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Os centros respiratórios e receptores periféricos a eles associados fazem parte da
porção nervosa que regula o processo ventilatório. Os centros respiratórios são quatro
grupamentos de neurônios localizados no bulbo e na ponte: grupo dorsal, sendo
responsável pela inspiração; grupo ventral, sendo responsável tanto pela inspiração
quanto pela expiração; centro pneumotáxico, que controla o intervalo de tempo da
inspiração; e centro apneustico, cuja função não está bem clara, mas parece auxiliar o
centro pneumotáxico.
Os receptores periféricos são quimiorreceptores que auxiliam no controle do
processo ventilatório. Os dois grupos mais importantes localizam-se na bifurcação das
carótidas e no arco aórtico. Existem outros quimiorreceptores espalhados entre as
artérias das regiões torácica e abdominal, mas não chegam a formar grupamentos tão
importantes quanto aqueles anteriormente citados.
Os centros não são influenciados diretamente pelas variações das concentrações de
CO2 ou de H+. Há outra área quimiossensível que fica mais próxima aos capilares e que
detecta alterações nas concentrações de CO2 e de H+ e transmite sinais para esses
centros.
CONCENTRAÇÕES DE CO
O CO2 não influencia diretamente os centros respiratórios, ao contrário do H+, que
tem um potente efeito estimulatório sobre a ventilação. Tanto a barreira
hematoencefálica quanto a cerebroespinhal, entretanto, são pouco permeáveis aos íons
de H+, mas completamente permeáveis à passagem do CO2. Para que o H+ possa atuar
sobre a ventilação, primeiramente o CO2 precisa se difundir pelas barreiras de maneira
passiva. Ele reage então à água dos tecidos da área quimiossensitiva, formando H2CO3,
que depois se dissocia em HCO3- e H+, que estará pronto para agir.
CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA DE O
O O2 não tem atuação direta sobre os centros respiratórios, mas a tem sobre os
quimiorreceptores periféricos. Portanto, concentrações muito baixas de O2 (de 30 a 60
mmHg) são necessárias primeiramente para estimular os quimiorreceptores, e esses,
por sua vez, irão estimular os centros respiratórios.
CONTROLE DO PH DO SANGUE
Ao estudar o equilíbrio acidobásico, deve-se levar sempre em consideração o pH
dos líquidos corporais. O pH é uma maneira qualitativa e não quantitativa de sabermos
a concentração de hidrogênio de um determinado meio. Um valor de pH indica se um
meio está ácido, alcalino ou neutro, mas não dá informações específicas sobre a
quantidade de íons hidrogênio que ali existe. Um determinado meio será considerado
alcalino (ou básico) quando o pH estiver acima de 7,00. Abaixo desse valor, o meio é
dito ácido. No valor de pH 7,00, o meio é considerado neutro. Há uma fórmula que
pode determinar a concentração de hidrogênio a partir de um valor de pH:
pH = log 1/[ H+] ou pH = -log[H+]
Quanto maior for a concentração de hidrogênio, menor será o valor de pH. Quando
a concentração de hidrogênio for baixa, o pH será alto.
O pH do sangue arterial é de 7,40 (considerado levemente alcalino)
correspondendo a uma concentração hidrogenônica de 40 nmol/L (40 x 10-9 Eq/L). Para
o sangue venoso, o pH é um pouco mais baixo: 7,35, devido à maior concentração de
ácidos no plasma, oriundos dos tecidos pela atividade metabólica.
Para o organismo, o pH ideal é 7,40 (arterial). Se o pH estiver acima desse valor,
haverá uma alcalose. Acidose ocorre quando o pH estiver abaixo de 7,40.
A manutenção do pH do plasma é muito importante porque pequenas variações
podem causar sérios danos. A sobrevivência é mantida em uma faixa estreita. O valor
mínimo compatível com a vida é de 6,90 aproximadamente. O valor máximo é de 8,40.
Isso corresponde a uma variação de uma unidade de pH.
Pode-se perguntar: por que o organismo é tão sensível a variações de pH?
Basicamente, a resposta é dada pela bioquímica dos líquidos corporais. Todas as
reações químicas dependem do pH do meio em que elas ocorrem. Uma mudança no pH
pode acelerar ou deprimir uma reação.
As reações químicas do nosso organismo seriam muito lentas e incompatíveis com a
vida se não fosse pelas enzimas. Enzimas são proteínas e, como todas as outras
proteínas, têm, em sua estrutura, aminoácidos com radicais que interagem com os íons
do meio, inclusive o H+. A maneira como esses radicais interagem com o meio é que
vai determinar a estrutura espacial dessas moléculas. No momento em que ocorre uma
variação de pH, a concentração de H+ também varia. Isso acarreta uma mudança,
também, na interação entre as enzimas e os íons do meio, dando uma nova forma
àquelas proteínas. A atividade enzimática depende diretamente da configuração
espacial das enzimas porque elas reagem de uma maneira estereoespecífica com os
seus substratos. No momento em que a forma delas é modificada, a reação química que
ela catalisa fica prejudicada devido à inativação enzimática.
Assim, fica fácil perceber a importância da manutenção do pH dos líquidos
corporais. Distúrbios do equilíbrio acidobásico são comuns na clínica e precisam ser
bem estudados por quem trabalha na área da saúde.
RELAÇÃO ENTRE O PH E A CONCENTRAÇÃO DE
HIDROGÊNIO
Por ser o pH uma medida inversa e logarítmica da concentração de H+, existe uma
tendência a expressar diretamente as concentrações de H+ em molaridade.
Apresentamos na Tabela 13.2 a relação entre o pH e a concentração de H+ em nanomóis
por litro (nmol/L).
Tabela 13.2 Relação entre valor de pH e concentração de H+.
pH [H+] nmol/L
7,0 100
7,1 80
7,2 63
7,3 50
7,4 40
7,5 32
7,6 25
7,7 20
PRODUÇÃO DE ÁCIDOS
As acidoses são muito mais comuns que as alcaloses. Isso ocorre porque o nosso
organismo produz muitos ácidos. Para obter a energia necessária para as suas funções,
o nosso corpo quebra moléculas maiores em moléculas menores. Essas reações
químicas têm como metabólitos, basicamente, ácidos.
Podemos dividir os metabólitos ácidos em dois grupos: ácidos voláteis, em que
temos como exemplo o CO2 e ácidos não voláteis ou fixos, em que temos como exemplo
o H+. O CO2 não é um ácido, porém em contato com a água torna-se ácido carbônico.
Por essa razão, vamos considerar o CO2 como um ácido.
CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
O CO2 é o principal ácido liberado, oriundo da combustão de glicose e de ácidos
graxos. Veja a equação geral:
C6H12O6 + 6O2 6CO2 + 6H2O + 38 ATP
A combustão de 1 mol de glicose libera 6 moles de CO2.
Os ácidos fixos provêm de várias outras reações químicas, mas a principal fonte é o
metabolismo de aminoácidos contendo enxofre, como a cisteína e a metionina. O ácido
liberado nessa reação é o ácido sulfúrico. Quanto maior for a quantidade de proteína na
dieta e quanto maior for o seu catabolismo, maior será a produção de ácido sulfúrico. O
ácido fosfórico provém da oxidação de fosfolipídeos e de fosfoproteínas. A
degradação de nucleoproteínas produz ácido úrico. Pode ocorrer, também, a combustão
incompleta de carboidratos e ácidos graxos, com a produçào de ácido lático e
cetoácidos.
O CO2 é dito um ácido volátil porque ele é eliminado pelos pulmões e sua
concentração plasmática depende, portanto, da ventilação. A concentração plasmática
dos ácidos fixos depende da excreção renal.
Com toda essa produção de ácidos, o nosso organismo tem que ter mecanismos que
impeçam uma mudança brusca de pH no plasma assim que eles são formados. Para isso,
existem três maneiras de minimizar essas mudanças: os sistemas tampões, a regulação
ventilatória e a regulação renal. Vamos analisar, agora, cada um desses mecanismos
detalhadamente.
SISTEMAS TAMPÕES
Para melhor compreender como funcionam os tampões, é necessário, inicialmente,
revisar alguns conceitos básicos.
Ácidos e bases: Existem várias teorias, mas a que melhor serve aos nossos
propósitos é a definição de Brownstead e Lery, na qual um ácido é uma substância
capaz de liberar prótons de H+ e uma base é uma substância capaz de captar esses
prótons. Um ácido, em solução, apresenta-seem equilíbrio com a sua base conjugada.
Tomemos como exemplo o H2CO3:
H2CO3 H+ + HCO3-
O bicarbonato (HCO3-) é a base conjugada do ácido carbônico (H2CO3).
Um tampão é um sistema que contém substâncias capazes de minimizar alterações
de pH do meio em que elas estão. O mais importante sistema tampão do nosso
organismo é o do bicarbonato (HCO3-).
O sistema tampão bicarbonato é o mais representativo no organismo humano. No
plasma, há uma mistura de H2CO3 e NaHCO3, nas seguintes condições:
H2CO3 H+ + HCO3-
NaHCO3 Na+ + HCO3-
O H2CO3 (ácido carbônico) é um ácido fraco, porque tem uma constante de
dissociação baixa. Em solução, ele existe mais na forma molecular do que na forma
ionizada. No nosso organismo, graças à presença da enzima anidrase carbônica, ele é
rapidamente degradado em H+ e HCO3- ou em CO2 e H2O, dependendo das
necessidades do meio.
CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
O NaHCO3 é uma base fraca e também existe mais sob a forma molecular do que a
ionizada. Vamos analisar o que aconteceria se adicionássemos um ácido forte, como o
HCl, à solução tampão:
1) H2CO3 H+ + HCO3-
2) NaHCO3 Na+ + HCO3-
3) HCl H+ + Cl-
A concentração de hidrogênio aumenta, e isso desloca a reação 1 para a esquerda,
aumentando a formação de H2CO3, que é um ácido fraco, porque não libera muitos
prótons para o meio. Se prótons de H+ não são liberados para o meio, o pH da solução
não é modificado. O Cl- não influencia no valor de pH. Concluindo, temos que os H+
liberados pelo HCl são rapidamente transformados em H2CO3, que não altera o pH.
Vamos analisar o que aconteceria se adicionássemos uma base forte, como o NaOH,
à solução tampão:
1) H2CO3 H+ + HCO3-
2) NaHCO3 Na+ + HCO3-
3) NaOH Na+ + OH-
As hidroxilas liberadas reagem com o H+ para formar H2O. Como a concentração de
hidrogênio tende a cair, isso desloca a reação 1 para a direita, formando mais H+ para
compensar aquele perdido na formação da água. Assim, o pH se mantém. O Na+, como
o Cl-, não influencia o pH.
EQUAÇÃO DE HANDERSSON-HASSELBACH
Como citamos anteriormente, o H2CO3 pode ser transformado tanto em H+ e HCO3-
quanto em CO2 e H2O:
CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
Essas reações são catalizadas por uma enzima específica, chamada anidrase
carbônica. O sentido da reação vai depender das necessidades do organismo.
Existe uma fórmula que relaciona o pH com as concentrações de HCO3- e CO2. É a
equação de Handersson-Hasselbach, que pode ser deduzida como demonstrado a
seguir.
Partimos da reação de degradação do H2CO3 em H+ e HCO3-.
H2CO3 H+ + HCO3-
A constante de dissociação pode ser calculada da seguinte maneira:
k = [H+] x [HCO3-] / [H2CO3]
Como o H2CO3 é um ácido muito instável (devido à presença da anidrase
carbônica), ele quase não existe sob a forma molecular. Como ele é transformado em
CO2 + H2O, podemos calcular a concentração de H2CO3 a partir da concentração de
CO2. Temos, então, que:
k = [H+] x [HCO3-] / [CO2]
Podemos reagrupar os membros da seguinte maneira:
[H+] = k x [CO2] / [HCO3-]
Aplicando o logaritmo de toda a equação, temos:
log H+ = logk + log ([CO2] / [HCO3-])
Multiplicando tudo por um sinal negativo, temos:
-log H+ = -log k + log ([HCO3-] / [CO2])
Como -log H+ é o pH e -log k é o pK, temos:
pH = pK + log ([HCO3-] / [CO2])
Adicionando a constante de solubilidade do CO2, ∝, tem-se que:
pH = pK + log ([HCO3-] / ∝ [CO2])
O pK de um ácido é um valor de pH em que ele se encontra 50% livre e 50%
associado ao H+. A Figura 13.12 representa o pK do ácido carbônico.
Figura 13.12 pK do
ácido carbônico.
Para o ácido carbônico, esse valor é de 6,1, então:
pH = 6,1 + log ([HCO3-] / ∝ [CO2])
Os laboratórios de análises clínicas têm a capacidade de medir a pCO2 e não a
verdadeira quantidade de CO2. Felizmente, a quantidade de CO2 no sangue é uma
função linear da pCO2 multiplicada pelo coeficiente de solubilidade para CO2. Em
condições fisiológicas, o coeficiente de solubilidade do CO2 é 0,03 mmol/mmHg na
temperatura corporal. Considerando, portanto, a pCO2 em 40 mmHg e o bicarbonato de
24 mmol/L (valores de referência), temos o seguinte:
pH = 6,1 + log (24 / 0,03 x 40)
Em que pH = 7,40.
Essa equação nos permite relacionar valores de pH com concentrações de CO2 e de
HCO3-. Quanto maior for a concentração de HCO3-, maior será o pH e mais alcalino
será o meio. Quanto maior a concentração de CO2, mais baixo será o pH e mais ácido
será o meio.
Podemos perceber que a mudança do pH não ocorre de uma maneira linear, como
aconteceria se não tivesse tampão. Além disso, próximo ao pK, as variações de pH
ocorrem de uma maneira menos acentuada. Isso porque é exatamente nesse ponto em
que o poder tamponante é maior (o poder tamponante também depende da concentração
do tampão). Como havíamos citado anteriormente, o pK é um valor de pH em que o
tampão encontra-se 50% livre e 50% associado ao H+. Dessa maneira, o tampão tem a
mesma capacidade para tamponar tanto ácidos quanto bases.
Para que o pH seja igual ao pk, log ([HCO3-] / [CO2]) tem que ser zero. Como log1
é zero, as concentrações de HCO3- e de CO2 têm que ser iguais.
Lembrando que o pH plasmático é em torno de 7,40, podemos concluir que o
tampão bicarbonato não está agindo com o seu poder máximo. Em um pH desses, a
concentração de HCO3- é vinte vezes maior que a concentração de CO2. Isso dá ao
sistema a característica peculiar de ter maior capacidade de tamponar mais ácidos do
que bases, o que é benéfico para o organismo.
Apesar de não atuar com o seu poder máximo, o sistema tampão bicarbonato é o
mais importante do nosso organismo porque a sua concentração no plasma é alta e os
seus constituíntes podem ser regulados pelo sistema renal e respiratório.
Existem, também, outros tampões importantes: fosfato, proteínas (intra e
extracelulares) e até os cristais de apatita dos ossos. Vamos ver agora como eles
funcionam.
FOSFATO
O tampão fosfato é composto por H2PO4- e HPO4-2. Veja o que aconteceria se
adicionássemos um ácido forte (HCl) a essa solução:
HCl + Na2HPO4 NaH2PO4 + NaCl
O ácido forte acaba sendo transformado em NaH2PO4, que é um ácido fraco e,
portanto, não altera significativamente o pH.
Se colocarmos uma base forte (NaOH), veja o que acontece:
NaOH + NaH2PO4 Na2HPO4 + H2O
A base forte é convertida em uma base fraca (NaH2PO4), que não altera
significativamente o pH. O pk desse sistema é 6,8, mais próximo ao pH plasmático do
que o pk do tampão bicarbonato. No plasma, o seu poder tamponante seria maior que o
do bicarbonato se a sua concentração nesse meio fosse adequada. Os locais de atuação
mais importantes do tampão fosfato são o meio intracelular e a urina, onde as suas
concentrações são altas e os pHs são mais próximos do seu pk.
PROTEÍNAS
As proteínas possuem radicais livres, dos seus aminoácidos constituíntes, capazes
de formar ligações com os íons de H+, dependendo do gradiente de concentração.
Dentre as proteínas presentes no sangue, a mais importante é a hemoglobina. A
hemoglobina é uma proteína globular que contém em seu centro íons de ferro. A função
principal dessa molécula é transportar oxigênio dos alvéolos para os tecidos.
Entretanto, sua estrutura permite que ela tenha também função de tampão.
O CO2 é um gás altamente difusível e entra rapidamente para dentro da hemácia,
onde está a hemoglobina. Dentro da hemácia, o CO2 é hidratado à H2CO3 que se
dissocia em HCO3- e H+. O bicarbonato sai da hemácia por um antiporter com o Cl-
(pendrina), e o H+ liga-se a algum radical livre da própria hemoglobina. Dizemos, por
isso, que o H+ foi tamponado pela hemoglobina. Esse tamponamento é essencial para o
transporte de CO2 no plasma.
As proteínas presentes no interior das células dos tecidos em geral são mais
importantes, quantitativamente, do que a hemoglobina. Elas são responsáveis pelo
tamponamento de 70% dos ácidos do nosso organismo.Mas, devido à grande
dificuldade que o H+ e o HCO3- têm de atravessar as membranas dessas células, esse
tamponamento pode levar horas para acontecer.
OUTROS TAMPÕES
Citamos, anteriormente, que substâncias presentes nos ossos também podem
funcionar como tampões. Eles fazem isso trocando H+ por outros íons, como o Ca++.
Outras células do nosso organismo também podem realizar tais trocas. Uma pessoa que
está em acidose pode estar hipercalêmica devido à entrada de H+ nas células e uma
consequente saída de K+. A troca entre esses dois íons ocorre principalmente nas
hemácias. Em termos de regulação do equilíbrio acidobásico, o tamponamento
extracelular é o mais rápido a agir. Existem três sistemas primários que regulam a
concentração de íons de hidrogênio nos líquidos corporais para evitar o
desenvolvimento de acidose ou de alcalose: (1) os sistemas químicos de tampões, de
ação imediata; (2) o centro respiratório; e (3) os rins. A Figura 13.13 mostra esses
diferentes sistemas e suas peculiaridades.
Figura 13.13 Esquema de tamponamento ácido-base.
Esse sistema de tamponamento químico é o primeiro mecanismo usado contra
alterações do pH. Ele não é capaz, entretanto, de manter o pH plasmático em situações
crônicas, onde o excesso de ácido ou base é constante. Para esses casos, os pulmões e
principalmente os rins têm uma função primordial.
RINS
Os rins têm um papel fundamental no equilíbrio acidobásico do organismo. Eles são
órgãos responsáveis pela filtração, excreção e reabsorção de vários metabólitos e íons,
dentre eles o H+ e o HCO3-, íons essenciais para a manutenção do pH plasmático.
Torna-se importante, portanto, conhecer os mecanismos pelos quais os rins controlam
as taxas de H+ e HCO3- no plasma. Vamos analisar alguns transportes que ocorrem no
néfron, a unidade funcional do rim. É no néfron que as trocas ocorrem. Como mostra a
Figura 13.14, o néfron é composto por várias partes, cadas uma delas com uma função
diferente.
Figura 13.14 Estrutura do néfron especificando a nomenclatura de cada porção. Em que aa é a arteríola
aferente; ae, arteríola eferente; aj, aparelho justaglomerular.
O sangue chega até o néfron através da arteríola aferente, que logo forma um
enovelado de capilares, chamado de glomérulo, dentro da cápsula de Bowman. Após
enovelar-se, ela sai da cápsula, agora como arteríola eferente. A cápsula é formada por
duas camadas, uma interna e outra externa. Entre elas fica o espaço capsular, onde se
acumula o filtrado glomerular. O sistema tubular do néfron inicia-se na cápsula de
Bowman e logo sofre contorções que se denominam túbulo contorcido proximal.
Depois disso, temos a Alça de Henle, formada por uma porção descendente e outra
ascendente. O sistema tubular sofre nova contorção para formar o túbulo contorcido
distal, que depois se abre para túbulo coletor, onde a urina, já formada, é conduzida,
em última análise, até o ureter para ser excretada.
O rim controla a concentração de H+ no plasma, excretando mais ou menos H+ no
filtrado glomerular, formando, assim, urina mais ácida ou mais alcalina,
respectivamente. Há duas maneiras diferentes pelas quais o H+ pode ser excretado: nos
seguimentos tubulares proximais, por transporte ativo primário ou antiporter com o íon
de sódio, e nos segmentos tubulares distais, por transporte ativo primário.
No túbulo proximal, o Na+ filtrado pelo glomérulo é reabsorvido em troca da
excreção de um H+ proveniente da célula renal. Essa troca é realizada através de um
antiporter de Na+/H+. O túbulo proximal é praticamente impermeável ao íon de HCO3-.
O H+ secretado em troca do Na+ reage com o bicarbonato, formando CO2 e H2O. O H2O
fica no túbulo, diluindo o filtrado, e o CO2 é absorvido para dentro da célula tubular. O
CO2, agora dentro da célula, faz a reação inversa, ou seja, reage com a água para
formar hidrogênio e bicarbonato. O hidrogênio é secretado para a luz do túbulo por
transporte ativo primário ou pelo antiporter de Na+/H+, e o bicarbonato é reabsorvido
para o plasma através de um transporte ativo secundário à bomba de sódio e potássio,
um simporter com o sódio ou um antiporter com o íon de cloreto. Veja que, nesse
processo, para cada H+ excretado, tem-se a reabsorção de um íon de HCO3-. A
reabsorção é essencial para manter o funcionamento do sistema de tampão (Figura
13.15).
Figura 13.15 Reabsorção de bicarbonato (HCO3
-) no
túbulo proximal.
Nos túbulos distal e coletor, nós também temos eliminação de H+. O processo tem
início com a absorção do CO2 para dentro da célula tubular. O CO2 combina-se com o
H2O, sob catálise da anidrase carbônica, formando H2CO3, que logo se dissocia em
HCO3- e H+. O HCO3- é reabsorvido por um antiporter com o cloro. O H+ formado é
excretado por uma proteína específica, com gasto de energia. O Cl- é excretado por
transporte passivo para o filtrado glomerular. Nesse processo, também houve
reabsorção de HCO3- e eliminação de H+ (Figura 13.16).
Figura 13.16 Sistema de transporte de bicarbonato nos túbulos distal e coletor.
ALDOSTERONA
Esse sistema é ativado com a diminuição da pressão sanguínea, diminuição do
volume sanguíneo, diminuição da pressão renal, diminuição de sódio no túbulo distal
renal e/ou aumento da atividade simpática. O sistema inicia-se com a pró-renina que se
converte em renina nas células justaglomerulares do rim.
Quando a renina está presente no plasma, ela catalisa a conversão do
angiotensinogênio (produzido no fígado) em angiotensina I. A angiotensina I sofre a
ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), para formar a angiotensina II nos
pulmões, nos rins e nas células superficiais do endotélio. A angiotensina II estimula a
secreção de aldosterona nas células da zona glomerular da glândula suprarrenal.
A aldosterona tem a função de aumentar a reabsorção de sódio no túbulo distal e
nos ductos coletores, aumentando a osmolaridade, o volume do líquido extracelular e o
volume sanguíneo. Também potencializa a atividade da bomba Na+/K+-ATPase para
aumentar a retenção de sódio e excreção de potássio e do íon de H+. Portanto, a
aldosterona também regula o equilíbrio acidobásico, já que ela absorve dois íons de
sódio e em troca elimina na urina um íon de potássio e um íon de hidrogênio (Figura
13.17).
Figura 13.17 Mecanismo de reabsorção de sódio mediado pela aldosterona na célula principal da
porção final do túbulo distal e ducto coletor.
A angiotensina II atua diretamente elevando a pressão sanguínea, por sua ação
vasoconstritora. Essa também age diretamente no rim, potencializando o trocador
Na+/H+ no túbulo proximal e intensificando a reabsorção de sódio e de bicarbonato
(HCO3-).
HIATO ANIÔNICO (
Apesar de terem concentrações diferentes, os íons do líquido extracelular estão em
equilíbrio elétrico, ou seja, existe o mesmo número de cargas positivas e de cargas
negativas (Figura 13.18). O principal cátion dos líquidos extracelulares é o Na+, e os
principais ânions são o Cl- e o HCO3-. A soma da concentração plasmática de Cl- e de
HCO3- é menor do que a concentração sérica de Na+. Isso significa que há outros ânions
séricos, geralmente não medidos. A esses ânions remanescentes dá-se o nome de hiato
aniônico sérico, ou anion gap, que pode ser calculado da seguinte maneira:
Hiato Aniônico Sérico = Na+ - (Cl- + HCO3-)
Em que Na+ = concentração sérica de Na+; Cl- = concentração sérica de Cl-; HCO3-
= concentração sérica de HCO3-.
Figura 13.18 Representação dos íons plasmáticos e do hiato aniônico.
Esse hiato aniônico é composto basicamente por fosfatos e sulfatos derivados do
metabolismo tecidual; lactato e cetoácidos oriundos da combustão incompleta de
carboidratos e ácidos graxos; e proteínas negativas, principalmente a albumina. O valor
normal do hiato aniônico pode variar entre 7 e 15 mEq/L.
O anion gap (hiato aniônico) sérico é com frequência utilizado como diagnóstico
diferencial da etiologia subjacente da acidosemetabólica em adultos e crianças. O
anion gap elevado na acidose é usualmente associado à falência renal, acidose lática
(como no choque), cetoacidose (como na diabete e no alcoolismo), rabdomiólise,
aumento de proteínas plasmáticas (como na desidratação) e certas drogas ou toxinas
(como salicilato, metanol, etilenoglicol e paraldeído). Em algumas formas de acidose
metabólica, contudo, o anion gap permanece dentro dos limites normais, uma vez que a
queda do bicarbonato é equilibrada pela elevação do Cl- devido à perda de líquidos
ricos em HCO3- e pobres em cloretos e à retenção de Cl- da dieta. Essas são as
chamadas acidoses hiperclorêmicas (acidose metabólica com ânion gap normal) e estão
associadas com a perda de bicarbonato através do trato gastrintestinal ou dos rins. A
acidose hiperclorêmica pode também ser um sinal de grave patologia tubular renal, que
compreende uma gama de condições associadas à diminuição da excreção renal de H+
ou ao desperdício renal de bicarbonato.
A diminuição do hiato aniônico pode ser decorrente de um aumento de cátions não
determinados, como em casos de intoxicação com lítio, hipermagnesemia, mieloma
múltiplo, terapia com polimixina B, que é um policátion. A diminuição dos ânions não
determinados também pode reduzir o hiato aniônico que pode ocorrer notadamente na
hipoalbuminemia.
DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO
Como foram citados anteriormente, os valores de pH do organismo humano têm que
ser mantidos dentro de estreitos limites compatíveis com a vida. Quando ocorre um
desequilíbrio dos sistemas reguladores do pH, ocorre um distúrbio do equilíbrio
acidobásico. Existem dois tipos de distúrbios: a acidose, quando o pH é alterado para
um valor menor, e a alcalose, quando o pH é alterado para um valor maior. Essas duas
patologias podem ainda ser respiratórias, quando a causa é oriunda do pulmão, ou
metabólicas, quando o distúrbio é de origem bioquímica, ao nível do metabolismo
basal.
ACIDOSE RESPIRATÓRIA
A acidose respiratória caracteriza-se por um aumento na taxa de ácido volátil (CO2)
no plasma devido a um déficit em sua eliminação pelos pulmões. O aumento da pCO2
arterial leva a um aumento do H2CO3 e do H+, resultando em acidose. As manifestações
clínicas são de depressão do SNC, com desorientação e até o coma. Pode ocorrer em
pacientes que apresentam:
a) Pneumonia: porque há redução na área de superfície disponível para as trocas.
b) Enfisema pulmonar: há destruição dos alvéolos por ação da tripsina que é
liberada em excesso pelos macrófagos alveolares que aumentam dentro dos alvéolos na
tentativa de eliminar o excesso de impurezas na membrana alveolar. Essas impurezas
normalmente estão aumentadas em fumantes, trabalhadores de minas ou em lugares
altamente poluídos. Essa destruição alveolar faz diminuir a oxigenação do sangue,
provocando uma hiperventilação compensatória que induz uma alcalose respiratória.
Com a evolução da doença, a destruição dos alvéolos pode ser de tal ordem que faz
com que o CO2 aumente, provocando uma acidose respiratória. Portanto, o enfisema em
sua fase inicial pode provocar uma alcalose respiratória e na sua fase terminal uma
acidose respiratória.
c) Asma: é uma broncoconstrição de cunho alérgico que pode provocar alterações
importantes nas trocas gasosas. Como no caso do enfisema, por ser o CO2 um gás vinte
vezes mais difusível que o O2, a asma leve pode levar a uma alcalose respiratória,
enquanto as mais severas podem provocar acidose respiratória.
d) Membrana hialina: é a doença dos recém-nascidos prematuros. Essas crianças
possuem deficiência de um surfactante (esfingomielina), ocasionando dificuldades em
expandir o pulmão e, por isso, não há abertura dos alvéolos, dificultando as trocas
gasosas.
e) Ataque epilético: o ataque epilético provoca contraturas musculares
generalizadas, o que propicia a contratura dos músculos respiratórios, levando a uma
diminuição da respiração e, consequentemente, à acidose respiratória.
f) Uso de barbitúricos e narcóticos: esses medicamentos podem levar à depressão
do centro respiratório, com diminuição da frequência respiratória e acidose
respiratória.
Com o aumento na pCO2, mais H+ é excretado pelo rim, e mais HCO3- é reabsorvido
para tamponar o sistema ácido formado. Esse serve como mecanismo de compensação
para retornar o valor de pH ao seu ideal.
ACIDOSE METABÓLICA
A acidose metabólica caracteriza-se por um aumento na taxa de ácido fixo (não
volátil) no plasma, ou por sua produção metabólica excessiva, ou por falta de sua
eliminação adequada pelo rim. As manifestações clínicas são: diminuição da função
cardíaca, alterações no ritmo respiratório e outros. Várias são as doenças que podem
causar esse distúrbio:
a) Diabetes mellitus: por falta de glicose, a célula utiliza outras rotas metabólicas,
como os lipídeos, para obter energia, resultando em maior produção de metabólitos
ácidos.
b) Insuficiência renal: o rim é o principal órgão por onde são eliminados os íons
hidrogênio. Essa patologia diminui a taxa de filtração do rim, provocando uma retenção
de hidrogênio, que leva a uma acidose.
c) Choque: o choque (seja ele séptico, hipovolêmico, cardiogênico ou outros) tem
como ponto em comum a brusca queda da pressão arterial. Esse fato leva a uma queda
da oxigenação dos tecidos, que provoca o aumento do metabolismo anaeróbico gerando
grande quantidade de ácido lático (acidose lática).
d) Diarreia: a diarreia crônica provoca acidose por dois mecanismos. Um é pela
perda de bicarbonato intestinal, que leva à acidose metabólica por falta de tampão. O
outro mecanismo é pela perda excessiva de água, que pode gerar hipotensão arterial,
gerando uma acidose lática.
e) Acidose tubular renal: essa patologia, normalmente detectada em pediatria, pode
ser de dois tipos: proximal ou distal. A acidose tubular renal proximal caracteriza-se
pela diminuição da reabsorção renal proximal do íon de bicarbonato, levando a uma
acidose do sangue, enquanto a urina, por ter excesso de bicarbonato, apresenta um pH
alcalino. A acidose tubular renal distal ocorre por uma falha do mecanismo mediado
pela aldosterona no túbulo distal, onde ocorre uma absorção de íons sódio e uma
secreção de íons de potássio e hidrogênio. Portanto, nesse caso, menos íons de
hidrogênio são secretados, sendo retidos no sangue e desenvolvendo uma acidose
metabólica.
A acidose plasmática produz estímulo dos centros respiratórios, que provocam
hiperventilação com queda na pCO2. Eliminando mais ácido volátil, o pH tende a voltar
ao seu valor ideal. Esse constitui um mecanismo de compensação respiratório.
ALCALOSE RESPIRATÓRIA
A alcalose respiratória caracteriza-se por uma diminuição na taxa de ácido volátil
(CO2) no plasma, devido a um aumento em sua eliminação. As manifestações clínicas
são de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central e do sistema nervoso periférico,
com tetania e convulsões. A causa é a hiperventilação, que pode ocorrer em algumas
situações como:
a) Crises de ansiedade: pessoas com crises de ansiedade tendem a respirar mais
rapidamente, levando a uma excessiva liberação de CO2 com consequente diminuição
da pCO2 e aumento do pH.
b) Grandes altitudes: quando uma pessoa se desloca para grandes altitudes, onde o
ar é mais rarefeito e, portanto, a pressão de oxigênio é menor, o pulmão na tentativa de
obter mais oxigênio hiperventila, gerando uma maior eliminação de CO2.
c) Dor: a dor pode aumentar a frequência respiratória.
d) Cirrose hepática: a cirrose hepática provoca grandes alterações de metabolismo,
notadamente da amônia. Este mecanismo ainda não está claro, parece que o aumento
plasmático da amônia pode afetar o sistema neurológico, provocando hiperventilação e
consequente alcalose respiratória.
e) Febre: o aumento da temperatura corporal desloca a curva de saturação da
hemoglobina, fazendo com que essa carregue menos oxigênio para os tecidos. A faltade
oxigenação tecidual produz um mecanismo de compensação respiratório para captar
mais oxigênio a suprir a demanda tecidual. Esse aumento da frequência respiratória
gera, secundariamente, maior eliminação de CO2 que leva à alcalose respiratória.
f) Sobredose de aspirina: apesar de a aspirina ser um ácido (ácido acetilsalicílico),
altas doses desse medicamento podem levar a um grande estímulo do centro
respiratório, o que leva à alcalose respiratória.
É importante salientar que a asma leve e o enfisema pulmonar, quando se encontram
no início da doença, também podem levar a uma alcalose respiratória. A diminuição na
pCO2 plasmática faz com que menos H+ seja secretado pelo rim, com consequente
diminuição da reabsorção de HCO3-. Com menos tampão, o pH tende a voltar ao seu
ideal. Esse é um mecanismo de compensação renal.
ALCALOSE METABÓLICA
A alcalose metabólica caracteriza-se pela diminuição na concentração de ácido fixo
no plasma. Suas manifestações clínicas são as mesmas da alcalose respiratória. É um
distúrbio mais raro. Como causas temos:
a) Vômitos excessivos: ocorre grande perda de H+ estomacal, que não é
compensado pela eliminação de HCO3- pelo rim, que, para preservar a água, não
consegue eliminar o tampão.
b) Uso incorreto de diuréticos: os diuréticos, principalmente aqueles que atuam na
Alça de Henle ascendente, eliminam grandes quantidades de água, sódio, potássio,
cloretos e íons de hidrogênio, tornando a urina ácida e o sangue alcalino.
O aumento do pH plasmático tem um efeito inibidor do centro respiratório, fazendo
com que o organismo retenha mais CO2, corrigindo, então, o pH.
DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS MISTOS
Em muitas situações, verifica-se o desenvolvimento de distúrbios mistos do
equilíbrio acidobásico. Um exemplo muito comum ocorre em pacientes cirúrgicos em
que se observa uma acidose metabólica superposta à alcalose respiratória. Esse
problema pode surgir em pacientes com choque séptico ou síndrome hepatorrenal.
Como os dois distúrbios acidobásicos tendem a anular-se, a alteração na concentração
de íon de hidrogênio costuma ser pequena. A situação inversa, isto é, alcalose
respiratória combinada com alcalose metabólica, é menos comum. A acidose
metabólica e respiratória combinada ocorre na parada cardiorrespiratória cerebral. As
circunstâncias que envolvem tanto a alcalose metabólica quanto a respiratória são
raras. Um resumo das alterações do equilíbrio acidobásico é mostrado na Tabela 13.3.
Tabela 13.3 Distúrbios acidobásicos em gasometria arterial. As flechas para cima
significam valores aumentados. As flechas para baixo condizem com valores diminuídos.
 Acidose metabólica Acidose respiratória Alcalose metabólica Alcalose respiratória
pH ↓ ↓ ↑ ↑
pCO2 - ↑ - ↓
HCO3 ↓ - ↑ -
TRATAMENTO DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE
O modo mais apropriado para tratamento dos distúrbios do equilíbrio acidobásico é
a correção da doença de base, ou seja, é sanar a condição causadora da anormalidade.
Com frequência, isso pode ser difícil, particularmente nos estados mórbidos crônicos
que comprometem a função pulmonar ou que causam insuficiência renal. Nessas
circunstâncias, podem-se utilizar vários agentes (por via oral ou venosa) para
neutralizar o excesso de ácido (como bicarbonato de sódio, lactato de sódio ou
gliconato de sódio) ou de base (como cloreto de amônio ou monocloridrato de lisina)
no líquido extracelular.
GASOMETRIA ARTERIAL
A gasometria arterial é um exame de laboratório que nos indica o status
acidobásico do sangue arterial ou venoso do paciente, fornecendo, principalmente, o
pH do sangue, a pCO2, a concentração de bicarbonato, o CO2 total, excesso de base, a
pO2 e a saturação da hemoglobina em oxigênio (sO2).
O pH, a pCO2 e a pO2 são determinados através de eletrodos específicos. A
concentração do bicarbonato é calculada usando a equação de Handersson-Hasselbach,
que já foi explicado anteriormente. Dando um exemplo real, supomos que o pH (que é
medido) de um sangue arterial seja 7,10, a pCO2 (também medida) seja de 30 mmHg.
Como o aparelho pode calcular o bicarbonato usando a fórmula de Handersson-
Hasselbach:
O bicarbonato deste paciente será 9 mmol/L.
O CO2 total é igual ao bicarbonato somado aos mmols de CO2 dissolvido, que fazem
a pCO2, ou seja, CO2 total = bicarbonato + (pCO2 x 0,03).
Se usarmos o exemplo anterior temos que:
CO2 total = 9 + (30 x 0,03);
CO2 total = 9 + 0,9 = 9,9 mmol/L.
O excesso de base (EB) é a quantidade de base que está faltando para que o pH
retorne ao valor normal (7,40), levando em consideração a pCO2, que já pode estar
alterada pelo mecanismo de compensação respiratória. Por essa razão, já se pode
antever que o EB só tem valor e é utilizado apenas em acidoses metabólicas.
Os diferentes aparelhos utilizados para realizar a gasometria arterial aplicam
fórmulas diferentes para calcular o excesso de base, porém, de uma forma geral, a
fórmula mais usada é:
EB = 16,2 (pH – 7,40) – 25 + HCO3-
A saturação da hemoglobina é encontrada utilizando a curva de dissociação da
hemoglobina que aparece na Figura 13.11.
VALORES DE REFERÊNCIA (SANGUE ARTERIAL)
pH: 7,35 a 7,45.
pCO2: 35 a 45 mmHg (4,66 a 6,00 KPa – fator de conversão 7,51).
pO2: 95 a 100 mmHg (12,6 a 13,3 KPa).
Bicarbonato: 22 a 28 mmol/L.
CO2 total: 23,2 a 29,2 mmol/L.
Excesso de base: -2,5 a +2,5 mmol/L.
Saturação da Hb: 94 a 100%.
COMPENSAÇÃO DOS DESEQUILÍBRIOS ACIDOBÁSICOS
Toda vez que ocorre alteração do pH sanguíneo, o próprio organismo, através de
mecanismos de compensação, tenta levar o pH para valores normais. Portanto, sempre
que se analisa uma gasometria arterial, tem-se que levar em conta o distúrbio
apresentado e o estágio da compensação em que se encontra o paciente. Portanto, é
importante saber como se processa a compensação. Um esquema dessas compensações
pode-se ver na Tabela 13.4.
a) Compensação de uma acidose metabólica: quando existe um aumento de
hidrogênio, o bicarbonato diminui porque é gasto no mecanismo de tamponamento.
Quem compensa uma acidose metabólica é o pulmão, que estimulado pelo aumento de
hidrogênio, responde com hiperventilação, diminuindo a pCO2. Contribuindo para o
mecanismo de alcalinização do sangue, o rim elimina mais hidrogênio, tornando a urina
mais ácida.
b) Compensação de uma acidose respiratória: a acidose respiratória caracteriza-se
por um aumento da pCO2. Quem compensa esse tipo de distúrbio é o rim, que para
tornar o sangue mais alcalino, aumenta a reabsorção de bicarbonato, aumentando
portanto a sua concentração no sangue. Atrelado a esse mecanismo, existe uma maior
eliminação de hidrogênio, tornando a urina mais ácida.
c) Compensação de uma alcalose metabólica: a alcalose metabólica caracteriza-se
por uma diminuição do íon de hidrogênio e um consequente aumento de bicarbonato.
Para tornar o sangue mais ácido, o pulmão hipoventila, retendo CO2 e, por conseguinte,
aumentando a pCO2.
d) Compensação de uma alcalose respiratória: na alcalose respiratória, a pCO2
diminui, tornando o sangue mais alcalino. Para compensar esse distúrbio, o rim elimina
mais bicarbonato na urina, tornando a urina mais alcalina e o sangue mais ácido.
Tabela 13.4 Compensação dos distúrbios acidobásicos. As flechas para cima
significam valores aumentados. As flechas para baixo condizem com valores diminuídos.
pH pCO2 Bicarbonato
Acidose metabólica ↓ Normal ↓
Acidose metabólica compensada Normal ↓ ↓
Acidose respiratória ↓ ↑ Normal
Acidose respiratória compensada Normal ↑ ↑
Alcalose metabólica ↑ Normal ↑
Alcalose metabólica compensada Normal ↑ ↑
Alcalose respiratória ↑ ↓ Normal
Alcalose respiratória compensada Normal ↓ ↓
INTERPRETAÇÃO DA GASOMETRIA ARTERIAL
Para interpretar a gasometria arterial temos que ter em mente a tabela anterior. Na
prática, temos que analisar cada parâmetro isoladamente e dar a eles o que eles
representam em termos de alcalose ou acidose,de forma isolada. Não esquecer que o
bicarbonato é um parâmetro metabólico; e a pCO2, respiratório.
Exemplo 1:
pH = 7,10: esse valor representa uma acidose.
Bicarbonato = 14 mmol/L: esse valor representa uma acidose.
pCO2 = 28 mmHg: esse valor representa uma alcalose.
Portanto, o parâmetro que tem o mesmo nome do pH (acidose) é o bicarbonato
(acidose). A pCO2 está variando para compensar. Essa gasometria representa uma
acidose metabólica parcialmente compensada pela queda da pCO2. Ela é parcialmente
compensada porque o pH não voltou ainda ao nível normal.
Exemplo 2:
pH = 7,62: este valor representa uma alcalose.
bicarbonato = 14 mmol/L: este valor representa uma acidose.
pCO2 = 25 mmHg: este valor representa uma alcalose.
Portanto, essa gasometria representa uma alcalose respiratória parcialmente
compensada.
Exemplo 3:
pH = 7,00: este valor representa uma acidose.
bicarbonato = 38 mmol/L: este valor representa uma alcalose.
pCO2 = 55 mmHg: este valor representa uma acidose.
Portanto, essa gasometria representa uma acidose respiratória parcialmente
compensada.
TEORIA DE STEWART
Os principais íons extracelulares são os de sódio, cloretos e bicarbonato, sendo este
intimamente relacionado ao controle do pH do sangue. No líquido intracelular temos
como preponderantes os íons de potássio, fosfato e magnésio. Essa diversidade de
concentração dos íons entre os meios intra e extracelulares é vital para a célula, e esse
gradiente é mantido às custas de transporte ativo, principalmente da bomba de sódio e
potássio (ATPase transportadora de sódio e potássio), que consome aproximadamente
80% do ATP celular, e de transportes passivos, notadamente através de
antitransportadores, cotransportadores. Os principais íons estão apresentados na Figura
13.19, em que podemos ver a distribuição dos cátions e ânions nos líquidos intra e
extracelulares.
Figura 13.19 Distribuição dos íons nos líquidos intra e extracelulares.
Muitos estudiosos do equilíbrio acidobásico contestam a equação de Handerssen-
Hasselbach como pilar científico para explicar as alterações do pH do sangue
provocadas pelas doenças. Segundo Stewart, as alterações não se devem ao íon de
bicarbonato, sal proveniente de um ácido fraco, e sim a alterações de íons provenientes
de ácidos e bases fortes.
Baseado nesse pensamento, ele formulou uma equação que tenta explicar as
alterações de pH baseadas somente na relação entre esses íons, ou seja, uma alteração
na diferença entre cátions e ânions fortes justificaria a alteração de pH. Ele denominou
essa equação de SID (Strong Ions Difference).
SID = Na+ + K+ + Ca2+ + Mg2+ – Cl-
O SID normalmente é igual a 40 mEq/L. Se o SID for menor do que 40 mEq/L,
temos uma acidificação e, se o SID for maior do que 40 mEq/L, teremos uma
alcalinização do sangue.
Outra fórmula baseada na equação de Stewart, porém mais simplificada, tenta
avaliar o pH do sangue, levando em conta apenas os dois principais íons do líquido
extracelular, que são o Na+ e o Cl-. Essa fórmula apenas divide a concentração de
cloretos pela concentração de sódio (ambas em mEq/L).
Relação cloretos/sódio:
Valor normal: 0,75 a 0,79.
Alcalinidade: < 0,75.
Acidez: > 0,79.
A explicação para a validade da teoria de Stewart é baseada no equilíbrio de
cargas em solução. Por exemplo, se o SID ficar maior do que 40 mEq/L, será por
diminuição do cloreto ou por aumento dos íons positivos (principalmente o sódio). Se o
cloreto (uma carga negativa) diminuir, obrigatoriamente uma carga positiva também
deverá diminuir para a manutenção da neutralidade elétrica. Nesse ínterim, esta carga
positiva será o H+. Portanto, segundo Stewart, a queda do Cl- propicia a queda do H+,
provocando uma alcalose metabólica. Por consequência, a diminuição de íons
hidrogênios provoca aumento do íon bicarbonato. Por outro lado, o aumento do SID por
aumento dos cátions também é possível. Um acréscimo dos iontes positivos acarreta a
queda na concentração de hidrogênio livre em solução no intuito da manutenção da
neutralidade das cargas elétricas, provocando, assim, uma alcalose metabólica. O
mesmo raciocínio – agora de forma inversa – pode ser aplicado para casos de acidose
metabólica provocada pela diminuição do SID.
A teoria de Stewart, apesar de explicar várias situações que são difíceis de
entender pela teoria de Handerson-Hasselbach, ainda é pouco utilizada na prática
clínica.
Referências
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