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Texto 1
Para Friedrich Müller (2013, p.9), a justiça, considerada a estrela polar comum ao direito em todos os tempos, não obteve da ciência do direito uma definição sobre o seu fundamento, a qual pudesse ser confiável e amplamente aceita entre os juristas. A posição da ciência jurídica perante o direito natural também não é capaz de definir as transformações históricas do direito. O direito natural em si, a partir do ponto de vista científico, nada mais é do que um caos catalogado pela ciência jurídica, e, por isso, não está a merecer a atenção dos juristas.
Para o autor, a ciência jurídica efetiva se ocupa das diferentes concepções e métodos de reflexão e interpretação da norma jurídica. Este é o fundamental enfoque da ciência jurídica: os vários tipos de concepção sobre a norma jurídica. Na democracia a lei é o centro sistêmico da ação jurídica, vinculando todas as pessoas, tanto os juristas como não juristas, e deve, ao menos em princípio, emanar do povo. Disso decorrem duas conclusões: a manutenção do respeito à lei; o compromisso dos juristas – principalmente os juízes – com a concretização dos objetivos da lei. Neste contexto, para Teoria Estruturante do Direito, proposta por Müller, importante definir o que é a lei e o que é a norma jurídica, tendo em vista a divergência de paradigmas interpretativos sobre o tema (MÜLLER, 2013, p. 10). A Teoria Estruturante ressalta que o positivismo dominante confunde a norma jurídica com o texto da norma aposto no código legal, ou, ainda, com a conduta prescrita por este texto legal, de forma que poderia se aplicar o texto ao caso concreto, a partir de um processo de dedução lógica, método que fracassou, principalmente diante das variáveis múltiplas verificadas nos casos concretos que não poderiam ser respondidas por esta forma de pensar o direito (MÜLLER, 2013, p.13).
As tentativas de solução do problema da falta de resposta do positivismo frente a algumas questões que envolvem variáveis complexas, como aquelas soluções concebidas pela escola Livre do Direito - antipositivista - caem na mesma armadilha do positivismo: não conseguem dar uma resposta à questão, já que se limitam a alimentar a discussão relativa à tensão dialética criada pelas concepções de “ser” e “dever-ser”, concentrando a resposta no “ser”, o que não elimina o problema, tendo em vista a imprecisão da resposta. Ou seja, a solução seria deslocar o que seria direito de um conteúdo eminentemente jurídico, derivando para aceitação potencial e exclusiva de fatores psicológicos, sociais e todos aqueles considerados metajurídicos, o que privilegiaria um decisionismo desvinculado de um critério metodológico sólido (MÜLLER, 2013, p.10).
A solução, assim, proposta por Müller parte da necessidade da concepção não de uma teoria antipositivista, mas de uma teoria pós-positivista, que concebe o trabalho jurídico como um processo a ser realizado no tempo e os enunciados nas codificações, como textos de normas. Neste sentido, a norma jurídica não existe ante casum: o caso submetido à decisão é constitutivo da norma. O texto da norma no código legal é apenas um dado de entrada do processo de trabalho chamado concretização, que levaria em conta outros dados, inclusive factuais, os quais, ao final do processo metodológico, comporiam a norma jurídica (MÜLLER, 2013, p.11).
A norma jurídica seria, então, estruturada como um conceito composto que resolve o problema da tensão entre “ser” e “dever-ser”, que pode ser totalmente trabalhável, ou seja, referido antagonismo pode coexistir, se correlacionare compor a estrutura de uma norma jurídica mais complexa. A resolução do problema do dualismo entre “ser” e “dever-ser” se dá mediante a consideração de um ponto de partida indutivo, ou seja, tem sua gênese no problema, com as tarefas comuns da práxis jurídica e com o seu entorno social; a partir daí são desenvolvidos esquemas conceituais e teóricos, sempre levando em consideração os fatos do caso individual (MÜLLER, 2013, p.11-13).
O direito e a realidade não aparecem mais como categorias antagônicas, mas sintetizáveis no trabalho jurídico efetivo de caso para caso, na forma da norma jurídica produzida, com foco principalmente nas decisões dos Tribunais Constitucionais. Neste contexto, surge a Teoria Estruturante do Direito – TED -, que faria os seguintes questionamentos em relação às decisões produzidas por um Tribunal Constitucional: a) como o Tribunal Constitucional chega às suas afirmações? b) como ele as fundamenta? c) em termos de conteúdo, prossegue, por exemplo, com os julgamentos anteriores ou modifica sua própria prática? E como isso é sustentado argumentativamente? Como o Tribunal trata os dados reais (elementos da realidade social) de seu caso (do âmbito material para o âmbito da norma)? Para Müller (2013, p. 13-15), a teoria e prática têm igual importância, ressaltando que, teoria e prática, no direito, não são “senhora e escrava” uma da outra, mas irmãs, equivalentes, mas a prática é a irmã mais velha da teoria, a de mais experiência.
Ao invés de se enfocar a norma jurídica a partir da concepção de norma e “fato”, como entes separados, questiona-se pela estrutura da normatividade jurídica como se apresenta na aplicação prática do direito, pelo método indutivo, considerando o enlace de norma e fato. Chegou-se a esta tese aprofundando-se a investigação da jurisprudência constitucional, já que o direito constitucional faz tomar consciência sobre a questão em torno do direito normativo e da realidade normatizada. É neste terreno que a jurisprudência vê a necessidade de recorrer a fatos empiricamente demonstráveis do mundo social para, assim, apoiar a interpretação de disposições legais ou mesmo para definir o conteúdo destas (MÜLLER, 2013, p. 17).
A Teoria Estruturante do Direito propõe à ciência do direito: analisar a particularidade das normas jurídicas dentro dos distintos passos de concretização do direito; não se poderá formular o postulado da objetividade jurídica no sentido de um conceito ideal absoluto, mas sim com reivindicação de uma racionalidade verificável e discutível na aplicação do direito e a exigência de que aquela responda aos fatos, fazendo com que as disposições legais levem o selo de sua própria matéria (MÜLLER, 2013, p. 19).
Para a referida escola do pensamento é um equívoco pretender generalizar os diversos tipos de ordenamento jurídico convertendo-os em norma jurídica por excelência para logo deduzir conclusões sobre esta ideia abstrata. Neste sentido, o positivismo jurídico deixa se levar por uma ficção inaceitável na prática, segundo a qual as decisões judiciais poderiam ser deduzidas do texto da norma, ou a uma prescrição emanada deste texto. O problema normativo da relação existente entre direito e realidade somente pode ser entendido por uma teoria da prática jurídica (neste caso, constitucional), que investigue as condições essenciais de realização do direito, sem perder-se em uma análise limitada exclusivamente aos pormenores da técnica metodológica (MÜLLER, 2013, p. 19).
A realidade social deve ser distinguida, por um lado, como âmbito de validade do direito e, por outro, como parcela da realidade pressuposta, recebida e engendrada pelas normas jurídicas singulares. As possibilidades de interpretação da norma pelo positivismo, lastreadas na aplicação da lógica formal, se mostram ainda mais insuficientes frente ao paradigma do direito constitucional, que contém normas de direitos fundamentais, as quais não podem ser aplicadas a partir de um modelo lógico subsuntivo e silogístico, mas devem ter a sua interpretação construída no caso concreto (indutiva), levando em consideração o texto como dado de entrada primário, uma interpretação perfunctória deste texto, bem como os dados reais e fáticos (MÜLLER, 2013, p. 20).
A metódica estruturante confere ênfase na normatividade da Constituição, isto é, no que se refere à análise das relações entre direito e realidade dentro da interpretação da Constituição, na pergunta acerca da estrutura e do conteúdo material das regulaçõesjurídicas constitucionais. Neste contexto, a Tópica seria insuficiente para dar uma resposta adequada ao estudo da norma constitucional, já que o seu objeto extrapola os limites deste tipo de norma, utilizando qualquer ponto de partida para resolução do problema, o que não seria condizente com uma interpretação constitucional (MÜLLER, 2013, p. 23-24). Marcelo Paiva Santos (2013, p. 254-258) pondera que Müller (2013, p. 107-118) desenvolve sua metodologia considerando os seguintes elementos normativos:
a. Texto normativo: a) enunciado linguístico normativo que não constitui a norma, mas deve ser considerado no contexto social e comunicativo em que se insere; b) são dados de entrada do processo de concretização da norma; c) devem ser colocados no início do processo de concretização da norma, como ponto de partida deste processo; e) o legislador não cria normas, mas dados de entrada, pontos de partida para o processo de concretização;
b. Programa normativo: a) seria o resultado da interpretação dos dados da linguagem jurídica do texto; b) o intérprete deve trabalhar com este conjunto de linguagem de forma indutiva, ou seja, extraindo de casos práticos e mesmo da jurisprudência a construção do seu significado; c) o programa normativo delimita o âmbito de aplicação do texto normativo. É uma consequência do Estado Democrático de Direito e a melhor interpretação prévia destes textos tomando por base esta premissa; c) o programa normativo não é a norma em si, mas um juízo de valor formulado sobre o texto, como, por exemplo, o entendimento jurisprudencial ou doutrinário;
c. Âmbito material/de fato: são os dados reais do caso; os fatos do caso. Todos os elementos reais do caso que possam contribuir para a análise da situação que se pretende decidir. Há referência ainda ao âmbito do caso. Este elemento configuraria uma redução analítica do âmbito material – dados reais do caso - para os dados reais relevantes para construção da teoria do caso em voga. Visa a facilitação do trabalho, tendo em vista que não são todos os dados reais que são vitais para compreensão do caso;
d. Âmbito normativo: é construído a partir da análise do âmbito material e do programa normativo. Neste caso se nota um entrelaçamento entre “ser” e “dever-ser” e não uma separação, como concebe a teoria positivista. Para construção do âmbito normativo é necessário se ater aos dados reais, programa normativo, sem descurar de uma visão interdisciplinar – de outras ciências, como sociologia, etc. -, para se ter uma real dimensão deste elemento;
e. Norma jurídica: é construída a partir da união do âmbito normativo (que contém o âmbito material/de fato) - e o programa normativo (que contém a primeira interpretação do texto normativo);
f. Norma-decisão: é a aplicação individualizada da norma jurídica, esta considerada como o resultado da união do âmbito normativo e do programa normativo, que em si já consideraram o âmbito material e o texto normativo1.
Resta lembrarmos que, pela construção formulada pela Teoria Estruturante do Direito, ser e dever-ser se complementam na construção da norma jurídica, norma-decisão; as normas não são textos legais ou condutas prescritas, mas também são compostas por fatos – âmbito material - , inclusive constatações empíricas, sendo impossível conceber uma norma como isenta de valores e de conteúdo fático, como idealizou o positivismo (normas jurídicas não são fatos, mas o sentido destes, o sentido de atos de vontade direcionados para o comportamento humano), conforme pontua Müller (2013, p. 43).
Importante também considerar que o conceito de norma não pode ser reduzido à interpretação autêntica – sentença judicial – no caso concreto, como também desenvolve a teoria positivista de Kelsen. Conforme a Teoria Estruturante do Direito, a interpretação autêntica decorreria de uma metódica consistente, lastreada na união do programa da norma com o âmbito da norma (MÜLLER, 2013, p. 44-45).
Ao privilegiar a decisão autêntica como norma, dissociada de um critério metodológico, o positivismo relega ao intérprete que decida conforme os seus valores, o que tanto o positivismo procurou evitar – relação entre direito e moral -, motivo pelo qual esta teoria não contribuiu para interpretação do direito.
Fato que muitos ignoram é que o próprio Kelsen defendia que o juiz seria um criador de direito, relativamente livre, já que a norma individual a ser alcançada é sempre buscada por meio do preenchimento da moldura da norma, numa função voluntária. Admite, ainda, Kelsen que a produção de uma norma fora da moldura da norma cria um direito novo. A interpretação realizada pelos órgãos aplicadores do Direito é sempre autêntica. Ela cria o Direito. Vejamos as afirmações, ainda, do próprio Kelsen (2009, p. 389-394):
A teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma única solução correta (ajustada), e que a “justeza” (correção) jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se se tratasse tão-somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como se o órgão aplicador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento (razão), mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de intelecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha que correspondesse ao Direito positivo, uma escolha correta (justa) no sentido do Direito positivo.
[...]
Só que, de um ponto de vista orientado para o Direito positivo, não há qualquer critério com base no qual uma das possibilidades inscritas na moldura do Direito a aplicar possa ser preferida à outra. Não há absolutamente qualquer método – capaz de ser classificado como de Direito positivo – segundo o qual, das várias significações possíveis: possíveis no confronto de todas as outras normas da lei ou da ordem jurídica.
Apesar de todos os esforços da jurisprudência tradicional, não se conseguiu até hoje decidir o conflito entre vontade e expressão a favor de uma ou da outra, por uma forma objetivamente válida.
[...]
A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa.
Toda a metódica estabelecida pela Teoria Estruturante do Direito demonstraria a constitucionalidade da norma-decisão, sendo que o limite desta concretização seria a inexistência de distanciamento total do texto normativo, em respeito ao Estado de Direito, ao princípio da legalidade e à segurança jurídica (MÜLLER, 2013, p. 44-45).
Além de desconstituir as premissas do positivismo, a metódica estruturante preleciona que a função pacificadora e estabilizadora da norma no direito constitucional constitui um dos principais argumentos contra a Tópica, modo de pensar o direito que não tem compromisso com o texto normativo, mas com a tensão dialética dos topoi – pontos de vista aceitos pela sua coerência e pela autoridade do seu construtor –, o que poderia ensejar a construção de uma norma no caso concreto desvinculada do Estado de Direito, sem compromisso com a lei e com a segurança jurídica. As decisões que transgridem manifestamente a literalidade de um texto normativo são irregulares, tendo em vista que os limites da concretude da norma exigem a não alteração do seu texto (MÜLLER, 2013, p. 29).
A tópica caracteriza um nítido contraponto ao modelo lógico-subsuntivo, silogístico, originado nas bases cartesianas, em que a solução de um caso seria deduzida a partir de um dogma, que poderia ser a lei. O pensamento tópico objetiva a melhor interpretação ou decisão tomando como ponto de partida o problema, a partir do qual seriam considerados topoi, ou opiniões comuns, notoriamente respeitáveis, que ensejariam a sua solução, por meio de um consenso (VIEHWEG, 2008, p. 40).
Vislumbra-se, na Tópica, as seguintes bases de pensamento que se opunhamao positivismo: a) pensamento indutivo, que parte do problema; b) busca de uma solução justa, lastreada no consenso; c) observância de valores, que compunham os topoi relativos ao caso. Disserta Luís Roberto Barroso (2008, p. 335) sobre a contribuição da Tópica na superação do paradigma exclusivamente positivista:
Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas o conjunto de fatos sobre o qual irá incidir a norma, para se transformar no fornecedor de parte dos elementos que irão produzir o Direito. Em múltiplas situações, não será possível construir qualquer solução jurídica sem nela integrar o problema a ser resolvido e testar os sentidos e resultados possíveis. Esse modo de lidar com o Direito é mais típico dos países da tradição do common law, onde o raciocínio jurídico é estruturado a partir dos fatos, indutivamente, e não a partir da norma, dedutivamente. No entanto, em países da família romano-germânica, essa perspectiva recebeu o impulso da Tópica, cuja aplicação ao Direito beneficiou-se da obra seminal de Theodor Viehweg, e de seu método de formulação da solução juridicamente adequada a partir do problema concreto. Embora não tenha sido vitoriosa como método autônomo, a Tópica contribuiu de maneira decisiva para a percepção de que fato e realidade são elementos decisivos para atribuição de sentido à norma, mitigando o poder da norma abstrata e o apego exagerado a uma visão sistemática do Direito.
Observa-se que a Teoria Estruturante do Direito admite a existência de um sistema jurídico aberto a valores focando seu objeto de estudo na norma jurídica, que seria composta não somente por elementos do sistema jurídico, mas elementos interdisciplinares (MÜLLER, 2013, p. 250). Referida concepção de pensamento se opõe a concepção lógica silogística que norteia o pensamento positivista e, ainda, à Tópica, que buscava uma solução justa, baseada no consenso, a partir dos topoi que circundavam o caso.
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1. “Deve-se chamar a atenção ao fato de que a estrutura da norma designa, como conceito operacional o nexo entre as partes conceituais integrantes de uma norma (programa da norma – âmbito da norma) e não, e.g., as relações entre os pontos de referência da teoria tradicional do direito (como ser e dever ser, suporte fático e consequência jurídica, norma e conjunto de fatos).
[...] Normatividade designa a qualidade dinâmica de uma norma, assim compreendida, tanto de ordenar à realidade que a subjaz – normatividade concreta – quanto de ser condicionada e estruturada por essa realidade – normatividade materialmente determinada. Com isso a pergunta pela relação entre direito e realidade já está dinamizada no enfoque teórico e a concretização prática é concebida como processo real de decisão”. (MÜLLER, 2013, p. 35-36).
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. INTRODUÇÃO
A Teoria Estruturante do Direito foi desenvolvida pelo Prof. Friedrich Müller no contexto do pós-2ª Guerra Mundial. Na época, o mundo jurídico, principalmente o alemão, entrou em um processo de renovação alimentada pela necessidade de se impedir que a lei voltasse a respaldar governos autoritários e injustos, como foi visto durante o 3º Reich de Hitler.
O pensamento positivista kelseniano, que atribuía a legitimação da lei à sua positivação, acabou por perder consideravelmente seu respaldo, pois foi usado com intensidade pelas forças nazistas para justificar seus atos alegando estar “seguindo a Constituição alemã”.2 Não só a Teoria Pura do Direito, mas também muitas outras teorias positivistas contribuíram para a pseudo-legitimação de nazistas no poder, o que provocou uma abrupta retomada do jusnaturalismo no pós-guerra, tendo o Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht) um papel de destaque nesse processo, aplicando o chamado direito natural positivado.3
Diante do cenário apresentado, Friedrich Müller desenvolveu uma teoria nova que rompeu com os padrões positivistas tradicionais e, ao mesmo tempo, não se filiou ao direito natural.4 Teoria esta que traz a um novo patamar a relação entre Direito e realidade, promovendo um intenso diálogo entre ambos para a resolução do caso concreto.
A partir do exposto, buscar-se-á um confronto entre a teoria supracitada e o art. 5.º,caput, da Constituição Federal brasileira de 1988. Será feita uma dissecação do processo de concretização da norma nos moldes da metódica estruturante em contraposição ao modelo positivista tradicional.
2. BASES DA TEORIA ESTRUTURANTE
A principal inovação dessa teoria foi o conceito de concretização, a qual se baseia na Práxis, em que a norma jurídica é resultado da interação entre a realidade do caso concreto e o texto de norma. O operador do Direito passa a ter, assim, um papel central, visto que ele é o responsável por converter o fator parcial de solução tópica dos problemas5 em norma jurídica em si, promovendo o trabalho de concretização.
Evidencia-se que, na metódica estruturante, a norma jurídica não preexiste no texto legal, conforme disse o próprio Müller:
Norma jurídica não é apenas um dado orientador apriorístico no quadro da teoria da aplicação do direito, mas adquire sua estrutura em meio ao processamento analítico de experiências concretas no quadro de uma teoria da geração do direito.6
A norma jurídica é, portanto, resultante de um processo tópico-dialético entre o texto legal a priori e o meio fático do caso, tendo-se o método como elo crucial de ligação entre o Direito e realidade, contribuindo para uma decisão jurisprudencial límpida, racional e segura. É mister destacar também a chamada elipse hermenêutica, que engloba toda a trilha entre a norma textual abstrata e a norma estruturada concreta.
Após o exposto, nota-se que a Teoria Estruturante aparece como personagem de destaque no contexto contemporâneo do Estado Democrático de Direito e do neoconstitucionalismo no processo de resolução de problemas relacionados aos direitos fundamentais no caso concreto. E o Brasil está dentro desta nova realidade jurídica, sendo que tais direitos foram positivados no art. 5.º da CF/1988.
3. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE APLICADO CONFORME A TEORIA ESTRUTURANTE
O dito princípio está presente no caput do art. 5.º, ganhando, assim, um destaque especial do legislador, visto que ganhou posição central como pivô para a eficácia das garantias fundamentais enunciadas nos 78 incisos seguintes do mesmo artigo.7
Conforme o texto constitucional, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Entretanto, à luz da Teoria Estruturante, não há norma jurídica no supratranscrito. O que há é texto de norma que deve passar por um processo de concretização, conforme os topoi8 do caso individual.
No processo de concretização, são vislumbrados inúmeros aspectos extrajurídicos, a fim de se resolver o caso concreto da forma mais adequada, racional e transparente. Indo, assim, muito além da mera subsunção ou da visão de um direito “puro”,9 as quais são típicas do positivismo tradicional. A partir desse pensamento estruturante, a proporcionalidade objetiva do texto de norma dá lugar à proporcionalidade subjetiva, que apregoa que devem ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.
O que se observa é, então, que a Constituição a qual está positivada a proporcionalidade objetiva é um fator parcial a ser concretizado, devendo-se observar aspectos econômicos, culturais, psicológicos, sociais, entre outros, visando ao máximo o contato do texto legal à realidade para a melhor solução do problema encarado pelo Direito. Além de reconhecer possíveis conflitos entre princípios ou direitos fundamentais, aplicando o chamado sopesamento10, que consiste em balancear a efetividade daqueles, buscando-se a solução mais adequada e equilibrada possível para o caso. Segue um trecho da Teoria Estruturante a esse respeito:
A aplicação tópica do direito, que abre mão da deduçãoaparentemente lógica e visa o teor material e de problemas dos aspectos, portanto um sistema “aberto”, indaga necessariamente para além da norma e pretende desvelar assim a estrutura de cada interpretação, que se vê forçada a declarar como partes do direito positivo as descobertas não extraíveis das fontes formais mesmo quanto alegadamente não abandona o quadro do teor “dado” da lei.11
4. INVIABILIDADE DA PLENA EFETIVIDADE DA PROPORCIONALIDADE SEM O ADEQUADO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO
O Estado brasileiro tem o dever de efetivar simultaneamente todos os direitos fundamentais presentes no art. 5.º, conciliando-os em caso de conflito aparente, com a supressão apenas relativa de um deles e da forma mais racional e clara possível, sem espaço a arbitrariedades e retóricas falaciosas.
Na visão positivista tradicional, entretanto, a decisão judicial consistiria em mera subsunção que abriria uma gama de soluções logicamente possíveis à decisão volitiva do juiz, diante das possibilidades de interpretação dentro da “moldura” da lei12. Tal pensamento não é, de forma alguma, satisfatório aos ideais neoconstitucionais, pois abre espaço a sentenças arbitrárias e não satisfaz de forma plena os ideais de proteção individual da Constituição.
Seguindo a crítica à mentalidade positivista tradicional, tece Müller:
A norma jurídica é compreendida erroneamente como ordem, como juízo hipotético, como vontade materialmente vazia. Direito e realidade, norma e segmento normativo da realidade aparecem justapostos “em si” sem se relacionarem; um não carece do outro, ambos só se encontram no caminho da subsunção do suporte fático, de uma aplicação da prescrição.13
No Brasil, por exemplo, as decisões judiciais, embora tenham que ser fundamentadas,14 estão muito sujeitas a arbitrariedades na sentença, que são resultantes de decisões mal estruturadas e sem nexos racionais corretos. Isso é resultado do conteúdo vago dos direitos fundamentais associado a defeitos no processo de concretização. Observa-se também o despreparo por parte de muitos juízes em conduzir o processo nos conformes do princípio de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.”
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto à Teoria Estruturante, conclui-se que a realidade dá vida à norma abstrata no plano concreto. A visão positivista de norma jurídica posta com plena eficácia, efetividade e subsumibilidade do fático foi superada, dando lugar a uma visão de norma jurídica existente apenas a partir de um processo de concretização resultante do diálogo entre texto de norma e plano fático.
A partir daí, depreende-se a importância da metódica estruturante para o amplo funcionamento do Estado Democrático de Direito e para o desafio de conciliar diversas garantias individuais presentes no texto constitucional. O princípio da proporcionalidade, por exemplo, carece de muito mais do que mera subsunção ou efetivação restrita ao âmbito apresentado no texto constitucional, visto que este é incompleto e não é possível abranger todas as possibilidades fáticas no texto de norma. Devendo-se o dito texto ser abstrato e passível de concretização para adquirir conteúdo normativo de fato diante do caso concreto.
Texto 2
Sua Teoria dos Princípios tem três capítulos: 1.º) “Considerações Introdutórias”; 2.º) “Normas de Primeiro Grau: Princípios e Regras”; e 3.º) “Normas de Segundo Grau: Postulados Normativos”.
As “considerações introdutórias” são curtas, mas nelas Humberto Ávila já traz considerações que não podem ser ignoradas. Segundo nosso autor, “a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou chamar de Estado Principiológico”, o que traz “exageros e problemas”[1]. A clássica distinção entre regras e princípios acabou sendo vítima de uma verdadeira falta de “clareza conceitual na manipulação das espécies normativas”: princípios foram “baralhados com regras, axiomas, postulados, ideias, medidas, máximas e critérios”, e temos um problema com a “alusão acrítica à proporcionalidade, não poucas vezes confundida com justa proporção, com dever de razoabilidade, com proibição de excesso, com relação de equivalência, com exigência de ponderação, com dever de concordância prática ou, mesmo, com a própria proporcionalidade em sentido estrito”[2].
O objetivo da obra, diz Humberto Ávila, é o de “contribuir para uma melhor definição e aplicação dos princípios e das regras”: é preciso “manter a distinção” entre ambos, estruturando essas diferenças “sob fundamentos diversos dos comumente empregados pela doutrina”. E “tudo isso sem abandonar a capacidade do controle intersubjetivo da argumentação, que, normalmente, descamba para um caprichoso decisionismo”[3].
Por alguma razão, essa distinção entre princípios e regras “virou moda”[4]. Infelizmente, regras e princípios perfazem “espécies normativas” separadas com os “foros da unanimidade”; e é justamente “a unanimidade” que “termina por semear não mais o conhecimento crítico das espécies normativas, mas a crença de que elas são dessa maneira, e pronto”[5].
E pergunta nosso autor: 
A análise dessas afirmações [as rotineiras diferenciações entre regras e princípios] semeia, porém, algumas dúvidas. Será mesmo que todas as espécies normativas comportam-se como princípios ou regras? Será mesmo que as regras não podem ser objeto de ponderação? Será mesmo que as regras sempre instituem obrigações peremptórias? Será mesmo que o conflito entre as regras só se resolve com a invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção a uma delas? Este trabalho não só responde a essas e outras tantas perguntas que surgem na análise da distinção entre princípios e regras, como apresenta um novo paradigma para a dissociação entre princípios e regras, como apresenta um novo paradigma para a dissociação e aplicação das espécies normativas[6]. 
E, como é de sabença geral, Humberto Ávila propõe, ao lado das regras e dos princípios, uma nova categoria de espécie normativa: são os postulados normativos aplicativos, por ele definidos como “as condições de aplicação dos princípios e das regras”[7].
O 2.º capítulo — a distinção entre “princípios” e “regras” proposta por Humberto Ávila: segundo as ideias de Riccardo Guastini, nosso autor propõe que “normas não são textos [...], mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. É dizer: “os dispositivos [de lei] se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado”[8].
Isso explicaria porquê, em determinadas hipóteses, há norma, “mas não há dispositivo”: “quais são os dispositivos que preveem os princípios da segurança jurídica e da certeza do Direito? Nenhum. Então há normas, mesmo sem dispositivos específicos que lhes deem suporte físico”; n’outros casos há dispositivo, “mas não há norma”, como a menção de “proteção de Deus” no preâmbulo constitucional e na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, técnica de controle de constitucionalidade segundo a qual o dispositivo fica mantido, “mas as normas construídas a partir dele, e que são incompatíveis com a Constituição Federal, são declaradas nulas”[9].
O intérprete: como a função da ciência jurídica “não pode ser considerada como mera descrição do significado”, é certo que “a interpretação não se caracteriza como um ato de descrição de um significado previamente dado, mas como um ato de decisão que constitui a significação e os sentidos de um texto”[10]. Neste sentido, pode-se dizer que a atividade do intérprete “não consiste em meramente descrever o significado previamente existente dos dispositivos”, pois “sua atividade consiste em construir esses significados”[11].
Ainda que Humberto Ávila entenda que o intérprete cria a norma (norma = imputação da interpretação ao texto de lei), ele reconhece que há traços mínimos de significado “incorporados ao uso ordinário ou técnico da linguagem”: um Wittgenstein diria que aí estão os “jogos de linguagem”; um Heidegger invocaria o “enquanto hermenêutico”; um Miguel Reale prefeririafalar em “condição a priori intersubjetiva”; um Aulis Aarnio optaria por falar em “condições dadas da comunicação”; um Bydlinsk falaria na “comunidade linguística”[12].
Por isso, ainda que o intérprete lance sentido ao texto e que o resultado desse lançamento seja a norma, é impossível negar que há limites: 
Compreender “provisória” como permanente, “trinta dias” como mais de trinta dias, “todos os recursos” como alguns recursos, “ampla defesa” como restrita defesa, “manifestação concreta de capacidade econômica” como manifestação provável de capacidade econômica, não é concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo, menosprezar seus sentidos mínimos. Essa constatação explica por que a doutrina tem tão efusivamente criticado algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal[13]. 
De qualquer maneira, “a qualificação de determinadas normas como princípios ou como regras depende da colaboração do constitutiva do intérprete”[14].
Compêndio doutrinário de distinções entre princípios e regras: antes de maiores considerações, Humberto Ávila faz um apanhado geral das considerações feita na doutrina a respeito das diferenças entre os princípios, de um lado, e das regras, de outro. Vejamos...
a) para Josef Esser, “princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado”; “a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção qualitativa”[15];
b) para Karl Larenz, os princípios seriam “normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento”; em Larenz “os princípios seriam pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são regras suscetíveis de aplicação, na medida em que lhes falta o caráter formal de proposições jurídicas, isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica”, de maneira que “os princípios indicariam somente a direção em que está situada a regra a ser encontrada, como que determinando um primeiro passo direcionador de outros passos para a obtenção da regra”[16];
c) para Claus-Wilhelm Canaris, “duas características afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação”:
d) em Ronald Dworkin, constata-se um estudo com “um ataque geral ao Positivismo (general attack on Positivism), sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitindo pela aplicação do que ele viria a definir como princípios (principles); para ele “as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativamente maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade”[17];
e) Robert Alexy partiu “das considerações de Dworkin”, e “precisou ainda mais o conceito de princípios”, defendendo que “os princípios jurídicos consistem apenas em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas. Com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, Alexy demonstra a relação de tensão ocorrente no caso de colisão entre os princípios: nesse caso, a solução não se resolve com a determinação imediata da prevalência de um princípio sobre o outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência. Os princípios, portanto, possuem apenas uma dimensão de peso e não determinam as consequências normativas de forma direta, ao contrário das regras. É só a aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os concretiza mediante regras de colisão. Por isso, a aplicação de um princípio deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: ‘Se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso’. É dizer o mesmo: a ponderação dos princípios conflitantes é resolvida mediante a criação de regras de prevalência, o que faz com que os princípios, desse modo, sejam aplicados também ao modo tudo ou nada (Alles-oder-Nichts). Essa espécie de tensão e o modo como ela é resolvida é o que distingue os princípios das regras: enquanto no conflito entre regras é preciso verificar se a regra está dentro ou fora de determinada ordem jurídica (problema do dentro ou fora), o conflito entre princípios já se situa no interior desta mesma ordem (teorema da colisão)”; por isso Alexy fala de “princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas”[18].
Essa evolução doutrinária é importante para compreender as teses de Humberto Ávila: ele mesmo salienta que o compêndio supra permite a demonstração dos “critérios usualmente empregados” para diferenciar princípios e regras. Eles seriam: 1.º) o critério do caráter hipotético condicional; 2.º) o critério do modo final de aplicação; 3.º) o critério do relacionamento normativo; e 4.º) o critério do fundamento axiológico[19]. Isso é explorado com maior detalhamento entre as páginas 60 e 87 da obra agora resenhada.
As definições (afinal de contas) de Humberto Ávila: depois de explorar todas as concepções majoritárias sobre as definições dos princípios, o autor avisa que é possível, agora sim, “propor uma definição”. É o que passa a fazer no subcapítulo n.º 2.4 da obra. De todos os critérios de dissociação (entre regras e princípios), parece-me ter destaque aquele que diz respeito à “natureza do comportamento prescrito” (item n.º 2.4.2.1 da obra examinada). Aí Humberto Ávila diz: 
As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. Enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que características dianteira das regras é a previsão do comportamento[20]. 
Os princípios, diz ávila, “estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido (state of affairs, Idealzustand)”, tendo eles “caráter deôntico-teleológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; teleológico, porque as obrigações, permissões e proibição decorrem dos efeitos advindos de determinado comportamento que preservam ou promovem determinado estado de coisas”[21].
E as regras? As regras, diz Ávila... 
... podem ser definidas como normas imediatamente finalísticas, ou seja, normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido; e, por isso, dependem menos intensamente de sua relação com outras normas e de atos institucionalmentelegitimados de interpretação para determinação da conduta devida. Enfim, as regras são prescrições cujo elemento formal é o descritivo[22]. 
As regras, prossegue nosso autor, têm “caráter deôntico-deontológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; deontológico, porque as obrigações, permissões e proibições decorrem de uma norma que indica ‘o que’ deve ser feito” [23].
De um lado, pois, temos os princípios, vistos por Ávila como “normas-do-que-deve-ser (ought-to-be-norms)”[24]; e de outro temos as regras, que “são normas-do-que-fazer(ought-to-do-norms)[25].
Há ainda outros critérios distintivos exibidos na obra, mas não cabe, numa resenha e dentro de nossas finalidades, exaurir todos esses pontos. Um quadro esquemático[26] é proposto pelo próprio Ávila, e segue abaixo:
 
O problema “do uso inconsistente da distinção fraca entre regras e princípios”: trecho que chama atenção na obra examinada é aquele constante do subcapítulo n.º 2.4.4. Segundo Humberto Ávila, “há, grosso modo, duas correntes doutrinárias que definem os princípios”, sendo uma delas a que os colocam como “normas de elevado grau de abstração (destinam-se a um número indeterminado de situações) e generalidade (dirigem-se a um número indeterminado de pessoas) e que, por isso, exigem uma aplicação influenciada por elevado grau de subjetividade do aplicador; contrariamente às regras, que denotam pouco ou nenhum grau de abstração [...] e generalidade [...], e que, por isso, demandam uma aplicação com pouca um nenhuma influência de subjetividade do intérprete”[27].
Para Ávila, “essa distinção baseada no grau de abstração e generalidade é bastante difundida na doutrina do Direito Público”, e ela “tem provocado duas inconsistências: uma semântica e outra sintática”. A inconsistência semântica “está na impropriedade da definição de princípio com base no elevado grau de abstração e generalidade”, e a principal crítica contra essa ideia “é a de que toda norma, porque veiculada por meio da linguagem, é, em alguma medida, indeterminada, com base em algo que é comum a todas elas – a indeterminação” [28]. A inconsistência semântica “traz implicações no plano sintático: muitos autores que definem os princípios como aquelas normas portadoras de propriedades específicas (elevado grau de abstração e generalidade) insistem em qualificar de ‘princípios’ normas que não têm aquelas propriedades. Ora, se princípio é definido como uma norma de elevado grau de abstração e generalidade e que, por isso, exige uma aplicação com elevado grau de subjetividade, pergunta-se: a prescrição normativa permitindo o abatimento, do imposto sobre produtos industrializados a pagar, do montante incidente nas operações anteriores pode ser considerada um princípio? A prescrição normativa que exige a publicação da lei que instituiu ou aumentou um imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança pode ser considerada um princípio? A prescrição normativa que proíbe o legislador de tributar fatos ocorridos antes da edição da lei pode ser considerada um princípio? A prescrição normativa que proíbe a instituição de impostos sobre determinados fatos pode ser considerada um princípio? A proibição da utilização de prova ilícita pode ser considerada um princípio? Claro que não. Onde estão as referidas propriedades de elevado grau de abstração e generalidade no caso da norma que exige a anterioridade para a instituição ou aumento de impostos, por exemplo? Elas não estão presentes em lugar algum. A norma que exige o comportamento de publicar a lei que instituiu ou aumentou um imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança é uma regra, por exemplo”[29].
A proposta de Ávila: nosso autor traz, então, definições para princípios e para regras[30]. Veja-se:
E os postulados? Os postulados normativos são “normas sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas”[31]. Não se confundem, avisa ávila, “com as outras normas que também influenciam outras, como é o caso dos sobreprincípios”, os quais “situam-se no nível das normas objeto de aplicação”, atuando “sobre outras, mas no âmbito semântico e axiológico e não no âmbito metódico”[32].
Para Humberto Ávila, “os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras”. São, pois, uma terceira espécie normativa, já que “não se situam no mesmo nível: os princípios e as regras são normas objeto da aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de outras”. Além disso, “não possuem [os princípios e as regras] os mesmos destinatários: [...] são primariamente dirigidos ao Poder Público e aos contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e ao aplicador do Direito”. Os postulados “orientam a aplicação dos princípios e das regras sem conflituosidade necessária com outras normas”[33]. Postulados se prestam ao estabelecimento de “diretrizes metódicas”; ainda que se prefira chamá-los com nomenclaturas diversas, “os postulados funcionam de forma diferente relativamente a outras normas do ordenamento jurídico”, razão esta “suficiente para trata-los de forma separada”[34].
No Direito, um dos postulados hermenêuticos seria o postulado da unidade do ordenamento jurídico; dele decorrendo um “subelemento” que Ávila chama de postulado da coerência[35], que — aparentemente — decorreria da hierarquia das normas. Veja-se a seguinte passagem da obra agora resenhada: 
Essa noção de hierarquia, conquanto importante para explicar, entre outros fenômenos, o ordenamento jurídico como estrutura escalonada de normas, é insuficiente para cobrir a complexidade das relações entre as normas jurídicas. Com efeito, várias perguntas ficam sem resposta, segundo esse modelo. Quais são as relações existentes entre as regras e os princípios constitucionais? São somente os princípios que atuam sobre as regras ou será que as regras também agem simultaneamente sobre o conteúdo normativo dos princípios? Quais são as relações existentes entre os próprios princípios constitucionais? Todos os princípios possuem a mesma função ou há alguns que ora predeterminam o conteúdo, ora estrutura a aplicação de outros? Quais são as relações entre as regras legais, já consideradas válidas, e os princípios e as regras de competência estabelecidos na Constituição? São somente as normas constitucionais que atuam sobre as normas infraconstitucionais ou será que essas também agem sobre aquelas?
Para responder a essas questões, propõe-se, como complementação a este modelo de sistematização linear, simples e não gradual, cuja falta de implementação traz consequência que se situa preponderantemente no plano da validade, um modelo de sistematização circular (as normas superiores condicionam as inferiores, e as inferiores contribuem para determinar os elementos das superiores), complexo (não há apenas uma relação vertical de hierarquia, mas várias relações horizontais, verticais e entrelaçadas entre as normas) e gradual (a sistematização será tanto mais perfeita quanto maior for a intensidade da observância dos seus critérios), cuja consequência preponderante está alocada no plano da eficácia. Entre em cena o postulado da coerência[36]. 
O papel dos postulados e uma “análise do uso inconsistente de normas e metanormas”: para Humberto Ávila, “as normas de segundo grau, redefinidas como postulados normativos aplicativos, diferenciam-se das regras e dos princípios quanto ao nível e quanto à função. Enquanto os princípios e as regras são o objeto da aplicação, os postulados estabelecem os critérios de aplicação dos princípios e das regras E enquanto os princípios e as regras servem de comandos para determinar condutas obrigatórias, permitidas e proibidas, ou condutas cuja adoção seja necessária para atingir fins, os postulados servem como parâmetros para a realização de outras normas”[37].
Nossas críticas: seguindo os passos de Riccardo Guastini, Humberto Ávila engrandece o papel do sujeito cognoscente (= intérprete/jurista) diante de seu objeto (= texto da lei/texto da constituição).Para Adriano Soares da Costa, essa dissociação entre texto e norma na obra de Ávila acaba sendo “fundamental para o relativismo das suas conclusões teoréticas”, ao ponto de ter a sensação de que Ávila “entrou em uma embarcação e, de repente, percebeu que ela estava à deriva”; e indo adiante “para correntezas perigosas”, Humberto Ávila “tenta lançar uma âncora, sem muito peso, para evitar, ao menos, que a embarcação se perca de vez. De repente, assevera ele que essa construção da norma pelo intérprete não deve levar à conclusão de que ‘não há significado algum antes do término desse processo de interpretação’. E, surpreendentemente, assevera a existência de ‘significados mínimos’, incorporados ao uso da linguagem: ‘há sentidos que preexistem ao processo particular de interpretação’”. E questiona Adriano Soares da Costa, com o seu bom tom crítico: “como conciliar afirmações tão díspares em uma mesma página? Ou a interpretação é um ato de decisão, com uma natureza eminentemente constitutiva, e aí não haveria como se falar em significados preexistentes, ou a interpretação partiria de um dado, de estruturas preexistentes, que limitariam o processo interpretativo, de modo que pudéssemos falar em interpretações corretas ou erradas, válidas ou inválidas, justamente porque poderíamos cotejar o produto da interpretação com o texto interpretado”[38].
Há um problema muito sério em se permitir — na esteira de Ávila — a falta de diferença a priori entre regras e princípios. Assim, competiria ao intérprete essa tarefa. Não há norma a priori: “é o intérprete quem a cria”. E “mesmo existindo sentidos comumente aceitos, clareza em uma aplicação costumeira de um texto, pode o intérprete deixar de aplicá-la ou mesmo infringi-la, mediante uma nova interpretação, em que as suas razões superiores se sobrepõem às razões justificadoras do legislador ao editar a norma”[39]. As críticas de Adriano Soares da Costa não cessam aí[40]. O alagoano ainda aduz o seguinte: 
Com isso, resta claro o relativismo absoluto dessa construção teórica, que infirma qualquer segurança mínima presente no ordenamento jurídico. Ela autoriza, na verdade, toda e qualquer interpretação, de modo que não mais existem sentidos: apenas o sem-sentido do absolutismo do intérprete. Eis uma visão autoritária e ingênua do direito, que sempre combati e combato, cujas linhas são tolamente endossadas em nossas universidades de modo acrítico e perverso.
Viva o autoritarismo hermenêutico de qualquer aplicador de normas jurídicas. Viva a liberdade completa do Tribunal Superior Eleitoral para decidir desde já legitimado por essa visão subjetivista do direito, cujas interpretações estão de antemão blindadas por qualquer crítica democrática![41] 
Princípioe regras - da distinção clássica à proposta de Humberto Ávila
 A despeito de não possuir unidade conceitual, definição de concepção, elementos e perspectivas que possibilite a formulação de uma teoria bem definida, o neoconstitucionalismo conquistou espaço na doutrina pátria desde a promulgação da Constituição da República, de 1988.
            De forma sintética, pode-se afirmar que tal movimento erigiu a ideia de supremacia da Constituição; de preponderância da ponderação em detrimento da subsunção; de fortalecimento do Poder Judiciário frente ao Executivo e ao Legislativo; a idealização de uma justiça particular (concreta, individualizada) em lugar de uma justiça geral (abstrata); a prevalência dos princípios no lugar das regras.
            Diante desse quadro, a doutrina passou a se debruçar sobre as modalidades de normas – os princípios e as regras – procurando diferenciar sua estrutura e formas de aplicação e interpretação.
            Tanto a regra, quanto o princípio são espécies normativas, na medida em que preveem um dever ser. Ambas podem expressar um mandado, uma permissão ou uma proibição.
            Não há se falar em prevalência de uma espécie normativa sobre a outra. A Constituição da República, assim como a legislação em geral, é composta por princípios e regras, ambas possuindo funções próprias e complementares.
Na tentativa de diferenciar os princípios das regras, vários autores buscaram estabelcer distinções tendo por parâmetro critérios que reputavam mais pertinentes.
            É freqüente a afirmação de que um dos critérios que diferencia as regras dos princípios é o alto grau de abstração apresentado por este. Os princípios possuiriam maior generalidade, sendo dotados de conteúdo aberto.
            Dessa maneira o princípio demandaria aplicação mediadora, seja por meio de integração legislativa, seja por meio de análise e ponderação do caso específico pelo aplicador da norma. A regra por sua vez, demandaria apenas a subsunção, sendo passível de aplicação imediata.
            Josef  Esser, afirma que os princípios são normas que estabelecem fundamentos para a tomada de decisão. Não exigiriam por si uma conduta.
            Wollfbachof e Forsthoff entendem que os princípios não possuem qualidade de normas comportamentais, na medida em que não possuiriam determinação. A função que desempenham no ordenamento é de servir de fundamentos jurídicos para as decisões.
Karl Larenz sustenta que a função precípua dos princípios seria estabelecer fundamentos para a interpretação e aplicação do direito. Assim, falta aos princípios o caráter formal de proposição jurídica, de modo que a diferença em relação às regras está no fato de os princípios não possuírem aplicação imediata, por não preverem conseqüência jurídica decorrente de hipótese de incidência.
Ronald Dworkwin, por sua vez, entende que a diferença entre regra e princípio se encontra na forma de aplicação, em sua estrutura lógica.
Defende que a regra possui aplicação disjuntiva, sujeita a “ideia de tudo ou nada”. Assim, ou a situação se subsume perfeitamente à descrição normativa contida na regra ou é prontamente descartada por ser inaplicável ao caso concreto. Para o referido autor, o choque entre regras é sempre solucionado pelos critérios clássicos de superação de antinomias, em que se analisam hierarquia, especialidade e cronologia.
            O princípio, por sua vez, possui uma dimensão de peso. Assim, o conflito entre princípios não é resolvido pela prevalência integral de um com o conseqüente descarte de outro, mas pela análise da importância que cada princípio envolvido na questão possui naquela situação específica, sem que o outro perca sua validade.
            Para Robert Alexy, que parte da premissa estabelecida por Dworkin, a distinção está no fato de os princípios serem mandados de otimização com graus variáveis, a serem atendidos na maior extensão possível, consideradas as peculiaridades factuais e jurídicas do caso concreto[1]. Há em relação aos princípios um dever de proporcionalidade a ser observado diante do caso concreto.
As regras exigem para sua validade a implementação de toda a extensão daquilo que preveem, sob pena de não restarem atendidas. As regras determinam as conseqüências normativas de forma direta.
            Do choque entre regras poderiam resultar duas situações: ou uma das regras é considerada exceção da outra ou se declara que uma delas é inválida no caso concreto. Já o choque entre princípios somente poderia ser resolvido no caso concreto, jamais em abstrato, pois o resultado da equação dependeria do valor assumido por cada princípio diante da situação específica.
            Alexy se afasta da conclusão de Dworkin e sustenta que a diferença entre princípios e normas se resume a dois aspectos: a colisão[2] e as obrigações que estabelecessem[3].
            Humberto Ávila resume os critérios usualmente estabelecidos para distinguir os princípios das regras em i) critério do caráter hipotético-condicional, ii) critério do modo final de aplicação, iii) critério do relacionamento normativo e iv) critério do fundamento axiológico.
            Pondera, todavia, que: as distinções que separam os princípios das regras em virtude da estrutura e dos modos de aplicação e de colisão entendemcomo necessárias qualidades que são meramente contingentes nas referidas espécies normativas[4]. Além disso, o mesmo autor tece críticas aos critérios usualmente adotados e, ao final, propõe critérios distintivos que reputa possuírem implicações práticas.
            Para o critério do caráter hipotético condicional, o fator de distinção se encontra no fato de que as regras predeterminam a decisão (por preverem a hipótese e a conseqüência necessária), enquanto os princípios apenas indicam os parâmetros a serem utilizados para se chegar à regra aplicável ao caso concreto.
            No entanto, o critério se revela impreciso, na medida em que a despeito de os princípios indicarem os fundamentos a se chegar à norma, o conteúdo normativo de qualquer norma – quer regra, quer princípio – depende de possibilidades normativas e fáticas a serem verificadas no processo mesmo de aplicação.[5]
Além disso, o autor vislumbra em tal critério confusão entre dispositivo (texto legal) e norma, na medida em que, a existência de uma hipótese de incidência é questão de formulação lingüística e, por isso, não podem ser elemento distintivo de uma espécie normativa[6].  Afirma que diante das circunstâncias do caso concreto, qualquer norma termina por assumir uma formulação hipotética. Toda norma seria uma regra[7].
            Um segundo critério seria o do modo final de aplicação, pelo qual o signo distintivo seria o fato de as regras serem aplicadas ao modo tudo ou nada, enquanto os princípios admitem um modo gradual de aplicação.
            A crítica a esse critério reside no fato de o modo de aplicação não é determinado pelo dispositivo, mas é decorrente de conexões axiológicas a serem construídas pelo intérprete, diante de circunstâncias peculiares ao caso. Além disso, há regras compostas de expressões abertas, cabendo ao aplicador decidir pela aplicação ao caso concreto em maior ou menor grau, o que afasta o modo tudo ou nada de aplicação.
            Destaca o referido autor que tal critério de distinção perde relevância na medida em que se constata que os princípios demandam a integração de regras para sua devida aplicação.
            Afirma que a assertiva de que diante da hipótese de incidência, a regra acarretará necessariamente a conseqüência jurídica não se revela inteiramente correta, seja por ocorrerem situações em que as conseqüências da regra estarão presentes mesmo sem que se verifique a hipótese de incidência (como no caso da analogia), seja por existirem situações em que da hipótese de incidência não advirá a respectiva consequência jurídica (hipótese de cancelamento da razão justificadora por razões tidas por superiores pelo aplicador).
Assim, entende que esse critério perde sua utilidade, pois somente permitirá a dissociação em concreto, após a aplicação da norma, não possibilitando a antecipação das características da norma e tampouco minorando a necessidade de justificação argumentativa do aplicador do direito.
            Há, ainda, o critério do relacionamento normativo, pelo qual o conflito entre regras se resolve pela declaração de invalidade ou a criação de uma exceção, enquanto o conflito entre princípios é superado pela ponderação da importância dos princípios colidentes no caso concreto.
            A ressalva no caso consiste no fato de a ponderação não se aplicar exclusivamente aos princípios, podendo ser aplicada também às regras quando entrem em choque sem que percam sua validade.
            Inicialmente, porque o conflito entre regras não ocorrerá, necessariamente, sempre em abstrato, sendo perfeitamente possível que duas regras válidas ao caso concreto se choquem concretamente sem que a solução para tal antinomia passe pela declaração de invalidade ou pelo enquadramento de uma como hipótese de exceção de outra. Há a possibilidade de realização de ponderação entre os valores em jogo no caso concreto para a superação de seu sentido preliminar em decorrência da existência de razões contrárias. Assim, a atividade de ponderação de razões não é exclusiva aos princípios, sendo potencialmente inerente a qualquer espécie normativa e decorre do caráter argumentativo do próprio direito.
Além disso, é incorreta a afirmação de que os princípios possuem uma dimensão de peso, sempre resolvida pela ponderação. Não é a norma em si que possui dimensão de peso. Na verdade, a importância (peso) é atribuído no caso concreto pelo aplicador aos fins e valores a que o princípio faz referência. Ou seja, a noção de dimensão de peso decorre de um juízo de valor realizado pelo aplicador da norma, sendo algo extrínseco à norma.
É perfeitamente possível que no caso de colidirem princípios que determinam a concretização de fins antagônicos tenha-se que albergar integralmente um deles, reconhecendo que o outro princípio não terá aplicação ao caso concreto.
Dessa maneira, enquanto é possível conceber incompatibilidade em abstrato entre duas normas, os princípios somente poderão chocar-se no plano concreto.
            Por fim, há o critério do fundamento axiológico que vislumbra nos princípios apenas fundamentos de valores a serem observados para a aplicação da norma ao caso concreto. 
            A crítica que se tece a tal critério é exclusivamente ao fato de atribuir o valor primordial à norma, e não às razões utilizadas pelo aplicador, a partir dela[8].
            Humberto Ávila defende um critério de dissociação que nomina de heurístico. Utiliza esse termo por entender que haja vista ser a norma construída pelo intérprete, dependendo de juízos de valor que não estão contidos no texto legal, qualquer classificação realizada a priori somente possuirá valor provisório, até que elaborado o processo de construção da norma.
            Sustenta que uma norma poderá dar origem a mais de uma regra ou mais de um princípio ou a ambos, de forma que não se está a falar sobre alternativas exclusivas.
            São três os critérios para se realizar a distinção entre princípios e regras: i) o da natureza do comportamento prescrito, ii) o da natureza da justificação exigida e iii) o da medida para a contribuição da decisão.
            Pelo primeiro, as regras são normas que definem a conduta a ser adotada (estabelecendo obrigações, permissões e proibições), enquanto os princípios determinam a realização de um fim juridicamente relevante sem, entretanto, estabelecer quais comportamentos devem ser realizados que o atinja.
            Pelo critério da justificação exigida, A interpretação e a aplicação das regras exigem um avaliação da correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte, ao passo que a interpretação e a aplicação dos princípios demandam uma avaliação e correlação entre o estado das coisas posto como um fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária[9].
Assim, a regra tem como determinante o elemento descritivo, o que minora a necessidade de justificação comparada ao princípio, que por possuir como característica um elemento finalístico, demanda a utilização mais intensa da argumentação para justificar a conduta adotada com o intuito de atingir o fim almejado pela norma.
Por fim, há o critério da medida de contribuição para a decisão.
Por tal critério de distinção, enquanto os princípios não possuem a pretensão de resolver a situação apenas pelos elementos nele contidos, mas apenas de apresentar elementos relevantes para a tomada de decisão, as regras objetivam não apenas elencar todos os elementos necessários à conclusão, mas de pronto apresentar a solução para o conflito específico.  
            A partir de tal análise, Humberto Ávila formula conceito de princípio e de regra, que se revelam mais consentâneos com a utilidade prática que se almeja a dissociar espécies do mesmo gênero. Leciona que:
            As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente restropectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência,sempre centrada na finalidade que lhes dá suporteou nos princípios que lhe são axiologicamente subjacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
            Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Texto 3
Os direitos e garantias fundamentais são interpretados enquanto direitos mínimos. Ou seja, a definição do texto constitucional elenca uma série de dispositivos que foram codificados e tutelados contra a instabilidade provocada pelo regime militar.
Agora, passa-se a analisar a questão das regras e princípios sintetizados pelo autor. Desse modo, entende-se que o primeiro, na visão de Alexy, compreende toda norma que prescinde de otimização. Enquanto, no segundo, trata-se da utilização do método de balanceamento do autor alemão.
No pensamento de Virgílio Afonso da Silva (2006, p.24-25):
[...] em primeiro lugar a distinção entre regras e princípio, da qual o trabalho parte, supõe que direitos fundamentais tenham um suporte fático amplo. Isso significa duas exigências principais: a) o âmbito de proteção desses direitos deve ser interpretado da forma mais ampla possível, o que significa dizer  que qualquer ação, fato, estado ou posição jurídica que, isoladamente considerado, possa ser submetido no “âmbito temático” de um direito fundamental, deve ser considerado como por ele prima facie protegido. Isso implica, necessariamente, uma rejeição e exclusões a priori de condutas desse âmbito de proteção; b)Também o conceito de intervenção estatal nos direitos fundamentais faz parte do suporte fático. Por isso, por se tratar de um modele baseado em um suporte fático amplo, o conceito de intervenção também deverá ser interpretado de forma ampla. Isso implica, entre outras coisas, a rejeição de teorias que defendem que meras regulamentações no âmbito dos direitos fundamentais não constituem restrições. É sobretudo a partir dessa conclusão que se defende, na tese que ora se resume, a impossibilidade de se distinguir entre restrições e regulamentações ou regulações nesse âmbito.
A tese de Virgílio Afonso da Silva, no contexto jurisprudencial, insere a colisão de direitos fundamentais a partir de duas modalidades, a saber: 1) proteção de conduta, que isoladamente reconhecida, deveria ser tutelada; 2) a eventual restrição não decorrer de uma real restrição, mas por meio de mera regulamentação.
Desse modo, a decisão do aborto de fetos anencefálicos, representa um contexto da tese defendida pelo constitucionalista. Assim, os ministros concederam à permissão a jovem Gabriela de realizar o aborto nos casos em que o feto sofre de anencefalia comprovada por médicos habilitados.
 O direito a dignidade, a vida e qualquer outro direito fundamental não são passiveis de determinações quantitativas. De acordo com o art.5 da LICC, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. O papel do intérprete, já estabelece a realização dos direitos fundamentais na jurisprudência, porque o juiz deverá atender os fins sociais e fundamentais do direito.
Através do dispositivo citado acima, a decisão deve ser voltada para o direito que mais atende os fins sociais e fundamentais. No entanto, é impossível dizer quanto vale o direito a vida e dignidade, ambos são indisponíveis na realização dos direitos mínimos.
Foi necessário estabelecer a ponderação dos princípios e uma harmonização entre as partes. As finalidades da utilização dos princípios hermenêuticos garantiram estabilidade entre os conflitos, prevalecendo o direito a vida em relação à dignidade da gestante. Por sua vez, o direito cedido não foi violado integralmente, pois, a decisão possibilitou que Gabriela tivesse todo o preparo psicológico para encarar a realidade. Não há em que se falar, que o direito a dignidade, a liberdade de escolha e autonomia, são valores superiores a vida de um feto anencefálico, isto porque não há hierarquia entre direitos fundamentais.
 Em pleno Estado de Direito, para constituir a democracia é necessário uma  compreensão  cultural e da historicidade  dos direitos inerente ao  homem. Não há superioridade entre estes, mas no caso presente o Estado tem a função de zelar pelo direito a vida por se tratar de um direito fonte dos outros direitos fundamentais.
Então, questiona-se é possível afirmar qual dos valores em jogo é mais importante na vida de uma pessoa? Os valores previstos no artigo 5° da Constituição foram conquistados na luta pelo direito enquanto fenômeno histórico-cultural. Os direitos e liberdades, numa perspectiva do acontecer humano, fundamentam o direito a vida e a dignidade como raízes axiológicas que formam o princípio de todo o Estado Democrático.
Nas conformidades dos princípios hermenêuticos modernos, já estabelece a harmonização entre as partes e a ponderação dos valores conflitantes, ou seja, o direito a vida é um direito de suma importância no ordenamento, por isso deverá preservado. Já a dignidade, na decisão da Corte, foi cedida em face do direito a vida, isto porque em colisão de princípios  deverá ser garantido aquele que mais pesa no ordenamento.
Foi aplicada a harmonização na finalidade de proporcionar ao intérprete uma decisão razoável e compatível com a máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais. Com isto, o direito a vida constitui um norte voltado ao ideal de justiça e do  ordenamento jurídico.
O artigo5° da constituição federal assegura a inviolabilidade do direito a vida,  liberdade,  igualdade, segurança e propriedade. Com isto, a proteção dos direitos e liberdades fundamentais tem aplicação imediata, conforme o próprio sentido e desenvolvimento dos direitos mínimos.
Após esta breve abordagem, a tese do constitucionalista aborda questões atinentes da doutrina de Robert Alexy, cujo jurista alemão, classifica os princípios como prima facie, ou seja, todo princípio seria imposto ou garantido, enquanto às regras há apenas a imposição de deveres.
Na doutrina alemã, a definição de princípios, numa perspectiva dogmática/constitucional, insere-se a partir do seguinte pensamento alexyano: “princípios são mandamentos de otimização realizados na maior medida do possível”.
Assim, define Silva (2006 ,p.27):
O elemento central da teoria dos princípios de Alexy é a definição de princípios como mandamentos de otimização. Para ele, princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes.
O suporte fático dos direitos fundamentais, na tese de Silva (2006) não teve repercussão no Direito Constitucional, isto porque este ramo do Ordenamento sempre foi o divisor da organização estatal e da separação dos poderes.
Desse modo, mais uma vez, aduz silva (2006, p.28):
Porque conceito de suporte fático quase sempre passou ao largo do direito constitucional brasileiro? Parece-me ser aqui possível formular ima hipótese: porque o direito constitucional brasileiro, sobretudo o anterior à  Constituição de 1988, sempre foi um direito constitucional da organização estatal, da organização dos poderes, e menos um direito constitucional dos direitos fundamentais. [...]  um simples exemplo pode ilustrar essa composição dual do suporte fático. Aquele que todos os dias, antes d dormir ora em agradecimento ao seu Deus, exerce algo protegido pela liberdade religiosa. A ação orar antes de dormir é abarcada, sem dúvida alguma, pelo âmbito de proteção da liberdade – como é o caso da liberdade religiosa – não ocorre, como direito de defesa essa consequência é a exigência de cessação de uma intervenção. E nessa consequência – cessação de intervenção- não ocorre simplesmente porque o suporte fático dessa liberdade não foi preenchido, pois não houve nenhuma intervenção naquiloque é protegido pela liberdade religiosa.
Nas decisões do STF, é portanto, ainda que não regulamentado, a observação do suporte fático, pois, seria fundamentada numa decisão a priori ou estado, posição jurídica do âmbito de tutela jurídica.
Para Silva (2006, p.32): 
[...] Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é possível encontrar, com frequência, ainda que sem referência a uma teoria sobre o suporte fático dos direitos fundamentais, argumentos que se baseiam em uma exclusão, a priori, de alguma ação, estado ou posição jurídica do âmbito de proteção de alguns direitos. Em alguns casos, essa exclusão parece até mesmo trivial e intuitiva. Mas a intuição não é suficiente. Assim, por exemplo, quando o Min. Celso de Mello afirma, no HC 70 814 que “a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir  instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, ou quando o Min Maurício Corrêa sustenta , no HC 82424, que “ um direito individual não pode servir de salvaguarda de práticas ilícitas, tal como ocorre, por exemplo, com os direitos contra a honra, essas exclusões de condutas a priori do âmbito de proteção de alguns direitos fundamentais (sigilo d correspondência – artigo 5°, XII e liberdade de expressão – artigo 5°, IV).  
Pelo exposto, pode-se afirmar que, a tese defendida sustenta que é impossível separar os direitos fundamentais de suas restrições (SILVA 2006). Sendo assim, todo direito mínimo será passível de restrição, o que se verifica no argumento de Silva (2006, p. 48): “[...] a necessidade de restrição dos direitos fundamentais quando isso for necessário para a solução de colisões”. Todo direito fundamental é, portanto, restringível.
Desse modo, a restrição dos direitos pode levar a uma insegurança ou diminuição da proteção desses direitos comentados, isto porque a diminuição não se insere na abertura da própria restrição. Conforme leciona Silva (2006, p.49):
O que aqui se defende, portanto, é a tese de que a diminuição da proteção não está na abertura das possibilidades de restrição, já que elas impõem um ônus argumentativo ao legislador, ao juiz e ao administrador; uma diminuição na proteção aos direitos fundamentais ocorre, na verdade, naquelas teorias que correm a figuras pouco claras como limites imanentes, conteúdos absolutos, especificidade  ou a outras formas de restrição ao suporte fático dos direitos fundamentais.
Neste sentido, sendo todo direito mínimo restringível, é vital a distinção entre normas constitucionais e sua eficácia no Ordenamento Jurídico. Acerca das normas de eficácia plena, tratam-se de normas não restringíveis. Quanto à de eficácia contida, refere-se, contudo, se os direitos fundamentais são passíveis de restrição a razão motivada seria a sua distinção. 
Para Silva (2006, p. 50):
Aqui, mais vez, poder-se-ia imaginar que a tese defendida implica um menor grau de proteção aos direitos fundamentai. Mais uma vez , o que ocorre é o contrário a classificação de José Afonso da Silva teve o inegável mérito de romper com a concepção de norma constitucional despida de qualquer eficácia. Essa é uma ideia agora consolidada, o que aqui se propõe é tentar ir um pouco além.
Em suma, o posicionamento mais adequado é que a garantia dos direitos fundamentais, acerca da restrição, impõem um desenvolvimento e uma postura de proteção e eficácia dos direitos mínimos, fundados mediante comunicação constitucional/democrática.
1. INTRODUÇÃO
A hermenêutica constitucional suscita grande importância na aplicação do direito, tendo em vista que, através da interpretação encontra-se o conteúdo semântico dos enunciados normativos[1], estabelecendo o significado e o alcance das normas enfeixadas na Constituição, uma vez que todos os ramos do Direito estão fundados nela”[2].
               Primeiramente resta salientar que, embora os termos, hermenêutica e interpretação, muitas vezes sejam utilizados como sinônimos possuem significados diversos, se prestam a identificar objetos distintos.
               Em sua origem etimológica, o termo hermenêutica provem do verbo grego hermeneuein e do substantivo hermeneia, os quais, em toda sua extensão semântica, podem ser entendidos como declarar, anunciar, interpretar, esclarecer e traduzir.
               Para alguns autores, a palavra hermenêutica esta vinculada ao Deus Hermes, a quem os gregos atribuíam à origem da linguagem e da escrita, era considerado o patrono da comunicação e do entendimento humano, tinha a função de traduzir as mensagens divinas para os seres humanos, realizando uma típica tarefa hermenêutica.
               Hodiernamente o conceito de hermenêutica está vinculado à arte de expressar a palavra com o intuito de se fazer entender, busca seguir alguns métodos para tanto, desenvolvendo e estudando a atividade interpretativa. Já a interpretação busca alcançar o sentido da norma, aplicando os princípios da hermenêutica.
               Acerca do tema preceitua o Doutrinador Luís Roberto Barroso:
A hermenêutica jurídica é o domínio teórico, especulativo, cujo objeto é a formulação, o estudo e sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito. A interpretação é a atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade faze-la incidir em caso concreto[3].
               As normas jurídicas não possuem sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem, e é neste contexto que surge a importância do interprete, pois não lhe cabe uma atividade de mera revelação do conteúdo pré-existente na norma, e sim, buscar atualizar o texto de lei à realidade fática.
               Embora as normas constitucionais sejam espécie do gênero normas jurídicas, elas possuem algumas particularidades do que diz respeito a sua interpretação, dado que sua estrutura normativa material as diferencia das normas infraconstitucionais.        As leis infraconstitucionais tem grau relativamente alto de determinação material e sentido preciso, portanto, podem ser diretamente aplicáveis não existindo grande margem para a interpretação, Já as normas constitucionais, devido ao seu caráter aberto e principiológico, necessitam de mediação do poder legislativo e judiciário para ganhar validade prática.
               Preceitua o doutrinador Inocêncio Mártires Coelho, que no âmbito das normas constitucionais não existem limites para o exercício da jurisdição, tendo em vista que as cortes constitucionais estão fora e acima da tripartição dos poderes estatais e também porque a atividade interpretativa que desenvolve, em sua maioria, se pauta em enunciados aberto, indeterminados e polissêmicos[4].
               Tendo em vista as peculiaridades da Constituição, é necessário analisar algumas particularidades presente nas normas constitucionais que as diferem das demais normas do ordenamento jurídico. O jurista Luís Roberto Barroso elenca quatro critérios caracterizadores das normas constitucionais, consistentes em: superioridade hierárquica, a natureza da linguagem, o conteúdo específico e o caráter político[5].
               A superioridade hierárquica se materializa pelo fato da Constituição ser considerada uma norma de ordem superior, orientado todos os ramos do Direito, invalidando as leis que com ela não estejam em harmonia.
               No que diz respeito à linguagem constitucional, por se tratar de normas predominantemente principiológicas e esquemáticas, possuem alto grau de abstração, permitindo ao interprete uma importante margem de escolha, de discricionariedade na aplicação da norma.
               Quanto ao conteúdo, a Constituição é formada basicamente por normas de condutas, de organização e programáticas. As primeiras trazem ordens e proibições que disciplinaram o convívio social, gerando direitos e obrigações. Já as normas organizacionais tem caráter instrumental, elas disciplinam a criação e aplicação das demais normas, além de estruturarem organicamente o Estado. Por fim, as normas programáticas possuem valores que devem