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Savannah Russe As Cronicas de Darkwing V NA ESCURIDAO

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NA ESCURIDÃO 
 
UNDER DARKNESS 
 
 
The Dakwing Chronicles 
 
A CRÔNICA DA ASA NEGRA 
LIVRO CINCO 
 
 
 
 
 
SAVANNAH RUSSE 
 
 
 
 
 
2
 
 
Disponibilização em inglês: Safira 
Tradução: Safira, Jacky Wilson, Ady Miranda 
Revisão e Formatação: Ady Miranda 
Revisão Final: Elenita 
 
 
 
 
 
 
Informação sobre a série 
 
1 - Beyond the pale – distribuído 
2 - Past Redemption – distribuído 
3 - Beneath the Skin – distribuído 
4 - In the Blood – distribuído 
5 - Under Darkness – distribuído 
 
 
 
 
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Introdução 
 
 
Um vampiro é o que um vampiro faz. 
Minha mãe não me disse isso. Percebi por mim mesma. Claro, 
demorei mais de quatrocentos anos para perceber. 
Passei por humana todos estes séculos. Mas, sob uma inspeção 
mais cuidadosa (note as minhas presas, minha pele branca 
translúcida, a minha reação ao alho), fica evidente que não sou. 
Além do óbvio, deixe-me explicar o meu jeito de ser vampiro. 
Não posso morrer se não for através de uma estaca no coração 
(o método preferido de quem nos odeia), ser exposta ao sol ou ser 
atingida em um lugar macio e vulnerável com uma bala feita de prata. 
Tremo só de pensar nisso. 
Devo beber sangue, de preferência humano, mas animal 
também serve. 
Eu sou, devido à minha natureza, viciada em imoralidade, 
buscando o prazer em todas as suas formas, sem importar o quanto 
eu tente ser casta. E eu tento ser casta. Mas falho miseravelmente o 
tempo todo. 
Vivo entre milhões de pessoas na maior cidade do mundo, mas 
sempre serei uma forasteira. Jamais poderei me encaixar. 
Agora você pode entender por que tenho a chance proverbial de 
uma bola de neve no inferno, de ter qualquer compromisso, a longo 
prazo, numa relação homem-mulher. 
Continuo tentando. Porque, mais do que qualquer outra coisa, 
preciso de perdão, redenção, e, oh, sim, do verdadeiro amor. 
Vivo na escuridão, mas acredito que, no fundo do meu coração, 
eu possa encontrar a luz. 
Sem mais delongas, deixe-me apresentar-me. Eu sou vampira. 
Mas sou aquela que está andando para frente, tentando acumular 
algum carma bom. Tenho nome, classificação, número de série e um 
trabalho no governo. Sou a Agente Daphne Urbano, espiã americana. 
 
 
 
 
 
 
 
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Capitulo 1 
 
 
Aquele que vive na esperança morre em jejum. 
-Benjamin Franklin 
 
 
Os passos, lentos e medidos, pesados e determinados atingiam 
a calçada atrás de mim, como o ritmo constante de um tambor de 
funeral. O som só me disse que eles pertenciam a um homem de porte 
considerável. Nem precisava olhar para trás. Sabia que ele significava 
problemas. 
Às três e meia da manhã, a noite estava encoberta, como uma 
mortalha, em Manhattan. Uma rápida chuva de junho tinha recém 
parado, deixando negros os edifícios de pedra, com a chuva. Quando 
passei suas janelas me encararam como olhos vazios, brancos. Até a 
chegada do homem, somente o silvo ocasional dos pneus de um táxi 
amarelo nas ruas molhadas tinha quebrado o silêncio da hora, já 
tardia. Senti o ar fresco, tão afiado quanto uma lâmina de faca, então 
respirei fundo e continuei a andar com minha cadela, Jade, presa por 
uma correia, ao meu lado. 
Olhando para baixo vi o corpo de Jade tenso, o rabo empinado, 
suas orelhas para cima. Os passos se tornaram mais rápidos, se 
aproximando. Para qualquer um que visse, eu parecia ser uma 
simples jovem, mais alta que a maioria e magra como a morte. Talvez, 
como eu passeasse sozinha nas ruas vazias da cidade, um assaltante 
ou um estuprador tivesse me escolhido como presa fácil. 
Esse pensamento fugiu tão rápido quanto veio. Quem era eu 
para brincar? As pessoas sãs, invariavelmente, se afastam de mim, 
dando-me um grande espaço. Algum instinto antigo alertava o pavor 
em seus ossos, dizendo que eu era alguém, não, alguém não, mas 
algo a evitar. Quanto aos malucos de Nova York, que não eram tão 
estúpidos, minha grande malamute, que mais parece um lobo do que 
um cão os mantinha à distância. 
Isso significava que as chances eram de 101 para 99 de que o 
meu perseguidor fosse um caçador de vampiros. Se não fizesse 
alguma coisa rapidamente, eu estaria prestes a morrer. 
A West End Avenue cruzava com o meu quarteirão cerca de 
duzentos metros à minha frente. Comecei a correr e Jade 
 
 
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acompanhou a minha corrida. Alcancei a esquina, virei-me 
bruscamente, abracei a parede de granito de um prédio e parei. Eu me 
virei, agachada e rapidamente liberei a correia de Jade. Preparei-me 
para o ataque. 
Nunca tive essa chance. No momento em que o homem passou 
pela parede do edifício e apareceu, Jade saltou tão rápido, seu corpo 
se tornou um borrão de rosnado e raiva. Com um grunhido que fez 
meu sangue gelar ela atacou, afundando os dentes profundamente no 
antebraço dele. Ele xingou em voz alta. A estaca de madeira polida 
que tinha na mão foi levantada, refletindo a luz de um poste antes de 
girar e cair na rua com um barulho surdo. 
Minha mente tornou-se uma névoa vermelha de raiva, sem 
pensar. Irracional e reagindo, corri para pegar a estaca letal, o que 
significava usá-la como uma arma de defesa. Peguei-a no asfalto. 
Meus dedos longos se apertaram em torno de sua suavidade. Ergui 
bem alto, acima da minha cabeça e corri para o meu agressor, 
olhando-o claramente pela primeira vez. 
Lutando para se livrar de Jade, o caçador era uma visão terrível. 
Vestido inteiramente de preto, era amplo e sólido. Seu pescoço era 
pouco visível, sua cabeça parecia estar diretamente sobre seu corpo, 
tão espessa como os músculos de seus ombros. Ele tinha o porte de 
um lutador construído e uma face assassina, plana, maçante e cruel. 
Uma corrente de elos grossos atravessava o largo tórax na diagonal, 
como uma cartucheira. Mais três estacas estavam penduradas nele. 
A visão das estacas me deixou meio louca. Ao longo dos meus 
séculos sobre esta terra, muitos amigos meus sentiram a agonia 
resultante da ação que tal instrumento oferece. E quando uma estaca 
é dirigida para o coração de um vampiro, dos lábios dele sai um grito 
terrível, um grito lancinante, de um animal em puro terror. Depois vem 
a feroz e horrível queima: a carne murchando e os ossos se 
desintegrando, até não passar de poeira, de uma cinza fina e 
permanente. 
Estas memórias aumentaram a minha raiva. Minha própria 
natureza bestial assumiu o controle da minha alma. Minha boca se 
abriu para mostrar a brancura terrível dos meus incisivos pontiagudos. 
Creio que estava gritando quando saltei para frente, com a intenção de 
cravar a estaca brilhante no caçador. Mas enquanto eu direcionava a 
estaca ele se afastou e ela passou pela sua bochecha, deixando um 
risco vermelho de sangue. Agitando Jade de seu braço, finalmente, ele 
conseguiu ficar em pé. Minha cadela voou em suas pernas, com 
 
 
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latidos e rosnados selvagens de fúria. Ele conseguiu fugir, mas um 
momento antes de escapulir, seus olhos escuros procuraram os meus 
e eu senti o seu ódio. 
Não o persegui. Meu peito arfava, meu cérebro estava girando, 
então parei. Chamei Jade de volta e ela voltou para mim, com a boca 
manchada de sangue. Encontrei a coleira na calçada e agarrei-a. Eu 
ainda tinha a longa estaca de madeira na mão quando minha cadela e 
eu retomamos nossos passos e voltamos para casa. 
 
 
 
Quando passei pelas portas de vidro no hall de entrada do meu 
prédio encontrei Mickey, o porteiro, dormindo em uma cadeira de 
madeira. O New York Post estava aberto em seu colo, sua cabeça 
pendendo, seus roncos subiam e desciam como as preces de um 
judeu no templo. 
Então por segurança e sentindo-me incomodada, me aproximei e 
dei um chute no pé da cadeira. 
-Hein? - disse ele, erguendo a cabeça, as pálpebras piscando 
rápido. -O quê...? – murmurou, com o olhar preso ao níveldos joelhos 
da minha calça jeans desbotada. Ele inclinou a cabeça, erguendo os 
olhos meio abertos, subindo pela minha blusa preta até que se 
concentrou no meu rosto e meus olhos, me fitando sem calor. -
Senhorita Urbano? O que você quer? Sua roupa da lavanderia? O seu 
hálito cheirava a cerveja. 
-Você estava dormindo de novo, Mickey! - dei outro chute na 
cadeira. Minha voz soava estridente mesmo para os meus próprios 
ouvidos. 
Dando uma sacudida na cabeça, ele mordeu o lábio inferior e 
disse: - De jeito nenhum, Senhorita Urbano. De jeito nenhum. Apenas 
descansava meus olhos. 
Eu o cheirei. -Sim, certo. Olha, isto é importante. Esteve alguém 
aqui perguntando por mim? Um cara grande? Talvez mais cedo, hoje? 
 Os olhos turvos de Mickey se abriram e ele olhou para a longa 
estaca de madeira em minha mão. De repente, ele conseguiu. -Não, - 
disse ele e se levantou. -Os ingleses mais uma vez, Senhorita 
Urbano? 
O cérebro de Mickey virou uma omelete por causa da bebida, 
mas ele era um cara durão. Ele enfiou na cabeça que eu estava 
trabalhando disfarçada para o IRA, após tomar uma surra por minha 
 
 
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causa alguns meses atrás. Ele não estava muito longe da verdade. Eu 
era espiã, mas de uma ultra-secreta organização de inteligência 
americana, um grupo sombrio chamado Equipe Darkwings, tão 
sigilosa que nem mesmo eu sabia qual agência tinha me contratado. 
Sou um dos três Darkwings originais, agora somos cinco neste grupo 
antiterrorista, todos nós somos vampiros. 
Minha existência completamente sozinha e noturna já teria sido 
suficiente para levantar questões sobre a minha identidade. Eu 
também recebia entregas de um banco de sangue uma vez por 
semana. Estranhos homens e mulheres apareciam para me encontrar, 
a qualquer hora da noite e eles eram visitantes furtivos, uma gama de 
pessoas que ia desde um detetive da polícia de Nova York até um 
homem da máfia. 
Privado de saber de alguns dos mais sombrios aspectos da 
minha vida, o velho porteiro, cansado da vida, tinha chegado a uma 
explicação para mim que era muito melhor em seu esquema de coisas 
que a verdade. Ele até podia imaginar que eu fosse espiã, mas 
vampira, bebedora de sangue, que parecia estar na casa dos vinte 
anos, mas que tinha mais de 400 anos de idade? De jeito nenhum. 
Portanto, meu recente caso de amor com o orgulhoso irlandês, St. 
Julien Fitzmaurice, que muitas vezes parava algum tempo para ouvir 
as histórias do porteiro e discutir os problemas da Irlanda do Norte, fez 
Mickey se convencer que eu era um Provo1, o que foi legal. 
Eu também nunca poderia esquecer que Mickey se colocou no 
caminho do mal para me defender. Minha voz ficou mais suave 
quando respondi se estava com problemas novamente. -Para dizer a 
verdade, não sei - eu disse. – Fique ligado, ok? 
Agora totalmente desperto e pronto para ação, ele disparou: -
Não se preocupe comigo. Trabalhei em Dublin, mas cresci na Irlanda 
do Norte, você sabe. 
-Eu sei, Mick e que belo rapaz você deve ter sido - eu disse com 
um sorriso gentil. -Quem está de dia esta semana? 
-McDougal. Vou informar tudo a ele. Nós temos cobertura, 
Senhorita Urbano - ele me assegurou. 
-Obrigada, gostei de saber. - Puxei a coleira de Jade e fui para o 
elevador com o passo animado, mas estava com um peso no meu 
coração. Esperava que minha vida dupla não matasse Mickey ou 
 
1 Provo, membro do Exército Republicano Irlandês Provisório ou IRA, uma organização paramilitar 
da Irlanda no Norte. 
 
 
 
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qualquer outra pessoa do meu prédio, algum dia. Apertei o número do 
meu andar e quando a porta se fechou eu pensei, o mal está frustrado, 
mas não vai embora. Ele apenas espera por um momento mais 
oportuno. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capitulo 2 
 
“Não há maior benefício prático 
 do que fazer algumas falhas no início da vida", 
-Henry Thomas Huxley, sobre a educação médica. 
 
 
 
Ao anoitecer, na noite seguinte, o ligeiro sussurro de asas 
invisíveis me despertaram do sono e dos pesadelos que me 
incomodavam. O ar úmido na minha cripta cheirava a mofo, neste 
quarto escondido por trás da estante de livros do 
corredor do meu apartamento. Sentei-me no caixão e olhei em torno 
das trevas, que não filtravam sequer um raio de luz. Este é o espelho 
da minha alma, pensei e, de repente, percebi que estava muito 
irritada. 
Saí do interior forrado de cetim, que, embora perfumado, 
mantinha o distinto cheiro de terra da Transilvânia, terra que estava 
debaixo do travesseiro. Eu estava nua, flexionei as costas, estiquei os 
braços finos acima da cabeça e decidi que precisava de um levantador 
de humor infalível: um doce e preto café, seguido por algumas 
compras, numa séria terapia. 
Onde fazer compras? Eu pensava. Na Saks da Quinta Avenida, 
que para mim era coisa de senhora velha e decadente, de qualquer 
maneira, mas ficava aberta até às oito horas. A hiper Bloomingdale's 
na Cinquenta e Nove com a Lexington permanecia aberta até as dez, 
todas as noites da semana. Esse era o meu horário. 
Na verdade, minha loja favorita, a meca das compras, era a 
Neiman Marcus, mas a melhor loja da cadeia estava na Galleria em 
Houston, Texas. Já que eu não tinha absolutamente nada no meu 
calendário social (Será que eu realmente tinha um? Do tipo: sangue 
tipo O à meia-noite! Uma escapadela a procura de sexo anônimo 
como ferramenta para o amor verdadeiro!), eu, por um breve 
momento, acalentei a idéia de um vôo noturno, em seguida, vetei. Os 
cortes nas companhias de aviação e a falta de atendimento ao cliente, 
juntamente com os procedimentos de segurança opressivos e 
ineficazes, tiraram o divertimento dos vôos comerciais. 
Nesses dias, quando eu voava, era geralmente sob meu próprio 
poder. Desde que eu me transformasse em um enorme morcego para 
 
 
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voar, precisava ser altamente seletiva sobre o tempo e lugares que 
decolava para a imensidão azul. Uma vez, extasiada com o luar e 
desatenta ao que flutuava abaixo, voei ao longo da costa Atlântica e 
deixei as pessoas do navio de cruzeiro Queen Elizabeth II em estado 
de emergência. Os passageiros que passeavam no convés superior 
me viram e entraram em pânico. Os médicos do navio os 
convenceram de que alguém tinha posto algum alucinógeno na fonte 
de coquetel de champanhe. 
Apesar dos riscos de ser descoberta, nunca iria desistir de voar. 
Voar em minha forma de morcego, com a quebra fantasmagórica das 
amarras da terra, tornou-se uma experiência Zen, o mais próximo do 
nirvana que eu poderia conseguir. 
Não, só menti sobre o caminho para o nirvana. Eu sabia muito 
bem que havia outro caminho. Por que eu mentiria? A longa vida que 
tenho vivido cheia de disfarces, subterfúgios e escondendo minha 
natureza de vampiro significava que eu mentia muito, tanto para mim 
quanto para os outros. E estava mentindo para mim agora mesmo, 
impulsionada pela minha vergonha, pois eu queria ser moral e casta 
como uma freira. 
No entanto, o outro caminho para o satori, nirvana ou felicidade, 
chame do jeito que você quiser, era prolongado e desinibido, 
satisfazendo completamente o sexo tântrico com o homem certo. 
E se eu ousasse confessar, sabia exatamente quem era esse 
"homem certo" para o sexo, de qualquer maneira. Era uma relação 
sustentada, que tinha acabado por ser o Sr. Errado: Darius Della 
Chiesa, um lindo pedaço de macho que também era mentiroso, traidor 
e um enganador SOB2. Alguns meses atrás ele roubou meu coração e 
depois, o quê? Pisou nele e me deixou arrasada, invadiu minha alma 
como uma sombra. 
De repente, meu humor de merda voltou com força total. Bati a 
porta secreta de minha cripta em meu apartamento enquanto as 
janelas revelavam o roxo perfeito de umaNova York no crepúsculo do 
verão antecipado. Parei em frente ao espelho do corredor. Meus 
cabelos longos e escuros estavam caídos ao redor do meu rosto 
pálido. Meus ombros estavam caídos. Meus olhos tinham perdido o 
brilho. Eu tinha um olhar desbotado. Uma noite de compras? Inferno, 
eu precisava de algo mais drástico: uma reforma total. Talvez isso 
 
2 SOB, Son of Bitch, um insulto muito utilizado. 
 
 
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pudesse aliviar a depressão que me atingiu desde a última missão dos 
Darkwings. 
Desci do alto da adrenalina que havia me sustentado quando eu 
estava na ativa direto e, atualmente, estava à deriva entre as relações, 
mais uma vez me encontrei sem objetivo ou direção na vida. Pior 
ainda, uma combinação de tédio e frustração sexual me deixava cada 
vez mais assombrada pelas memórias de Darius. 
Que diabos estava acontecendo comigo?! Eu me repreendi. Eu 
estava a poucos dias de me casar com ex-agente do Serviço Secreto 
St. Julien Fitzmaurice, meu romance de recuperação pós-Darius. Fitz 
realmente me propôs casamento, assumira o compromisso, foi aberto 
e honesto. Ele desistiu de ser humano para se tornar vampiro, como 
eu. 
E eu o mordi? Hmmmm, sim, mas não o suficiente para fazer 
dele um morto-vivo. Em vez disso, desisti do casamento e o mandei 
embora, literalmente. Agora ele estava em fuga. Minha mãe, nada 
romântica, queria matá-lo. Seu lema é: "homens mortos não contam 
contos" e Fitz sabia demais sobre os vampiros de Nova York. 
Em vez de lamentar a perda de um cara realmente bom, eu 
ficava pensando, Darius, Darius, Darius. Seus olhos azuis. Suas mãos 
fortes. Seu riso, seu charme, sua paixão. Mesmo 
sabendo que ele estava atualmente em turnê pela Alemanha com sua 
banda de rock, a Darius DC e o Projeto Vampiro, flagrei-me 
observando as pessoas nas ruas, esperando ilogicamente 
vê-lo andando na minha direção. Quando eu fechava os olhos durante 
a noite, estava de volta em seus braços. Nós vivíamos brigando como 
cães e gatos, quando ele partiu, mas tudo que eu lembrava era que 
fizemos amor como animais selvagens e loucos, sem barreiras. 
Deus, é melhor eu ir com calma. Eu precisava tirar Darius fora do 
meu sistema. Talvez uma limpeza de cólon ajudasse. Entrei na 
cozinha distraidamente, acariciando a cabeça de Jade quando ela saiu 
da cama de cachorro e ficou ao meu lado, pronta para ser alimentada. 
Tinha vindo do quarto, onde não dormi, mas vesti a roupa quando ouvi 
o guinchar de Gunther, meu rato branco. As necessidades dos meus 
animais de estimação eram simples: cocô, comer e beber, xixi, dormir 
e brincar. Queria que as minhas fossem tão elementares. 
Poucos minutos depois, sentei-me na cozinha segurando uma 
caneca com uma mão, sorvendo o café preto e virando as páginas da 
edição de hoje do New York Times com a outra. Lia as notícias e 
comecei a rir com a notícia da coluna Metro Briefing sobre um homem 
 
 
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de Connecticut, que se confessou culpado de explodir banheiros 
públicos portáteis em três cidades. 
Ele se declarou culpado e no tribunal disse que um medicamento 
prescrito o fez pensar que as latrinas estavam espionando-o. 
Ri também de um criminoso estúpido no Alabama que colocou 
uma máscara de esqui, antes de realizar uma invasão de domicílio e 
gritando para um homem idoso - Dê-me todo o seu dinheiro e valores. 
E, Paw-Paw, eu quis dizer tudo! - O avô chamou a polícia para dizer-
lhes que seu neto lhe roubara cinquenta dólares. 
Estava prestes a voltar para a seção de Artes, para iniciar o jogo 
de palavras cruzadas, quando notei outra notícia inócua enterrada nas 
últimas páginas da primeira seção: 
 
 
 
Na segunda-feira, 5 de junho o Intrepid Sea, Air & Space 
Museum vai deixar sua casa no cais do Pier Oitenta e seis na Décima 
Segunda Avenida com a Rua Quarenta e Seis, em Manhattan, para 
ser rebocado para Newport, Virginia, para uma renovação de US $ 8 
milhões de dólares. O navio será repintado e sofrerá uma completa 
remodelação exterior. Novas áreas do interior, incluindo a sala da 
corrente da âncora, no geral, as salas de atracação e da oficina serão 
acessíveis ao público pela primeira vez. O complexo do museu será 
reaberto no outono. 
Embora o grande porta-aviões da Segunda Guerra Mundial, 
Intrepid, estivesse ancorado a uma curta distância do meu 
apartamento, nunca tive tempo para visitá-lo. Já tinha visto 
o David de Michelangelo, em Florença, o Coliseu, em Roma, a Torre 
Eiffel, em Paris e o Big Ben em Londres, mas como a maioria das 
pessoas, ignorei a história no meu próprio quintal. 
Enquanto lia pensava: - Bem, acho que não vou ver o Intrepid 
neste verão - quando o celular começou a tocar. Deixei-o tocar meu 
toque atual, o tema musical da série televisiva Os Sopranos enquanto 
localizava o quebra-cabeça, então, preguiçosamente estiquei o braço 
e atendi ao telefone. Achei que era minha melhor amiga, Benny 
Policarpo, chamando com a notícia de uma venda especial ou algo 
igualmente urgente. 
Achei certo. Era minha companheira na Equipe Darkwing, uma 
vampira linda, loira, de seios fartos, de Branson, Missouri e de todos 
os lugares improváveis. Sua voz alegre me deu um - Ei - gritado. Ela 
 
 
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falou e, em seguida, balbuciou sobre seu affair firme com um vampiro 
chamado Martin. 
As relações de Benny tendem a ter uma data de validade mais 
curta do que um litro de leite. Elas azedam rapidamente e deixam um 
gosto ruim na boca. Eu meio que ouvi enquanto fazia as palavras 
cruzadas e murmurava, pois era conveniente. 
-Benny, - eu finalmente disse, cortando-lhe a palavra. -Qual o 
nome do cabeleireiro novo e quente que você usa? 
-Você quer dizer o Nick? O cara daquele programa de televisão 
TLC What Not to Wear! 
-Sim, ele. Acha que posso conseguir uma rápida consulta? 
-Não é o caso. Ele tem uma lista de espera de um quilômetro de 
comprimento. Alguns de seus assistentes são bem legais. 
-Eu não sei. Esta é uma grande coisa para mim. Tenho cabelo 
comprido há quanto tempo? Quatrocentos anos? Se eu resolver 
reestilizá-lo, preciso amá-lo. 
-Talvez você deva apenas aparar as pontas - ela sugeriu. Eu 
podia ouvir a água corrente. Sabendo que ela não cozinhava, 
tampouco estava lavando pratos. Imaginei que ela estava prestes a 
tomar banho. 
-Aparar as pontas não vai modificá-lo - disse eu, rindo da minha 
própria inteligência. - Preciso fazer algo drástico. Estou 
enlouquecendo. Não sei qual é o problema comigo. Não consigo fugir 
dessa tristeza. 
-Querida, é compreensível. - Ela falou em voz alta sobre a água 
borbulhando no fundo. -Quero dizer, Fitz era gos-to-sís-si-mo e você 
estava praticamente andando para o altar quando disse para ele ir 
embora. Quem de nós poderia imaginar encontrar um cara disposto a 
passar a eternidade com a mesma mulher? Não pode ser fácil superar 
isso. Qualquer um estaria chateado. 
 Precisei morder a língua. Na verdade, foi muito mais fácil 
desistir de Fitz do que pensei. Eu amava o cara, mas não estava 
apaixonada por ele. Na verdade, poucos dias antes de aceitar seu 
anel de noivado eu o traí com outra pessoa e o próprio pensamento do 
que fiz ainda me constrangia. 
Meu "deslize" não foi um bom sinal de que eu estava falando 
sério sobre o casamento e eu sabia disso. Jamais teria sonhado em 
fazer isso com Darius. Estava tão apaixonada por ele. Oh, merda, lá 
estava eu de novo pensando em Darius. Murmurei - Sim, Benny, eu 
sei. Mas foi a coisa certa a fazer. 
 
 
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-Claro que foi! Você foi tão nobre sobre isso. - A voz dela estava 
cheia de empatia e me senti uma bosta por enganá-la. - Tudo o que 
você precisa fazer para se sentir melhor é apenas ir em frente, - disse 
ela. -Agora, vamos pensar sobre isso, você fazer o que deseja. Devo 
pedir outro cabeleireiro ou você quer esquecer o cabeloe ir ao clube 
vampiro comigo? 
Eu sabia o que ela estava sugerindo: uma rapidinha, uma transa 
tipo “fazer e sair fora” com um vampiro bonito. A nossa espécie 
poderia ser as crianças para o princípio de Freud de que passamos a 
vida procurando prazer e evitando a dor. Sem consequências por um 
comportamento promíscuo, sem filhos, nenhuma doença, nenhum 
compromisso, os vampiros só fazem o que querem, com quem 
querem, sempre que querem. 
Mas isso não era para mim. Estive lá, fiz isso, tinha a camiseta. 
A comparação entre fazer amor com alguém que eu realmente 
gostasse e fazer sexo anônimo não era mais emocionante 
do que espirrar. Ok, estou mentindo de novo. Às vezes, me sinto bem 
no momento, mas depois me odeio. Essa é a verdade. 
-Obrigada, Benny, mas não, obrigada - eu disse. – Quer saber? 
Você está certa. Preciso esquecer o cabelo, por enquanto. Vamos 
apenas fazer compras em vez disso. Você pode me encontrar na 
Bloomie's lá pelas oito? 
-Claro. Devo chamar a Audrey? - Audrey Greco, uma 
bibliotecária vampira que era novata no Darkwings. Ela se juntou a nós 
na nossa missão anterior. Audrey tinha um aspecto sombrio, com 
pesados óculos negros que devia ter sido moda entre os sugadores de 
sangue no Greenwich Village lá por meados do século XIX, tornou-se 
amiga de ambas, Benny e eu. 
-Absolutamente. E outra coisa, Benny... 
-O quê? 
Respirei fundo e exalei forte. Meu coração estava começando a 
disparar. Eu só precisava dizer. - Fui atacada por um caçador de 
vampiros na noite passada. 
-O quê?! - Eu podia sentir sua voz ficar triste quando as palavras 
saíram com pressa: - E você está bem? Você deve estar bem. Você 
está falando comigo. Você o matou? Quem era ele? O que 
aconteceu? Que merda. Que merda. Que merda. - Sua voz subiu de 
volume com a histeria incipiente. -Como ele a encontrou? O que você 
vai fazer? 
 
 
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-Benny, acalme-se. Estou bem. Não tenho nem mesmo um 
arranhão. Eu não o matei. Ele fugiu. E não sei o que fazer. Basta ter 
cuidado, eu acho. 
 -Você tem que chamar sua mãe. Eu sei que você não quer. Mas 
prometa-me! Você precisa de proteção. - Suas palavras estavam 
tingidas pelo medo. 
Benny estava certa. Devia deixar minha mãe saber do meu 
atacante. O problema é que eu não gosto de dizer nada para a minha 
mãe. Pior ainda, Marozia "Mar-Mar" Urbano não só era minha mãe, 
mas era também minha chefe. A titereira invisível que puxava as 
cordas da operação de inteligência. A mulher que era conselheira do 
Presidente da nossa nação (e com Bill Clinton, muitas vezes, sobre a 
parte mais íntima do corpo), e uma verdadeira crente, não apenas em 
tornar o mundo mais seguro para a democracia, mas também na 
condução de minha vida. 
Naturalmente, ela era vampira também. Mestra na ilusão, Mar-
Mar parecia ser uma gracinha, corpo com piercig, tipo neo-hippie, que 
parecia ter vinte, ou, no máximo, vinte e dois anos de idade. Na 
realidade, ela vive há mais de mil anos. Os olhos dela diriam isso 
imediatamente, se alguém tivesse a audácia de olhar de perto. Através 
deles pode-se vislumbrar sua alma e essa alma era mirrada, 
desconfiada de tudo e muito antiga. 
Antes de desligar, jurei para Benny que iria ligar para Mar-Mar e 
disse que iria vê-la na Bloomingdale's. Garanti-lhe que tinha certeza 
que nenhum homem carregando uma enorme e escura estaca de 
madeira estava me seguindo. Podia jurar que ela ficou nervosa com 
aquilo. 
Depois de falar com Benny ao telefone não fiz nada por algum 
tempo. Fiquei ali sentada, olhando para o nada, meu pé pulando 
nervosamente. Eu estava com problemas, sabia que estava. De 
alguma forma os caçadores de vampiros tinham me identificado. Mais 
precisamente, as pessoas que enviaram os caçadores de vampiros 
tinham me identificado. Meu melhor palpite era de que aquelas 
pessoas eram do Opus Dei, uma organização secreta dentro da Igreja 
Católica Apostólica Romana, tão amplamente divulgada no best seller 
O Código Da Vinci. 
Eu não tinha como verificar se qualquer um dos relatos ficcionais 
de Dan Brown era verdade. Mas sabia de uma coisa dentre tantas 
verdadeiramente assustadoras sobre o Opus Dei: seus membros, ou 
supranumerários, praticavam a "mortificação corporal", o que 
 
 
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significava que usavam os chicotes para a autoflagelação e usavam 
em torno de sua coxa um cilício, uma corrente de metal com pontas 
que se enterravam na carne. Seu fundador, Josemaría Escrivá, 
escreveu uma vez sobre o sofrimento: "Bendiga a dor. Ame a dor. 
Santifique a dor. Glorifique a dor!” 
Eu poderia pensar em um monte de coisas para amar. Dor não 
era uma delas. Mas o Papa João Paulo II canonizou Escrivá e assim 
Roma fez dele um santo. 
A organização adotou matar vampiros, com gosto similar ao 
fanatismo. Mantiveram em sua sede, em Manhattan, arquivos 
meticulosos sobre os avistamentos de vampiros e incidentes ao redor 
do mundo. Meu colega de espionagem Cormac O'Reilly, que fora 
plantado no local como recepcionista até recentemente, o meu 
"manipulador" em espionagem J, e eu, arriscamos a vida para 
recuperar tantos arquivos quanto pudéssemos. Mas o assalto não 
desestimulou o grupo, evidentemente. O Opus Dei prometeu erradicar 
a todos nós, "demônios", e agressivamente recrutou e treinou 
caçadores de vampiros para fazê-lo. 
Minhas chances de sobrevivência eram de uma rápida queda a 
quase nulas. Precisava pesar minhas opções. Sabia que seria atacada 
novamente. Talvez eu devesse deixar a cidade por um tempo. 
Finalmente consegui me recompor o suficiente para telefonar 
para Mar-Mar em sua casa em Scarsdale, o calmo enclave no 
condado de Westchester, quase quarenta quilômetros ao norte de 
Nova York. Ela não utilizava telefones celulares. Telefones fixos eram 
mais seguros, ela sempre dizia. Agora sua voz estava rude quando 
atendeu o meu telefonema, como se estivesse no meio de algo 
importante. O que, provavelmente, ela estava. 
-Olá, Mar-Mar, - eu disse categoricamente. 
-Querida! Eu ia ligar mais tarde. Não, realmente eu ia. Mas eu 
estou bem no meio de uma coisa, receio. – Eu a ouvi cobrir o receptor 
do telefone com a mão e falar rapidamente para outra pessoa. 
-Você está, obviamente, ocupada, - eu disse. -Olha, não vou 
demorar muito. Pode dar à sua única filha, talvez dois minutos do seu 
tempo? - Eu perguntei, com uma borda de impaciência na voz. 
- Nunca estou ocupada demais para você, querida. Você sabe 
disso, - ela respondeu. Eu, frequentemente, estava no rodapé da sua 
lista de prioridades. - Sua voz soou engraçada. Algo errado? 
 
 
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Eu girava o fio do telefone no dedo. -Sim, de certa forma. Agora, 
não fique chateada, mas fui atacada por um caçador de vampiros na 
noite passada. 
Houve silêncio por um momento. Mar-Mar, em seguida, 
perguntou: - Você foi atacada? Por um caçador de vampiro? Tem 
certeza? 
-Claro que tenho certeza! Conheço um caçador de vampiros 
quando vejo um. Ele tentou me matar! 
-Calma, querida. Preciso pensar por um minuto. Um caçador de 
vampiros em Manhattan é uma situação grave. Raramente eles agem 
isoladamente. Nunca é um evento aleatório. Como é que eles a 
encontraram? Preciso que você me conte o que aconteceu. Desde o 
início. Onde você estava? A que horas foi isso? - Ela tinha começado 
a soar menos como minha mãe e mais como uma investigadora de 
polícia. 
Respondi as perguntas. Ela perguntou sobre o que lhe parecia, 
se ele estava sozinho, se fui seguida anteriormente. Em nenhum 
momento ela perguntou se eu estava bem, nem uma vez. Mas deixou 
para jogar a afirmação bombástica no final: - A última vez que tivemos 
caçadores de vampiros em Nova York você estava envolvida com o 
rapaz que, você sabe quem, trouxe para cá. 
- Darius não pode ter nada a ver com isso. Por que você ainda 
diz isso? Você nunca gostou dele, isso é tudo. Ele não está na cidade.Ele nem está no país. Está excursionando pela Europa com sua banda 
de rock. - Percebi que estava começando a lamentar. 
Eu ouvi algo como um grunhido do outro lado da linha. -Você 
tem certeza sobre isso? - ela perguntou. 
-Sim! Não. Ok, não tenho cem por cento de certeza. Não falei 
com ele nenhuma vez... - Hesitei. Ela sabia que Darius voltara para 
Nova York procurando por mim, depois que comecei a ver Fitz? -... por 
um longo tempo. 
-Bem, eu não ia dizer nada para você, - disse minha mãe, 
imediatamente, obtendo minha total atenção. - Ouvi algo de meus 
velhos amigos do Greenwich Village sobre o Darius DC e o Projeto 
Vampiro cancelarem alguns shows da turnê e restituírem o dinheiro. 
Então, talvez ele não esteja na Europa. 
Meu coração disparou no peito. - Será... Será que você já ouviu 
alguma coisa? - Engasguei. 
-Não, claro que não. Eu diria a você, se tivesse. 
Claro que diria, pensei. 
 
 
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- Posso lamentar por dizer isto - acrescentou ela, com voz firme, 
- mas é melhor você descobrir onde ele está. Precisamos chegar ao 
fundo do por que você foi alvo dos caçadores. 
-Ok, - eu disse, imediatamente comecei a pensar em quem 
chamar para conseguir informações. Então eu disse, como um 
adendo, -Oh, Sim. Queria dizer a você que se sou um alvo, talvez 
fosse melhor eu sair da cidade por um tempo. Estava pensando no 
Texas. Estava pensando que poderia sair amanhã noite. Poderia 
esperar a poeira baixar. Não sei. Acha que isso é uma boa idéia? - Eu 
me sentia inquieta e distraída. 
Minha mãe não disse nada. 
-Mar-Mar? Você está aí? Você acha que isso é uma boa idéia? 
-Não, Daphne, não acho, - disse ela secamente, em seguida, 
gritou para alguém, - Estarei por aqui em um segundo. Esse altar 
parece ótimo. Receba os vasos, senão vão manchar. 
-Por que não? Porque foi minha idéia? Você sempre rejeita as 
minhas idéias. - Eu estava, definitivamente, choramingando agora. 
-Pare de ser juvenil. O fato é que você não pode ir a qualquer 
lugar. Os Darkwings estão sendo chamados para uma nova missão. 
Pensei que J já tivesse contatado você. Você tem uma reunião sobre 
isso esta noite. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capitulo 3 
 
"Peço para enviar-me o meu coração, 
 porque não posso ter o seu." 
-Sir John Suckling 
 
 
Enquanto esperava J chamar, sentei-me no banco alto na 
bancada de granito da cozinha para uma segunda xícara de café 
preto. Terminei o quebra-cabeça e voltei a manusear 
o jornal. Vi o anúncio de um casaco de tênis felpudo Juicy Couture 3e 
calças à venda na Bloomie's, bem como uma saia jeans da 7 for All 
Mankind4 que seria o ideal para este tempo variável de junho. Estava 
recortando o anúncio quando o telefone finalmente tocou. 
Como esperava, J estava na linha, chamando-me para uma 
reunião de emergência. J nunca falava, só gritava ordens. Eu tinha 
que estar no nosso escritório no Edifício Flatiron na Rua Vinte e Três 
às sete, ele disse agudamente. 
Não sou muito boa em seguir ordens. Talvez em reação ao 
controle da mão de Mar-Mar, tentando orientar minha vida em todos 
os momentos, questiono a autoridade como um reflexo. Então pulei 
nos meus calcanhares. Em vez de dizer, Sim, sim, senhor, eu disse na 
voz mais doce possível, - Eu não posso chegar às sete. Vou tentar as 
sete e meia. 
A resposta de J tinha aquele tom sufocado de alguém prestes a 
explodir. - Você vai tentar chegar aqui? Temos um alerta vermelho. 
Uma emergência nacional. Largue tudo e traga sua bunda aqui. Agora. 
-Não. Eu não posso. Sério. Veja, minha mãe, sua chefe, também 
me deu uma ordem. Tenho que fazer alguns telefonemas para ela 
antes sair daqui esta noite. Presumo que seu pedido também seja 
uma questão de segurança nacional. 
Ok, eu estava deitada de novo, mais ou menos. Gostaria de 
fazer alguns telefonemas pelo celular a caminho da Bloomie's. As 
compras não iriam demorar muito. Qual era o mal? Como uma meia 
 
3 Juicy Cuture, marca de roupa que vai do fofo ao brega. 
4 7 FOR ALL MANKIND, marca de roupas jeans californiana, que se diferenciam pelo 
conforto, design e modelagens únicas que se encaixam em qualquer pessoa, de qualquer 
parte do mundo. 
 
 
 
20
hora iria fazer alguma maldita diferença? J, obviamente, gastou o 
tempo antes de ligar para mim, então eu não estava com vontade de 
sair correndo só porque ele decidiu que agora era conveniente para 
ele organizar a reunião. 
J levou algum tempo antes de me responder. Ele não poderia 
revogar Mar-Mar, então teve que admitir o argumento. - Roger. 
Termine o que você vai fazer. Venha para cá o mais cedo possível. 
Lembre-se - ele rosnou: - cedo é na hora certa. Em tempo é tarde. 
Não posso atrasar a reunião por você mais do que quinze minutos. 
- Bem, você acabou de fazer o que precisava ser feito, - disse 
eu. Desliguei antes que ele começasse a gritar. Ele devia estar, 
provavelmente, com dez tons de roxo. Eu gostava de puxar sua 
corrente. 
Benny chamou a seguir, cancelando as compras, sua voz alta e 
gorjeante animada com o chamado de volta ao trabalho. Não contei a 
ela sobre minha pequena rebelião contra J ou dos meus planos de 
chegar atrasada. Não precisava nem da desaprovação com seu 
silêncio nem de uma palestra. 
Depois me vesti rapidamente com calças para ioga e um felpudo 
casaco de treino, francês. Alisei o cabelo para trás em um coque 
apertado, seguro por um clipe. Quando saí do elevador para o lobby 
do prédio, poucos minutos depois, notei que Mickey havia criado um 
posto de tiro no lobby. Ele encontrou uma pesada mesa de metal para 
substituir a antiga mesa da recepção, que era uma frágil mesa 
francesa provincial. Estrategicamente, trocou o encosto das cadeiras, 
cobertas de brocado de seda e deu-lhe uma cobertura Black and Tan, 
para o caso de alguém entrar pela porta da frente com armas de fogo. 
Mickey, com os cabelos grisalhos cobertos por um chapéu e os 
ombros curvados, estava do outro lado da sala, absorto em uma 
conversa sobre uma entrega da FedEx com o corretor a quem 
pertencia o rottweiler do 9B. Mas, enquanto eu andava, o porteiro sub-
repticiamente levantou a bainha do casaco do uniforme para revelar 
uma pistola presa na parte de trás das calças. Ele me lançou um olhar 
rápido e piscou. Mostrei-lhe o polegar para cima. 
Saí do prédio com cautela. Examinei a rua nas duas direções e 
observei o movimento. Olhei para os carros estacionados, tendo 
tempo de verificar um SUV preto, com as janelas profundamente 
escurecidas por uma película, que despertou minha suspeita. Quando 
fiquei convencida de que não estava sob vigilância, chamei um táxi. 
 
 
21
Um táxi amarelo com uma mossa no pára-choque traseiro 
encostou-se ao meio-fio. Abri a porta mas não entrei até dar uma 
olhada cuidadosa no condutor. Era um cara magrelo, preto, com 
cabelos grisalhos e um maço de Camel sem filtros, no bolso da 
camisa. De acordo com o ID exibido no painel de instrumentos, seu 
nome era Myron Jones. 
-Onde? - ele perguntou quando entrei. Eu disse e ele resmungou 
alguma coisa ininteligível, pegou uma prancheta, anotou meu destino, 
então começou a mexer no rádio com uma mão e com a outra ele 
puxou o carro para o tráfego. A locução de voz era distorcida por um 
pop ocasional e assobios, mas o motorista conseguiu sintonizar os 
Yankees contra os Red Sox, que jogavam e me ignorou totalmente. 
Toda sua hostilidade, apelo homicida e más vibrações eram dirigidos 
ao Boston, que estava liderando por dois na parte superior do sétimo. 
Isso era quase que uma garantia de que ele não era um caçador de 
vampiros como eu pensava. 
Do interior sombrio do táxi irregular, cujo banco traseiro beliscou 
minha bunda com suas molas arqueadas, comecei a fazer ligações. 
Eu tinha alguns contatos que poderiamme dar algumas 
notícias sobre Darius, mas não muitas. Ele era um espião mais 
experiente do que eu e conseguiu esconder até mesmo os detalhes 
mais básicos sobre sua vida, incluindo o endereço de seu 
apartamento, a identidade de sua família, e, claro, a localização de 
sua base de operações. 
Mas quando fiquei frenética depois que Darius foi baleado diante 
dos meus olhos e levado para um hospital em algum lugar secreto, J, 
de todas as pessoas, mandou um funcionário da agência de Darius 
entrar em contato comigo. O cara foi muito decente. Embora ele não 
tivesse me dito seu nome, deu-me um número de contato para ligar. 
Apenas cortesia entre profissionais. Mais tarde, quando Darius e eu 
nos reconciliamos e voltamos a fazer uma rumba horizontal todas as 
noites, espiei seu material depois que ele caiu em um sono pós-coito. 
Sua carteira tinha os números do seu gerente da turnê, de um cara 
chamado PR, que descobri ser da mãe do seu baixista, em Jersey. 
Estava orgulhosa de revistar os seus bolsos, enquanto ele 
cochilava? Claro que sou uma merda de pessoa. Mas então, nunca 
teria descoberto que a vocalista da banda, uma garota de cabelos 
encaracolados, uma vadia tatuada chamada Julie, também era espiã e 
ex-namorada de Darius se eu não tivesse bisbilhotado. Enganar-me 
uma vez, que vergonha. Enganar-me duas vezes? Isso não vai 
 
 
22
acontecer. Não sou uma pessoa confiante. Se fosse, teria morrido há 
séculos atrás. Resumindo, coletei os pedaços de informações que 
pude e guardei para usar quando precisasse. Agora eu estava usando. 
Por conseguinte, como Mar-Mar sugeriu, fiz perguntas. Descobri 
que, após a banda fazer um show em Hamburgo, Alemanha, Darius 
anunciou para a sua comitiva que estava sofrendo de exaustão e 
estava preocupado em prejudicar suas cordas vocais. Ele cancelou o 
resto das datas na Alemanha e disse que estava tendo algum R & R5. 
O gestor da turnê tinha uma vaga idéia de que Darius poderia estar na 
Turquia. Ele ouviu Darius perguntar sobre o aluguel de uma vivenda 
em Bodrum. Evidentemente, Julie também sofria de exaustão. Darius 
arrumou as malas e partiram juntos em uma Mercedes branca. Eu 
senti linhas duras se formando em meu rosto ao escutar esse bocado 
de novidades. 
Quando o táxi parou na frente da Bloomingdale's descobri que 
ninguém sabia, realmente, onde Darius ou Julie estavam. Ninguém 
sabia quando voltariam. Ninguém ouvira falar deles por quase três 
semanas. Todos com quem eu falava diziam que Darius entrou em 
depressão depois de nossa separação e que ainda tinha fortes 
sentimentos por mim. Todos me asseguravam que sua saída com 
Julie não era o que parecia: ele não estava dormindo com ela. Sim, 
certo. E o papa não é católico. 
Fiquei rígida dos pés à cabeça ao pensar naquela mulher. A 
pequena cadela assassina tentara me matar duas vezes e os ataques 
foram chamados de mal-entendidos. A explicação oficial que Mar-Mar 
passou para mim foi que Julie não sabia que eu era uma companheira 
espiã. Ela era considerada experiente e altamente operante. Era de 
grande valia para sua agência. Qualquer um poderia cometer um erro. 
Ela nem sequer levou um tapa na mão. 
Às vezes eu sonhava em encontrá-la frente a frente em um beco 
escuro. Eu não queria matá-la. Só queria enfrentá-la de forma justa. 
Agora, depois de pagar o taxista e antes de entrar pela porta da 
loja de departamentos, fiz uma última ligação para um serviço que usei 
antes. Pedi um indício de atividade nos cartões de crédito de Darius (é 
claro que levantei os números dele) e pedi uma 
pesquisa das companhias aéreas para ver se ele e/ou Julie haviam 
tomado um avião comercial da Alemanha. Se eles tivessem viajado de 
transporte militar, eu estaria sem sorte. 
 
5 R & R, repouso e lazer. Estar de folga. Descansando. 
 
 
23
Com certeza não acreditei na história da exaustão de Darius. Eu 
não sabia o que ele e Julie estavam fazendo, mas a idéia de estarem 
juntos caiu como um pontapé no meu plexo solar. Eu não conseguia 
recuperar o fôlego. Quando finalmente consegui respirar, queria atacar 
com os punhos alguém ou alguma coisa, até que a dor dentro de mim 
parasse. Derrubar o transeunte mais próximo teria sido estúpido, 
então sublimei e olhei em torno, procurando algo que pudesse 
comprar, como um alvo que pudesse atacar como vingança. 
Ignorei os balcões de perfume. Esqueci-me das liquidações. Fui 
para as escadas rolantes e para as últimas coleções de design. 
Quando pisei no chão meus olhos brilharam, meu sangue esquentou. 
Vi mulheres amontoadas em torno de um rack de vestidos de cocktail. 
Não hesitei. Corri, ataquei a multidão e violentamente arranquei 
um vestido da Mandalay para fora do rack, parando a mão estendida 
de outra cliente com um olhar malicioso e um jogo de corpo. O vestido 
era algo digno de aplauso: com um decote nas costas em forma de V, 
que ia desde os ombros até a cintura e um belíssimo bordado em 
strass. Mil e quinhentos dólares por um vestido que eu poderia nunca 
ter uma chance de vestir. Pode soar como uma indulgência 
vergonhosa. Não é assim. Emocionalmente eu precisava de um 
vestido e precisava dele agora. 
Para acompanhar a compra do vestido, sapatos e uma bolsa de 
mão. Quando terminei as compras já passara muito além da hora 
prevista que imaginei anteriormente. Uma culpa mesquinha começou 
a picar meu cérebro. Peguei os pacotes e chamei um táxi. Entrei, 
suspirei profundamente e fechei os olhos. Porque eu não podia ser de 
todo ruim ou de todo boa. Não ter de lidar com esta paisagem interior 
cinzenta de indecisão, que parecia me levar a lugar nenhum, só para 
os problemas? 
 
 
 
Quinze minutos depois finalmente empurrei a porta que dava 
para o escritório dos Darkwings no terceiro andar do velho Edifício 
Flatiron. Letras douradas anunciavam: ABC MEDIA, INC., A 
HARVARD YARD CORPORATION escritas no vidro fosco. A porta 
estava velha, o local desatualizado. Ninguém pensaria que espiões, 
espiões-vampiros, estariam em reunião por trás dela. 
No interior, as lâmpadas de baixa potência deixavam a sala de 
conferência nas sombras. No entanto, pude ver claramente a carranca 
 
 
24
de J. Vestindo seu uniforme de gala, classe A, enfeitado acima do 
coração com linha após linha de medalhas parecendo uma salada de 
frutas, ele estava ereto na cabeceira da mesa retangular. Para mim, 
ele sempre parecia como se tivesse um atiçador no rabo. Esta noite 
seus lábios estavam apertados com tanta força que estavam brancos. 
Seus olhos azuis brilhavam como mármore, frio e com raiva, ao me 
ver entrar. 
-Agente Urbano, ele falou. - Confio que você completou seus 
telefonemas. - Ele deu um olhar maligno para as grandes sacolas 
marrons da Bloomingdale's. Eu tinha três delas nas mãos. 
Meus companheiros, Cormac, o dançarino temperamental 
irlandês, Rogue, o corpulento motociclista, Benny, a de boa índole e 
Audrey, a erudita, estavam dois e dois, divididos por gênero, nos lados 
da mesa. Todos olharam para mim sem sorrir. Senti um arrepio de 
vergonha por meu egoísmo, por mantê-los esperando. Benny, que 
havia cancelado suas compras para se certificar de chegar à reunião a 
tempo, parecia especialmente irritada. 
Colei um sorriso no rosto. Eu disse para J, - Sim senhor, missão 
cumprida. - Sentei na cadeira ao lado de Benny e murmurei para ela: - 
Estas são para devolução. Pensei que poderia ter uma chance de 
levá-las de volta após a reunião. 
Ela balançou a cabeça e revirou os olhos. Então ela colocou 
seus lábios, com um batom vermelho brilhante, perto da minha orelha. 
-Isso é tão ridículo. 
Eu já tinha visto Benny e Audrey em base regular desde nossa 
última missão, mas não tinha conversado com Cormac O'Reilly desde 
a festa que dei, cerca de um mês atrás, no que seria a recepção do 
meu casamento.Minhas sobrancelhas subiram de surpresa quando vi sua 
aparência alterada. Cormac fora dançarino da Broadway por longa 
data, passou anos na linha do coro de Cats. Ele, normalmente, 
favorecia seu físico com camisas apertadas, sapatos italianos e, às 
vezes, um lápis delineador. 
Não mais. Uma barba de poucos dias escurecia seu rosto. Ele 
usava uma jaqueta preta de motoqueiro de pele de cavalo, apesar de 
estarmos em junho. Uma camiseta com a gola rasgada e um jeans 
preto completavam seu novo visual, o que o fazia uma cópia carbono 
de Rogue, sentado ao lado dele. A imitação é a forma mais sincera de 
lisonja. Ou isso, ou Cormac tinha alguma paixão por Rogue, um 
homem grande e bruto. 
 
 
25
Baixei o conceito de Cormac e muito. Eu tenho esse direito. Eu o 
conheço há duzentos anos. Vivemos nos mesmos círculos. 
Disputamos os mesmos amantes. Não nos falamos por vinte anos 
depois de um incidente com um barqueiro lindo e jovem em Veneza. 
Meu companheiro era um complexo, difícil, irritante e 
contraditório vampiro, cujas feições viravam a cabeça de homens e 
mulheres. Ele não era transformação minha. Eu o conhecia muito 
bem. Mas precisava dar ao meu velho amigo uma folga. Ele e eu 
éramos espíritos afins quando ele veio enfrentar uma eternidade de 
mortos-vivos e já tínhamos vivido séculos, sabíamos melhor do que os 
novatos Benny ou Rogue que a eternidade era um tempo muito longo. 
Eu também não tinha visto Rogue, o motociclista vampiro, que 
ostentava um nariz amassado e uma atitude grosseira, ele raspara a 
cabeça desde a noite da minha festa. Verdade seja dita, Rogue tinha 
sido a causa do meu "escorregão" e da minha vergonha. Traí Fitz com 
este tosco bárbaro. Então, quando fizemos, estávamos suados e eu 
estava me sentindo bastante fina. Depois ele sorriu e me disse que 
tinha me seduzido apenas para provar que podia. Isso me deixou puta. 
Na noite da minha festa planejei minha vingança premeditada, 
com dolo. Cormac e todos os outros convidados se retiraram pouco 
depois das duas da manhã, mas incentivei um Rogue bêbado a ficar. 
Então, depois de esconder suas roupas, eu o deixei nu, insatisfeito e 
algemado à minha cama durante a madrugada. 
Rogue tinha quebrado a cabeceira da cama para libertar-se, mas 
minha satisfação tinha valido o preço de substituí-la. Ouvi de Mickey, o 
porteiro, que um cara grande, que estivera na minha festa, deixou o 
prédio antes do amanhecer usando uma toalha de banho na cintura e 
nada mais. Eu me recusei a oferecer uma explicação, mas Mickey riu 
e disse que a forma como o rapaz estava tentando esconder as 
algemas penduradas quando pediu dez dólares para um táxi foi 
engraçado como o inferno. Eu dei uma nota de vinte a Mickey para 
compensar os problemas e os meus agradecimentos. 
Esta noite Rogue mantinha o rosto sem expressão, ele notou a 
minha entrada. Ele me deu um breve aceno de cabeça em troca do 
que eu lhe oferecia. Para mim, minha brincadeira significava que 
tínhamos nivelado o campo de jogo. Esperava que ele olhasse para 
isso da mesma maneira. Sangue ruim entre nós seria um infortúnio. 
Pensei que éramos ambos profissionais o suficiente para trabalhar em 
conjunto sem rancor. Pelo menos, eu esperava que sim. 
 
 
26
Quanto a Audrey, não podia dizer no quê ela estava pensando. 
Uma vampira angular, magra, de ascendência grega, que até 
recentemente usara óculos fundo de garrafa que faziam seus olhos 
parecerem pequenos e profundos. Na semana passada fez uma 
cirurgia LASIK e jogou os óculos fora. 
Agora, ela levantou os enormes olhos castanhos e olhou para 
mim de forma míope, como se eu ainda não estivesse em foco. Achei 
que ela estava preocupada com seus pensamentos, não me vendo 
realmente. Seu pulso esquerdo estava envolvido em um curativo 
totalmente branco. Achei estranho. As feridas dos vampiros curam 
rapidamente, então, esta lesão deve ser grave, de fato. 
Neste ponto, J pigarreou e sua voz de comando quebrou meu 
devaneio. - Agora que a Agente Urbano chegou, vamos começar. 
Temos uma situação altamente incomum para resolver. - Ele botou as 
mãos atrás das costas e apontou os olhos acima de nossas cabeças, 
ao começar a falar novamente. - É uma questão de grave 
preocupação para a inteligência dos Estados Unidos, Estado-Maior 
Conjunto e para aqueles a par da situação no Ministério da Marinha. 
Temos, de fato, uma séria ameaça à segurança nacional. – Ele fez 
uma pausa. Seus olhos inquietos passaram de um a um os membros 
da equipe. 
- Mas para ser franco - disse ele - neste momento não sabemos 
com o que estamos lidando. 
A excitação subiu como mercúrio pelas minhas veias. Este 
trabalho me deu uma razão para acordar e sair daquele maldito caixão 
todas as noites. Eu não fui voluntária para me tornar espiã, mas 
adorei. É para isto que vivo agora: o conhecimento de que eu, 
juntamente com meus amigos, tínhamos o poder de sermos os 
protetores do bem comum e que eu, uma vampira criada para ser má, 
poderia ser algo mais do que um pária desprezível e uma figura de 
pesadelo. Esta se tornou a base da minha autoestima. 
Eu me chutei mentalmente pela estupidez de ter jogado com J 
nesta noite. Debitei meu comportamento e tolice à minha imaturidade 
emocional. Fui transformada em vampira quando tinha apenas dezoito 
anos pela mordida de um rei cigano. Privada do acesso normal à 
maturidade, vivi quase meio milênio com meus hormônios em fúria, 
como uma adolescente e o meu julgamento, muitas vezes marcado, 
por rebeldia adolescente. 
Eu queria ser uma pessoa melhor. Fiz uma anotação mental 
para tentar com mais afinco e pensar antes de reagir a J. Ele apertava 
 
 
27
meus botões do mesmo modo que minha mãe fazia. Eu era esperta o 
suficiente para ver a bandeira vermelha. Só precisava disciplinar-me 
para parar, olhar e escutar. 
Enquanto estava devaneando, J passou as pastas de papel 
manilha que sempre recebíamos no início de uma nova atribuição. 
Desta vez elas estavam tão recheadas de papel que tinham mais de 
uma polegada de espessura. 
Benny, a primeira a receber a pasta, abriu a dela e começou a 
ler alguns papéis que estavam dentro. Rapidamente fechou-a, bateu a 
mão sobre ela e falou. -J, querido, você não pode cuspir fora o que 
está acontecendo? Não sou muito de ler este conjunto de chatices 
aqui, coisas sobre um velho navio da marinha que foi transformado em 
museu e ancorado rio acima. 
O corpo de J passou de forte para rígido. Chamá-lo, o nosso 
oficial superior, de querido, sem dúvida o chateava, como Benny bem 
sabia. Às vezes ela agia como Marilyn Monroe no velho filme Some 
Like It Hot, mas seu QI era enorme. Ela tinha uma língua tão afiada 
que podia cortar um peru de Ação de Graças. Ela tinha suas próprias 
questões com J e não tomar partido foi o melhor que fiz. Isso é o que 
um vampiro faz. Não jogamos bem com os outros. 
Dei uma espiada na minha pasta e vasculhei os papéis. 
Estimava pelo menos cinquenta páginas datilografadas no 
espaçamento simples. Pelo que vi de relance, o conteúdo parecia ser 
a história naval da Segunda Guerra Mundial, incluindo desenhos em 
escala de um porta-aviões. Poderíamos levar algumas horas para 
percorrer todo este material. 
J se voltou, deixou cair as mãos para os lados e gritou: -O 
consenso daqueles mais acima é que os dados de base darão a 
velocidade de resolução deste caso. 
-Bem, senhor, agora, não basta ter tudo isto. Posso ser apenas 
uma caipira humilde de Miz'ora, mas na minha mente, que não há 
consenso, esta é uma pilha de merda de vaca - a nativa de Branson 
bateu com as unhas perfeitamente manicuradas sobre a pasta 
fechada. -E, docinho, talvez os chefões não saibam que nosso amigo 
motociclista Rogue não é o que vocês chamam de "Orientado para 
Impressão”, sem ofensa, querido. 
-Não me ofendi - disse Rogue e virou-se para J. - Gostaria muito 
de receberum resumo verbal. 
- Idem - disse Cormac, a cópia carbono. 
 
 
28
Nós todos acenamos com a cabeça em concordância, incluindo 
Audrey, que, com sua experiência em Nova York e sobre a história da 
cidade, podia já estar familiarizada com algumas das informações. 
Discretamente fechei a pasta e ninguém abriu a deles. Juntos, 
olhamos para o nosso comandante. J enfrentou um motim nas fileiras 
e decidiu que era o melhor critério de valor, como Falstaff disse uma 
vez. Ele limpou a garganta. 
-Simplesmente, o USS Intrepid desapareceu. 
-É mesmo? - Rogue resmungou e se recostou na cadeira, 
esticando suas pernas tronco de árvores debaixo da mesa e chutando 
minha cadeira, acidentalmente de propósito. 
Eu o ignorei, tentando ver o sentido do pronunciamento de J. -
Sumiu? - Perguntei. - Li no Times que o navio foi transferido para ser 
reformado. Onde foi que disse que estava acontecendo? Newport 
News? 
J assentiu. - Isso é verdade. O Intrepid foi agendado para a 
reforma. Iria para Virginia. Mas ele nunca chegou lá. Ele se foi. 
-O que você quer dizer com 'ele se foi’? - Benny perguntou. –Foi 
para onde? Você não pode perder um porta-aviões da Segunda 
Guerra Mundial. O que é isso, um bloco da cidade? 
J travou os dedos atrás das costas mais uma vez, ficou parado e 
respondeu sem consultar suas notas. - O USS Intrepid pesa 27.100 
toneladas. Tem 26.578 metros de comprimento. Navegava com um 
capitão e uma parte da tripulação sob seu comando há dois dias. O 
comandante do porto e três rebocadores o escoltou para fora do porto 
de Nova York. O navio zarpou em curso para o sul. Foi avistado pela 
última vez fora de Asbury Park. 
-Tudo bem. E daí? Eles não podem encontrá-lo? Deve ter 
afundado ou coisa assim - disse Rogue, cruzando os dedos sobre a 
barriga lisa. 
Audrey perguntou: - Teve algum SOS? Quais eram as condições 
climáticas? 
- Nenhum sinal de socorro. Névoa da manhã. Mar calmo - J 
respondeu. 
-Talvez uma onda trapaceira? - Audrey aventurou. 
-Não é provável. Ele estava a uma milha ou algo assim, ao largo 
da costa de Jersey, - J respondeu. 
Eu interrompi impaciente, minha emoção declinava e sentia-me 
decepcionada. -J, o que está acontecendo aqui? O Intrepid 
desapareceu no mar. Como isso pode ser um problema de segurança 
 
 
29
nacional? Desapareceu um navio velho, de sessenta anos de idade, 
que foi transformado em um museu para turistas. Se não tivesse sido, 
teria sido afundado de qualquer maneira. Não tem nenhum valor 
militar. Nenhum material bélico a bordo, certo? É muito provável que 
vazou como uma peneira. Ele afundou. Seus destroços serão 
localizados por sonar, mais cedo ou mais tarde. O que estamos 
realmente fazendo aqui hoje? 
J balançou a cabeça muito lentamente. – Estou ouvindo você, 
Agente Urbano. Repito, estamos aqui para encontrar o Intrepid. É uma 
questão de segurança nacional. Não tenho a liberdade de dizer mais 
do que isso neste momento. Quanto ao seu possível afundamento, 
isso não aconteceu. 
-O navio, você deve entender, é um símbolo do poderio militar 
americano por sua navegabilidade. Resistiu a um ataque com 
torpedos e dois kamikazes japoneses no Pacífico. Esses ataques não 
afundaram o Intrepid. Uma explosão massiva pode enviá-lo 
ao fundo, mas, nada menos e isso não aconteceu. Acredite em mim, 
todos os outros cenários que você sugeriu, foram investigados, sem 
resultados positivos. 
Ele respirou fundo e olhou para cada um de nós, no olho, antes 
de falar novamente. 
-Não sabemos muito, mas aqui está o que sabemos. O navio foi 
visto ao largo da Costa de Jersey na manhã de segunda. Muitas 
testemunhas eram pescadores esportivos. Pessoas em embarcações 
na área. Suas histórias combinam: névoa, neblina ou fumaça, alguma 
coisa mudou em alguns minutos e obscureceu o navio. Quando o ar 
ficou limpo novamente, o navio havia desaparecido. Ele estava lá e 
então ele não estava mais. A Marinha tentou falar com o capitão pelo 
rádio do navio. Não obteve resposta. 
-Além disso, o navio estava dentro da área de cobertura de 
celular. Esforços foram feitos para o contatar o telefone da tripulação. 
Nenhum contato foi feito com qualquer um dos tripulantes a bordo. A 
Marinha mandou jatos de Long Island. A Guarda Costeira chegou ao 
local em 20 minutos. Não encontraram nada. Nem detritos. Nenhum 
destroço foi encontrado no fundo. 
-Depois de uma investigação oficial, podemos confirmar 
positivamente apenas uma coisa: O Intrepid sumiu. Parece ter 
desaparecido no ar. 
 
 
 
 
30
Capitulo 4 
 
 Quero saber o que ele diz... O mar, 
 Floy, o que é que ele continua a dizer? 
 Charles Dickens em Dombey e Filhos 
 
 
 
-Bem, puta que pariu. É a merda do Philadelphia Experiment de 
novo. - Rogue bufou alto e sentou-se, raspando a cadeira contra o 
chão. 
J encarou Rogue e então lhe respondeu, a voz toda gelo. - Isso 
nunca aconteceu. 
-O que nunca aconteceu? Do que vocês estão falando? - Benny 
se inclinou para frente incapaz de reprimir o sorriso brincando em seus 
lábios enquanto observava os dois homens. Ela gostou do que viu: 
dois machos alfa tentando mijar na mesma árvore. 
Rogue virou a cabeça raspada para J com o queixo levantado. -
Talvez tenha acontecido e talvez não. Mas precisamos ver isso. Bote a 
informação para fora. Qual é a problema realmente? 
-O desperdício de tempo - J disse com desdém. 
- Acho que o cavalheiro protesta demais - Cormac interrompeu, 
afrescalhado, mesmo com sua roupa de motoqueiro. - Gostaria de 
fazer uma proposta: Vamos deixar Rogue falar. Alguns segundos? 
- Tenho uma segunda proposta - Benny falou. 
J bateu a palma da mão sobre a mesa. -Chega! Não votamos 
nesta sala. Eu estou no comando. Não Rogue. Nem qualquer um de 
vocês. Então escutem. O Experimento Filadélfia é falso. Não foram 
localizados registros para confirmar o evento ou para confirmar o 
interesse da Marinha em tal experiência. 
-Que foi...? - Benny perguntou. 
J fez um sinal desesperado e disse. - No outono de 1943, o 
encouraçado USS Eldridge, supostamente, foi feito invisível e tele 
transportado do seu cais nos Estaleiros Navais da Filadélfia para 
Norfolk, na Virgínia. Supostamente, os membros da tripulação do 
navio mercante civil, o SS Andrew Furuseth, testemunharam o 
Eldridge se materializar em Norfolk. Digo supostamente porque não há 
registros de confirmação de que o Eldridge já ancorou na Filadélfia ou 
que o Furuseth já atracou em Norfolk. A coisa toda é um mito. 
 
 
31
Rogue zombou. - Claro que é. Porque o governo diz que é. E 
nós sabemos que os navios nunca estiveram naquele lugar porque o 
governo diz que não há registros disso. Certo? 
- Isso é correto. - J assentiu. 
Rogue insolentemente se recostou na cadeira novamente, tirou 
um palito do bolso da camisa e enfiou na boca. Ele levantou uma 
sobrancelha para o nosso "comandante". A disputa pelo xixi continuou. 
- Bem, agora, senhor, o governo nunca mente ou destrói registros, não 
é? 
Rogue cruzou os braços sobre o peito e olhou para Benny. - O 
que J deixou de fora, mocinha, são alguns fatos conhecidos. Um: 
Albert Einstein era um consultor da Secretaria de Abastecimento da 
Marinha naquela época. 
- Dois: Um monte de gente sabia que eles estavam brincando 
com o Eldridge, com a instalação de cabos, fazendo alguma coisa. 
Claro, quando as pessoas perguntavam a Marinha explicava para as 
testemunhas dizendo que era apenas a desmagnetização do navio, 
em outras palavras, colocando os cabos elétricos em volta do casco 
do navio para neutralizar o campo magnético. Isso o tornaria 'invisível' 
para ser detectado por dispositivos.As pessoas devem ter se 
confundido, isso é tudo, disseram eles. 
-Três: uma testemunha do navio mercante Furuseth, um cara 
chamado Allen ou Allende, conversou com a imprensa. A Marinha 
revidou. Sua cúpula disse à mídia que Allen era maluco ou lunático. 
Allen, em seguida, suicidou-se convenientemente. Alguns dizem que 
ele foi assassinado. 
- Quatro: Um cientista respeitável demonstrou que um campo 
eletrônico pode criar um efeito de miragem da invisibilidade por que 
refratam a luz. Claro, ele só fez isso com um carretel de linha e não 
com um navio de batalha. Mas ele mostrou que poderia ser feito, 
sabe? 
-Você me pergunta? A coisa toda cheira a acobertamento. 
Sempre. 
Enquanto Rogue falava, a cor de J foi subindo, rastejando como 
uma mancha vinho até o pescoço, inundando o rosto com um 
vermelho feio e escuro. O homem estava quase tendo um ataque 
cardíaco. 
 -De qualquer forma - Rogue continuou enquanto mexia o palito 
para cima e para baixo entre os dentes - agora, aqui, é o Intrepid, 
outro navio militar da Segunda Guerra Mundial a caminho de Norfolk e 
 
 
32
desaparecendo no ar. Convenhamos. Você realmente acredita em 
coincidência? 
- Esta discussão acabou - J interrompeu. - Você quer discutir 
OVNIs e disparates como esses, sintonize a rádio tarde da noite e 
ouça a Art Bell. O governo não fez o Intrepid desaparecer. 
- Merda, J - Rogue disse, perplexo, dando um sorriso de dentes 
apertados. - Não estou dizendo que o governo está por trás do 
desaparecimento do Intrepid. Eu só estou dizendo que, 
provavelmente, exista a tecnologia para fazê-lo e agora, talvez, 
alguém a está usando também. 
O silêncio desceu sobre a sala. Em seguida, Audrey, dando um 
pouco de atenção, finalmente entrou na conversa defendendo o lado 
de J. - Não concordo com você, Rogue. Não é a mesma situação. 
Aquele velho conto da Segunda Guerra Mundial? As pessoas adoram 
teorias de conspiração. UFOs. Abduções alienígenas. Homens de 
preto. 
- Mas há homens de preto - interrompi com voz suave. 
Audrey me lançou um olhar interrogativo. - Tanto faz. Penso que 
temos de considerar algumas outras causas - insistiu ela. 
Benny concordou. -Sim, Rogue, querido. Isso foi uma história 
muito legal, mas tem o quê? Mais de sessenta anos de idade. Além 
disso, o Eldridge não apenas desapareceu. Ele se moveu. E essas 
coisas de tele transporte também é woo-woo. 
Fiquei passando o dedo indicador em círculos preguiçosos sobre 
a mesa enquanto escutava. Não olhei para cima quando comecei a 
falar baixinho, como se estivesse pensando em voz alta. - Woo-woo? 
A coisa do tele transporte, sim. Mas não o resto, você sabe. - Ergui os 
olhos e procurei os rostos dos meus colegas antes de descansar o 
meu olhar no rosto sombrio de J enquanto meu cérebro mantinha as 
idéias girando. 
Pensei que o Experimento Filadélfia pudesse ser um mito. Isso 
não significa que fosse completamente falso. Mitos nos permitem 
aceitar eventos ou idéias que não poderíamos explicar, eventos que 
desafiam o status quo, que não se encaixam em nossa visão de 
mundo. Ei, eu era um mito. Todos os vampiros eram. Mas lá estava 
eu, de carne e osso e real. 
Imaginei que todos estavam esperando que eu falasse. - Rogue 
tem um ponto - disse a J por último. - Ele nos deu uma teoria de como 
o navio desapareceu. Talvez alguém tenha a tecnologia para torná-lo, 
para todos os efeitos, invisível. Talvez o navio simplesmente fosse 
 
 
33
camuflado e movido. Não tenho certeza que seja importante saber 
como eles fizeram isso. O essencial é descobrir quem fez e por quê 
fizeram isso. Precisamos descobrir cui bono6, quem se beneficia? E 
onde, no mundo, um inferno de um navio tão grande está agora. 
J, juro por Deus, não parecia saber o que dizer para nós naquele 
momento. Isso foi o suficiente para me fazer suspeitar sobre todo o 
serviço. Um navio desaparecendo era estranho. A nossa participação 
nisso era mais estranha ainda. 
É aí, minha bela, que reside a dificuldade, como Shakespeare 
disse uma vez para minha mãe. Um dia, algum historiador com uma 
mente aberta, uma contradição em termos, deverá ter um novo olhar 
para a identidade da senhora sombria dos sonetos Willy. Esse 
pensamento passou solto pela minha mente indisciplinada antes que 
eu me forçasse a me concentrar no aqui e agora. E o aqui e agora era 
J. 
No momento, eu estava olhando para ele. Ele se abaixou para 
pegar uma maleta e fingiu não me notar. Eu sabia que ele tinha 
notado, porque sempre que eu o irritava, um músculo em seu maxilar 
começava a pular. Eu o observei fazendo um sapateado. 
J colocou a maleta sobre a mesa e a abriu enquanto dizia aos 
Darkwings, sem olhar para nenhum de nós, para voltarmos aqui 
amanhã. Ele entraria em contato conosco se houvesse alguma 
informação nova, mais tarde, nesta mesma noite. Enquanto isso, nós 
devíamos - ele encolheu os ombros naquele momento - ler os 
documentos sobre o caso e investigar, acrescentou. 
Os Darkwings, inclusive eu, nos levantamos. Tínhamos adquirido 
o hábito de nos reunir após as reuniões. Sem dizer nada, sabíamos 
que iríamos falar entre nós, lá embaixo, na rua, onde não há aparelhos 
de escuta para pegar nossa conversa. Sim, éramos paranóicos. 
Mesmo os paranóicos têm inimigos. 
Além disso, nenhum de nós gostava do escritório. Nenhum de 
nós nunca usou nossos cubículos ou computadores. Nós nos 
reunimos lá para pegar nossas atribuições. Era um ponto de encontro. 
Mas não era nosso. Não era de ninguém. Não existiam fotos 
penduradas nas paredes. Sem armários abarrotados com papéis. A 
sala de reuniões era suja, com as paredes ocre desbotadas e sujeir 
 
6 Cui Bono, quem se beneficia. Utilidade ou de utilidade como um princípio de estimar o 
valor de um ato ou política. 
 
 
34
nas janelas, parecia ser um lugar anônimo, impessoal como uma caixa 
de correios. 
Quase. Para mim, o escritório tinha uma característica singular: 
Ele continha o J. Ele era um espaço em branco ardósia de um homem, 
uma pessoa que nunca revelou seu nome, endereço, passado ou vida 
pessoal. Ele nos mostrou uma banda muito estreita no espectro de 
sua existência, ainda que algumas coisas não pudessem ser 
escondidas. Desde o início ele agiu como se me odiasse. Agiu é a 
palavra-chave. Ele pode não gostar de mim, mas me deseja, eu tinha 
certeza disso. 
Vi seu ciúme de Darius Della Chiesa em cada palavra que disse 
sobre o meu ex-namorado. Então, quando fiquei noiva de St. Julien 
Fitzmaurice, ele de deu uma ordem direta para não me casar com Fitz. 
Acordei a raiva e a luxúria de J. Não me diga que estou errada. Uma 
mulher sabe quando um homem a quer, mesmo que ele negue ao 
mundo e a si mesmo. 
Hoje à noite eu chateei J mais uma vez. Ele sempre foi tão fácil. 
Provoquei suas emoções como uma correspondência com dinamite. 
Agora eu queria brincar com fogo. 
Os novos melhores amigos, Rogue e Cormac, já estavam fora da 
porta. Audrey e Benny contornaram a mesa e caminhavam para mim. 
Estendi a mão, puxei Benny pelo braço e sussurrei: - Quero falar com 
J. Depois converso com você lá embaixo. Cinco minutos no máximo. 
Benny me deu um olhar que claramente dizia: - Não faça nada 
estúpido, e sussurrei de volta, - Claro. 
Olhei para J. Ele olhou para longe, mas não rápido o suficiente. 
Ele esteve me olhando. Ele começou a fechar a maleta. Fui até ele. 
- Quero pedir desculpas, - eu disse. 
Ele sacudiu a cabeça. - O que você realmente quer? - ele 
perguntou. 
- Não, sério. Eu estava fora de linha esta noite. Sem desculpas. 
Não vai acontecer novamente, isso é tudo. 
J me encarou, seu rosto estava rígido. – Certo. 
-E eu gostaria de lhe perguntar uma coisa. 
Seus olhos se estreitaram levemente. - O quê? 
-Por que os Darkwings estão nisso? Eu não consigo entender.O 
que é que devemos fazer? 
-Encontrar o Intrepid, - J revidou. 
-Não, - eu disse, balançando a cabeça. -Não. Eu não acho que 
seja isso. Qual é a ligação real? Para nós, quero dizer. 
 
 
35
J evitou meus olhos, então, por isso, aproximei-me mais dele, 
obrigando-o a recuar, o que ele não fez, nem olhou para mim. 
- Eu não sei, - respondeu ele. 
Debrucei-me um pouco mais em direção a ele e, de repente, 
senti o calor do seu corpo. Senti o cheiro almiscarado e macho dele. -
Adivinha, - disse eu em voz baixa. 
Seus olhos me seguraram depressa. Agora estávamos como 
pólos opostos de um ímã e a tração para nos juntar se tornava 
irresistível. - Eu não sei, - disse ele muito devagar. -Por que você não 
pergunta para sua mãe se quer algumas respostas? 
A amargura estava lá. Eu ouvi. J não gostava das manipulações 
de Marozia mais do que eu, aposto. - Acredite em mim, J, - eu disse, 
minha voz era íntima e as palavras apenas uma pequena parte do 
jogo que, de repente, estávamos jogando. - Eu seria a última a saber. 
É assim que funciona com ela. 
Sua respiração, levemente perfumada com mentol e tabaco, 
movia o ar em torno de meu rosto. -Como eu disse, Agente Urbano, 
não sei por que os Darkwings foram colocados neste caso. Vi seus 
olhos se moverem para os meus lábios, muito brevemente, antes de 
voltar aos meus olhos. Será que ele queria me beijar ou estava 
pensando sobre como se fechariam quando eu fosse mordê-lo? 
Ficamos ali sem falar por um longo minuto, com a respiração um 
pouco mais difícil do que antes. Pensei em fazer o primeiro 
movimento, para beijá-lo. Teria foi tão fácil. Mas J era um homem 
obcecado por controle. Sexo seria tudo sobre dominação, dele ou 
minha. Decidi irritá-lo mais uma vez. 
- Tenho outra pergunta, - eu disse. 
-Qual é? - ele perguntou. 
- Será que o seu pessoal ouviu alguma coisa sobre Darius? 
Uma porta bateu entre nós. - Eu não ouvi nada, - disse ele, em 
seguida afastou-se e estendeu a mão para pegar sua pasta. 
- Ei, não perguntei isso para chateá-lo. Eu preciso saber. Não é 
nada pessoal... São negócios. 
J me lançou um olhar frio. - Meu negócio é ser espião. Esse é o 
meu negócio. Então fale. Por que você está perguntando sobre Darius 
della Chiesa? 
- Não tenho nada sólido, J. Ele deixou a Alemanha, talvez tenha 
ido para a Turquia... - hesitei. Quanto mais eu poderia deixar de fora? 
Eu me perguntava. - Ele parece ter desaparecido. Na noite passada fui 
atacada na rua por caçadores de vampiros. Se eles estiverem 
 
 
36
conectados a ele de qualquer maneira, seja porque ele os enviou ou 
porque estão procurando por ele através de mim, preciso saber. 
O rosto de J estava diferente quando olhou para mim, então. – 
Vou perguntar por aí. Informo você sobre o que descobrir. - Ele só me 
olhou por um momento. - Daphne... 
-O quê? 
Eu não esperava, J agarrou meu braço com a mão livre, puxou-
me para ele tão firmemente que suas medalhas pressionaram meu 
peito. Seus lábios estavam muito perto dos meus. - Não brinque com 
isto. Se ele entrar em contato, me diga. Não confio nele. Já lhe disse 
isso antes. Ouça-me, agora. Não confio nele. 
Então J me soltou, virou muito rápido, entrou em seu gabinete e 
fechou a porta. Fiquei lá, abalada e sem saber bem o que pensar, só 
que eu tinha certeza que não sabia toda a história. Não era sobre o 
Intrepid. E não sobre Darius della Chiesa. 
 
 
 
Lá embaixo, na calçada, o ar suave da noite de junho acariciava 
o meu rosto. Quatro vampiros esperavam por mim, de pé, juntos, 
divididos dois a dois. Eu era o quinto da roda, o ímpar. Isso nunca 
tinha sido mais óbvio do que agora, eu, o único Darkwing com sacos 
de compras da Bloomingdale's pendentes das mãos, voltando para me 
juntar a eles. 
-Adivinha o que Macky fez, - disse Benny. 
Olhei para meu amigo de longa data Cormac. Ele era um 
camaleão e, como Johnny Depp, usava sua nova personalidade. Seu 
cabelo era longo, seu corpo magro, na sua postura de duplicação de 
Rogue. Cormac era a sombra menor e mais sombria do homem 
grande, mas não louco, não insubstancial. Ele era um vampiro. Ele era 
perigoso o tempo todo. Agora, com roupas de motoqueiro de couro 
negro, ele permitiu que o mundo visse algo da sedução do nosso mal, 
a ativar-se do nosso lado negro. Levantei as sobrancelhas. 
-Macky fez alguma coisa? Não, não me diga. Quero adivinhar. 
Oh, eu sei. Ele fez uma tatuagem. Antebraço? Ombro? Ou você 
precisa deixar cair as calças para nos mostrar? 
Cormac fez uma careta para mim. 
-Você não está nem perto, - disse Benny. -Diga a ela, Macky. 
-Sim, diga. Realmente inquirindo, as mentes querem saber. 
-Eu tenho uma bicicleta, - Cormac disse. 
 
 
37
-Uma bicicleta? - Eu fiz eco. Eu não entendo. Cormac, você 
decidiu fazer o Tour da França ou alguma coisa? 
-Uma motocicleta. Venha. Vou lhe mostrar. Ele voltou para o 
Edifício Flatiron e empurrou a porta de entrada. 
Todos nós o seguimos, incluindo Rogue, que jogou o cigarro no 
chão e o apagou com o calcanhar de sua bota. 
Atrás de uma porta de vidro fosco na parte de trás do lobby, 
estacionadas no piso de granito, estavam duas Harley-Davidsons, 
uma preta com pára-choques cromados e a outra toda branca. 
-Esta é a minha. - Cormac se aproximou e montou a moto 
branca. 
-Tem um jeito antigo, - disse eu, sem saber o que dizer. 
Rogue, vaiando minha ignorância, disse. - São motos clássicas. 
Cormac tem uma Hard Head 1940 com mudança de suicídio. A minha 
é uma Head Bomb 1954. 
Fiquei ali segurando as sacolas da Bloomingdale's como uma 
matrona suburbana e tentei parecer entusiasmada. - Ah, legal. 
Benny gritou. - Daph! Elas valem dezenas de milhares de 
dólares! Você não acha que elas são bonitas? 
-A minha vai ser, - Cormac disse - quando conseguir repintá-la. 
Era uma moto da polícia, por isso ela é branca. Todo o estoque. Raras 
como o inferno. 
Rogue empurrou sua motocicleta através das portas e do lobby. 
Ele a montou. Audrey subiu atrás dele, montando como piranha. Ele 
deu a partida e o rugido do motor me feriu os ouvidos. 
-Eu estou andando com Cormac - Benny gritou sobre o ruído. 
Cormac teve mais problemas empurrando sua motocicleta do que 
Rogue, mas ele conseguiu e Benny montou na motocicleta atrás dele. 
-Abra as portas da frente para nós, - Audrey gritou para mim, 
colocando uma mão no ombro de Rogue e apontando para a entrada 
da Quinta Avenida com a outra. 
Eu abri, apoiando um lado aberto da porta dupla e segurando o 
outro lado da porta dupla com meu ombro para dar às motos a 
passagem fácil através delas. Rogue e Audrey passaram por mim e 
foram até a calçada, freando antes de sair para a rua. 
Cormac estava tendo um pequeno problema com sua moto para 
dar partida. Achei que a "mudança de suicídio" era o problema. Benny 
estava empoleirada atrás dele, sorrindo. Eu esperava que ele não a 
derrubasse na rua quando descessem pela avenida. 
-Eu pensei que íamos conversar - Eu disse para ela. 
 
 
38
-Nós vamos. Só então Cormac conseguiu botar o motor em 
funcionamento e saiu pela porta. Benny virou a cabeça para trás para 
mim e gritou sobre o rugido do motor, -Pegue um táxi e encontre-nos 
na Harley Charlie's Hangout. Você se lembra onde é, né? 
Eu lembrava, tudo bem. O bar de motoqueiros na Rua West, 
onde quase perdi a cabeça na noite em que conheci Rogue. 
Harley Charlie's Hangout, frequentado por motoqueiros vampiros 
e outros criminosos, não era um lugar para ir com três sacolas 
grandes. Nenhum cliente comprava na Bloomingdale's, a maioria deles 
nunca tinha sequer ouvido falar dela, aposto. Já era ruim o bastante 
eu estar vestindo calças de yoga, pelo amor de Deus. Certamente eu 
não iria, então decidi voltar pelas escadas para o escritório, deixar 
minhas coisas no meu computador e voltar mais tarde.

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