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SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 1 CAPÍTULO 2. Formação das Sociedades Historicidade e Contemporaneidade 2.1 Uma Reflexão Sobre a Ética, Multiculturalismo e Educação1 Vivemos um momento único na história de toda humanidade. O mundo tornou-se uma al- deia global que partilha problemas como crises econômicas, ambientais e sociais. Somos testemunhas de uma era de enor- mes carências de conhecimento, de afetividade e de espiritualidade. Nossa sociedade é dominada por princípios voltados quase que exclusivamen- te ao lucro e a manipulação através do poder – político, social, econômico, religioso e interpessoal. Como as demais estruturas so- ciais, também a escola precisa assumir um novo significado (ressignificar-se) em suas antigas práticas, costumes e crenças. É inegável reconhecer que o modelo institucionalizado de escola que temos, de pouco ou nada adianta para as sofisticadas exigências de sobrevivência do mun- do globalizado, que requer sujeitos autônomos, críticos, participativos, comunicati- vos, emocionalmente capazes, flexíveis a mudanças, adaptáveis a transformações, rápidos nas decisões, eficientes em julgamentos, enfim sujeitos com qualidades e habilidades, não raras vezes, opostas àquelas que a escola preconiza hoje, uma vez que a ideia de multiculturalidade parte do princípio da coexistência das diversas tra- dições culturais e espirituais; a capacidade humana de assimilar outras tradições sem rejeitar ou negar sua cultura original. 1 O presente texto é de autoria da Pedagoga Regina Aparecida Freitas da Costa Diniz, especialista em Gestão Escolar. Aula 13 Figura 1 - A pintora Modernista Tarsila do Amaral pintou em 1933 o quadro "O Povo" fazendo referência à diversidade cultural brasileira e à condição do trabalhar no Brasil. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 2 2.1.1 Educação como fator para humanização e socialização do homem A busca de novos ambientes de aprendizagem, mais adequados às necessi- dades de nossos alunos e ao mundo como ele hoje se apresenta, abre-nos uma perspectiva para refletirmos sobre a adoção de novo referencial para a educação, considerando a gravidade dos problemas vivenciados não somente no setor educa- cional, mas também nas diferentes áreas do conhecimento humano. No entanto, não podemos desprezar os paradigmas que foram construídos ao longo do tempo, pois sabemos que, historicamente, a educação sempre foi um fator importante para a humanização e socialização do homem. As mudanças que estão ocorrendo no mundo da ciência tornam necessário rejeitar visão arcaica em que ela é compreendida como um conjunto de verdades de natureza acumulativa, substituindo-a por uma concepção em que as teorias científi- cas vão se sucedendo ao longo da história, de acordo com modelos explicativos provisórios e parciais, e realizando sucessivos saltos qualitativos que significam ver- dadeiras mudanças totais na visão de mundo. Nossos sistemas de pensamento não são independentes de nossa história. Este fato nos leva a um questionamento profundo do que é aprendizagem e dos co- nhecimentos que constituem sua matéria prima. Assim, devemos discutir com os educadores que não é apenas o conteúdo da ciência que muda a cada instante, mas o ponto de vista pelo qual ela é praticada e contemplada. Implica em uma mudança nas atitudes de quem a pratica, em uma nova compreensão do que se entende pelo estudo da realidade, em uma abordagem inovadora das disciplinas curriculares das metodologias de ensino. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 3 Nesse contexto, um multiculturalismo, desde que bem entendido, não constitui uma rua de mão única para autoafirmação de grupos com identidade própria. A coexistência em pé de igualdade de diver- sas formas de vida exige ao mesmo tempo uma in- tegração dos cidadãos e o reconhecimento recíproco de sua qualidade de membro subcultural no quadro de uma cultura política comum. A sociedade pluralis- ta democraticamente constituída garante as diferen- ciações culturais sob a condição da integração políti- ca. Os cidadãos da sociedade são autorizados a formar seu modo cultural próprio sob a pressuposição de eles se entendam juntos com todos os outros, como cida- dãos da mesma coletividade política. As justificações e as autorizações culturais en- contram seus limites nas bases normativas da Constituição, unicamente a partir da qual eles se fundamentam. Nas sociedades primitivas, por exemplo, tive- mos uma educação difusa, havendo uma distinção entre educação, ensino e doutrinação. A educação desse período tem um conceito genérico, enquanto que o ensino se refere à transmissão de conhecimen- tos acumulados e a doutrinação é vista como uma pseudo-educação que não respeita a liberdade do educando. A visão de mundo da Idade Média, por sua vez, estava ligada ao processo da natureza em rela- ções caracterizadas pela interdependência dos fe- nômenos materiais e espirituais e na subordinação das necessidades individuais às da comunidade. Nessa visão orgânica assentava-se o naturalismo aristotélico e sua fundamentação dada por São Tomás de Aquino (1224-1275). O pensamento do filósofo grego Aristóteles foi adaptado ao contexto cristão por São Tomás de Aquino no século XIII, dando ao universo cristão uma aproximação ao conteúdo científico Figura 2 - A imagem acima representa o multiculturalismo que consiste na tendência mundial de aproximação e mistura de povos revelando uma noção globalizada de Diversidade Cultural. Figura 3 - A doutrinação aparece como uma forma de educação que restringe e aliena o indivíduo das suas escolhas no processo de aprendiza- gem e vivência. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 4 que iria ser uma das razões para o aparecimento das universidades na Europa Me- dieval. A Idade Moderna teve no Renascimento um dos fatores marcantes que reposicionou o ho- mem como centro do significado histórico. É o pe- ríodo do antropocentrismo (o homem como o centro) e do racionalismo, com o advento da ex- perimentação científica. Segundo a concepção de um novo homem, no Renascimento educar torna-se questão de moda e uma exigência. A cultura renascentista é caracteristicamente humanista. Figura 4 - São Tomás de Aquino foi um dos responsá- veis pela instituição do Modelo Educacional Medieval chama- do Escolástica. Figura 5 - "Homem Vitruviano" de Leonardo Da Vinci representa o An- tropocentristo - o Homem como o Centro do Universo, o equilíbrio e o racionalismo. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 5 2.1.2 A relação ética x educação Uma forma de julgamento da validade das morais é o que chamamos de éti- ca. Entre a moral e a ética á uma tensão permanente: a ação moral busca uma compreensão e uma justificação crítica universal, e a ética, por sua vez exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para reforçá-la ou transformá-la. A ética tem sido necessária e importante por regular o desenvolvimento histó- rico-culturalda humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência a princípios hu- manitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões, etc, a humani- dade já teria se despedaçado até à auto- desnutrição. As nações do mundo já entraram em acordo em torno de muitos desses princípios. A Declaração versal dos Direi- tos Humanos, pela ONU (1948), é uma demonstração de o quanto a ética é ne- cessária e importante. A ética assim como a escola estão inseridas em uma cultura e não são imunes aos legados da história e da tradição. O peso da cultura ao longo da trajetória humana definiu muito fortemente regras, nor- mas, conceitos utilizados equivocadamente nas relações sociais. Em nome da ética e da moral, já fomos muito desumanos. Ainda que a cultura seja uma variável fun- damental, ela não poderia absolutizar a sua compreensão de homem e mundo. Se estivermos preocupados em discutir educação e ética é preciso estar dis- posto a rever o próprio cotidiano, negar alguns refúgios convencionais. Reinventar o lugar da regra e da norma nas relações sociais. A moralidade do diálogo consiste, pois num acerto de contas constante entre aquilo que deve permanecer e aquilo que deve ser transgredido para que as relações humanas de fato sejam éticas. Aula 14 SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 6 A ética inclui, portanto o desenvolvimento cogni- tivo do ser humano, segundo Jean Piaget, a moral heterônoma, estágio ainda elementar da moralidade, respeita regras e normas tão somente em função de um sentimento de medo, de amor ou de sagrado. A pessoa se submete, pois a regra advém de um "outro" que representa poder. Mas este é ainda um nível insu- ficiente, o processo educativo deve e pode gerar a mo- ral autônoma que implica um sentimento de necessi- dade – "aquilo que não pode não ser". Neste cenário, as regras não são seguidas por medo ou por amor, mas antes de tudo são compreendidas pela "razão" e é o sujeito em interação com seus iguais que decide quais as regras e normas obri- gatórias e necessárias para o convívio social. A moral autônoma não evoca o medo, o amor e o sagrado. Repele simultane- amente o egocentrismo e a confiança cega na autoridade. Tende ao reconhecimento de princípios apoiados na cooperação, reciprocidade e na necessidade de convívio organizado entre os indivíduos. Neste contexto as regras e normas não são eternas, mas se constituem e se preservam enquanto coerentes. É hora de resgatar a indagação: Seriam as relações pedagógicas predomi- nantes éticas? Se isto fosse verdade, nossas certezas didáticas seriam tão inten- sas? Exercitamos de fato a tolerância ou ainda insistimos em classificar e segregar ideias e pessoas? Suportamos o diálogo argumentativo? Ou somos ainda seduzidos por verdades alienígenas? A ética na educação significa admitir que hoje é necessário respeitar a regra combinada, ainda que amanhã, novas circunstâncias exijam novas regras e normas. Isto implica leveza, leveza de saber respeitar a regra porque compreendida e igual- mente saber transgredi-la quando necessário e em benefício do convívio social. Esta é uma postura ética. É preciso investigar, como ocorreu a construção da ética nas relações peda- gógicas. Parece predominar ainda muito fortemente a moral x moral heterônoma, tanto na instância do privado, quanto do público. Figura 6 - Sir Jean William Fritz Piaget foi um epistemólogo suíço, considerado o um dos mais impor- tantes pensadores do século XX, sobretudo em relação à educação. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 7 Somos ferrenhos defensores de princípios que não assumimos como nossos, mas nos submetemos por convivência. Desejar um processo educativo onde a ética tenha lugar significa não impedir o desenvolvimento do sujeito, que mesmo envolto pela cultura, nunca está reduzido a simplesmente repeti-la, mas deseja compreendê- la. A escola deveria preocupar-se menos em repetir e exigir regras, normas e ati- tudes padrão e estabelecer um “clima constituinte”, onde alunos e professores rea- prendam o processo de construção das próprias regulações sociais, pedagógicas, afetivas, cognitivas. Definidas devem ser repetidas de fato. Quando anacrônicas, devem ser revistas e reinventadas. Seremos nós professores, de fato leves toleran- tes, dialógicos, éticos na interação com nossos alunos? Acreditar nesta possibilidade não significa refugiar-se no espontaneísmo, no democratismo, mas antes de tudo admitir que o processo de educação seja indiscutivelmente um processo de recons- trução, que, portanto tem bases firmes, mas não imóveis. A ética não basta como teoria. É preciso que cada cidadão incorpore esses princípios como uma atitude prática da vida cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento. Isso traz uma consequência inevitável: frequentemente o exercício pleno da cidadania (ética) entra em colisão frontal com a moral vigente. Até porque a moral vigente, sob pressão dos interesses econômicos e de mercado, está sujeita a frequentes e graves degenerações. É neste contexto que se deve pensar os rumos da educação que se processa na escola. Esta, por sua vez, deve exercer uma função democratizadora. Por um lado, deve preparar o cidadão em formação para o exercício da autonomia, lendo, SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 8 interpretando e compreendendo criticamente o mundo a sua volta, observando os fatos e interpelando a realidade sempre que necessário. A educação deve inserir processos de ensino que instrumentalizem o traba- lhador em formação a prover sua existência futura, de maneira satisfatória no hori- zonte da economia globalizada. Por outro lado, deve ser por excelência um processo de humanização, desenvolvimento e realização humana, que privilegie valores de liberdade e autonomia, moral e ética, cooperação e solidariedade. Seguem alguns exercícios, reflexões sobre o conteúdo estudado. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 9 1) Nossa sociedade é dominada por princípios voltados quase que exclusivamente ao lucro e a manipulação através do poder – político, social, econômico, religioso e interpessoal. Como as demais estruturas sociais, também a escola precisa as- sumir um novo significado (ressignificar-se) em suas antigas práticas, costumes e crenças. A partir da consideração acima, qual seria o papel assumido por uma nova esco- la? Assinale a alternativa CORRETA. a) A escola tem um papel específico na sociedade que a desvincula das demais instituições sociais. b) A escola precisa assumir uma nova postura diante dos problemas sociais e dos contrastes ampliados pelas relações de poder na sociedade. c) As relações culturais, principalmente as questões religiosas não devem ser tra- tadas pela escola. d) No mundo globalizado a escola deve ser vista como uma empresa competitiva que produz novas formas de dominação. 2) A ética assim como a escola estão inseridas em uma cultura e não são imunes aos legados da história e da tradição. O peso da cultura ao longo da trajetória humana definiu muito fortemente regras, normas, conceitos utilizados equivocada- mente nas relações sociais. Em nome da éticae da moral, já fomos muito desu- manos. Ainda que a cultura seja uma variável fundamental, ela não poderia abso- lutizar a sua compreensão de homem e mundo. Considerando o fragmento acima sobre o papel da escola em relação aos precei- tos culturais, assinale a alternativa CORRETA. SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 10 a) A escola ainda deve se impor como modelo acima dos legados da história e da tradição cultural. b) A escola está desassociada das expressões culturais, tendo somente vínculo com as questões políticas sociais. c) A escola e a cultura devem ser consideradas enquanto elementos essenciais ao desenvolvimento social dos indivíduos dentro do espaço social. d) A escola busca, ainda hoje, absolutizar as relações culturais da sociedade. 3) Sobre as noções estabelecidas no texto acerca da relação entre ética e moral, assinale a opção INCORRETA: a) O entendimento ético discorre filosoficamente, em épocas diferentes e por vá- rios pensadores, dando conceitos e formas de alusão ao termo ética. b) Durante as Idades Média e Moderna, a ética era considerada uma ciência, por- tanto, era ensinada como disciplina escolar. Na Idade Contemporânea, a ética assumiu uma nova conotação, desvinculando-se da ciência e da filosofia e sendo vinculada às práticas sociais. c) A simples existência da moral significa a presença explícita de uma ética, en- tendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discute, problematiza e interpreta o significado dos valores morais. d) A ética não tem por objetivo procurar o fundamento do valor que norteia o comportamento, tendo em vista a historicidade presente nos valores. 4) Para compreender o sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, é necessário conce- ber algumas condições. Entre estas condições, assinale a alternativa CORRETA: a) O sujeito ético moral é heterônomo. b) O sujeito ético moral é ser dotado de vontade e consciente de si e dos outros. c) A pessoa é incapaz para deliberar e decidir, uma vez que sempre existe al- guém para lhe dizer o que fazer. d) A pessoa não é um ser responsável e livre.