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Os centros respiratórios e receptores periféricos a eles associados fazem parte da porção nervosa que regula o processo ventilatório. Os centros respiratórios são quatro grupamentos de neurônios localizados no bulbo e na ponte: grupo dorsal, sendo responsável pela inspiração; grupo ventral, sendo responsável tanto pela inspiração quanto pela expiração; centro pneumotáxico, que controla o intervalo de tempo da inspiração; e centro apneustico, cuja função não está bem clara, mas parece auxiliar o centro pneumotáxico. Os receptores periféricos são quimiorreceptores que auxiliam no controle do processo ventilatório. Os dois grupos mais importantes localizam-se na bifurcação das carótidas e no arco aórtico. Existem outros quimiorreceptores espalhados entre as artérias das regiões torácica e abdominal, mas não chegam a formar grupamentos tão importantes quanto aqueles anteriormente citados. Os centros não são influenciados diretamente pelas variações das concentrações de CO2 ou de H+. Há outra área quimiossensível que fica mais próxima aos capilares e que detecta alterações nas concentrações de CO2 e de H+ e transmite sinais para esses centros. CONCENTRAÇÕES DE CO O CO2 não influencia diretamente os centros respiratórios, ao contrário do H+, que tem um potente efeito estimulatório sobre a ventilação. Tanto a barreira hematoencefálica quanto a cerebroespinhal, entretanto, são pouco permeáveis aos íons de H+, mas completamente permeáveis à passagem do CO2. Para que o H+ possa atuar sobre a ventilação, primeiramente o CO2 precisa se difundir pelas barreiras de maneira passiva. Ele reage então à água dos tecidos da área quimiossensitiva, formando H2CO3, que depois se dissocia em HCO3- e H+, que estará pronto para agir. CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA DE O O O2 não tem atuação direta sobre os centros respiratórios, mas a tem sobre os quimiorreceptores periféricos. Portanto, concentrações muito baixas de O2 (de 30 a 60 mmHg) são necessárias primeiramente para estimular os quimiorreceptores, e esses, por sua vez, irão estimular os centros respiratórios. CONTROLE DO PH DO SANGUE Ao estudar o equilíbrio acidobásico, deve-se levar sempre em consideração o pH dos líquidos corporais. O pH é uma maneira qualitativa e não quantitativa de sabermos a concentração de hidrogênio de um determinado meio. Um valor de pH indica se um meio está ácido, alcalino ou neutro, mas não dá informações específicas sobre a quantidade de íons hidrogênio que ali existe. Um determinado meio será considerado alcalino (ou básico) quando o pH estiver acima de 7,00. Abaixo desse valor, o meio é dito ácido. No valor de pH 7,00, o meio é considerado neutro. Há uma fórmula que pode determinar a concentração de hidrogênio a partir de um valor de pH: pH = log 1/[ H+] ou pH = -log[H+] Quanto maior for a concentração de hidrogênio, menor será o valor de pH. Quando a concentração de hidrogênio for baixa, o pH será alto. O pH do sangue arterial é de 7,40 (considerado levemente alcalino) correspondendo a uma concentração hidrogenônica de 40 nmol/L (40 x 10-9 Eq/L). Para o sangue venoso, o pH é um pouco mais baixo: 7,35, devido à maior concentração de ácidos no plasma, oriundos dos tecidos pela atividade metabólica. Para o organismo, o pH ideal é 7,40 (arterial). Se o pH estiver acima desse valor, haverá uma alcalose. Acidose ocorre quando o pH estiver abaixo de 7,40. A manutenção do pH do plasma é muito importante porque pequenas variações podem causar sérios danos. A sobrevivência é mantida em uma faixa estreita. O valor mínimo compatível com a vida é de 6,90 aproximadamente. O valor máximo é de 8,40. Isso corresponde a uma variação de uma unidade de pH. Pode-se perguntar: por que o organismo é tão sensível a variações de pH? Basicamente, a resposta é dada pela bioquímica dos líquidos corporais. Todas as reações químicas dependem do pH do meio em que elas ocorrem. Uma mudança no pH pode acelerar ou deprimir uma reação. As reações químicas do nosso organismo seriam muito lentas e incompatíveis com a vida se não fosse pelas enzimas. Enzimas são proteínas e, como todas as outras proteínas, têm, em sua estrutura, aminoácidos com radicais que interagem com os íons do meio, inclusive o H+. A maneira como esses radicais interagem com o meio é que vai determinar a estrutura espacial dessas moléculas. No momento em que ocorre uma variação de pH, a concentração de H+ também varia. Isso acarreta uma mudança, também, na interação entre as enzimas e os íons do meio, dando uma nova forma àquelas proteínas. A atividade enzimática depende diretamente da configuração espacial das enzimas porque elas reagem de uma maneira estereoespecífica com os seus substratos. No momento em que a forma delas é modificada, a reação química que ela catalisa fica prejudicada devido à inativação enzimática. Assim, fica fácil perceber a importância da manutenção do pH dos líquidos corporais. Distúrbios do equilíbrio acidobásico são comuns na clínica e precisam ser bem estudados por quem trabalha na área da saúde. RELAÇÃO ENTRE O PH E A CONCENTRAÇÃO DE HIDROGÊNIO Por ser o pH uma medida inversa e logarítmica da concentração de H+, existe uma tendência a expressar diretamente as concentrações de H+ em molaridade. Apresentamos na Tabela 13.2 a relação entre o pH e a concentração de H+ em nanomóis por litro (nmol/L). Tabela 13.2 Relação entre valor de pH e concentração de H+. pH [H+] nmol/L 7,0 100 7,1 80 7,2 63 7,3 50 7,4 40 7,5 32 7,6 25 7,7 20 PRODUÇÃO DE ÁCIDOS As acidoses são muito mais comuns que as alcaloses. Isso ocorre porque o nosso organismo produz muitos ácidos. Para obter a energia necessária para as suas funções, o nosso corpo quebra moléculas maiores em moléculas menores. Essas reações químicas têm como metabólitos, basicamente, ácidos. Podemos dividir os metabólitos ácidos em dois grupos: ácidos voláteis, em que temos como exemplo o CO2 e ácidos não voláteis ou fixos, em que temos como exemplo o H+. O CO2 não é um ácido, porém em contato com a água torna-se ácido carbônico. Por essa razão, vamos considerar o CO2 como um ácido. CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3- O CO2 é o principal ácido liberado, oriundo da combustão de glicose e de ácidos graxos. Veja a equação geral: C6H12O6 + 6O2 6CO2 + 6H2O + 38 ATP A combustão de 1 mol de glicose libera 6 moles de CO2. Os ácidos fixos provêm de várias outras reações químicas, mas a principal fonte é o metabolismo de aminoácidos contendo enxofre, como a cisteína e a metionina. O ácido liberado nessa reação é o ácido sulfúrico. Quanto maior for a quantidade de proteína na dieta e quanto maior for o seu catabolismo, maior será a produção de ácido sulfúrico. O ácido fosfórico provém da oxidação de fosfolipídeos e de fosfoproteínas. A degradação de nucleoproteínas produz ácido úrico. Pode ocorrer, também, a combustão incompleta de carboidratos e ácidos graxos, com a produçào de ácido lático e cetoácidos. O CO2 é dito um ácido volátil porque ele é eliminado pelos pulmões e sua concentração plasmática depende, portanto, da ventilação. A concentração plasmática dos ácidos fixos depende da excreção renal. Com toda essa produção de ácidos, o nosso organismo tem que ter mecanismos que impeçam uma mudança brusca de pH no plasma assim que eles são formados. Para isso, existem três maneiras de minimizar essas mudanças: os sistemas tampões, a regulação ventilatória e a regulação renal. Vamos analisar, agora, cada um desses mecanismos detalhadamente. SISTEMAS TAMPÕES Para melhor compreender como funcionam os tampões, é necessário, inicialmente, revisar alguns conceitos básicos. Ácidos e bases: Existem várias teorias, mas a que melhor serve aos nossos propósitos é a definição de Brownstead e Lery, na qual um ácido é uma substância capaz de liberar prótons de H+ e uma base é uma substância capaz de captar esses prótons. Um ácido, em solução, apresenta-seem equilíbrio com a sua base conjugada. Tomemos como exemplo o H2CO3: H2CO3 H+ + HCO3- O bicarbonato (HCO3-) é a base conjugada do ácido carbônico (H2CO3). Um tampão é um sistema que contém substâncias capazes de minimizar alterações de pH do meio em que elas estão. O mais importante sistema tampão do nosso organismo é o do bicarbonato (HCO3-). O sistema tampão bicarbonato é o mais representativo no organismo humano. No plasma, há uma mistura de H2CO3 e NaHCO3, nas seguintes condições: H2CO3 H+ + HCO3- NaHCO3 Na+ + HCO3- O H2CO3 (ácido carbônico) é um ácido fraco, porque tem uma constante de dissociação baixa. Em solução, ele existe mais na forma molecular do que na forma ionizada. No nosso organismo, graças à presença da enzima anidrase carbônica, ele é rapidamente degradado em H+ e HCO3- ou em CO2 e H2O, dependendo das necessidades do meio. CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3- O NaHCO3 é uma base fraca e também existe mais sob a forma molecular do que a ionizada. Vamos analisar o que aconteceria se adicionássemos um ácido forte, como o HCl, à solução tampão: 1) H2CO3 H+ + HCO3- 2) NaHCO3 Na+ + HCO3- 3) HCl H+ + Cl- A concentração de hidrogênio aumenta, e isso desloca a reação 1 para a esquerda, aumentando a formação de H2CO3, que é um ácido fraco, porque não libera muitos prótons para o meio. Se prótons de H+ não são liberados para o meio, o pH da solução não é modificado. O Cl- não influencia no valor de pH. Concluindo, temos que os H+ liberados pelo HCl são rapidamente transformados em H2CO3, que não altera o pH. Vamos analisar o que aconteceria se adicionássemos uma base forte, como o NaOH, à solução tampão: 1) H2CO3 H+ + HCO3- 2) NaHCO3 Na+ + HCO3- 3) NaOH Na+ + OH- As hidroxilas liberadas reagem com o H+ para formar H2O. Como a concentração de hidrogênio tende a cair, isso desloca a reação 1 para a direita, formando mais H+ para compensar aquele perdido na formação da água. Assim, o pH se mantém. O Na+, como o Cl-, não influencia o pH. EQUAÇÃO DE HANDERSSON-HASSELBACH Como citamos anteriormente, o H2CO3 pode ser transformado tanto em H+ e HCO3- quanto em CO2 e H2O: CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3- Essas reações são catalizadas por uma enzima específica, chamada anidrase carbônica. O sentido da reação vai depender das necessidades do organismo. Existe uma fórmula que relaciona o pH com as concentrações de HCO3- e CO2. É a equação de Handersson-Hasselbach, que pode ser deduzida como demonstrado a seguir. Partimos da reação de degradação do H2CO3 em H+ e HCO3-. H2CO3 H+ + HCO3- A constante de dissociação pode ser calculada da seguinte maneira: k = [H+] x [HCO3-] / [H2CO3] Como o H2CO3 é um ácido muito instável (devido à presença da anidrase carbônica), ele quase não existe sob a forma molecular. Como ele é transformado em CO2 + H2O, podemos calcular a concentração de H2CO3 a partir da concentração de CO2. Temos, então, que: k = [H+] x [HCO3-] / [CO2] Podemos reagrupar os membros da seguinte maneira: [H+] = k x [CO2] / [HCO3-] Aplicando o logaritmo de toda a equação, temos: log H+ = logk + log ([CO2] / [HCO3-]) Multiplicando tudo por um sinal negativo, temos: -log H+ = -log k + log ([HCO3-] / [CO2]) Como -log H+ é o pH e -log k é o pK, temos: pH = pK + log ([HCO3-] / [CO2]) Adicionando a constante de solubilidade do CO2, ∝, tem-se que: pH = pK + log ([HCO3-] / ∝ [CO2]) O pK de um ácido é um valor de pH em que ele se encontra 50% livre e 50% associado ao H+. A Figura 13.12 representa o pK do ácido carbônico. Figura 13.12 pK do ácido carbônico. Para o ácido carbônico, esse valor é de 6,1, então: pH = 6,1 + log ([HCO3-] / ∝ [CO2]) Os laboratórios de análises clínicas têm a capacidade de medir a pCO2 e não a verdadeira quantidade de CO2. Felizmente, a quantidade de CO2 no sangue é uma função linear da pCO2 multiplicada pelo coeficiente de solubilidade para CO2. Em condições fisiológicas, o coeficiente de solubilidade do CO2 é 0,03 mmol/mmHg na temperatura corporal. Considerando, portanto, a pCO2 em 40 mmHg e o bicarbonato de 24 mmol/L (valores de referência), temos o seguinte: pH = 6,1 + log (24 / 0,03 x 40) Em que pH = 7,40. Essa equação nos permite relacionar valores de pH com concentrações de CO2 e de HCO3-. Quanto maior for a concentração de HCO3-, maior será o pH e mais alcalino será o meio. Quanto maior a concentração de CO2, mais baixo será o pH e mais ácido será o meio. Podemos perceber que a mudança do pH não ocorre de uma maneira linear, como aconteceria se não tivesse tampão. Além disso, próximo ao pK, as variações de pH ocorrem de uma maneira menos acentuada. Isso porque é exatamente nesse ponto em que o poder tamponante é maior (o poder tamponante também depende da concentração do tampão). Como havíamos citado anteriormente, o pK é um valor de pH em que o tampão encontra-se 50% livre e 50% associado ao H+. Dessa maneira, o tampão tem a mesma capacidade para tamponar tanto ácidos quanto bases. Para que o pH seja igual ao pk, log ([HCO3-] / [CO2]) tem que ser zero. Como log1 é zero, as concentrações de HCO3- e de CO2 têm que ser iguais. Lembrando que o pH plasmático é em torno de 7,40, podemos concluir que o tampão bicarbonato não está agindo com o seu poder máximo. Em um pH desses, a concentração de HCO3- é vinte vezes maior que a concentração de CO2. Isso dá ao sistema a característica peculiar de ter maior capacidade de tamponar mais ácidos do que bases, o que é benéfico para o organismo. Apesar de não atuar com o seu poder máximo, o sistema tampão bicarbonato é o mais importante do nosso organismo porque a sua concentração no plasma é alta e os seus constituíntes podem ser regulados pelo sistema renal e respiratório. Existem, também, outros tampões importantes: fosfato, proteínas (intra e extracelulares) e até os cristais de apatita dos ossos. Vamos ver agora como eles funcionam. FOSFATO O tampão fosfato é composto por H2PO4- e HPO4-2. Veja o que aconteceria se adicionássemos um ácido forte (HCl) a essa solução: HCl + Na2HPO4 NaH2PO4 + NaCl O ácido forte acaba sendo transformado em NaH2PO4, que é um ácido fraco e, portanto, não altera significativamente o pH. Se colocarmos uma base forte (NaOH), veja o que acontece: NaOH + NaH2PO4 Na2HPO4 + H2O A base forte é convertida em uma base fraca (NaH2PO4), que não altera significativamente o pH. O pk desse sistema é 6,8, mais próximo ao pH plasmático do que o pk do tampão bicarbonato. No plasma, o seu poder tamponante seria maior que o do bicarbonato se a sua concentração nesse meio fosse adequada. Os locais de atuação mais importantes do tampão fosfato são o meio intracelular e a urina, onde as suas concentrações são altas e os pHs são mais próximos do seu pk. PROTEÍNAS As proteínas possuem radicais livres, dos seus aminoácidos constituíntes, capazes de formar ligações com os íons de H+, dependendo do gradiente de concentração. Dentre as proteínas presentes no sangue, a mais importante é a hemoglobina. A hemoglobina é uma proteína globular que contém em seu centro íons de ferro. A função principal dessa molécula é transportar oxigênio dos alvéolos para os tecidos. Entretanto, sua estrutura permite que ela tenha também função de tampão. O CO2 é um gás altamente difusível e entra rapidamente para dentro da hemácia, onde está a hemoglobina. Dentro da hemácia, o CO2 é hidratado à H2CO3 que se dissocia em HCO3- e H+. O bicarbonato sai da hemácia por um antiporter com o Cl- (pendrina), e o H+ liga-se a algum radical livre da própria hemoglobina. Dizemos, por isso, que o H+ foi tamponado pela hemoglobina. Esse tamponamento é essencial para o transporte de CO2 no plasma. As proteínas presentes no interior das células dos tecidos em geral são mais importantes, quantitativamente, do que a hemoglobina. Elas são responsáveis pelo tamponamento de 70% dos ácidos do nosso organismo.Mas, devido à grande dificuldade que o H+ e o HCO3- têm de atravessar as membranas dessas células, esse tamponamento pode levar horas para acontecer. OUTROS TAMPÕES Citamos, anteriormente, que substâncias presentes nos ossos também podem funcionar como tampões. Eles fazem isso trocando H+ por outros íons, como o Ca++. Outras células do nosso organismo também podem realizar tais trocas. Uma pessoa que está em acidose pode estar hipercalêmica devido à entrada de H+ nas células e uma consequente saída de K+. A troca entre esses dois íons ocorre principalmente nas hemácias. Em termos de regulação do equilíbrio acidobásico, o tamponamento extracelular é o mais rápido a agir. Existem três sistemas primários que regulam a concentração de íons de hidrogênio nos líquidos corporais para evitar o desenvolvimento de acidose ou de alcalose: (1) os sistemas químicos de tampões, de ação imediata; (2) o centro respiratório; e (3) os rins. A Figura 13.13 mostra esses diferentes sistemas e suas peculiaridades. Figura 13.13 Esquema de tamponamento ácido-base. Esse sistema de tamponamento químico é o primeiro mecanismo usado contra alterações do pH. Ele não é capaz, entretanto, de manter o pH plasmático em situações crônicas, onde o excesso de ácido ou base é constante. Para esses casos, os pulmões e principalmente os rins têm uma função primordial. RINS Os rins têm um papel fundamental no equilíbrio acidobásico do organismo. Eles são órgãos responsáveis pela filtração, excreção e reabsorção de vários metabólitos e íons, dentre eles o H+ e o HCO3-, íons essenciais para a manutenção do pH plasmático. Torna-se importante, portanto, conhecer os mecanismos pelos quais os rins controlam as taxas de H+ e HCO3- no plasma. Vamos analisar alguns transportes que ocorrem no néfron, a unidade funcional do rim. É no néfron que as trocas ocorrem. Como mostra a Figura 13.14, o néfron é composto por várias partes, cadas uma delas com uma função diferente. Figura 13.14 Estrutura do néfron especificando a nomenclatura de cada porção. Em que aa é a arteríola aferente; ae, arteríola eferente; aj, aparelho justaglomerular. O sangue chega até o néfron através da arteríola aferente, que logo forma um enovelado de capilares, chamado de glomérulo, dentro da cápsula de Bowman. Após enovelar-se, ela sai da cápsula, agora como arteríola eferente. A cápsula é formada por duas camadas, uma interna e outra externa. Entre elas fica o espaço capsular, onde se acumula o filtrado glomerular. O sistema tubular do néfron inicia-se na cápsula de Bowman e logo sofre contorções que se denominam túbulo contorcido proximal. Depois disso, temos a Alça de Henle, formada por uma porção descendente e outra ascendente. O sistema tubular sofre nova contorção para formar o túbulo contorcido distal, que depois se abre para túbulo coletor, onde a urina, já formada, é conduzida, em última análise, até o ureter para ser excretada. O rim controla a concentração de H+ no plasma, excretando mais ou menos H+ no filtrado glomerular, formando, assim, urina mais ácida ou mais alcalina, respectivamente. Há duas maneiras diferentes pelas quais o H+ pode ser excretado: nos seguimentos tubulares proximais, por transporte ativo primário ou antiporter com o íon de sódio, e nos segmentos tubulares distais, por transporte ativo primário. No túbulo proximal, o Na+ filtrado pelo glomérulo é reabsorvido em troca da excreção de um H+ proveniente da célula renal. Essa troca é realizada através de um antiporter de Na+/H+. O túbulo proximal é praticamente impermeável ao íon de HCO3-. O H+ secretado em troca do Na+ reage com o bicarbonato, formando CO2 e H2O. O H2O fica no túbulo, diluindo o filtrado, e o CO2 é absorvido para dentro da célula tubular. O CO2, agora dentro da célula, faz a reação inversa, ou seja, reage com a água para formar hidrogênio e bicarbonato. O hidrogênio é secretado para a luz do túbulo por transporte ativo primário ou pelo antiporter de Na+/H+, e o bicarbonato é reabsorvido para o plasma através de um transporte ativo secundário à bomba de sódio e potássio, um simporter com o sódio ou um antiporter com o íon de cloreto. Veja que, nesse processo, para cada H+ excretado, tem-se a reabsorção de um íon de HCO3-. A reabsorção é essencial para manter o funcionamento do sistema de tampão (Figura 13.15). Figura 13.15 Reabsorção de bicarbonato (HCO3 -) no túbulo proximal. Nos túbulos distal e coletor, nós também temos eliminação de H+. O processo tem início com a absorção do CO2 para dentro da célula tubular. O CO2 combina-se com o H2O, sob catálise da anidrase carbônica, formando H2CO3, que logo se dissocia em HCO3- e H+. O HCO3- é reabsorvido por um antiporter com o cloro. O H+ formado é excretado por uma proteína específica, com gasto de energia. O Cl- é excretado por transporte passivo para o filtrado glomerular. Nesse processo, também houve reabsorção de HCO3- e eliminação de H+ (Figura 13.16). Figura 13.16 Sistema de transporte de bicarbonato nos túbulos distal e coletor. ALDOSTERONA Esse sistema é ativado com a diminuição da pressão sanguínea, diminuição do volume sanguíneo, diminuição da pressão renal, diminuição de sódio no túbulo distal renal e/ou aumento da atividade simpática. O sistema inicia-se com a pró-renina que se converte em renina nas células justaglomerulares do rim. Quando a renina está presente no plasma, ela catalisa a conversão do angiotensinogênio (produzido no fígado) em angiotensina I. A angiotensina I sofre a ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), para formar a angiotensina II nos pulmões, nos rins e nas células superficiais do endotélio. A angiotensina II estimula a secreção de aldosterona nas células da zona glomerular da glândula suprarrenal. A aldosterona tem a função de aumentar a reabsorção de sódio no túbulo distal e nos ductos coletores, aumentando a osmolaridade, o volume do líquido extracelular e o volume sanguíneo. Também potencializa a atividade da bomba Na+/K+-ATPase para aumentar a retenção de sódio e excreção de potássio e do íon de H+. Portanto, a aldosterona também regula o equilíbrio acidobásico, já que ela absorve dois íons de sódio e em troca elimina na urina um íon de potássio e um íon de hidrogênio (Figura 13.17). Figura 13.17 Mecanismo de reabsorção de sódio mediado pela aldosterona na célula principal da porção final do túbulo distal e ducto coletor. A angiotensina II atua diretamente elevando a pressão sanguínea, por sua ação vasoconstritora. Essa também age diretamente no rim, potencializando o trocador Na+/H+ no túbulo proximal e intensificando a reabsorção de sódio e de bicarbonato (HCO3-). HIATO ANIÔNICO ( Apesar de terem concentrações diferentes, os íons do líquido extracelular estão em equilíbrio elétrico, ou seja, existe o mesmo número de cargas positivas e de cargas negativas (Figura 13.18). O principal cátion dos líquidos extracelulares é o Na+, e os principais ânions são o Cl- e o HCO3-. A soma da concentração plasmática de Cl- e de HCO3- é menor do que a concentração sérica de Na+. Isso significa que há outros ânions séricos, geralmente não medidos. A esses ânions remanescentes dá-se o nome de hiato aniônico sérico, ou anion gap, que pode ser calculado da seguinte maneira: Hiato Aniônico Sérico = Na+ - (Cl- + HCO3-) Em que Na+ = concentração sérica de Na+; Cl- = concentração sérica de Cl-; HCO3- = concentração sérica de HCO3-. Figura 13.18 Representação dos íons plasmáticos e do hiato aniônico. Esse hiato aniônico é composto basicamente por fosfatos e sulfatos derivados do metabolismo tecidual; lactato e cetoácidos oriundos da combustão incompleta de carboidratos e ácidos graxos; e proteínas negativas, principalmente a albumina. O valor normal do hiato aniônico pode variar entre 7 e 15 mEq/L. O anion gap (hiato aniônico) sérico é com frequência utilizado como diagnóstico diferencial da etiologia subjacente da acidosemetabólica em adultos e crianças. O anion gap elevado na acidose é usualmente associado à falência renal, acidose lática (como no choque), cetoacidose (como na diabete e no alcoolismo), rabdomiólise, aumento de proteínas plasmáticas (como na desidratação) e certas drogas ou toxinas (como salicilato, metanol, etilenoglicol e paraldeído). Em algumas formas de acidose metabólica, contudo, o anion gap permanece dentro dos limites normais, uma vez que a queda do bicarbonato é equilibrada pela elevação do Cl- devido à perda de líquidos ricos em HCO3- e pobres em cloretos e à retenção de Cl- da dieta. Essas são as chamadas acidoses hiperclorêmicas (acidose metabólica com ânion gap normal) e estão associadas com a perda de bicarbonato através do trato gastrintestinal ou dos rins. A acidose hiperclorêmica pode também ser um sinal de grave patologia tubular renal, que compreende uma gama de condições associadas à diminuição da excreção renal de H+ ou ao desperdício renal de bicarbonato. A diminuição do hiato aniônico pode ser decorrente de um aumento de cátions não determinados, como em casos de intoxicação com lítio, hipermagnesemia, mieloma múltiplo, terapia com polimixina B, que é um policátion. A diminuição dos ânions não determinados também pode reduzir o hiato aniônico que pode ocorrer notadamente na hipoalbuminemia. DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO Como foram citados anteriormente, os valores de pH do organismo humano têm que ser mantidos dentro de estreitos limites compatíveis com a vida. Quando ocorre um desequilíbrio dos sistemas reguladores do pH, ocorre um distúrbio do equilíbrio acidobásico. Existem dois tipos de distúrbios: a acidose, quando o pH é alterado para um valor menor, e a alcalose, quando o pH é alterado para um valor maior. Essas duas patologias podem ainda ser respiratórias, quando a causa é oriunda do pulmão, ou metabólicas, quando o distúrbio é de origem bioquímica, ao nível do metabolismo basal. ACIDOSE RESPIRATÓRIA A acidose respiratória caracteriza-se por um aumento na taxa de ácido volátil (CO2) no plasma devido a um déficit em sua eliminação pelos pulmões. O aumento da pCO2 arterial leva a um aumento do H2CO3 e do H+, resultando em acidose. As manifestações clínicas são de depressão do SNC, com desorientação e até o coma. Pode ocorrer em pacientes que apresentam: a) Pneumonia: porque há redução na área de superfície disponível para as trocas. b) Enfisema pulmonar: há destruição dos alvéolos por ação da tripsina que é liberada em excesso pelos macrófagos alveolares que aumentam dentro dos alvéolos na tentativa de eliminar o excesso de impurezas na membrana alveolar. Essas impurezas normalmente estão aumentadas em fumantes, trabalhadores de minas ou em lugares altamente poluídos. Essa destruição alveolar faz diminuir a oxigenação do sangue, provocando uma hiperventilação compensatória que induz uma alcalose respiratória. Com a evolução da doença, a destruição dos alvéolos pode ser de tal ordem que faz com que o CO2 aumente, provocando uma acidose respiratória. Portanto, o enfisema em sua fase inicial pode provocar uma alcalose respiratória e na sua fase terminal uma acidose respiratória. c) Asma: é uma broncoconstrição de cunho alérgico que pode provocar alterações importantes nas trocas gasosas. Como no caso do enfisema, por ser o CO2 um gás vinte vezes mais difusível que o O2, a asma leve pode levar a uma alcalose respiratória, enquanto as mais severas podem provocar acidose respiratória. d) Membrana hialina: é a doença dos recém-nascidos prematuros. Essas crianças possuem deficiência de um surfactante (esfingomielina), ocasionando dificuldades em expandir o pulmão e, por isso, não há abertura dos alvéolos, dificultando as trocas gasosas. e) Ataque epilético: o ataque epilético provoca contraturas musculares generalizadas, o que propicia a contratura dos músculos respiratórios, levando a uma diminuição da respiração e, consequentemente, à acidose respiratória. f) Uso de barbitúricos e narcóticos: esses medicamentos podem levar à depressão do centro respiratório, com diminuição da frequência respiratória e acidose respiratória. Com o aumento na pCO2, mais H+ é excretado pelo rim, e mais HCO3- é reabsorvido para tamponar o sistema ácido formado. Esse serve como mecanismo de compensação para retornar o valor de pH ao seu ideal. ACIDOSE METABÓLICA A acidose metabólica caracteriza-se por um aumento na taxa de ácido fixo (não volátil) no plasma, ou por sua produção metabólica excessiva, ou por falta de sua eliminação adequada pelo rim. As manifestações clínicas são: diminuição da função cardíaca, alterações no ritmo respiratório e outros. Várias são as doenças que podem causar esse distúrbio: a) Diabetes mellitus: por falta de glicose, a célula utiliza outras rotas metabólicas, como os lipídeos, para obter energia, resultando em maior produção de metabólitos ácidos. b) Insuficiência renal: o rim é o principal órgão por onde são eliminados os íons hidrogênio. Essa patologia diminui a taxa de filtração do rim, provocando uma retenção de hidrogênio, que leva a uma acidose. c) Choque: o choque (seja ele séptico, hipovolêmico, cardiogênico ou outros) tem como ponto em comum a brusca queda da pressão arterial. Esse fato leva a uma queda da oxigenação dos tecidos, que provoca o aumento do metabolismo anaeróbico gerando grande quantidade de ácido lático (acidose lática). d) Diarreia: a diarreia crônica provoca acidose por dois mecanismos. Um é pela perda de bicarbonato intestinal, que leva à acidose metabólica por falta de tampão. O outro mecanismo é pela perda excessiva de água, que pode gerar hipotensão arterial, gerando uma acidose lática. e) Acidose tubular renal: essa patologia, normalmente detectada em pediatria, pode ser de dois tipos: proximal ou distal. A acidose tubular renal proximal caracteriza-se pela diminuição da reabsorção renal proximal do íon de bicarbonato, levando a uma acidose do sangue, enquanto a urina, por ter excesso de bicarbonato, apresenta um pH alcalino. A acidose tubular renal distal ocorre por uma falha do mecanismo mediado pela aldosterona no túbulo distal, onde ocorre uma absorção de íons sódio e uma secreção de íons de potássio e hidrogênio. Portanto, nesse caso, menos íons de hidrogênio são secretados, sendo retidos no sangue e desenvolvendo uma acidose metabólica. A acidose plasmática produz estímulo dos centros respiratórios, que provocam hiperventilação com queda na pCO2. Eliminando mais ácido volátil, o pH tende a voltar ao seu valor ideal. Esse constitui um mecanismo de compensação respiratório. ALCALOSE RESPIRATÓRIA A alcalose respiratória caracteriza-se por uma diminuição na taxa de ácido volátil (CO2) no plasma, devido a um aumento em sua eliminação. As manifestações clínicas são de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central e do sistema nervoso periférico, com tetania e convulsões. A causa é a hiperventilação, que pode ocorrer em algumas situações como: a) Crises de ansiedade: pessoas com crises de ansiedade tendem a respirar mais rapidamente, levando a uma excessiva liberação de CO2 com consequente diminuição da pCO2 e aumento do pH. b) Grandes altitudes: quando uma pessoa se desloca para grandes altitudes, onde o ar é mais rarefeito e, portanto, a pressão de oxigênio é menor, o pulmão na tentativa de obter mais oxigênio hiperventila, gerando uma maior eliminação de CO2. c) Dor: a dor pode aumentar a frequência respiratória. d) Cirrose hepática: a cirrose hepática provoca grandes alterações de metabolismo, notadamente da amônia. Este mecanismo ainda não está claro, parece que o aumento plasmático da amônia pode afetar o sistema neurológico, provocando hiperventilação e consequente alcalose respiratória. e) Febre: o aumento da temperatura corporal desloca a curva de saturação da hemoglobina, fazendo com que essa carregue menos oxigênio para os tecidos. A faltade oxigenação tecidual produz um mecanismo de compensação respiratório para captar mais oxigênio a suprir a demanda tecidual. Esse aumento da frequência respiratória gera, secundariamente, maior eliminação de CO2 que leva à alcalose respiratória. f) Sobredose de aspirina: apesar de a aspirina ser um ácido (ácido acetilsalicílico), altas doses desse medicamento podem levar a um grande estímulo do centro respiratório, o que leva à alcalose respiratória. É importante salientar que a asma leve e o enfisema pulmonar, quando se encontram no início da doença, também podem levar a uma alcalose respiratória. A diminuição na pCO2 plasmática faz com que menos H+ seja secretado pelo rim, com consequente diminuição da reabsorção de HCO3-. Com menos tampão, o pH tende a voltar ao seu ideal. Esse é um mecanismo de compensação renal. ALCALOSE METABÓLICA A alcalose metabólica caracteriza-se pela diminuição na concentração de ácido fixo no plasma. Suas manifestações clínicas são as mesmas da alcalose respiratória. É um distúrbio mais raro. Como causas temos: a) Vômitos excessivos: ocorre grande perda de H+ estomacal, que não é compensado pela eliminação de HCO3- pelo rim, que, para preservar a água, não consegue eliminar o tampão. b) Uso incorreto de diuréticos: os diuréticos, principalmente aqueles que atuam na Alça de Henle ascendente, eliminam grandes quantidades de água, sódio, potássio, cloretos e íons de hidrogênio, tornando a urina ácida e o sangue alcalino. O aumento do pH plasmático tem um efeito inibidor do centro respiratório, fazendo com que o organismo retenha mais CO2, corrigindo, então, o pH. DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS MISTOS Em muitas situações, verifica-se o desenvolvimento de distúrbios mistos do equilíbrio acidobásico. Um exemplo muito comum ocorre em pacientes cirúrgicos em que se observa uma acidose metabólica superposta à alcalose respiratória. Esse problema pode surgir em pacientes com choque séptico ou síndrome hepatorrenal. Como os dois distúrbios acidobásicos tendem a anular-se, a alteração na concentração de íon de hidrogênio costuma ser pequena. A situação inversa, isto é, alcalose respiratória combinada com alcalose metabólica, é menos comum. A acidose metabólica e respiratória combinada ocorre na parada cardiorrespiratória cerebral. As circunstâncias que envolvem tanto a alcalose metabólica quanto a respiratória são raras. Um resumo das alterações do equilíbrio acidobásico é mostrado na Tabela 13.3. Tabela 13.3 Distúrbios acidobásicos em gasometria arterial. As flechas para cima significam valores aumentados. As flechas para baixo condizem com valores diminuídos. Acidose metabólica Acidose respiratória Alcalose metabólica Alcalose respiratória pH ↓ ↓ ↑ ↑ pCO2 - ↑ - ↓ HCO3 ↓ - ↑ - TRATAMENTO DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE O modo mais apropriado para tratamento dos distúrbios do equilíbrio acidobásico é a correção da doença de base, ou seja, é sanar a condição causadora da anormalidade. Com frequência, isso pode ser difícil, particularmente nos estados mórbidos crônicos que comprometem a função pulmonar ou que causam insuficiência renal. Nessas circunstâncias, podem-se utilizar vários agentes (por via oral ou venosa) para neutralizar o excesso de ácido (como bicarbonato de sódio, lactato de sódio ou gliconato de sódio) ou de base (como cloreto de amônio ou monocloridrato de lisina) no líquido extracelular. GASOMETRIA ARTERIAL A gasometria arterial é um exame de laboratório que nos indica o status acidobásico do sangue arterial ou venoso do paciente, fornecendo, principalmente, o pH do sangue, a pCO2, a concentração de bicarbonato, o CO2 total, excesso de base, a pO2 e a saturação da hemoglobina em oxigênio (sO2). O pH, a pCO2 e a pO2 são determinados através de eletrodos específicos. A concentração do bicarbonato é calculada usando a equação de Handersson-Hasselbach, que já foi explicado anteriormente. Dando um exemplo real, supomos que o pH (que é medido) de um sangue arterial seja 7,10, a pCO2 (também medida) seja de 30 mmHg. Como o aparelho pode calcular o bicarbonato usando a fórmula de Handersson- Hasselbach: O bicarbonato deste paciente será 9 mmol/L. O CO2 total é igual ao bicarbonato somado aos mmols de CO2 dissolvido, que fazem a pCO2, ou seja, CO2 total = bicarbonato + (pCO2 x 0,03). Se usarmos o exemplo anterior temos que: CO2 total = 9 + (30 x 0,03); CO2 total = 9 + 0,9 = 9,9 mmol/L. O excesso de base (EB) é a quantidade de base que está faltando para que o pH retorne ao valor normal (7,40), levando em consideração a pCO2, que já pode estar alterada pelo mecanismo de compensação respiratória. Por essa razão, já se pode antever que o EB só tem valor e é utilizado apenas em acidoses metabólicas. Os diferentes aparelhos utilizados para realizar a gasometria arterial aplicam fórmulas diferentes para calcular o excesso de base, porém, de uma forma geral, a fórmula mais usada é: EB = 16,2 (pH – 7,40) – 25 + HCO3- A saturação da hemoglobina é encontrada utilizando a curva de dissociação da hemoglobina que aparece na Figura 13.11. VALORES DE REFERÊNCIA (SANGUE ARTERIAL) pH: 7,35 a 7,45. pCO2: 35 a 45 mmHg (4,66 a 6,00 KPa – fator de conversão 7,51). pO2: 95 a 100 mmHg (12,6 a 13,3 KPa). Bicarbonato: 22 a 28 mmol/L. CO2 total: 23,2 a 29,2 mmol/L. Excesso de base: -2,5 a +2,5 mmol/L. Saturação da Hb: 94 a 100%. COMPENSAÇÃO DOS DESEQUILÍBRIOS ACIDOBÁSICOS Toda vez que ocorre alteração do pH sanguíneo, o próprio organismo, através de mecanismos de compensação, tenta levar o pH para valores normais. Portanto, sempre que se analisa uma gasometria arterial, tem-se que levar em conta o distúrbio apresentado e o estágio da compensação em que se encontra o paciente. Portanto, é importante saber como se processa a compensação. Um esquema dessas compensações pode-se ver na Tabela 13.4. a) Compensação de uma acidose metabólica: quando existe um aumento de hidrogênio, o bicarbonato diminui porque é gasto no mecanismo de tamponamento. Quem compensa uma acidose metabólica é o pulmão, que estimulado pelo aumento de hidrogênio, responde com hiperventilação, diminuindo a pCO2. Contribuindo para o mecanismo de alcalinização do sangue, o rim elimina mais hidrogênio, tornando a urina mais ácida. b) Compensação de uma acidose respiratória: a acidose respiratória caracteriza-se por um aumento da pCO2. Quem compensa esse tipo de distúrbio é o rim, que para tornar o sangue mais alcalino, aumenta a reabsorção de bicarbonato, aumentando portanto a sua concentração no sangue. Atrelado a esse mecanismo, existe uma maior eliminação de hidrogênio, tornando a urina mais ácida. c) Compensação de uma alcalose metabólica: a alcalose metabólica caracteriza-se por uma diminuição do íon de hidrogênio e um consequente aumento de bicarbonato. Para tornar o sangue mais ácido, o pulmão hipoventila, retendo CO2 e, por conseguinte, aumentando a pCO2. d) Compensação de uma alcalose respiratória: na alcalose respiratória, a pCO2 diminui, tornando o sangue mais alcalino. Para compensar esse distúrbio, o rim elimina mais bicarbonato na urina, tornando a urina mais alcalina e o sangue mais ácido. Tabela 13.4 Compensação dos distúrbios acidobásicos. As flechas para cima significam valores aumentados. As flechas para baixo condizem com valores diminuídos. pH pCO2 Bicarbonato Acidose metabólica ↓ Normal ↓ Acidose metabólica compensada Normal ↓ ↓ Acidose respiratória ↓ ↑ Normal Acidose respiratória compensada Normal ↑ ↑ Alcalose metabólica ↑ Normal ↑ Alcalose metabólica compensada Normal ↑ ↑ Alcalose respiratória ↑ ↓ Normal Alcalose respiratória compensada Normal ↓ ↓ INTERPRETAÇÃO DA GASOMETRIA ARTERIAL Para interpretar a gasometria arterial temos que ter em mente a tabela anterior. Na prática, temos que analisar cada parâmetro isoladamente e dar a eles o que eles representam em termos de alcalose ou acidose,de forma isolada. Não esquecer que o bicarbonato é um parâmetro metabólico; e a pCO2, respiratório. Exemplo 1: pH = 7,10: esse valor representa uma acidose. Bicarbonato = 14 mmol/L: esse valor representa uma acidose. pCO2 = 28 mmHg: esse valor representa uma alcalose. Portanto, o parâmetro que tem o mesmo nome do pH (acidose) é o bicarbonato (acidose). A pCO2 está variando para compensar. Essa gasometria representa uma acidose metabólica parcialmente compensada pela queda da pCO2. Ela é parcialmente compensada porque o pH não voltou ainda ao nível normal. Exemplo 2: pH = 7,62: este valor representa uma alcalose. bicarbonato = 14 mmol/L: este valor representa uma acidose. pCO2 = 25 mmHg: este valor representa uma alcalose. Portanto, essa gasometria representa uma alcalose respiratória parcialmente compensada. Exemplo 3: pH = 7,00: este valor representa uma acidose. bicarbonato = 38 mmol/L: este valor representa uma alcalose. pCO2 = 55 mmHg: este valor representa uma acidose. Portanto, essa gasometria representa uma acidose respiratória parcialmente compensada. TEORIA DE STEWART Os principais íons extracelulares são os de sódio, cloretos e bicarbonato, sendo este intimamente relacionado ao controle do pH do sangue. No líquido intracelular temos como preponderantes os íons de potássio, fosfato e magnésio. Essa diversidade de concentração dos íons entre os meios intra e extracelulares é vital para a célula, e esse gradiente é mantido às custas de transporte ativo, principalmente da bomba de sódio e potássio (ATPase transportadora de sódio e potássio), que consome aproximadamente 80% do ATP celular, e de transportes passivos, notadamente através de antitransportadores, cotransportadores. Os principais íons estão apresentados na Figura 13.19, em que podemos ver a distribuição dos cátions e ânions nos líquidos intra e extracelulares. Figura 13.19 Distribuição dos íons nos líquidos intra e extracelulares. Muitos estudiosos do equilíbrio acidobásico contestam a equação de Handerssen- Hasselbach como pilar científico para explicar as alterações do pH do sangue provocadas pelas doenças. Segundo Stewart, as alterações não se devem ao íon de bicarbonato, sal proveniente de um ácido fraco, e sim a alterações de íons provenientes de ácidos e bases fortes. Baseado nesse pensamento, ele formulou uma equação que tenta explicar as alterações de pH baseadas somente na relação entre esses íons, ou seja, uma alteração na diferença entre cátions e ânions fortes justificaria a alteração de pH. Ele denominou essa equação de SID (Strong Ions Difference). SID = Na+ + K+ + Ca2+ + Mg2+ – Cl- O SID normalmente é igual a 40 mEq/L. Se o SID for menor do que 40 mEq/L, temos uma acidificação e, se o SID for maior do que 40 mEq/L, teremos uma alcalinização do sangue. Outra fórmula baseada na equação de Stewart, porém mais simplificada, tenta avaliar o pH do sangue, levando em conta apenas os dois principais íons do líquido extracelular, que são o Na+ e o Cl-. Essa fórmula apenas divide a concentração de cloretos pela concentração de sódio (ambas em mEq/L). Relação cloretos/sódio: Valor normal: 0,75 a 0,79. Alcalinidade: < 0,75. Acidez: > 0,79. A explicação para a validade da teoria de Stewart é baseada no equilíbrio de cargas em solução. Por exemplo, se o SID ficar maior do que 40 mEq/L, será por diminuição do cloreto ou por aumento dos íons positivos (principalmente o sódio). Se o cloreto (uma carga negativa) diminuir, obrigatoriamente uma carga positiva também deverá diminuir para a manutenção da neutralidade elétrica. Nesse ínterim, esta carga positiva será o H+. Portanto, segundo Stewart, a queda do Cl- propicia a queda do H+, provocando uma alcalose metabólica. Por consequência, a diminuição de íons hidrogênios provoca aumento do íon bicarbonato. Por outro lado, o aumento do SID por aumento dos cátions também é possível. Um acréscimo dos iontes positivos acarreta a queda na concentração de hidrogênio livre em solução no intuito da manutenção da neutralidade das cargas elétricas, provocando, assim, uma alcalose metabólica. O mesmo raciocínio – agora de forma inversa – pode ser aplicado para casos de acidose metabólica provocada pela diminuição do SID. A teoria de Stewart, apesar de explicar várias situações que são difíceis de entender pela teoria de Handerson-Hasselbach, ainda é pouco utilizada na prática clínica. Referências Aires, MM. Fisiologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. Burtis CA, Ashwood ER. Tietz – Fundamentos de química clínica. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Corey HE. Stewart and beyond: new models of acid-base balance. Kidney International 2003;64:777–787. Costanzo, LS. Fisiologia. 2ª ed. 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