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Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 1 LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO CONCEITOS GERAIS O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e de natureza auto-imune, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos e considerada o protótipo das doenças por imune-complexos. Caracteriza- se por promover quadros inflamatórios em todos os órgãos, o que determinam uma apresentação clínica polimórfica, que nas suas fases iniciais pode dificultar o seu diagnóstico preciso. A descrição do fenômeno da célula LE em 1948, por Hargraves et al., foi determinante, e foi comprovado definitivamente o caráter auto-imune dessa patologia; por muito tempo esse teste permaneceu como de grande auxílio diagnóstico, pois era o único marcador sorológico do LES. A melhor caracterização dos pacientes portadores de lúpus ocorreria nas décadas de 1960 e 1970 após a descoberta dos fatores antinucleares (FAN).De fato, esta técnica de imunofluorescência indireta em tecidos animais, em geral fígado e rim de roedores e, posteriormente, em linhagens celulares humanas como a célula HEp2, possibilitou a identificação das diversas doenças auto-imunes. Finalmente, o aprimoramento de técnicas laboratoriais permitiu uma melhor caracterização do repertório de auto- anticorpos, em especial dos marcadores de doença, como o anticorpo anti-DNA de dupla hélice, que é específico de LES. As suas manifestações clínicas podem aparecer de maneira isolada, de forma consecutiva ou aditiva no decorrer do tempo, sobretudo nos primeiros cinco anos da doença, que é o período em que a enfermidade habitualmente mostra os locais preferenciais de comprometimento. Os critérios diagnósticos propostos em 1982 e posteriormente revisados em 1997 servem de guia na verificação dos diversos sistemas. Estes são constituídos de onze parâmetros clínicos e laboratoriais, sendo que devem estar presentes quatro destes de forma consecutiva ou seriada para se classificar um paciente com LES (Tabela I). A recente atualização dos critérios propôs a substituição do exame de células LE por anticorpo antifosfolípide (anticorpos anticardiolipina da classe IgG ou IgM, teste positivo para anticoagulante lúpico ou teste falso-positivo para sífilis). EPIDEMIOLOGIA De modo característico, o LES é muito mais prevalente em mulheres, principalmente na idade fértil, sendo que os seus primeiros sinais e sintomas iniciam-se entre a 2ª e a 3ª década de vida, nas quais existe o predomínio do sexo feminino na proporção de 10:1. Entretanto, a doença ocorre com relativa frequência em crianças e adultos mais idosos, porém com menor predomínio do sexo feminino nestes extremos. O LES é uma doença universal encontrada em todas as demais etnias e em diferentes áreas geográficas, mas parece ser mais prevalente na raça negra. É interessante notar uma determinada agregação de doenças auto-imunes na família de pacientes com LES, pois aproximadamente 10 a 20% destes pacientes apresentam história familiar de alguma doença auto- imune ou mesmo de lúpus. Ocorre principalmente entre 20 e 45 anos, sendo um pouco mais frequente em pessoas mestiças e nos afro- descendentes. No Brasil, não dispomos de números exatos, mas as estimativas indicam que existam cerca de 65.000 Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 2 pessoas com lúpus, sendo a maioria mulheres. Acredita-se assim que uma a cada 1.700 mulheres no Brasil tenha a doença. Desta forma, em uma cidade como o Rio de Janeiro teríamos cerca de 4.000 pessoas com lúpus e em São Paulo aproximadamente 6.000. ETIOPATOGENIA Certamente, a doença é multifatorial e várias condições desempenham um papel predisponente ou coadjuvante na doença. GENÉTICA Sem dúvida, o componente genético merece destaque dentre os fatores envolvidos na sua gênese. Sabe-se que existe no LES uma maior frequência de certos haplotipos dos antígenos de histocompatibilidade (HLA), tanto de classe I (B8) como de classe II (DR3, DR2, DQw1 e DQw2), que se localizam no braço curto do cromossomo 6. De maneira curiosa, deficiências de frações de complemento, notadamente C2 e C4, que são observadas no LES com frequência, também estão ligadas aos haplotipos DR2 e DR3, respectivamente. Além disso, existe maior concordância da doença em gêmeos monozigóticos, que não é total, o que reforça a influência de outros fatores. HORMONAL A participação hormonal na patogênese do LES se baseia na maior incidência e prevalência do LES na população fértil feminina e em modelos experimentais. Comprovadamente, existe na doença um metabolismo anormal de hormônios sexuais, com aumento da 16-alfa hidroxiestrona e de prolactina, e alterações no metabolismo dos andrógenos, com diminuição de testosterona nos homens e de dehidroepiandosterona nas mulheres lúpicas. FATORES AMBIENTAIS A influência dos fatores ambientais também é bem documentada, principalmente com a comprovação de que a exposição à luz solar agrava ou desencadeia a doença. A luz ultravioleta, em especial com a irradiação beta, é capaz de induzir e exacerbar sua atividade inflamatória, tanto nos quadros cutâneos quanto sistêmicos do lúpus. A participação de diversos agentes infecciosos, particularmente virais, como mixovírus, reovírus, parvovírus, retrovírus tipo C, vírus Epstein-Barr (EBV), na gênese da doença sempre foi considerada, embora a relação destes agentes com a doença não seja universal. Da mesma forma, o papel de diversas substâncias químicas como desencadeantes do lúpus propriamente dito também é conhecido. Existe ainda uma forma especial de doença, denominada lúpus induzido por agentes, que se distingue do LES idiopático pela associação temporal do uso de determinados agentes, pela apresentação de um quadro clínico mais leve (em geral, sem acometimento renal e de SNC) e pela presença de altos títulos de anticorpos anti-histona de forma isolada. Embora certamente exista a influência destes fatores, é importante ressaltar que a produção anormal de auto- anticorpos pelas células B é o principal evento no LES, e esta alteração é a principal característica da doença. Alguns destes anticorpos são extremamente específicos do LES, como o anti-DNA de dupla hélice (antidsDNA), anti- Smith (anti-Sm) e anti-P, mas outros anticorpos encontrados no LES, como anti-RNP, anti- Ro/SSA e anti-La/SSB, também podem ser identificados em outras doenças auto- imunes. Essa anormalidade das células B como um defeito intrínseco do LES ainda é assunto de grande debate, sendo um dos grandes questionamentos dos pesquisadores atualmente. Estudos recentes sugerem a apoptose, ou morte celular programada, como um componente de fundamental significado, pois a exposição de antígenos celulares decorrente desse processo pode incitar uma resposta imunológica inadequada. Um dos aspectos mais marcantes do sistema imunológico normal é a capacidade de reconhecer e reagir a uma enorme variedade de micro-organismos, mas não contra antígenos próprios do indivíduo. Essa não responsividade aos antígenos próprios é denominada de autotolerância, induzida pela exposição prévia dos linfócitos a esses antígenos. Quando esse linfócito específico encontra-se com os antígenos, eles podem ser ativados, gerando uma resposta imunológica ao antígeno ou podem ficar inativos ou serem eliminados, levando à tolerância central ou periférica. Neste caso, esses mecanismos são responsáveis por uma série de características importantes do sistema imunológico, como a capacidade de diferenciação dos antígenos próprios dos não próprios, mas se esses mecanismos imunológicos falharem pode ocorrerquebra da autotolerância, passando a agredir células e tecidos do próprio indivíduo, gerando auto- imunidade, consequentemente, doenças autoimunes, como o LES. A apresentação de antígenos para células T específicas é desempenhada por proteínas especializadas denominadas de Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC). Em seres humanos, as moléculas de MHC são chamadas de Antígeno Leucocitário Humano (HLA). Os genes do MHC dividem-se em MHC de classe I, de classe II e de classe III. Os genes de classe I codificam HLA-A, HLA-B, HLA-C e reconhecem as células T CD8+; os genes MHC de classe II codificam HLA-DP, HLA-DQ, HLA- Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 3 DR e reconhecem as células T CD4+; os genes do MHC de classe III codificam elementos do sistema de complemento C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8 e C9, que tem como funções o aumento da fagocitose, quimiotaxia e lise celular. Há evidências de que os componentes genéticos dos haplótipos das moléculas de MHC de classe I HLA-B8 e de classe II HLA-DR2, HLA-DR3, HLA-DQw2 e HLA-DRw1, tenham grande relevância para a imunopatogenia. Além das frações do complemento C2 e C4, terem sido associadas ao HLA de classe II DR3 e DR2, respectivamente, o que ratifica a influência genético-imunológica. SISTEMA COMPLEMENTO É um conjunto formado na sua maior parte de cerca de 30 proteínas plasmáticas ou séricas, sintetizadas por hepatócitos e por macrófagos que podem ser ativadas através, por meio de 3 diferentes vias, com reações sequenciais ou em cascata, i.e., cada componente ativado é capaz de ativar um outro componente do sistema complemento. QUADRO CLÍNICO O lúpus é uma doença pleomórfica que não apresenta um padrão de comprometimento sistêmico. Entretanto, o seu diagnóstico se baseia fundamentalmente no quadro clínico que, associado aos dados laboratoriais e sorológicos, favorece a sua definição. O lúpus eritematoso sistêmico na sua fase inicial acomete com maior frequência o sistema osteoarticular e o cutâneo, e de forma mais grave, o renal e o sistema nervoso central. Sintomas gerais e constitucionais, como anorexia e perda insidiosa de peso, podem ser identificados no seu início e até preceder em meses o aparecimento de manifestações orgânicas. A febre como primeiro sinal clínico de LES pode ocorrer em cerca de 50% dos casos, sendo principalmente observada em crianças e adolescentes, e com frequência associada aos sintomas consuptivos. Apesar da sua alta frequência, o LES como causa de febre de origem indeterminada perfaz menos de 5% destes casos. Neste sentido, faz diferencial com outras patologias sistêmicas ou mesmo infecções crônicas, e quando associado à linfoadenopatia, também com doenças linfoproliferativas. É importante lembrar que a linfoadenopatia no LES é encontrada em 30 a 80% dos pacientes, é mais frequente nas crianças, pode ser generalizada ou localizada, com certo predomínio das cadeias cervical e axilar. Nesses casos, o LES pode ser confundido com a doença de Kikuchi devido à semelhança das manifestações clínicas e a histopatologia do linfonodo é de grande auxílio na diferenciação. Da mesma forma, a hepatoesplenomegalia febril como apresentação inicial de LES exige diferencial com as doenças linfoproliferativas. Cabe lembrar que nestas eventualidades a pesquisa dos fatores antinucleares (FAN) pode não ser discriminativa de LES, uma vez que podem ser encontrados em ambas as doenças, mas a pesquisa de anticorpos específicos de LES (anti-Sm e anti-DNA nativo) pode ser de grande valia nesta diferenciação. As lesões cutâneas são de grande importância no reconhecimento do LES, tanto que há quatro critérios para o seu diagnóstico (Tabela I). Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 4 MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS No início da doença, as manifestações cutâneas são extremamente frequentes, correspondendo a mais ou menos 70% dos casos, o que facilita a sua suspeita, e são observadas em mais de 90% dos pacientes lúpicos em algum momento da doença. O LÚPUS CUTÂNEO AGUDO é o mais conhecido no LES e sua forma localizada é descrita como rash malar ou rash em asa de borboleta, notadamente simétrica e fortemente associada à fotossensibilidade. A lesão é encontrada em 20 a 60% dos pacientes lúpicos, sendo exacerbada ou precipitada após exposição à irradiação ultravioleta. A característica destas lesões é a sua evolução para hiperpigmentação após resolução da fase inflamatória inicial, que por vezes pode ser confundida com o cloasma. Rash cutâneo A sua forma generalizada é conhecida como rash maculopapular ou dermatite lúpica fotossensível e se apresenta como erupção exantematosa ou morbiliforme generalizada. Rash maculopapular Por outro lado, o LÚPUS CUTÂNEO CRÔNICO engloba uma série de lesões, nas quaisa discóide é a mais conhecida. Inicialmente, a lesão discóide clássica é caracterizada por placa eritematosa e hiperpigmentada que evolui com lentidão na sua periferia, deixando uma cicatriz central hipopigmentada com atrofia. Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 5 Na maioria das vezes, esta lesão é única e preferencialmente encontrada na face, no couro cabeludo, no pavilhão auricular e no pescoço. As úlceras orais também fazem parte dos critérios diagnósticos; geralmente não são dolorosas e são encontradas em até 25% dos pacientes, sendo relacionadas à atividade inflamatória da doença, o que justifica um exame clínico minucioso se houver suspeita da doença. O LÚPUS CUTÂNEO SUBAGUDO é uma entidade à parte do LES, sendo caracterizado pela presença de lesões eritematosas papuloescamosas (tipo psoriasiformes) ou anulares (tipo placas policíclicas), localizadas sobretudo em regiões de exposição solar (face, vespertílio e braços). Ambas as formas de lesão estão fortemente associadas à fotossensibilidade e à presença dos anticorpos anti-Ro/SSA. Embora aproximadamente metade destes pacientes preencha os critérios de classificação de LES, somente 10 a 15% evoluem para formas graves de comprometimento sistêmico. As lesões evoluem após o tratamento sem deixar cicatrizes profundas, mas produzem áreas de hipopigmentação, tipo vitiligóides, que podem se tornar permanentes. Ainda fazem parte do LES algumas outras lesões cutâneas não-específicas cuja importância reside na alta frequência na doença: a alopecia, a vasculite cutânea e o livedo reticular. A ALOPECIA DIFUSA pode ser observada em até 50% dos casos, podendo inclusive ser o primeiro sinal clínico, e está diretamente relacionada com a sua atividade inflamatória, podendo inclusive anteceder outras manifestações de exacerbação da doença. Em geral, existe recuperação após a remissão do surto inflamatório, embora em casos mais graves e em formas mais agressivas possa se tornar definitiva. A VASCULITE CUTÂNEA é identificada em 20 a 70% dos casos, variando desde lesões do tipo urticária até grandes úlceras necróticas. O padrão de vasculite é determinado pelo nível e pela intensidade do dano inflamatório dos vasos comprometidos. Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 6 Além do processo inflamatório dos vasos, os pacientes com LES podem ainda apresentar quadro de VASCULOPATIA TROMBÓTICA decorrente da síndrome dos anticorpos antifosfolípides (SAF), caracterizada por formação de trombos recorrentes envolvendo vasos de todos os tamanhos, mas sem sinais significativos de inflamação. FENÔMENOS DE RAYNAUD O FENÔMENO DE RAYNAUD, fortemente associado à presençados anticorpos anti-RNP, também pode ser a primeira manifestação da doença, e sua frequência e intensidade estão obviamente condicionadas à exposição ao frio. O fenômeno de Raynaud é uma condição na qual ocorre um exagero na resposta à temperatura fria. As manifestações clínicas do fenômeno de Raynaud são causadas pela vasoconstrição (estreitamento) dos vasos sanguíneos (artérias e arteríolas), que resulta na redução do fluxo sanguíneo para a pele (isquemia), enquanto a cianose (arroxeamento da pele) é causada pela diminuição da oxigenação nos pequenos vasos sanguíneos (arteríolas e capilares) da pele. A pele fica fria e gera uma área empalidecida bem demarcada ou uma cianose em dedos de mãos e pés. Algumas pessoas também sentirão a pele pálida e fria em orelhas, nariz, face, joelhos, e qualquer área exposta. O fenômeno de Raynaud tipicamente se inicia após exposição ao frio ou após situação de estresse intenso em um ou vários dedos e depois progride simetricamente para todos os dedos das mãos. Sensação de formigamento ou amortecimento pode acompanhar as alterações de coloração dos dedos. Dor não é geralmente referida, a menos que o evento seja intenso e duradouro, com prolongada diminuição do fluxo sanguíneo para os dedos. O ataque geralmente termina com a normalização do fluxo sanguíneo para as extremidades. Um ataque geralmente termina 15 minutos após deixar uma área fria. A ocorrência de ulcerações digitais é um sinal de gravidade do fenômeno de Raynaud, e necessita de atenção médica. MANIFESTAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS As MANIFESTAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS são frequentes nas fases iniciais de doença, sendo que a artralgia e/ou artrite podem ser a principal queixa em aproximadamente 75 a 80% dos indivíduos no momento do diagnóstico. Nesta fase, a natureza transitória da poliartrite pode determinar uma certa dificuldade, uma vez que o derrame articular constatado ao exame nem sempre é percebido pelos pacientes. Entretanto, os quadros articulares se tornam mais marcantes no curso da doença quando comprometem até 90% dos pacientes. Apesar de não existir um padrão articular, a maioria dos casos cursa com quadros de poliartrite simétrica episódica, de caráter migratório ou aditivo, e quase sempre não deformante. Por vezes, a rigidez matinal é bastante proeminente e o diagnóstico de LES pode ser facilmente confundido com o da artrite reumatóide, visto que também compromete pequenas e grandes articulações, na maioria de vezes de forma simétrica. A presença de fator reumatoide em aproximadamente 25% no LES também contribui para esta dificuldade diagnóstica, o que determina uma atenção especial às pacientes femininas jovens que apresentam inicialmente poliartrite com características clínicas de reumatóide. Na evolução da doença, cerca de 10 a 15% dos casos apresentam uma artropatia crônica ou artropatia tipo Jaccoud, que se caracteriza por desvio ulnar seguido de subluxação, deformidades do tipo pescoço-de cisne e . subluxação das interfalangianas do polegar ] Estas deformidades são decorrentes da instabilidade provocada pelo processo inflamatório crônico da cápsula articular, dos ligamentos e dos tendões. Mesmo nesta fase tardia do LES, estas deformidades reversíveis podem ser confundidas à inspeção com aquelas decorrentes da artrite reumatóide, cuja diferenciação está na possibilidade de redução e alinhamento ao exame clínico nos pacientes com LES. Outro quadro articular importante no LES é a necrose avascular, que pode acometer vários sítios, sendo o mais frequente a cabeça femoral, e na maioria dos casos associada ao tratamento com corticosteróides. Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 7 A tenossinovite pode ocorrer em até 10% dos pacientes em qualquer fase da doença e ser independente do envolvimento articular. Mialgia generalizada é comum durante os episódios de exacerbação clínica da doença, por isso pode ser a queixa inicial em 40 a 45% dos casos. Entretanto, a miosite inflamatória envolvendo musculatura proximal com elevação de enzimas musculares, como a creatinofosfoquinase (CPK) e a aldolase, ocorre em uma porcentagem menor, ao redor de 5 a 10%. CARDIOVASCULAR O envolvimento cardiovascular pode se manifestar por pericardite sintomática em 20 a 30% durante o curso da doença e pode ser observada como primeira manifestação em 5% dos casos de LES. O quadro agudo pode ser isolado ou fazer parte de serosite generalizada, particularmente associada à pleurite. Os sintomas clássicos de pericardite variam desde discretos e transitórios até graves e persistentes, sendo que o atrito pericárdico pode ser encontrado mesmo em indivíduos assintomáticos. É interessante notar que o ecocardiograma pode revelar derrame ou espessamento pericárdico em até 30% dos pacientes lúpicos durante o seu acompanhamento, frequência inferior à observada nas autópsias em que o achado de pericardite é de aproximadamente 50%. Sua evolução é habitualmente subaguda ou crônica, explicando sua rara tendência ao tamponamento. A miocardite clínica é encontrada sobretudo no decorrer do LES, sendo caracterizada por taquicardia persistente e sinais clínicos de insuficiência cardíaca de instalação aguda, em geral acompanhada de alterações no mapeamento cardíaco e em enzimas musculares. A endocardite de Libman-Sacks é classicamente descrita pela presença de vegetações verrucosas localizadas próximas das bordas valvares. Estas vegetações podem ser encontradas em até 50% dos casos autopsiados e se desenvolvem em qualquer válvula, havendo, no entanto, uma predileção pela mitral. Em geral, estas lesões não produzem repercussão clínica e são habitualmente diagnosticadas no ecocardiograma. A aterosclerose precoce nos pacientes lúpicos é, na atualidade, uma importante causa de mortalidade na doença em decorrência de infarto agudo do miocárdio. Este processo é multifatorial com a contribuição das lesões endoteliais, das dislipidemias, da menopausa precoce, da hipertensão arterial e da insuficiência renal. A pleurite é uma manifestação pulmonar frequente, ocorrendo em 40 a 60% dos casos, assim como o derrame pleural, que ocorre em 16 a 40% durante o curso da doença. A doença intersticial pulmonar é rara, mas faz importante diferencial com infecções bacterianas ou oportunistas. A hipertensão pulmonar primária pode ocorrer de forma leve em até 10% dos pacientes, mas exige descartar tromboembolismo pulmonar, principalmente relacionado à SAF e outros estados de hipercoagulobilidade. SISTEMA NERVOSO O espectro dos quadros de sistema nervoso engloba uma série de condições neurológicas que são identificadas entre 25 e 70% dos pacientes. Uma padronização de nomenclatura para as síndromes neuropsiquiátricas no LES foi recentemente sugerida, e as manifestações foram classificadas em 19 síndromes subdivididas em dois grandes grupos: sistema nervoso central e sistema nervoso periférico. Didaticamente, estas condições podem ser sudivididas em difusas, nas quais identificamos como fazendo parte dos critérios a , e os quadros focais. convulsão e a psicose A maioria dos quadros epilépticos é do tipo grande-mal, de eventos tônico-clônicos e associação temporal com a doença ou com períodos de exacerbação, e reforçam a hipótese de LES. Os distúrbios de comportamento também são muito frequentes e podem ocorrer em aproximadamente metade dos pacientes. A psicose ocorre em até 10% dos casos e pode se manifestar nas suas diferentes formas, como esquizofrenia e distúrbios bipolares. Embora não estejam Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 8 presentes em todos os quadros neuropsiquiátricos,os anticorpos anti-proteína P ribossômica (anti-P) podem auxiliar no diagnóstico e acompanhamento de alguns pacientes com quadros graves de SNC associados à doença. Os quadros difusos incluem ainda a cefaléia, o pseudotumor cerebral e a síndrome orgânica cerebral, caracterizada por distúrbio de função mental com delírio, inadequação emocional, prejuízo da memória ou concentração. Nos quadros focais, encontra-se o acidente vascular cerebral (AVC), a mielite transversa, a síndrome de Guillain- Barré, a meningite asséptica, a neuropatia craniana e a periférica (mononeurite multiplex) e os distúrbios do movimento como tremores, coréia e parkinsonismo. O mais importante no diagnóstico do lúpus como causa de alterações do sistema nervoso é afastar as demais condições que as justifiquem, como infecção, anormalidades metabólicas, hemorragias, tromboses, hipertensão arterial e agentes. SISTEMA RENAL A nefrite lúpica ainda é uma das maiores preocupações na doença e exige uma maior atenção tanto no início como no seguimento dos pacientes. É interessante que a maioria dos quadros renais se apresente nos primeiros cinco anos de LES, mas possam ser detectados em qualquer momento do seu curso, o que determina uma monitorização cuidadosa e regular no segmento destes. A sua identificação precoce é extremamente importante para adequação do tratamento. Deve-se ter sempre em mente que os sintomas e os sinais específicos de nefrite só ocorrem quando de avançado grau de síndrome nefrótica ou de insuficiência renal. É importante salientar que embora a proteinúria e a presença de cilindros façam parte dos critérios diagnósticos da doença, outros parâmetros, como hematúria e aumento de creatinina, devem ser considerados para o diagnóstico de glomerulonefrite. A sua precisa identificação pode ser definida frente à biópsia renal de acordo com a classificação histológica proposta pela OMS, sendo necessária para uma análise fidedigna do padrão de nefrite lúpica no mínimo de dez a quinze glomérulos. A glomerulonefrite mesangial (classe II) é encontrada em aproximadamente 10 a 20% dos casos renais, sendo caracterizada por hematúria e proteinúria discretas (é raro exceder 1 a 1,5 g nas 24 horas) com função renal preservada, e na ausência de hipertensão arterial. A proliferativa focal (classe III) é encontrada em 10 a 20% dos casos e se caracteriza por sedimento nefrítico acompanhado de proteinúria por vezes nefrótica (20 a 30%), com hematúria, cilindrúria, hipertensão e discreta perda de função renal. A proliferativa difusa (classe IV), a mais grave das nefrites, corresponde a 40 a 60% dos casos e é caracterizada por uma combinação de sedimento nefrítico e nefrótico, com proteinúria e hematúria mais significativas. A hipertensão arterial está invariavelmente presente e a insuficiência renal é marcante. A forma membranosa (classe V) é identificada por síndrome nefrótica e ocorre em 10 a 20% dos casos. A biópsia renal é de extrema valia quando da existência de outros fatores que possam interferir na análise da provável lesão histológica, como diabetes mellitus, hipertensão arterial, síndrome do anticorpo antifosfolípide e uso de agentes nefrotóxicos. A análise dos índices de atividade e cronicidade renais pode ser útil no delineamento da terapêutica dos pacientes. A Tabela V descreve os principais parâmetros utilizados nesta graduação, em que a pontuação máxima de atividade é 24 e a da cronicidade é 128, e que são determinados a partir da pontuação dos principais achados histológicos, com enfoque no processo de inflamação e de sequela. As alterações hematológicas são observadas em fases precoces do LES, muitas vezes precedendo em anos o diagnóstico da doença. A série branca é a mais frequentemente alterada, com leucopenia e linfopenia isoladas ou associadas. Estas alterações ocorrem em até 70% dos casos e podem preceder as manifestações clínicas, sendo de grande auxílio diagnóstico. O monitoramento destes parâmetros é útil no acompanhamento de doença, pois a diminuição de seu Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 9 número em geral reflete a atividade do lúpus, desde que excluído o uso de medicações imunossupressoras. A anemia pode ser identificada em até 80% dos pacientes com lúpus em alguma fase da doença e pode ser classificada em imune e não-imune.A mais comum das anemias não-imunes é a anemia da doença crônica, seguida pela anemia ferropriva, e a anemia secundária a doença renal. A anemia hemolítica Coombs positivo é a principal representante do grupo das anemias imunes, e é a única que faz parte dos critérios de classificação da doença, podendo preceder em anos outras manifestações clínicas da doença. Uma outra forma de hemólise identificada é a anemia hemolítica microangiopática, caracteristicamente Coombs negativo e com esquizócitos na periferia, em geral relacionada à presença de vasculite sistêmica. A plaquetopenia, definida como menor que 150.000 células/mm3, é encontrada em 15% dos casos de LES. O grau de plaquetopenia é bastante variável e formas graves são menos comuns. Uma vez que também pode ocorrer de forma isolada, a trombocitopenia do lúpus pode ser diagnosticada como púrpura trombocitopênica imunológica (PTI) quando da não pesquisa de fatores antinucleares (FAN) e demais auto- anticorpos próprios do LES. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Além dos dados hematológicos característicos do LES, outros achados laboratoriais são fundamentais tanto para a complementação diagnóstica da enfermidade quanto para o seguimento destes pacientes, e podem ser classificados em . inflamatórios e imunológicos 1. INFLAMATÓRIOS No primeiro grupo, engloba as provas inflamatórias de fase aguda, como a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa (PCR). Em geral, o VHS está aumentado na atividade de doença refletindo a fase aguda dos processos inflamatórios, porém pode persistir elevado mesmo após o controle da doença, não se correlacionando com sua atividade inflamatória. Por outro lado, a PCR é geralmente baixa no LES e aumenta nos processos infecciosos, auxiliando por vezes no diagnóstico diferencial destas duas condições. 2. IMUNOLÓGICOS A avaliação imunológica é fundamental para a caracterização da doença auto-imune. Os fatores antinucleares antinucleares (FAN) detectados pela imunofluorescência indireta utilizando a célula HEp-2 são o primeiro teste a ser realizado, pois é positivo em mais de 98% dos casos e é um dos critérios diagnósticos (Tabela I). Ressalta-se que a alta sensibilidade deste exame não reflete a sua especificidade, pois o FAN ocorre em um grande número de doenças crônicas (infecciosas, neoplásicas), auto-imunes e mesmo em indivíduos normais (particularmente em idosos). Diante da suspeita de LES e da positividade do FAN, é fundamental tentar caracterizar os auto-anticorpos específicos da doença, particularmente o anti- DNA nativo (anti-dsDNA) e o anti-Sm (que são marcadores), pois suas detecções corroboram o diagnóstico. A positividade do anti- dsDNA chega a 40% e a determinação de seus títulos é útil no acompanhamento da atividade inflamatória da doença, particularmente na nefrite. Da mesma forma, os anticorpos anti-proteína P ribossômica, presentes em apenas 10% dos casos de LES, podem, em alguns casos, ser os únicos marcadores de doença e também auxiliar no acompanhamento de pacientes com quadros graves de distúrbios psiquiátricos associados a esta doença. Os anticorpos anti-Sm são identificados em aproximadamente 30% dos casos e auxiliam no diagnóstico. Outros anticorpos também são detectados e caracterizam o padrão de resposta imune do LES, sendofrequentes os anticorpos anti-RNP, anti-Ro/SS-A, anti-La/SS-B e os anticorpos antifosfolípide, que estão relacionados com trombose e/ou abortos de repetição, caracterizando a síndrome antifosfolípide (SAF) secundária. Aproximadamente 25% dos casos de LES apresentam positividade do fator reumatóide. A determinação da atividade hemolítica do complemento e dos níveis séricos dos seus componentes C3 e C4 é extremamente útil na monitorização de doença e da resposta terapêutica (Algoritmo 1). Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 10 IMPORTÂNCIA DA BIÓPSIA RENAL A nefrite do lúpus é classificada pela Organização Mundial de Saúde em 6 tipos e tal classificação baseia-se nas informações obtidas ao fazermos uma biópsia renal. A biópsia do rim é um procedimento em que um minúsculo pedaço de tecido renal é retirado para exame anátomo- patológico. No lúpus, é importante fazer esse tipo de biópsia, pois tratamentos diferentes são indicados de acordo com a classe de nefrite encontrada na análise da biópsia. Ela também serve para estabelecer se a doença evoluiu para uma fase crônica, na qual não se deve mais insistir em fazer tratamento imunossupressor. Além disso, dentre outras aplicações, é muito útil para esclarecer por que motivo um paciente com lúpus está evoluindo com insuficiência renal. DIFERENCIAÇÃO DA HEMATÚRIA PELO EAS O número de doenças que cursam com hematúria é vasto, e obedecer a uma sequência de passos pode facilitar a tomada de decisões quanto aos procedimentos diagnósticos. Inicialmente, devem-se buscar informações na história clínica e exame físico que sugiram algum diagnóstico específico. Na presença de disúria, polaciúria e urgência miccional, deve-se pensar em infecções do trato urinário, mas esses sintomas estão também presentes em neoplasias da bexiga. Histórico familiar pode orientar o diagnóstico para doenças genéticas como nefrites hereditárias ou doença renal policística, esta última reforçada pelo achado de massas palpáveis em flancos, ao exame abdominal. Dor abdominal em cólica sugere litíase. Em algumas regiões do país, indivíduos negros devem ser considerados para o diagnóstico de anemia falciforme. Em seguida, deve-se confirmar a hematúria com dois ou mais exames de urina. Hematúria transitória, entretanto, tem importância em indivíduos acima de 50 anos. Estudo de triagem nessa faixa etária demonstrou que 43% daqueles que tiveram hematúria em apenas um exame de urina necessitaram de tratamento médico especializado, sendo que, em 22%, o diagnóstico foi de neoplasia maligna do trato urinário15. Após a confirmação, o próximo passo é definir a localização anatômica do sangramento. Primeiro, devem-se buscar evidências de que a origem seja glomerular. Descartando-se a origem glomerular, exames de imagem, como será abordado mais à frente, devem situar o sangramento como sendo do trato urinário superior ou inferior. Três parâmetros são indicativos de hematúria glomerular: presença concomitante de proteinúria, cilindros hemáticos e dismorfismo eritrocitário. Proteinúria maior do que 500mg /dl, sobretudo se associada à hipertensão ou a algum grau de perda da função renal, é indicativo de lesão glomerular. Nesses casos, via de regra, está indicada a biópsia renal. O cilindro é uma estrutura que se forma no túbulo renal e, por isso, adquire o seu formato característico. É composto de uma matriz orgânica que contém a proteína de Tamm- Horsfall e de hemácias. Os cilindros são mais bem vistos em amostra não centrifugada de urina fresca ou diluída em formalina a 10% na razão de 1:1. Usando a coloração de Wright e um microscópio óptico, é possível avaliar a morfologia das hemácias34. O sangramento de origem não glomerular apresenta-se ao exame microscópico com hemácias uniformes, sem variação no tamanho e com a biconvexidade da membrana preservada. Quando eritrócitos são resultados de uma lesão glomerular, essas células apresentam alterações morfológicas, causadas por mecanismos traumáticos gerados pela passagem na membrana basal glomerular e pelo trauma osmótico ocorrido nos diferentes segmentos do nefron, modificando a forma, o que é denominado dismorfismo eritrocitário. A hemácia dismórfica se apresenta com limites irregulares, perda ou condensação da hemoglobina e extrusão ou formação de bolhas em suas membranas, os acantócitos. Dismorfismo presente em mais de 20% das células confere sensibilidade de 96% e especificidade de 93% para o diagnóstico de lesão glomerular31,32,35. Para considerar o teste positivo, entretanto, basta haver mais do que 5% de acantócitos25-26. Hematúria maciça pode levar a um resultado falso negativo, além de a ausência de dismorfismo não excluir uma doença glomerular. TRATAMENTO Para se obter maior adesão à terapêutica propriamente dita, aspectos relacionados ao LES e a sua evolução, possíveis complicações e riscos decorrentes da doença ou do seu tratamento devem ser abordados pelo médico para a melhor compreensão por parte dos pacientes. Faz parte da abordagem transmitir otimismo e sempre motivar para o tratamento, além de estimular projetos de vida. Como medidas gerais, deve-se orientar sobre a proteção contra a luz solar ou outras formas de irradiação ultravioleta pelos riscos de exacerbação não só das lesões cutâneas, mas também de quadros sistêmicos. A intensidade da fotossensibilidade é individual e é a principal determinante na sua restrição e na intensidade da fotoproteção. O tabagismo pode dificultar a melhora dos quadros cutâneos devendo, portanto, ser desestimulado. Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 11 No sentido de se promover melhor qualidade de vida, a dieta deve ser balanceada e as restrições serão indicadas de acordo com as comorbidades A atividade física visando o condicionamento deve ser estimulada. . A terapêutica medicamentosa do paciente com lúpus eritematoso sistêmico é sempre individualizada, uma vez que depende dos sistemas acometidos, bem como da intensidade do processo inflamatório. Os antiinflamatórios não-hormonais devem ser utilizados com cautela na doença, particularmente nos pacientes com envolvimento renal, pois podem agravar essa disfunção ou mesmo dificultar o monitoramento dos quadros renais. O seu uso está indicado para o controle do quadro articular crônico, serosites leves a moderadas e febre associada à doença. Os corticosteróides são preferencialmente usados no início da doença, pois promovem um rápido controle das manifestações clínicas. Devido aos efeitos colaterais, a menor dose possível deve ser indicada nesta fase, e esta se baseia em uma certa experiência clínica, uma vez que a gravidade e a rapidez de progressão do processo determinam a dose inicial a ser utilizada. Doses muito altas (1 mg/kg/dia para adultos e 1 a 2mg/kg/dia para crianças/adolescentes) estariam indicadas nos casos graves como manifestações renais, hematológicas (plaquetopenia e anemia hemolítica) e de sistema nervoso central. Caso os quadros tenham uma evolução rápida ou desfavorável, pode-se utilizar a pulsoterapia de glicocorticóides com dose intravenosa de 1 g/dia em três dias consecutivos (15 a 20 mg/kg/dia por dose). Doses baixas a moderadas são usadas para o controle inicial de manifestações mais brandas. A suplementação com cálcio e vitamina D é sempre instituída quando da utilização de corticosteróides ou quando há previsão da sua manutenção por longos períodos. Em geral, procura-se associar ao corticosteroide um outro agente, no sentido de diminuir o seu tempo de uso, bem como promover redução na sua dose diária. Neste sentido, os antimaláricos são habitualmente prescritos independentementedo órgão ou do sistema acometido, embora sejam considerados de primeira escolha nos . O difosfato de quadros cutâneos e/ou articulares da doença cloroquina (4 mg/kg/dia) e a hidroxicloroquina (6 mg/kg/dia) se mostraram efetivos no controle da atividade inflamatória da doença, na redução do tempo da corticoterapia e na promoção de um melhor controle das dislipidemias. A talidomida (100 a 200 mg/dia), a dapsona (100mg/dia), o methotrexate (10 a 20 mg/semana) e a azatioprina (1 a 2 mg/kg/dia) podem ser considerados quando as lesões cutâneas não são responsivas aos antimaláricos. A talidomida promove resposta em até 75% dos casos, mas só deve ser utilizada quando não há risco de concepção (menopausa ou anticoncepção definitiva). O principal efeito colateral é o aparecimento de neuropatia periférica, o que limita o seu uso mais prolongado. A recidiva dos quadros cutâneos é frequente após a sua retirada, portanto uma redução lenta e gradativa até a menor dose se faz necessária. A dapsona é efetiva nas lesões bolhosas e no lúpus discóide, e possui como principal efeito colateral a hemólise, por isso é contra-indicada na deficiência de G6PD. O uso da azatioprina deve ser considerado nos quadros cutâneos mais graves, mas está particularmente indicada quando existe a concomitância com vasculites. O methotrexate é uma excelente indicação quando há quadros cutâneos e articulares. ] Os quadros hematológicos, como plaquetopenia e hemólise, requerem doses altas (0,6 a 1 mg/kg/dia) de prednisona nas suas fase iniciais. Nos casos refratários após a associação com os antimaláricos, deve-se considerar o uso de azatioprina (1 a 3 mg/kg/dia), esteroides androgênicos e ciclofosfamida endovenosa. A gamaglobulina está particularmente indicada para o rápido controle de sangramento frente à plaquetopenia. A ciclofosfamida é a mais efetiva para as nefrites proliferativas do LES, e na fase inicial do tratamento deve ser utilizada conjuntamente com a prednisona em altas doses por período mínimo de 6 a 8 semanas. Os pulsos endovenosos mensais de ciclofosfamida (0,5 a 1,0g/m2/dose) são utilizados para a indução de remissão (seis a oito pulsos) (Algoritmo 2). Posteriormente, pode-se prosseguir com o esquema bimensal até completar um ano. Alternativamente, pode-se utilizar a azatioprina ou o micofenolato de mofetil por dois anos para a manutenção da remissão, que são esquemas menos tóxicos e aparentemente tão efetivos após a indução com ciclofosfamida. É importante salientar que o controle rigoroso dos níveis pressóricos é de suma importância, pois a hipertensão arterial é um determinante para a insuficiência renal e a mortalidade no LES12. O melhor imunossupressor para a glomerulonefrite membranosa é ainda controverso. Na fase inicial, a corticoterapia em altas doses e os inibidores de enzima de conversão com o efeito de anti-proteinúricos são particularmente indicados. Nos casos refratários, pode-se indicar o micofenolato mofetil, a ciclosporina, a azatioprina e até mesmo a ciclofosfamida, porém não existem estudos controlados na literatura. Renata Valadão Bittar (@dentistamedica) – Medicina Unit / 2018 12 De forma geral, os imunossupressores também podem ser indicados quando da gravidade das outras manifestações do LES. A ciclofosfamida estaria indicada nos casos mais graves, enquanto nos casos leves a moderados utiliza-se a azatioprina, a ciclosporina e o micofenolato mofetil. Uma vez que a fertilidade no LES é normal, deve-se considerar a anticoncepção com o uso de agentes contendo progesterona. Outros métodos como o estrógeno e o DIU têm suas limitações pelo risco de ativação da doença e de infecção. A gestação deve ser planejada em conjunto com a paciente, sendo que quanto mais tempo a doença estiver controlada menor o risco de reativação. Nesse sentido, deve-se considerar a atividade e a gravidade da doença ou mesmo a toxicidade dos agentes. O aprimoramento das modalidades terapêuticas promoveu um aumento significativo da sobrevida dos pacientes com LES nas últimas décadas. Por se tratar de população particularmente jovem, medidas profiláticas para controle dos fatores de risco para doença arterial coronária (fumo, dislipoproteinemia, obesidade e hipertensão) e de osteoporose (corticosteroide e menopausa precoce) são de fundamental importância para a qualidade de vida dos pacientes com lúpus. REFERÊNCIAS 1. Clínica médica da USP 2. Lúpus eritematoso sistêmico: uma falha do sistema imune - Ciane Martins de Oliveira et al