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Gíria e jargão A língua muda conforme situação Alfredina Nery* Especial para a Página 3 Pedagogia e Comunicação A língua varia no tempo e no espaço. Há ainda as variações lingüísticas dos grupos sociais (jovens, grupos de profissionais, etc) e até mesmo, há variação quando um único indivíduo, em situações diferentes, usa diferentemente a língua, de forma a se adequar ao contexto de comunicação. Uma dessas variações é a "gíria", que são as palavras que entram e saem da moda, de tempos em tempos. Você conhece o "Dicionário dos Mano"? Aqui vão alguns exemplos: Mano não briga: arranja treta. Mano não cai: capota. Mano não entende: se liga. Mano não passeia: dá um rolê. Mano não come: ranga. Mano não fala: troca idéia Mano não ouve música: curte um som. A gíria teve sua origem na maneira de falar de grupos marginalizados que não queriam ser entendidos por quem não pertencesse ao grupo. Hoje, entende-se a gíria como uma linguagem específica de grupos específicos, como os jovens. Grupos sociais distintos têm seus "modos de falar", como é o caso dos mais escolarizados e, até mesmo, os grupos profissionais que se expressam por meio das linguagens técnicas de suas profissões. Jargão Jargão é o modo de falar específico de um grupo, geralmente ligado à profissão. Existe, por exemplo, o jargão dos médicos, o jargão dos especialistas em informática, etc. Imagine que você foi a um hospital e ouviu um médico conversando com outro. A certa altura, um deles disse: "Em relação à dona Fabiana, o prognóstico é favorável no caso de pronta-suspensão do remédio." É provável que você tenha levado algum tempo até entender o que o médico falou. Isso porque ele utilizou, com seu colega de trabalho, termos com os quais os dois estão acostumados. Com a paciente, o médico deveria falar de uma maneira mais simples. Assim: "Bem, dona Fabiana, a senhora pode parar de tomar o remédio, sem problemas" Diferentes situações de comunicação Uma mesma pessoa pode escolher uma forma de linguagem mais conservadora numa situação formal ou um linguajar mais informal, em situação mais descontraída. Quantas vezes, isso não acontece conosco, no cotidiano? Na família e com amigos, falamos de uma forma, mas numa entrevista para procurar emprego é muito diferente. Essas diferenças lingüísticas dependem de: familiaridade ou distância dos que participam do ato de linguagem; grau de formalidade da ocasião; tipo de texto usado: conferência, texto escrito, conversa, artigo etc. Portanto, para saber se adequar a diferentes situações de comunicação, com variações lingüísticas próprias de cada ocasião, você precisa ser um "poliglota na própria língua"... * Alfredina Nery é professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua, linguagem e leitura. Disponível em http://educacao.uol.com.br/portugues/ult1706u80.jhtm EXEMPLOS DE JARGÕES RELATIVOS A VÁRIAS ÁREAS DO CONHECIMENTO: Literatura: A linguagem é moderna e a edição conta ainda com um glossário sobre termos hoje em desuso, notas esclarecedoras, índice onomástico e remissivo e fac-símile do documento. Seu caráter didático é claro, pois o estudioso objetiva clareza e iluminação do texto, o que atende aos nossos propósitos. Publicidade: "Recupere sua auto-estima. Sorriso bonito, vida saudável! Implantes dentários Odontimplan!" Direito: O presidente do conselho deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, no uso das atribuições legais que lhe são conferidas pelo artigo 14, Capítulo V, Seção IV, do Anexo I, do Decreto n.º 6.319, de 20/12/2007, e os artigos 3º, 5º e 6º do Anexo da Resolução/CD/FNDE nº 31, de 30/09/2003, e ... (RESOLUÇÃO Nº 17 DE 7 DE MAIO DE 2008). Artes: Essa obra tem notável dinamismo, aliado à perfeita harmonia dos movimentos e expressão das personagens plasticamente representadas. Negócios: Agradecemos sua consulta e anexamos à presente nossa tabela de fretes e cronograma de nossos carregamentos. Medicina / Farmácia: Assim como ocorre com outros agentes trombolíticos, a hemorragia é o efeito indesejável mais comum associado ao uso do medicamento X... Pós-graduação: A presente dissertação consiste na revisão da obra de (...). A análise e a interpretação de sua produção ficcional são realizadas por meio de uma leitura dialogada entre os três variados blocos que compõem a obra do autor. A proposta desenvolvida é a de contribuir para uma maior compreensão da obra deste escritor brasileiro, e seus efeitos nos campos formal e temático dos textos de ficção. Branding: Alinhamento é um aspecto cada vez mais crítico do branding e assegura que a marca da empresa coincida e se alinhe com as promessas feitas através da comunicação externa. COMO E QUANDO USAR O JARGÃO? Quando a linguagem for adequada ao público a que é dirigida: um físico fazendo uma comunicação em um congresso de físicos; Quando o veículo de comunicação for especializado: um artigo científico, de Direito, por exemplo, em revista especializada de sua área ou um texto de TCC em linguagem acadêmica; Quando os envolvidos na conversa ou na leitura forem do mesmo grupo de profissionais ou especialistas: encontro entre médicos; reunião entre arquitetos; congresso de jornalistas; debate entre geneticistas. COMO E QUANDO NÃO USAR O JARGÃO? Quando a linguagem for inadequada em relação ao público ou leitor: discurso técnico de informática para um público de atletas olímpicos; Quando o veículo de comunicação não for condizente com o discurso: uma receita de bolo de chocolate em uma revista de matemática; Quando os envolvidos na conversa ou na leitura não forem do mesmo grupo de profissionais ou especialistas: psicólogos conversando em um grupo do qual fazem parte pessoas de outras áreas. CONSEQÜÊNCIAS DA INADEQUAÇÃO DA LINGUAGEM: Distorções na compreensão da mensagem:Você pode ser mal compreendido ou não entender sobre o que as pessoas estão falando; Animosidade entre as partes envolvidas: Cria-se um clima de falta de respeito que pode provocar problemas de comunicação; Equívocos no cumprimento do objetivo do texto: Você pode não conseguir transmitir sua mensagem porque ela está fora de contexto (mas não necessariamente incorreta). Muitas vezes as pessoas acham que têm de "falar difícil" para impressionar o ouvinte ou leitor. Fazem, então, aquele discurso enfeitado, com termos rebuscados. O resultado é um texto incompreensível e que afasta o interlocutor, que deveria ser cativado. O português arrevesado, cheio de enfeites e termos incompreensíveis, é um vício de linguagem. É um tipo de jargão a ser evitado. Há até um sufixo para eles: o "ês": o juridiquês, o publicitês, o economês, o politiquês. Seguem dois exemplos de mau uso de jargões. Procure identificar porque a linguagem está inadequada. Jargão inadequado: Ao tomar da pena para escrever-lhe esta célere missiva, dois sentimentos se debatem em fúria dentro do meu coração. De um lado, a dúvida, de outro, a esperança... Texto claro e simples: Ao escrever-lhe esta rápida carta, dois sentimentos me deixam em conflito: a dúvida e a esperança. Jargão inadequado: Com um instrumento cortante, devidamente afiado, destaque o couro que deve recobrir a estrutura muscular do trem posterior de um suíno, bem como parte do revestimento adiposo. Texto claro e simples: Com uma faca bem afiada, retire a pele e a gordura de um pernil de porco. Vejamos, para terminar, como se podem usar jargões paracriar um texto literário. Gilberto Gil parte de uma colagem de termos que remetem às novas tecnologias, aproxima a viagem pela Internet da viagem pelo mar. Brinca com aproximação e afastamento (Connecticut = conectar + cortar) e "desembarca" no primeiro samba oficial escrito no Brasil (conforme registro da Biblioteca Nacional, em 1916), "Pelo telefone" - a revolução tecnológica da época: * Virgínia Maria Antunes de Jesus e Rosana Morais Weg são professoras universitárias e consultoras empresariais da DSignos - Soluções e Desenvolvimento em Linguagens, empresa que fornece soluções na área de Comunicação Empresarial e Pedagógica. Fonte: O JARGÃO – Dicas de Português - Jornal Carreira e Sucesso