘máscaras’ 
africanas de reconhecimento do outro e de autorreconhecimento – em nossos 
espaços escolares. Ao mesmo tempo o texto se propõe a discutir o sentido da 
identidade nacional em uma sociedade composta por conjuntos populacionais 
híbridos e complexos em meio às relações interculturais e multiculturais ge-
radas ao longo de sua composição histórica mais recente.
Entre máscaras identitárias e espelhos. O debate sobre 
as identidades e o ensino de história africana
Um dos objetivos principais da Educação Básica brasileira sinaliza para a 
necessidade de que estudantes e professores devam reconhecer e valorizar a 
“pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro”, e, ao mesmo tempo, co-
nhecer também os “aspectos socioculturais de outros povos ... posicionando-se 
contra qualquer discriminação”.3 Neste caso, a própria Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional (9.394/1996), já determinava, em 1996, que a abor-
dagem da história do Brasil nas escolas deveria “levar em conta as contribui-
ções das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”, 
entendidas nos termos empregados pela lei como as “matrizes indígena, afri-
cana e europeia”.4 Esses elementos foram sintetizados em um dos pressupostos 
centrais para o ensino brasileiro pelos Parâmetros Curriculares Nacionais 
(PCNs), com base em um de seus temas transversais: a Pluralidade Cultural.
Dessa forma os textos dos PCNs já incorporavam, no final da década de 
1990, as mudanças teóricas de definição das identidades que circulavam nos 
meios acadêmicos e movimentos sociais há algumas décadas, criticando aber-
tamente a percepção de que a Identidade Nacional seria entendida com base 
na adesão a um conjunto comum de valores culturais por um grupo homogê-
neo de pessoas. Pluralidade cultural, diversidade étnica, identidades plurais e 
trajetórias históricas distintas passaram a ser tratadas como formadores da-
quilo que se entendia por ‘povo brasileiro’. Ou seja, dissolvia-se a ideia de que 
existia ‘um povo brasileiro’, revelando-se que uma única Identidade Nacional 
só existia quando construíamos e compartilhávamos uma falsa imagem. No 
lugar dessa imagem deveria entrar outra: a do mosaico identitário, ou melhor, 
das Identidades Plurais e das Identidades Parciais.
Junho de 2012 33
Entre máscaras e espelhos
Nenhuma sociedade pode se pensar como homogênea ou como possui-
dora de uma única inscrição cultural/identitária. As diferenças das mais diver-
sas ordens – de origem, social, gênero, profissão, cor, idioma, idade, região, 
escolaridade, território, religião – criam sulcos de formatos distintos dentro 
das sociedades e entre diferentes sociedades. Nossa ‘brasilidade’ apenas reflete-
-se no jogo de espelhos identitários quando provocada; quando, em determi-
nadas épocas ou situações, somos forçados a revelar algumas de nossas más-
caras de reconhecimento, defender ou negar o pertencimento a essa ou 
aquela inscrição. De outra forma, poderíamos voltar a perguntar o que forma 
ou o que define o pertencimento a esta identidade. O que é ser brasileiro?
Para alguns, tal resposta seria dada com base na descrição/inscrição de 
um elemento essencial ou na combinação de certos ingredientes: ‘nasceu no 
Brasil’ (território); ‘fala português’ (língua); ‘é filho de brasileiros’ (descendên-
cia sanguínea); ‘é filho de pai ou mãe brasileiros’ (descendência sanguínea 
parcial); ‘sabe sambar, jogar futebol e gosta de carnaval’ (ingredientes cultu-
rais); ‘é cordial, simpático e tem o jeitinho brasileiro’ (valores comportamen-
tais). Se, em algumas situações, parece claro que somos ‘brasileiros’, em outras, 
parece ser fruto de um grande improviso nos classificarmos como iguais.
Estar diante do outro – estrangeiro (espanhol, estadunidense, japonês, 
mexicano, nigeriano) –, ser identificado pelo outro – quando na condição de 
imigrante ou em viagem ao exterior –, participar de certos momentos ‘comuns’ 
– eleições, competições esportivas –, talvez sinalizem para um pertencimento 
identitário também comum, mas obviamente pouco operacional e funcional 
apenas em poucas situações. Cotidianamente nos observamos e nos identifi-
camos com base em outras inscrições, mais usuais e proximais do que a ‘bra-
silidade’. Ou seja, nossa ‘brasilidade’ está carregada de sentidos, reflexos e 
máscaras distintas a partir do lugar identitário do qual falamos.
Não estamos afirmando com isso que não temos ‘uma identidade nacio-
nal’. ‘Ela’ ou ‘elas’ existem. Inscrevemo-nos na ‘brasilidade’ ou a refletimos em 
algumas situações, como já afirmamos. Porém, mesmo nesses momentos, ‘ela’ 
ou ‘elas’ não nos igualam. Enfim, somos brasileiros (para aqueles que se consi-
deram ou se inscrevem nesta identidade), mas possuímos outras inscrições 
identitárias, mais reveladoras, marcantes e coparticipantes em relação à primei-
ra quando operamos as categorias de definição e identificação. Perceba-se, por-
tanto, que não defendemos um revirar de faces ou identidades, apenas reforça-
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 134
mos o argumento de que a definição ‘brasileiro(a)’ só pode ser entendida 
quando vista como um mosaico, composto por outras múltiplas faces, por di-
versas culturas, com a presença de maiorias e minorias. Identidades Plurais que 
se articulam, se atraem ou se rejeitam sob um ‘guarda-chuva’ identitário maior, 
a Identidade Nacional. Cada vez mais, para mais pessoas, faz mais sentido se 
pensar como nipo-brasileiro ou afro-brasileiro, do que como apenas ‘brasileiro’.
Para descrever sociedades como a nossa, teóricos da cultura têm formu-
lado definições ou categorias que procuram revelar e explicar os resultados dos 
encontros e desencontros de agentes, culturas e identidades plurais: culturas 
híbridas; sociedades Pluriculturais; sociedades Multiculturais e sociedades In-
terculturais, entre outras. No caso brasileiro, uma das definições mais frequen-
tadas tem sido a do Multiculturalismo.
Neusa Maria Mendes de Gusmão esclarece que esseconceito pode ser 
entendido com base em duas componentes. A primeira refere-se a um ‘fenô-
meno’ vivenciado em muitas sociedades nas quais o pluralismo cultural se 
manifestou pelo encontro de vários agentes formadores, oriundos de espaços 
distintos e que se deslocaram em correntes migratórias pelos mais diversos 
motivos e tempos. A segunda confunde-se com uma série de políticas públicas 
contemporâneas – como na educação ou na formação profissional – com o 
objetivo de atender demandas de sociedades plurais.5 Seja como for, o empre-
go do termo é/foi marcado por algumas polêmicas e limitações. No entanto, 
entre outras ‘equações teóricas’ possíveis, ele representa uma forma de inter-
pretar e, ao mesmo tempo, solucionar questões inerentes às sociedades mar-
cadas profundamente pela diversidade de seus entes componentes.
O termo ‘multiculturalismo’ ganhou, no entanto, muitos críticos, entre outras 
razões, porque se limitaria “a constatar o estado das entidades sociais onde coa-
bitam os grupos ou os indivíduos de culturas diferentes”. Na mesma direção al-
guns autores afirmam que “multicultural é entendido como uma constatação da 
presença de diferentes culturas num determinado meio e da procura de com-
preensão das suas especificidades”. O multiculturalismo coloca, sem sombra de 
dúvida, a heterogeneidade de formação de diferentes sociedades e torna evidente 
a questão das diferenças. As críticas decorrem do fato de que, na prática, todas as 
sociedades são multiculturais. (adaptado de Gusmão, 2004, p.61)
Junho de 2012 35
Entre máscaras e espelhos
Mesmo com suas limitações, ao ser manipulado por diversos sujeitos, o 
‘multiculturalismo’ apresentou-se nas últimas décadas como uma forma de 
invenção social e de inscrição identitária. Ao mesmo tempo, revelou-se tam-
bém como instrumento de intervenção pública, no esforço de certos agentes 
em (re)significar e modificar práticas que levaram/levam à construção de so-
ciedades marcadas por profundas desigualdades e práticas discriminatórias.
Gusmão, ao analisar a situação vivenciada por jovens estudantes africanos 
ou luso-africanos (descendentes de imigrantes africanos) em escolas portugue-
sas nas décadas de 1980 e 1990, nos informa uma importante maneira de pen-
sar as relações societárias, raciais e culturais em uma sociedade que se julgava 
monocultural, mas que na prática não o era.
A escola marcada pela multiplicidade étnico-cultural faz da educação um desafio 
como prática e como teoria, posto que envolve diferentes sujeitos, agentes, agên-
cias e instituições ... A chamada educação multicultural passa então a ser conce-
bida na Europa e também em Portugal como condição de dar nota de uma reali-
dade social formada por imigrantes e seus descendentes e, junto dela e em seu 
nome, reorientar as reivindicações que tais grupos elaboram perante os desman-
dos de uma ordem social injusta e excludente, perante os processos xenofóbicos 
e racistas do mundo europeu. O objetivo central é o de buscar uma sociedade 
baseada na igualdade e na tolerância. (Gusmão, 2004, p.63)
Portanto, ao partirmos do princípio de que somos membros de uma socie-
dade multicultural avançamos no esforço de identificar nossas várias ancestra-
lidades e agentes formadores. Implodimos com mitos de origem que insistiam a 
nos tratar como membros de uma única cultura – primeiro a europeia e depois 
a nacional (única e fruto da miscigenação). De forma parecida, assumimos a 
necessária urgência de elaborarmos políticas e estratégias que combatam as de-
sigualdades geradas por essências discriminatórias e que permitam aos diversos 
grupos ou componentes desse mosaico que é a Identidade Nacional (plural e 
diversa) se autoafirmarem, sendo valorizados e reconhecidos por todos.
Dessa forma, mesmo assumindo as limitações do uso dessa categoria, de-
fendemos seu emprego em nossas análises e nos estudos escolares. Isso se deve 
ao fato de que ela permite não só refundar percepções identitárias, mas, prin-
cipalmente, revelar que qualquer diálogo sobre o que devemos ensinar nas es-
colas deva passar pelas trajetórias históricas plurais e pelas diversas contribui-
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 136
ções ao patrimônio cultural ‘brasileiro’ oriundas das mais diferentes sociedades, 
populações e agentes que participaram (ou participam) de sua formação.
Os ‘entre-lugares’ da Identidade e da Educação
Ao analisar parte da obra6 do afro-martinicano Frantz Fanon, o teórico 
indo-britânico Homi Bhabha elaborou uma das mais reveladoras tentativas de 
explicar, interpretar e vivenciar o fenômeno da construção das identidades 
formadas pelas diásporas. As trajetórias desses dois indivíduos, forjadas elas 
mesmas pelas diásporas e pelos espaços criados em meio às relações coloniais 
e pós-coloniais, permitem que em suas expressões e apreensões de mundo 
encontremos claras aproximações com as realidades vividas por milhares de 
homens e mulheres que compartilharam histórias de vida correlatas. A sensa-
ção de pertencimento e estranhamento nas relações de identificação; a fabri-
cação de culturas híbridas e as novas formas de inscrição cultural resultam do 
esforço de imaginar como tão complexas e diversas situações de contatos in-
terculturais/multiculturais criaram o que Bhabha chamou de ‘entre-lugares’, 
ou seja, os processos de elaboração das novas identidades culturais.
O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar 
além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles 
momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças cultu-
rais. Esses ‘entre-lugares’ fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de 
subjetivação que dão início a novos signos de identidade...7
Homens ‘hifenados’ (afro-americano e indo-britânico), ambos os teóricos 
citados interpretam ou representam situações que podem espelhar os encon-
tros e desencontros que acontecem nos espaços escolares dentro de sociedades 
multiculturais. Não podemos negligenciar o fato de que a Escola é um espaço 
marcado por discursos e práticas, tensões e debates. Os movimentos formati-
vos e discursivos, a disciplinarização em conflito com a contestação e a educa-
ção formal esbarrando nas práticas pessoais são dinâmicas comuns nessas 
instituições. Representantes de uma percepção de mundo, de interesses dos 
agentes que operam o sistema educacional e de seus integrantes (docentes, 
estudantes, técnicos, família e sociedade), as Escolas devem ser pensadas como 
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Entre máscaras e espelhos
fronteiras, entendidas como Bhabha nos lembra: “lugar onde algo começa a se 
fazer presente” (2003, p.26-27).
Ou seja, apesar de apresentar conteúdos formais e preestabelecidos aos 
estudantes – prescritos por leis, normas e currículos –, a apropriação das ‘li-
ções’, a construção de novas leituras de mundo e de entendimentos sobre as 
realidades coletivas e individuais apresentam-se justamente como parte de um 
movimento de elaboração de novas identidades. Identidades que não são aque-
las apresentadas pelas abordagens do conteúdo preestabelecido ou as informa-
das pelos estudantes. Formas distintas de inscrição cultural se articulam nessa 
fronteira, tornando a Escola um espaço de grande relevância na formação de 
algumas de nossas múltiplas identidades.
O mais interessante é que na Escola ensina-se um tipo específico de me-
mória, de História e de pertencimento. As experiências relativas à trajetória de 
vida pessoal de cada um de seus integrantes são inicialmente ignoradas. Seus 
sujeitos são vistos como subalternos a uma cultura e valores a serem apreen-
didos. Como em uma microesfera das experiências coloniais, a sala de aula 
torna-se um lugar de dominação cultural, de colonização imaginária. Nela uma 
suposta identidade comum ou pré-concebida (brasileiro, homem, mulher,ne-
gro, branco) desloca-se e conflita com uma alteridade complexa.
A imagem esperada do que definiria uma determinada entidade (‘brasi-
leiro’) fragmenta-se e se torna insólita diante de tantos outros. Se, durante 
grande parte dos séculos XIX e XX, a escola reproduziu uma imagem homo-
gênea de brasilidade – de franca ascendência europeia, branca, cristã, ociden-
tal, masculina e elitista –, ao confrontar-se com outras expressões e inscrições 
culturais e identitárias – como a africanidade, a latinidade, as leituras feminis-
tas, as múltiplas filiações religiosas e não-elitistas – criou-se um espaço de 
conflito e recriação do que somos e de como nos percebemos e aceitamos.
Gusmão lembra que “a escola não consegue captar as expressões culturais 
presentes na modernidade e nas relações de identidade” servindo a determi-
nados objetivos nas sociedades modernas: formar o cidadão e o profissional. 
Neste caso os debates sobre a memória cultural ou as diferentes formas de 
reconhecimento cultural estariam fora de suas intenções ou ações prioritárias, 
marcadas por claras distorções de origem. A única memória que deveria ser 
apreendida nas salas de aulas deveria ter base científica e se confundir com as 
ideias de nação e memória nacional, produzidas ou aceitas pelos agentes que 
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 138
defendem os discursos oficiais e homogeneizadores da Identidade Nacional 
(Gusmão, 2004, p.51-52).
Neste espaço, os saberes individuais, locais e das minorias seriam con-
frontados com o ‘saber do professor’ entendido como uma prática ‘pedagógi-
ca que universaliza’, como representante de um ‘modelo único e uniforme de 
sociedade’ que deveria ser ensinado e aprendido. Dessa forma a Escola se trans-
forma em um espaço de rupturas com a realidade e com as experiências ante-
riores, no qual o diferente/heterogêneo deve ser igualado/homogeneizado. As 
múltiplas experiências pregressas acabam ignoradas e o entendimento de que 
a identidade só pode ser construída em um fluxo constante na relação com a 
alteridade parece não ser reconhecido (Gusmão, 2004, p.51-54).
Um dos caminhos teóricos possíveis para o entendimento e para a resolu-
ção dos problemas gerados por essa percepção de identidade pela Escola pode-
ria ser exemplificado pelas novas realidades geracionais e perfis identitários de 
alguns países europeus no período pós-colonial. Tocados por um processo 
intenso de imigração originária dos países africanos e asiáticos (percebidos 
como ex-colônias), as sociedades europeias – como em Portugal, Inglaterra e 
França – se viram forçadas a redefinir suas fronteiras identitárias, já que o Ou-
tro, agora, não se encontrava mais no espaço do ‘além-mar’. O Outro, agora, 
ocupava espaços próximos demais, como as ruas, os centros comerciais, as 
escolas, as áreas de lazer e os locais de trabalho das próprias cidades europeias. 
Mais do que isso, esse Outro – ‘africano’, ‘negro’, ‘muçulmano’, ‘colonizado’ – se 
identificava como igual, pelo menos na atribuição de uma Identidade Nacional 
em comum, ou na reivindicação de igualdades jurídica, econômica e social, 
quando se tratava das gerações descendentes dos primeiros imigrantes, que 
chegaram em larga escala à Europa nas décadas de 1950, 1960 e 1970.
Guardadas as devidas proporções e reconhecidas as diferenças entre os 
contextos, o quadro vivenciado em alguns desses países no período colonial e 
pós-colonial nos incentiva a construir referências sobre como empregar o con-
ceito de ‘identidade’. No caso daqueles países pelo encontro desconcertante do 
Eu (europeu, branco, ex-colonizador) e do Outro (africano, negro, ex-coloni-
zado) no tempo presente. Identidade e Alteridade se apresentam em pleno 
potencial de conflitos e tensões. No caso brasileiro, a situação ganha um novo 
fator: a ‘aliedade’, que alguns teóricos definem como a alteridade experimen-
tada no tempo, o encontro do Eu (no presente) com o Outro (deslocado no 
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Entre máscaras e espelhos
tempo, para o passado), que ocorre em uma combinação imaginária (Gusmão, 
2004, p.55-57).
Em uma das faces de nosso mosaico identitário, as relações ocorrem entre 
o ‘brasileiro’ de hoje e o ‘africano’ de ontem, que se encontram no presente. É 
certo que, de alguma forma, essa relação diacrônica dialoga com outras faces 
de nossas identidades, como aquelas estabelecidas pelas dinâmicas relacionais 
que se encontram submersas no passado e deitam raízes no presente, quando 
o antigo Eu (branco, senhor) se relaciona com o antigo Outro (negro, escravo). 
Obviamente, por fim, não podemos esquecer as relações que ocorrem no hoje, 
entre brancos (eurodescendentes) e negros (afrodescendentes), ‘brasileiros’ 
que compartilham um processo de identificação complexo. Portanto, essas 
relações aparecem tingidas pelas questões raciais do hoje e do ontem.
Para entendermos melhor como empregar as referências teóricas sobre a 
Identidade em nosso cotidiano escolar sintetizei a seguir as reflexões de Bhabha 
e Fanon acerca do tema, dividindo-as em três modelos. Eles serviriam para que 
professores e estudantes compreendessem de forma mais panorâmica a im-
portância dos debates acerca das relações étnico-raciais em nossas salas de 
aulas e no estudo da História da África.
No modelo 1, que denominamos de ‘binário’, há uma relação marcada 
pelo franco antagonismo. É na verdade uma relação de absoluta negação e de 
não reconhecimento. Como forças da ‘física’ que se repelem, que não se co-
municam, o Eu e o Outro são definidos de forma essencialista, autônoma. 
Como se, em uma inexplicável inversão, a identidade e a alteridade se rejeitas-
sem plenamente para existir. Esse modelo, mais matemático do que antropo-
lógico, cria um obstáculo e não uma ponte entre essas duas entidades. Um tipo 
de vidro que permite que ambos se vejam, mas não se aproximem, que se es-
tranhem, mas não se misturem, como em um falso jogo de espelhos.
No modelo 2, que denominamos de ‘as identidades colonizadas’, existiriam 
algumas condições subjacentes para a compreensão do ‘processo de identifica-
ção’. Lembramos que esse processo seria vivido nas relações estabelecidas entre 
os indivíduos que se encontravam na condição de ‘colonizado’ e de ‘coloniza-
dor’, de ‘africano’ e de ‘europeu’, de ‘negro’ e de ‘branco’. Segundo Fanon, tal 
situação relacional, marcada por um fluxo invertido de ‘demandas’ e ‘desejos’, 
estaria condicionada ou seria cunhada em uma moeda única de dupla face, com 
duas imagens que projetariam duas identidades antagônicas, mas dependentes. 
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Revista História Hoje, vol. 1, nº 140
O Eu (branco, europeu, colonizador) desejando preservar sua condição de do-
minador, cuja demanda só existia pela presença e pela situação do Outro (negro, 
africano, colonizado). E o Outro desejando ocupar o lugar do Eu, condição 
demandada pela sua situação de subjugado. Fanon afirmava que tal condi-
ção poderia ser sintetizada da seguinte forma: “O preto escravizado por sua 
inferioridade, o branco escravizado por sua superioridade, ambos de acordo 
com uma orientação neurótica ... o que é frequentemente chamado de alma 
negra é um artefato do homem branco” (Fanon, apud Bhabha, 2003, p.74-75).
Por fim, há o esquema que acreditamos ser o mais explicativo para o nosso 
caso. No modelo 3, que chamaremos de ‘identidades híbridas’, nos apoiamos nas 
interpretações de Homi Bhabha sobre as relações de identidade. Nesta operação 
“o lugar do outro não deve ser representado ... como um ponto fenomenológico 
fixo oposto ao eu”. Sua definição seria mais complexa e norteadora da realidade 
de uma sociedade multicultural, já que o “outro deve ser visto como a negação 
necessária de uma identidade primordial – cultural ou psíquica” –, como é, por 
exemplo, a falsa ideia de UMA identidade nacional, definida por UMA cultura 
nacional, ou por

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