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Memorial Descritivo de Lucimária Pereira dos Santos

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,,,,,,,, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ- UESC
 DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
 CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS – EAD
DISCIPLINA: FUNDAMENTOS DA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL
PROFESSORA: AMBROSINA MORAES DE ASSIS NETA
LUCIMÁRIA PEREIRA DOS SANTOS
MEMORIAL DESCRITIVO
ILHÉUS, BA
2017
 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ- UESC
 DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
 CURSO DE LETRAS VERNÁCULAS – EAD
DISCIPLINA: FUNDAMENTOS DA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL
LUCIMÁRIA PEREIRA DOS SANTOS
MEMORIAL DESCRITIVO
Trabalho de avaliativo – apresentado ao Departamento de Letras e Artes, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, como requisito parcial para aprovação na Disciplina Fundamentos da Avaliação Educacional, do Curso de Letras Vernáculas Modalidade EAD. 
Orientador: Professora Ambrosina Moraes de Assis Neta
Ilhéus, BA
2017
INTRODUÇÃO
Elaborar um memorial descritivo é reconstituir a própria existência. Essa não é uma tarefa fácil, pois, na opinião de Moraes (1992), memorial é um retrato crítico do indivíduo visto por múltiplas facetas através dos tempos, o qual possibilita inferências de suas capacidades. Escrever um memorial é sair em busca de informações presentes e passadas, algumas dessas informações são, muitas vezes, esquecidas no tempo, por isso a empreitada exige muito, implica na nossa exposição interior. 
Lembra e relembrar o passado, muitas das vezes, nos traz lembranças tristes e desafiadoras. Um desafio nada fácil. As etapas da minha vida estão circunscritas nas fases por que passo e passei.
Impossível ser narrador onisciente, da minha própria trajetória intelectual. Descartada qualquer pretensão de objetividade imparcial, sinto que o maior desafio está em como falar de uma história heterogênea e muitas vezes, complexa, a qual algumas recordações não são boas. Nesse processo, me abstenho de lembranças, pois em meu processo de aprendizagem passei por perdas irreparáveis e desmotivadoras, falo da perda do meu maior admirador e incentivador, meu pai.
Nesse reencontro com minha memória, é como se eu entrasse em mim sem pedir licença, e sem medo de evidenciar os pontos pouco desvendados da minha trajetória, buscando ultrapassar o espaço do trabalho e falando de outras dimensões de minha vida.
Nunca gostei de falar das dificuldades pelas quais passei na minha infância, porém elas me fizeram perceber que a vida deve ser exercitada a cada momento e que de certa forma, desde a minha formação de criança a idade adulta, essas dificuldades me fizeram crescer, enquanto pessoa e, chegar até aqui, nessa etapa tão importante da minha vida, a busca por mais uma formação, na área em que sempre mediei. Não digo “trabalho”, mas mediação. 
Um memorial pode se reduzir a elencar feitos memoráveis, do ponto de vista acadêmico. No entanto, torna-se impossível dissociá-lo de outra história, de outras memórias, reaparição do feito e do ido, das marcas às vezes inconscientes que o cercam. Trabalho de reflexão sobre a experiência vivida.
Escolho o relato de fatos que me foram significativos. A nossa vida é constituída de fatos passados, que marcam o presente e nos faz vislumbrar o futuro, por isso o poeta tem razão ao dizer  que “Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena” (PESSOA,). Em alguns momentos, senti necessidade de individualizar os fragmentos da memória, em outros de falar da minha vivência na infância e dos meus passos acadêmicos.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Breve biografia
Nasci na cidade de Itamaraju, na Bahia, em 29 de março de 1962, onde resido até hoje. Quando nasci, fui chamada Lucimária Pereira dos Santos, nome pelo qual atendo, nome no qual me tornei. Tenho dois filhos, atualmente com 26 e 28 anos. Meus pais Antonio José dos Santos (in memoria) e, Joeva Pereira dos Santos - uma família humilde, de classe média, contudo trabalhadora, aguerrida, apegada aos exemplos de meus pais e familiares, segui em frente e decidida a vencer na vida.
Meu pai, um homem simples, de pouco estudo, vindo da lavoura de cacau, que após se desfazerem da pequena fazenda cacaueira, junto com seus irmãos, passa a viver na pequena cidade e busca no comércio sua sobrevivência até o ano de 1991. Minha mãe, também com sua história de vida, buscando fugir do domínio rígido de seus pais, casou-se na pretensão de tornar-se um pouco mais livre, apesar de que isso não fosse algo fácil para uma mulher em 1959, embora nunca tenha recuado na luta por sua emancipação. Teve 05 filhos. 
Minha mãe, com todas as dificuldades, ainda conseguiu, lá na adolescência estudar até a 4º série primária, meu maior exemplo de mulher batalhadora e aguerrida; minha maior incentivadora e exemplo de empoderamento de uma mulher do seu tempo. Depois, tentou retomar os estudos, mesmo com 04 filhos pequenos, matriculando-se em um curso primário noturno, mas, devido a problemas de ordem pessoal, acabou por desistir, concluindo somente até a 5ª série. Sempre buscou nos incentivar a estudar para que pudéssemos ter um futuro diferente de muitos negros de nossa época. 
 
2.2. Inicio da vida estudantil
Lembro-me muitíssimo bem deste momento, quando iniciei no processo de alfabetização, tinha três anos de idade. Foi na Escolinha Jardim da Infância “Benedita Malaquias”, uma escolinha particular que funcionava na própria casa da professora, D. Benedita Malaquias, uma senhorinha, já de mais de 50 anos, a época, aqui mesmo em Itamaraju. Eu era levada a escola pelo meu pai, junto com meu irmão e minha vizinha, Ednete Moraes, enquanto minha mãe cuidava dos afazeres domésticos e de mais outro irmão.
Foge-me as lembranças de quando comecei a me interessar pelas letras. Lembro-me apenas de alguns momentos desse período: a Cartilha Caminho Suave, o uniforme azul (saia plissada com suspensório; blusa branca) e Dona Benedita. Quem foi seu aluno, creio que jamais a esqueceu. Não pela bondade, mas a forma ríspida e rígida que tratava a todos os seus alunos. Nessa escolinha, além de aprender a ler, escrever e a matemática, também se aprendia boas maneiras e a ser disciplinado. Para meus pais, o simples ato de escrever meu nome, era algo extraordinário, pois ambos haviam estudado muito pouco, pela falta de oportunidade, a difícil condição da roça e devido aos afazeres cotidiano. 
A mesma professora que me alfabetizou, alfabetizou praticamente todos os jovens dessa época, inclusive dois dos meus irmãos. Quanto à prática dessa professora, continuou ao longo dos anos, a mesma: ditado de palavras soltas, lições de tabuada, cópias de textos dos livros, leituras decorativas e o jogo de perguntas e respostas copiadas tal qual estava no livro. Ao termino do ano letivo, o aluno era aprovado para a série mais alta. 
Se não me falha a memória, estudei com D. Benedita até a 2ª Série, para ir ao Colégio Público. Nesse período, o aluno só poderia ser matriculado aos 07 (sete) anos de idade. Não havia Educação Infantil, somente Educação Primária. As técnicas de ensino eram centradas no professor. Ele é quem detinha o conhecimento e quem fazia o depósito do saber, no aluno. Não podia ser contestada e nem questionada. 
2.3. A minha chegada a escola pública
Para escrever esse memorial busquei as minhas recordações do passado. Em 1969, fui matriculada no Colégio Augusto Carvalho, a única escola pública, até aquele momento, no município. Este colégio tinha como diretor Dr. Ralile, professor e advogado, muito querido e respeitado pela seriedade, cultura, inteligência, caráter e postura diante dos alunos e dos pais. Lembro-me bem do uniforme azul petróleo, saia plissada até os joelhos, com suspensório e camisete branco. O uniforme era muito elegante. As salas eram pequenas, abarrotadas de alunos. Nem bem começou as aulas e a professora nos deixou para casar. Lembro-me de seu casamento, pois a Igreja onde se casou, ficava na Praçada Matriz, atual Praça da Independência, em frente de onde morávamos. O casamento da professora Eliane Almeida, esse era o seu nome, foi lindo. Somos amigas, pois crescemos na mesma cidade, embora ela seja bem mais velha que eu, as nossas famílias se conhecem há anos. Não me lembro de como era o ensino nesse colégio. No ano seguinte, o colégio foi demolido, causando um grande clamor social, até os dias de hoje, seus ex-alunos falam com tristeza deste dia. Bom, com a demolição do Augusto Carvalho fomos levados para o Colégio Otavio Mangabeira, onde fiquei somente por um ano, em que tive aulas com Telma Carneiro e outra professora linda, esposa de um médico. Com o passar dos anos, eles foram embora para a cidade de Itabuna. 
No ano de 1971, meus pais resolveram se mudar para São Paulo, onde cursei a 3ª série, tenho vaga lembrança da professora que se chamava Ana, mas não me lembro de seu sobrenome, apenas que tinha uma filha, que também estudava na mesma turma. Professora Ana era agradável, mas todo o resto me foge a memória. 
Em 74 voltamos a Itamaraju, onde cursei a 4ª série, no Grupo Escolar Castro Alves. Tive como professora Marinélia, muito competente, e carinhosa. Em contrapartida, a diretora da escola era uma peste. Lembro-me muito bem da minha chegada ao Grupo Escolar Castro Alves, que tinha como diretoras D. Zelita e D. Sizaltina. Imagine essas duas mulheres na direção de uma escola. Eram aterrorizantes. Só de trazê-las a memoria, vivencio nitidamente os maus tratos, as humilhações, os castigos e principalmente, o preconceito e a discriminação que éramos tratados, em nome da aprendizagem. D. Zelita, era uma pessoa de nos levar aos extremos: amor x ódio. Ela dizia que era amor, mas hoje, compreendo com tortura, preconceito, racismo, assédio moral, enfim, tudo que era possível para humilhar alguém, a diretora providenciava. Todos os alunos tinham pavor dela. Quando dizia: “D. Zelita tá vindo, ou, vou falar com D. Zelita”, ninguém esperava, ou tremia nas pernas. 
Lembro-me do uso tradicionalíssimo de ensino, aulas repetitivas, em que os professores usavam sempre os mesmos métodos nas aulas de português, em que éramos obrigados a conjugar listas e mais listas de verbos, e a leitura era realizada, usando os textos que vinham nos livros didáticos; os professores tomavam a lição dos alunos e exercitavam nossa escrita através de copias em que copiávamos os textos dos livros. Em matemática era ensinado como armar e efetuar as continhas das quatro operações; era tomada a lição da tabuada semanalmente. Essa pratica de ensino nem sempre deu certo, pois sentíamos um desespero quando nos deparávamos  com a tabuada e, esquecíamos o que havia sido memorizado ou decorado em casa, ou com algum texto novo. Algumas operações, até hoje não me fogem a memória, outras nunca conseguir lembrar o resultado.
Os métodos dos professores eram quase sempre iguais, o que os diferenciavam um do outro era a personalidade de cada um, existia aquele mais simpático e compreensível e, aquele mais duro e descompromissado com a educação. Eu, não me identificava com nenhum deles, pois sempre me mantive distante. Acreditava que estava ali apenas pra tirar boas notas e passar de ano como era o objetivo da escola, embora essa percepção viesse a mudar quando entrei na universidade. Acredito que a missão da escola vai além do que vemos hoje em dia, pois o ato de ensinar é sublime, é uma relação de amor. Ao fim do ano letivo de 1974, fui aprovada para a 5ª série. Já não mais existia o Curso de Admissão.
2.4. Passagem pelo Ensino Fundamental II
Creio que o sonho de quase todos que estudam é o momento de sair do Fundamental I e ir para o Fundamental II. Lembro-me da alegria, quase euforia por está na 5ª série (6º Ano). Creio que não era tanto pela nova série, mas pelo novo espaço físico escolar. A fantasia de todos os adolescentes da minha época era estudar na Escola Polivalente. Muitos queriam lá está, não pela aprendizagem, mas pelo prédio, pelo status de ser aluno daquela escola. Era um mundo novo. Vários professores, várias disciplinas – era um universo novo a ser desbravado. O primeiro dia, nessa nova escola não sabia o que fazer, nem como agir. Eu me senti deslocada naquele lugar. 
Ao longo do fundamental II, as dificuldades foram se somando, conseguia me sair muito bem em quase todas as disciplinas, mas Português passou a ser um entrave em meu caminhar. A professora, da 5ª série ao 8ª série, era mesma: Profa. Ceci. Ela e o esposo - o prof. Nelson, que dava aulas de Língua Inglesa e ela com Português e Linguagem. Infelizmente, a professora não conseguia facilitar a aprendizagem, mas dificultava tanto, ao ponto de o aluno teme-la e ser reprovado, porque não conseguia aprender.
E assim, a Língua Portuguesa passou a ser meu desafio e ao mesmo tempo minha derrota, pois me levou a ser reprovada na 8ªsérie, minha primeira grande derrota. Derrota porque a minha reprovação causou-me um trauma tão grande, que nunca mais me permitir participar de qualquer cerimonia de aprovação em curso. 
2.5. Escola que excluí
Lembro-me como hoje, que a escola promovia ao final da última série do Fundamental II, uma cerimonia como se fosse uma colação de grau. Essa cerimonia era realizada na Igreja matriz da cidade, os alunos se vestiam com glamour e eram acompanhados por seus pais (garotos – pelas mães; garotas, pelos pais), e assim todos ao ouvirem seus nomes, chamados um a um, por quem dirigia o cerimonial, tomava seu pai ou sua mãe e, ia até a mesa para receber uma espécie de certificado de aprovação para o Ensino Médio. Infelizmente, sem saber o resultado, pois para aqueles que fizeram prova final, o mesmo só sairia após essa cerimônia, então, muitos compareceram a cerimônia na esperança de receber o seu certificado de aprovação. E eu como tantos outros, não vimos nossos nomes serem chamados. E assim, tive a minha primeira decepção escolar.
Ser reprovada em uma série, por uma única disciplina refletiu em minha prática pedagógica ao tornar-me professora de Língua Portuguesa, bem lá na frente. A atitude da professora me levou a refletir sobre a prática correta de se ensinar, pois ela não se preocupou em ensinar a forma correta, e essa atitude me levou a criar mecanismos que facilite a aprendizagem dos meus alunos. 
Sempre busquei me envolver com as aulas, mas me limitei apenas a ouvir, não porque eles não me deixavam participar das aulas, mas porque procurava absorver tudo que era explicado pelo professor. E após repetir a 8ª série e diante da iminência de deixar a Escola Polivalente, acreditava que deveria ingressar numa escola que me proporcionasse uma boa educação, em nível médio e um curso que me preparasse para a vida profissional, porém me deparei com uma grande surpresa, curso nenhum lhe prepara para o mercado de trabalho.
2.6. A Passagem: O Ensino Médio
Em 1981 comecei minha caminhada pelo Ensino Médio. Sempre me preocupei com minha formação e sonhava em ser médica, mas agora tudo seria mais difícil, pois não tinha condições de fazer um curso preparatório e tampouco acreditava que a escola pública me daria embasamento para ser aprovada em um vestibular para uma universidade pública, onde a concorrência era bastante grande e geralmente os aprovados eram filhos de famílias de classe alta, pois além de não precisarem trabalhar, tinham tempo de sobra e dinheiro para os cursinhos, ao contrário de mim, que precisava trabalhar e sem a menor condição de ir para uma cidade maior, estudar.
Tentei seguir em frente, continuar meus estudos sem me preocupar com o que faria ao concluir o Ensino Médio. Após concluir o primeiro ano do Ensino Médio, tinha que optar pelo curso profissionalizante. Na época o Colégio Inácio Tosta Filho oferecia três cursos: Magistério, Técnico em Saúde e Técnico em Administração. Optei em cursar Técnico em Administração, crendo que após o término, estaria pronta para trabalhar em uma grande empresa, ou até mesmo em uma Multinacional. Ledo engano, pois o término do curso não é garantia de um bom emprego. A única certezaque tive foi a de um emprego em um escritório de uma Madeireira, empresas muito comum na região, devido à extração de madeira da Mata Atlântica. Após um breve período nesse escritório, me vi trabalhando na área de saúde de 1983 a 1986.
Com a dificuldade de vagas de emprego na cidade, fiquei desempregada, de 1986 a 1991. Nesse intervalo de tempo, cansada de nada fazer, resolvi preencher o tempo e voltei à escola para fazer Magistério. Já no segundo ano do Magistério engravidei e tive meu primeiro filho, em 1989, momento em que houve uma necessidade de parar o curso e me dedicar ao bebê. Mas, após dois anos, senti a necessidade de retoma-lo, para minha satisfação pessoal, pois sempre gostei de estudar, e também, para ajudar e incentivar o meu filho e o outro que já estava chegando. Nesses dois anos, afastada da escola e dos amigos sentia muita vontade de retomar, mas me faltava coragem e confiança em mim mesma, pois estava passando por graves problemas psicológicos que me separavam ainda mais da volta aos estudos.
Em 1991, apesar de todas as dificuldades em que me encontrava naquele momento, retomei os estudos e me matriculei no 3º (terceiro) ano do Magistério no Colégio Inácio Tosta Filho. Não fui sozinha, meu outro bebê passou a ser meu companheiro de caminhada nos estudos, enquanto o mais velho ficava com minha mãe. Nesse mesmo ano, fui convidada para lecionar, substituindo uma colega que estava saindo de licença maternidade e lá permaneço até hoje, na sala de aula.
Ainda do Magistério, no primeiro ano tive um professor singular, mas não fui à única, pois seu método de ensino era o mesmo em todas as turmas que lecionou e já duravam vários anos. Quando começava a aula de Literatura, que era a disciplina ministrada por ele, todos os alunos que se encontrava em sala de aula tinha que sair da sala e esperar que ele nos chamasse por ordem alfabética e sentar no lugar designado por ele todos os dias, ao longo do ano letivo. A pesar de seu método ser muito rigoroso foi de grande ajuda para o desenvolvimento de minha leitura e interpretação, pois era exigido por ele que todos os alunos lessem um romance semanalmente e que os resumissem. Esse método não funcionava com todo mundo, alguns alunos copiavam a introdução ou o resumo do livro.
Alguns alunos odiavam esse professor e sempre colocavam chicletes em sua cadeira e em suas anotações, eu me mantinha neutra; não tinha porque odiá-lo nem defendê-lo, ele estava cumprindo sua função de ensinar. Parando um pouco para refletir sobre o passado, posso dizer que este foi, realmente, um professor inesquecível.
2.7. Meus primeiros passos, na academia.
Acredito que minha vida acadêmica começou a partir do momento em que passei a me inscrever no Enem. Como professora de Língua Portuguesa do Ensino Médio, procurei incentivar meus alunos a lerem muito e a participarem do Enem e uma das maneiras foi participando junto com eles. E assim, em 2004 fui selecionada pelo Prouni. Selecionada para fazer Pedagogia pela Unopar, em um Polo na minha cidade. Nossa! Fiquei muitíssimo feliz. Era a minha oportunidade de caminhar em uma instituição de nível superior. Anterior a isso, eu havia participado de um processo seletivo da Uneb, que mantinha uma parceria com os municípios proporcionando formação em nível superior aos professores leigos que estavam atuando em sala de aula, uma proposta do MEC. E assim, eu fazia parte deste grupo seleto de professores sem formação. 
Bem, então servidora pública concursada e o município para o qual eu trabalhava, estava oferecendo a oportunidade de cursar uma graduação por uma instituição de renome e ainda pública, não poderia perder a chance, então me inscrevi, fiz a prova seletiva e fiquei aguardando o resultado, também, no ano anterior, me inscrevi no vestibular de uma instituição particular, na minha cidade, para o curso de Direito; então, ao sair o resultado do Prouni, parece até que havia combinação: todos os processos seletivos publicaram seus resultados. Para minha alegria, havia sido aprovada em todos. A felicidade foi imensa e o orgulho de mim mesma, também, não foi menor. 
Já cursando direito, pois no ano anterior havia sido aprovada, resolvi cursar Pedagogia. Dava para conciliar os dois cursos, trabalhar e cuidar de meus filhos. Era uma tarefa árdua, mas quando se quer vencer, tudo fica pequeno e a gente vai vencendo as etapas. E assim, foram os meus cinco anos de Direito e mais quatro da Licenciatura em Pedagogia, me desdobrando entre as tarefas domésticas, os filhos, a sala de aula e as os cursos.
Tenho boas lembranças dos dois cursos, mas também há momentos tão tristes que prefiro não relatar, pois a ferida não cicatrizada, ao ser cutucada, ela volta a sangrar. Prefiro que a minha não volte a sangrar. O que ficou no passado, deve permanecer lá. Independente das tristezas, esse foi um período importante para minha formação. Foram aprendizados que me marcaram muito e ficaram para sempre comigo, os professores eram diferentes, eles permitiam que os alunos interviessem nas falas, que participassem todo tempo do que era discutido na aula.
O apoio de meus familiares e amigos foi de grande importância nessa conquista. Escolhi o curso de Pedagogia e Direito, porque não havia outras opções, embora, sempre gostasse de Português, Literatura e sonhava em fazer Medicina, mas... O que eu tinha de concreto naquele momento, era essas duas opções, então, agarrei-me a elas como se fossem as últimas coisas do momento. 
Tenho vivido nova experiências a cada dia e, busco aprender coisas que me ajudarão a crescer como pessoa, e agora, como ser uma boa mediadora do conhecimento. E se não for isso que eu quero ser, então estou no caminho certo para descobrir.
2.8. A Experiência profissional
O meu primeiro contrato de trabalho como professora durou apenas sete anos. Fui contratada para ministrar todas as disciplinas do Ensino Fundamental I, para alunos do 4º ano de uma escola pública, em minha cidade. Fiquei muito animada com a idéia de conseguir o meu primeiro estágio e, enfim, passar por a experiência de lecionar.
Lá ia eu, toda esperançosa e animada, era a minha segunda experiência como professora, pois já havia dado aulas no Mobral, minhas primeiras aulas, meus primeiros alunos. A turma era muito difícil, mas devido ao tamanho do município, já conhecia alguns dos alunos. Nela havia crianças de todos os jeitos, algumas tímidas, outras não muito, algumas com facilidade em aprender, outras nem tanto, algumas problemáticas, outras nem um pouco.
Toda a semana, junto aos professores daquela escola, realizava o planejamento para a próxima semana, mas nem sempre era ensinado o que estava no planejamento, pois alguns alunos só queriam saber de brincar e brigar. Tentei de todas as formas chamar à atenção daquelas crianças, mas não conseguia. Quando vi que minha metodologia não funcionava, percebi que tinha que rever meus planos de aula e elaborar uma nova metodologia de ensino, pois acabei repetindo o que havia visto em meu processo de alfabetização e não percebia que o aluno estava ali na minha frente e que ensinar não é apenas transmiti o que sabemos, mas uma troca de saberes entre professor e aluno. Então passei a ouvi-los mais, conversávamos sobre várias coisas, de futebol a novelas, e principalmente desenhos. Com isso consegui fazer com que eles me ouvissem um pouco e interagissem comigo. Naquele momento deixamos de ser desconhecidos.
Aprendi muito com meus alunos, e apesar de todas as dificuldades que tive o aprendizado que trago comigo é muito maior e o levarei para o resto de minha vida.
2.9. Ser professora: da incerteza em busca de uma certeza...
Memória: espaço onde conservo o que vivi e o que imaginei viver. Recordar o tempo em que decidi em ir para a sala de aula, decidi em ser professora significa trazer à tona sonhos e percepções do que é ser professor. Eu digo que eu não escolhi o magistério, mas ele me escolheu. Na adolescência, já havia dado aulas para jovens e adultos – MOBRAL. E, depois desta experiência, jamais penseique voltaria a sala de aula, enquanto professora. 
Em 1991, o magistério público me escolheu. Ainda, estudante do Curso Magistério, a nível médio, quando uma diretora escolar me procurou, para que eu substituísse uma de suas professoras que sairia de licença maternidade, em uma turma da 4ª série, antigo primário. Ainda não sabia o que eu queria, mas já sabia que queria estudar, estudar... Que para mim tem o mesmo significado de conhecer. Achei a proposta desafiadora e resolvi aceitar o desafio. E, optei assim, pelo caminho da educação e, ao concluir o curso em dezembro (1991), já estava na docência da escola de rede municipal de Itamaraju/BA, onde nasci, cresci e moro até os dias de hoje. 
Um único sistema de atuação e uma ampla experiência: professora da Educação Básica, Ensino Fundamental II por 26 anos. O início deste tempo trouxe-me a certeza que se encontrava perdida meio à incerteza, pois a cercania com o conhecimento com os questionamentos e com as bisbilhotices dos alunos, me fez ter um novo olhar do que é ser professor. Ao vê-los personificando sua imaginação, capazes de produzir o pensamento, eu pensava: será que estou apta de fato para ser professora? Tornei-me mais receptível, mais atenta, mais próxima deste universo que era tão distante da minha vida!
Não havia respostas, para muitos dos questionamentos dos meus alunos. Foi quando percebi como eles são sábios, como instituem relações, como possuem argumentações consistentes, como são libertas, espontâneas, afetivas, verdadeiras. Esses são valores que alguns trazem consigo e que só descobri ali, bem próxima ao olhar, aos gestos, às expressões e falas de uma meninice sem reservas e sem os medos da vida adulta. 
O magistério não me ensinou a lidar com as diferentes interrogações. Lecionar para crianças de escola pública de meu município foi uma experiência extremamente significativa. Ao conviver com pessoas simples, obtive um aprendizado que não é normalmente passado nos bancos das universidades, pois para ser um bom professor é preciso ser um mediador do conhecimento e, desenvolver a aprendizagem de seus alunos com competência e criatividade. É leva-los a refletirem sobre sua função como sujeitos transformadores da sociedade.
Nesse momento, me dei conta do fazer professor. A partir deste momento que, verdadeiramente, comecei a ler, produzir e estudar. Tudo tinha sentido. As leituras foram várias, pois havia uma necessidade de conhecer o que, até aquele momento, se fazia desconhecido 
Foi nesse momento que, realmente, comecei ler, produzir e estudar. A diferença é que agora atribuía sentidos a cada parágrafo lido. As leituras? Nossa! Foram diversas. Mergulhei nas leituras literárias porque precisava conhecer o que, até então, estava desconhecido. Precisava conhecer para não fazer com as crianças o que foi feito comigo: um distanciamento do livro e da leitura. Sem falar nas leituras sobre curiosidades, afinal, precisava descobrir porque a chama da vela apagava quando colocávamos um copo sobre ela. E não foi só isso: descobri por que o céu é azul, por que o mar é salgado, por que os cangurus pulam, por que as galinhas botam ovos brancos e beges.
Tomando por base a formação de professores, seu trabalho técnico e cientifico, sua experiência, a aplicabilidade da sua teoria à sua prática, e o tipo de conhecimentos e de competências que os mesmos mobilizam, através de suas ações efetivas para lutar contra essa educação que seleciona, descrimina e exclui – que domina e legitima esse poder. Propus a mim mesma a reconstrução de novas possibilidades para minha formação como professora, que a partir de uma reflexão sobre as minhas práticas, a escola e a sociedade, e da interação dos contextos sociais, políticos, econômicos, é possível uma escola onde não só o professor seja o único detentor do saber.
Busco todos os dias aprende algo novo. E assim, vou buscando em cada curso que concluo, preencher um pouco dessa sede que tenho de conhecer sempre mais. Não é pela titulação que obtenho a cada conclusão, mas o conhecimento adquirido a cada experiência, a cada teoria apreendida, em que as disciplinas contribuem deveras para a minha formação, ao aprofundar, sobretudo autores relacionados ao positivismo, marxismo e fenomenologia, ampliando de forma significativa meu espírito crítico e meu entendimento da realidade.
2.10. Interesse pelo terceiro grau
 "Nunquam satis discitur", significa: jamais saberás o bastante. Logo, a busca pelo conhecimento é eterna. Compreendendo o encanto que tenho pelo magistério e a necessidade de mais aprimoramento, sonho um dia ingressar em no mestrado, doutorado e até mesmo em um pós-doutorado em educação. Antes de tudo isso, busquei me especializar na área em que trabalho.
Desde 1997 tenho atuado como docente da Educação Básica, nas disciplinas de Língua Portuguesa, e no Ensino Médio com Literatura, período em que retomei os estudos acerca da variação linguística, assim como a preocupação com a diversidade no contexto da Educação de Jovens e Adultos, pois a grade curricular dessa modalidade de educação, não contempla a temática, portanto o tema que tem provocado inquietações profundas, que podem ser expressas nas mais diferentes questões. E assim, com esta preocupação e com a sede de conhecer, em 2010, fui em busca de um curso de Especialização Em Educação de Jovens e Adultos, senti necessidade de compreender o universo da EJA, mas qual não foi minha decepção, novamente, percebi que antes de ser emancipadora, a educação, ela é excludente.
A teoria nada tem a ver com a prática, pois além dos momentos solitários, existem as divergências pessoais, que chegam ao ponto de impedir que o aluno não conclua o curso. O fato de o aluno divergir e externar suas opiniões faz com que o professor o persiga, ao ponto de lhe dizer coisas, que jamais um professor da Educação Básica, seria capaz de cometer tal ato. A atitude da doutora para com a sua pequena aluna, me deixou sem fala. Sem ação e reação. A decepção tomou conta de mim. Eu busquei uma educação que liberta e transforma, mas me deparei com uma que reprimia e excluía aqueles que pensavam diferente de seus mestres. Logo, percebi que a teoria não faz a prática. Aqueles que deveriam nos orientar e nos mostrar um fazer diferente, daquele aprendizado que tivemos lá atrás, de uma Escola Tradicionalista, em que só o professor deveria saber, deter o poder do conhecimento, eram os mesmos que nos ensinavam a verdade nua e crua: pode quem manda, obedece quem tem juízo.
E assim, após quase 02 anos neste curso, eu e a colega que divergiu com a professora, perdemos o curso, pois não nos foi permitido concluir. E essa professora, continua lá, com sua prática arcaica, perseguidora, venerada por todos e considerada uma das melhores docentes da instituição renomada. Essa atitude ficou marcada em minha vida e nas buscas que tenho realizado para concluir outro curso.
Dizem que o ser humano, durante sua vida, sofre diversas influências sociais e pessoais, adquirindo saberes de diferentes fontes, que vão se agregando, unindo a sua personalidade e projetando sua existência. Contudo, eu jamais que ser influenciada pelo comportamento de certos professores, que passaram pela minha vida.
Para Tardif (2002), o professor tem emoções, corpo, poderes, personalidade, cultura (s), como ator social, e seus pensamentos e ações transportam as marcas dos contextos nos quais se implanta, apreendendo um corpo de saberes. 
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Novas alternativas vêm sendo vislumbradas numa perspectiva que toma a prática como referência, a lógica da racionalidade prática, alternativa para o enfrentamento do real e das complexidades, nele, existentes, possibilitando a construção de uma prática coerente pela superação da relação “de mão única”, entre o conhecimento científico e a prática pedagógica, através da pesquisa e  reflexão sobre esta, possibilite ao professor se apropriar de conhecimentos. Após trabalhar com professores, tenho a convicção de que o aprendizado da docência, desdeos primeiros anos, implica num processo marcado pelo enfrentamento de desafios e insegurança, que impulsiona a busca por fontes de conhecimento e requer a existência de apoios articulados à experiência e espaços onde as práticas possam ser discutidas e partilhadas.
É, portanto, uma experiência construída socialmente, em diferentes contextos de socialização. Dentre esses espaços destacam-se o contexto familiar e o grupo social mais próximo, o contexto de trabalho na instituição escolar e o contexto de formação profissional. Esses espaços são permeáveis, fontes dos diversos conhecimentos, práticas, valores, crenças, motivos, que vão se configurando na construção da docência.
O crivo da prática docente permite uma apropriação mais reflexiva dos conteúdos trabalhados nas escolas, ao mesmo tempo em que nos favorece uma consciência crítica sobre a própria prática.
Hoje, acredito que possibilitar uma aprendizagem significativa aos alunos exige a ressignificação do processo de aprender do próprio  professor, provocando a necessidade de um projeto formativo que oportunize uma trajetória de apropriação de conhecimento e de reflexão sobre sua prática. Os meios de ensino atuais buscam constatar a construção do conhecimento e causar uma maior competência do pensamento crítico e reflexivo, ademais, buscando promover maior senso de autonomia e aprendizagem ativa na vida daqueles que estudam, defendem Xiaoyan Kipper e Ruutmann. (2003; 2010 apud BORGES, 2014)
Concluo este memorial de minha formação acadêmica dando mais lugar às inquietações do que às certezas, aberto para a construção de novos saberes, que possibilitem a constatação do supostamente “obvio” ou o alcance de novas percepções do vivido, sempre no intuito de contribuir qualitativamente para a sociedade na qual estou inserido. Portanto, Sei que “jamais saberei o bastante”, porém me sobra força e decisão em busca do maior conhecimento que eu puder atingir e transmitir.
 “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito” (Aristóteles)
REFERÊNCIAS 
BORGES, Thiago Ribeiro. A construção do saber no terceiro grau e a formação do professor. 2014. Disponível em: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/a-construcao-do-saber-no-terceiro-grau-e-a-formacao-do-professor/56298. Acesso em: 05/12/2017.
PESSOA, Fernando. O Heteropoeta da Língua Portuguesa. (s.d)
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.