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1 ARGUMENTAÇÃO E HERMENÊUTICA JURÍDICA COMO EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS Lúcio Flávio J. Sunakozawa* SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O direito diante da compreensão e interpretação. 2.1. A hermenêutica e a argumentação em acordo. 2.2. A hermenêutica diante do positivismo jurídico e sua virada metodológica pós-positivista. 3. Os princípios e regras. A razoabilidade e proporcionalidade como efetividade da decisão judicial. 4. A concretização da atividade jurisdicional e o sistema jurídico. 5. Conclusão. 1. Introdução A Revolução Francesa, sem dúvida, impõe um divisor entre a formulação de um sistema absolutista, onde prevalece o monopólio exclusivo de controle do poder sobre o poder (le pouvoir arrête lê pouvoir), diante do clássico liberalismo burguês de Charles de MONTESQUIEU (“De L”Esprit des Lois”), com idéias que remontam ao pensamento de John LOCKE (“Essay on civil government”) que se pautam na teoria da separação1 ou tripartição dos poderes2. * Advogado, Professor e ex-Coordenador do Curso de Direito da UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Conselheiro Federal da OAB e Membro da Comissão Nacional de Legislação do Conselho Federal da OAB. 1 PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. Trad. Verginia K. Pupi. S.Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 32. 2 Conforme observações de teóricos, entre os quais PAULO BONAVIDES (Do estado liberal ao estado social. 6. ed. S. Paulo: Malheiros, 1996. p. 49) que destaca que a principal distinção entre LOCKE e MONTESQUIEU consiste na mera teorização do primeiro pensador, enquanto este último prima pela distribuição e nítida definição dos titulares desses poderes (executivo, legislativo e judiciário). 2 Como ressalta ANTONIO CAVALCANTI MAIA3, professor de Filosofia do Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é a partir desse marco histórico ocidental, com relação ao poder judiciário e suas decisões, verifica-se a necessidade de um esforço de justificação racional para legitimar o Estado de Direito e essa preocupação dos operadores do direito é latente e atual como assevera: A lei se apresenta como ponto fulcral da vida jurídica desde a Revolução Francesa, mas não pode prescindir na sua aplicação de um esforço que se realize a mediação entre o comando universal e a situação espcifica do mundo fenomênico na qual ela incide, constituindo este um problema perene do afazer do trabalhador no campo do direito. Já a motivação das decisões judiciais, garantia do Estado democrático de direito, exige a atenção às regras norteadoras das práticas argumentativas – presentes nos mais diversos aspectos da vida forense – sobretudo quando da justificação racional das decisões dos magistrados, sem a qual não podem estes funcionários do Estado agir de acordo com os princípios que legitimam a democracia. É possível notar assim, na busca atual de compreensão do fenômeno jurídico, que a influência tradicional do positivismo jurídico estabeleceu ao longo do tempo diversas “técnicas de interpretação das leis”: Assim através dos tempos os juristas construíram uma grande variedade técnicas de interpretação. Tais são o método gramatical ou literal, o método exegético, o método sistemático, o método dogmático, o método comparativo de Jhering, da segunda fase, método cientifico de Gény e Planiol, o método do positivismo sociológico de Duguit e da escola do direito livre de Ehrlich e Kantorowicz, o teleologismo de Jhering, a jurisprudência dos interesses, que tem em Jhering seu principal precursor, o método egológico de Carlos Cossio, o método tópico- 3 A importância da dimensão argumentativa à compreensão da práxis jurídica contemporânea, p. 281. 3 retórico de Theodor Viehweg, o método do “logos de lo razonable” ou “de lo humano”, de Luis Recaséns Siches, a nova retórica de Chaim Perelman, o circulo hermenêutico de Karl Larenz, o método transcendental dialético de tipo critico-histórico, de Miguel Reale, que culmina numa hermenêutica jurídica estrutural ou globalizante etc.4 Entretanto, em que pesem as diversas explanações5 e tentativas que ainda dominam os estudos jurídicos, a maioria dessas análises vem se revelando insuficiente para pacificar criteriosamente as tarefas jurisdicionais atuais, conforme leciona MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO6 em sua profunda e valiosa reflexão: Duas questões se apresentam como molas propulsoras deste estudo e, que, de certa forma, podem constar como premissas. A primeira consiste na insuficiência da hermenêutica tradicional, ainda em voga nos nossos cursos de direito; a outra, a desconfiança que pesa sobre o direito, em geral visto como produto do arbítrio dos juízes. Não se trata de estabelecer um estatuto de cientificidade para o direito, muito porque a discussão não enfrenta diretamente a complexa questão da interdisciplinariedade, mas ao menos traze-lo para um campo de aceitação, legitimidade e controle. Realmente, tradicionalmente, os escritos dos autores7 da área que dominam os meios acadêmicos, em sua maioria, se restringem a repetição das velhas fórmulas encravadas nas técnicas de interpretação, descentralizando dos dois focos mais importantes de tal tarefa: HERMENEUTICA e ARGUMENTAÇÃO. 4 CHRISTIANO JOSÉ DE ANDRADE. O problema dos métodos da interpretação jurídica, p. 22. 5 SAVIGNY (Los fundamentos de la ciência jurídica), por exemplo, sugere a obtenção de uma inteligência segura e comp leta do conteúdo da lei e, assim, alcançar o seu fim. Isso é realizado através de um dos quatros elementos de interpretação: gramatical, lógico, histórico e sistemático. La Ciência Del Derecho, p. 83. 6 Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do direito, p. 2. 7 Nessa corrente encontram-se Paulo Dourado de Gusmão, Paulo Nader, Ronaldo Poleti, Maria Helena Diniz, Miguel Reale, Tércio Sampaio Ferraz, Rubens Limongi França, Carlos Maximiliano e Alípio Silveira, consoante Hermenêutica e Argumentação, p. 3. 4 Nesse sentido, em inovadora linhagem teórica, MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO atende os reclamos na literatura nacional para uma abordagem que envolve o Estado moderno, já que este hoje é responsável pelos encargos jurídicos perante os cidadãos, vez que possibilita rever a importância da retórica e da argumentação, com base em uma metodologia jurídica distinta do enfoque positivista até agora exposto8, cujo destaque é justamente não desprezar o sistema dogmático vigente.910 NORBERTO BOBBIO11, expoente do juspositivismo, retrata a passagem do período medieval e domínio atual do positivismo na qual o Estado avoca para si as atribuições e decisões jurídicas acima de todos os membros da sociedade, onde afirma que naquele momento era marcada por: ..uma sociedade pluralista, posto ser constituída por uma pluralidade agrupamentos sociais cada um dos quais dispondo de um ordenamento jurídico próprio: o direito ai se apresentava como fenômeno social, produzido não pelo Estado, mas pela sociedade civil. Com a formação do Estado moderno, ao contrário, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei, ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normasde formação consuetudinária. 8 A importância da dimensão argumentativa..., p. 285. 9 CAMARGO comunga da mesma metodologia de visão sobre a tópica e a essência dogmática de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR. (Hermenêutica e Argumentação..., p.12). 10 “A tarefa do jurista, que se torna então tipicamente dogmática, a partir daí circunscreve-se cada vez mais à teorização e sistematização da experiência jurídica, em termos de uma unificação construtiva dos juízos normativos e do esclarecimento de seus fundamentos, descambando por fim, já ao final do século XIX, para o positivismo legal, com uma autodelimitação do pensamento jurídico ao estudo da lei positiva e ao estabelecimento da tese da estatalidade do direito. Esse desenvolvimento redunda na configuração de um modo típico de pensar o direito e que se transformou naquilo que ainda hoje conhecemos como dogmática jurídica”, cfe. SAMPAIO FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito..., p. 80. 11 O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito, p. 26. 5 Destarte, com intuito de conferirmos o viés cientifico que ora se instaura na doutrina pátria, sob as novas visões da hermenêutica ligadas à argumentação, é o intento que ora se persegue, mormente no tocante à aplicabilidade da lei nas decisões judiciais, entretanto, sem transformar o juiz num mero robô em razão da equivocada tradição mecanicista erigida do sistema positivista. 2. O direito diante da compreensão e interpretação. A amplitude que alcança a interpretação e seu entendimento passa pela compreensão total do fenômeno jurídico analisado, o que per si não possui o condão de afastar ou negar a existência do homem e nem de sua influência no papel interpretativo, pois são características marcantes da própria existência humana, como defende PAUL RICOEUR12. No escólio de HANS-GEORG GADAMER13, as ciências do espírito são ciências morais e por isso destinam-se aos homens e a sua dinamicidade, logo, em termos hermenêuticos a experiência entre a compreensão e interpretação conduz à busca da verdade (aletheia). Segundo CAMARGO14, em suma, ”o processo de compreensão se concretiza por meio da argumentação, que, tecnicamente viabiliza a interpretação.” O direito, portanto, convive com uma carga axiológica, na qual o intérprete a insere para criar a situação hermenêutica cujo objeto se pauta como fato e norma. 12 Interpretação e ideologias, p. 25. 13 Verdade e método, p. 386. 14 Op. cit., p. 21. 6 Assim, no ensaio de DOMINGUES DE ANDRADE, lente da Faculdade de Direito de Coimbra, sobre a retidão 15 16 - comparando à tarefa de interpretação, in verbis: A vida e o espírito postulam um direito recto (richtig) quer dizer, justo e oportuno: um direito que harmonize a pura justiça que valora e julga a realidade existente, aspirando a estruturá-la segundo um modelo ideal, com o efectivo e relativo condicionalismo dessa mesma realidade, - um direito, no fim de contas, que estabeleça a justiça do possível ou a possível justiça. Mas, por outro lado a vida pede também, e antes de tudo, segurança, e portanto um direito certo, ainda que seja menos recto. A certeza do direito, sem a qual não pode haver uma regular previsibilidade das decisões dos tribunais, é na verdade condição evidente e indispensável para que cada um possa ajuizar das conseqüências dos seus actos, saber quais os bens que a ordem jurídica lhe garante, traçar e executar os seus planos de futuro. Não será de mais sublinhar, ainda uma vez, que a certeza do direito sobreleva à rectidão. Porque a vida contenta-se com melhor com um direito certo, embora com menos possibilidade de ser recto, do que com um direito que lhe ofereça largas virtualidades de rectidão, mas só à custa de menos certeza. Trata-se dum conceito fundamental que nunca se deve perder de vista, e que realmente, não costuma ser desconhecido.17 15 Consoante se conclui das lições de LÉVY-BRUHL – di+rectum que deu origem à expressão direito (português), diritto (italiano), right (inglês ), derecho (espanhol), droit (francês) – di+rectum que deu origem à expressão direito (português), diritto (italiano), right (inglês ), derecho (espanhol), droit (francês). Sociologia do Direito, p. 3. 16 Expressões das concepções gregas -romanas, que manifestam sobre a retidão do direito, como em De República de CICERO: “Há uma lei verdadeira, reta razão, conforme à natureza, difusa em nós, constante, eterna, que conclama ao que devemos fazer, ordenando-o, que desvia do mal e o proíbe; que todavia, se não ordena nem proíbe em vãos aos bons, não muda nem por suas ordens nem por suas proibições os maus. É de instituição divina que não se pode ab-rogar essa lei e que não é permitido derroga-la... Não se procure um Élio Sexto como seu comentador ou intérprete; ela não é uma em Roma e outra em Atenas, não é uma hoje e outra amanhã, mas sim uma lei uma, eterna e imutável, a mesma para todas as nações e em todos os tempos...” ou ainda para CELSO “o direito é a arte do bom e do justo (ars boni et aequi). ULPIANO: “honeste vivere, alterum non laedere et suum cuique tribuere” (“viver honestamente, não prejudicar o próximo e dar a cada o que lhe é devido”). Op. cit., p. 7. 17 Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, p. 54-5. 7 2.1. A hermenêutica e a argumentação em acordo. Na mitologia discorrida por JUNITO DE SOUZA BRANDÃO 18 a expressão hermenêutica possui raízes na mitologia grega, como discorre CAMARGO Hermes na mitologia grega, era um deus de muita agilidade e sapiência. Ao nascer, defez-se sozinho da bandagem que o envolvia e ganhou as estradas... Hermes logo furtou um rebanho de Apolo, prendendo no rabo das ovelhas um ramo que, arrastado ao chão, apagava seus rastros. Ao ser indagado por Zeus, seu pai, sobre o ocorrido, depois de alguma relutância concordou em dizer a verdade, mas não toda a verdade ou não a verdade por inteiro. E dessa forma, Hermes tornou-se o mensageiro predileto dos deuses: aquele que detém o conhecimento e que portanto é capaz de decifrar corretamente as mensagens divinas. Conhecedor e intérprete das vontades ocultas, Hermes ganhou fama de sábio, tornando-se importante, mais tarde, para o desenvolvimento da ciência. Buscar o conhecimento de algo, procurando aclará- lo, mesmo diante dos meandros das ciências sociais, pois torna-se “insustentável o propósito de uma teoria da interpretação cega para o mundo dos valores e dos fins e, mais ainda, alheia ou indiferente à problemática filosófica“, como assevera MIGUEL REALE19 Ora, se a interpretação é um processo de compreensão dos fatos que se cristaliza através da argumentação, esta por sua vez gera o significado “que pareça mais adequado às partes discursivas; acordo este, fundamentado em provas concretas e 18 Mitologia Grega. Petropolis: Vozes, 1987, vol. II, p. 191 apud CAMARGO, Hermenêutica e Argumentação..., p. 14. 19 O Direito como experiência, p. 237. 8 opiniões amplamente aceitas. Com a argumentação temos condições de “visualizar” a compreensão, na medida em que esta se traduz em algo de concreto”20 Logo, como fundamento e sob o prisma da metodologia jurídica, observa-se que é requerida a adoção do método tópico-hermenêutico, visto que a compreensão embasa a interpretação, ou seja, como na visão heideggeriana21 os pré-juízos22 são consideradas as suas premissas, tal qual um topoi 23 24. E no tocante à técnica argumentativa,o comportamento reflexivo mencionado por GADAMER25, não se trata de dominar o texto, mas sim deixar-se dominar pelo texto, pois é a significação histórica de seu conteúdo que deve chegar ao intérprete sob pena de não superar o problema do distanciamento temporal e histórico, ou seja, “Quando compreendemos um texto, não nos colocamos no lugar do outro, nem é o caso de pensar que se trata de penetrar a atividade espiritual do autor; trata-se, isto sim, de apreender simplesmente o sentido, o significado, a perspectiva daquilo que nos é transmitido. Trata-se em outros termos, de apreender o valor intrínseco dos argumentos apresentados”.26 No pensar de GADAMER, então, a compreensão se pauta no teor histórico e dialético, com o fito de propiciar a participação e abertura sob a experiência do 20 Hermenêutica e Argumentação..., p. 21-2. 21 Ser e Tempo, p. 206. 22 Conf. GADAMER “...os pré-juízos de um individuo são muito mais que seus juízos; a realidade historica do seu ser” (Verdad e método, p. 336). 23 Topos expressa um lugar comum. Conforme SAMPAIO FERRAZ JR., “topoi da argumentação” consistem em “conceitos e proposições básicas do pensamento jurídico”. (VIEHWEG, Theodor. Prefácio de Tópica e Jurisprudência. Trad. Tércio Sampaio Ferraz Jr. Brasília: Ministério da Justiça, UnB, 1979, p. 4). 24 Conforme VIEHWEG “tópica é uma técnica de pensar por problemas, desenvolvida pela retórica.. .. A tópica é encontrada no ius civile, no mos italicus bem como na civilistíca atual e presumivelmente em outros campos. ... Para compreender exatamente o que é a tópica, voltemo=nos primeiramente para Aristóteles, que foi quem lhe atribuiu este nome. (1) O famoso texto da Tópica é uma seis obras aristotélicas que mais tarde foram incluídas no Organon.” (Op. cit., p. 23). 25 O problema da consciência histórica, p. 17 apud CAMARGO, op. cit., p. 37. 26 Op. cit., p. 57 apud CAMARGO, op. cit., p. 39. 9 intérprete27, gerando um acordo (tal qual na eleição de catálogos do pensamento tópico) o que faz coincidir com a Nova Retórica de CHAIM PERELMAN e LUCIE OLBRECHTS-TYTECA no que diz respeito aos acordos de certos auditórios ou de cada discussão28. Aquilo a que chamamos habitualmente senso comum consiste numa série de crenças admitidas no seio de uma determinada sociedade, que seus membros presumem ser partilhadas por todo ser racional. Mas, ao lado dessas crenças, existem acordos, próprios dos partidários de uma disciplina particular, seja ela de natureza cientifica ou técnica, jurídica ou teológica. Tais acordos constituem o corpus de uma ciência ou técnica, podem resultar de certas convenções ou da adesão a certos textos, e caracterizam certos auditórios. Além do ponto de conjunção entre GADAMER e PERELMAN, aproximando as sustentações ontológicas e existencialistas do primeiro autor junto à racionalidade argumentativa do segundo, respectivamente, é o da práxis para as deliberações que pressupõe tomadas de posições29. 2.2. A hermenêutica diante do positivismo jurídico e sua virada metodológica pós- positivista. 28 Tratado da Argumentação. A Nova Retórica. S. Paulo: Martins Fontes, 1996., p. 112. 29 Cfe. PERELMAN em sua A teoria pura do direito e argumentação: “Se uma ciência do direito pressupõe tomadas de posição, elas não serão consideradas irracionais quando podem ser justificadas de uma forma razoável, graças a uma argumentação de que se reconheça a força e a pertinência. É verdade que as conclusões de tal argumentação não são nunca evidentes, e que elas não podem, como a evidência, constranger a vontade de todo ser racional. Elas só podem incliná-la na direção da decisão melhor justificada, aquela que se apóia na argumentação mais convincente, ainda que não se possa afirmar que ela exclui toda possibilidade de escolha. É por isso que a argumentação apela à liberdade espiritual, embora seu exercício não seja arbitrário. Graças a ela, podemos conceber um uso racional da liberdade, ideal que a razão prática se propõe em moral e em política, mas também em direito.”. 10 Em primeiro lugar, no topo da teoria juspositivista, desponta HANS KELSEN30 com sua Teoria Pura do Direito, onde o jurista vienense destaca dois modelos para os ordenamentos normatizados, ou seja, um de caráter material que verifica a relação entre as normas, cuja norma fundamental figura no ápice da pirâmide e a formal que estabelece a autoridade competente, independente do conteúdo normativo. MICHEL VILLEY indaga sobre a falta de interesse dos juristas em saber a que servem ou à quem devem obedecer, pela neutralidade e objetividade impostas pelo sistema positivista31. Também DALMO ABREU DALLARI32 mostra a conveniência de convicção “para quem prefere ter a consciência anestesiada e não se angustiar com a questão da justiça, ou então para o profissional do direito que não quer assumir responsabilidades e riscos e procura ocultar-se sob a capa de uma aparente neutralidade política. Os normativistas não precisam ser justos, embora muitos deles sejam juizes.” Embora discordante de KELSEN em muitos pontos de vistas, BOBBIO ao fazer uma releitura da Teoria Pura do Direito, como seguidor da corrente positivista a denominou de positivismo lógico, apresentando três características autônomas entre si: a) como método jurídico; b) como teoria do direito; e, c) como ideologia do juspositivismo. Sendo que esta última subdivide-se em uma visão moderada e em outra extremista, assim explicada: “Para o positivismo ético, o direito, portanto, tem sempre um valor mas, enquanto para sua versão extremista trata-se de um valor final, para a moderada trata-se de um valor instrumental.”33 30 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo geral, não de uma ordem juridica especial. ... Contudo, fornece uma teoria da interpretação.” Teoria Pura do Direito, p. 17. 31 Cfe. Laurent ao comentar o Código Francês ditava: “Os códigos nada deixam ao arbítrio do intérprete; este já não tem a missão de fazer o direito, o direito está feito. Não há mais incerteza, o direito está escrito nos textos autênticos. Mas, para que os códigos apresentem esta vantagem, é preciso que os autores e os magistrados aceitem esta nova posição. Diria mesmo que se devem resignar a ela... fazendo o direito, os juristas e os magistrados usurpariam o poder que dessa atribuição investiu-se a nação soberna.” Introduction à l´étude du droit, p. 108. 32 O poder dos juízes, p. 82-3.. 33 O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito, p. 227. 11 A interpretação da lei permite alcançar a purificação do direito, numa linguagem cientifica em torno do ordenamento jurídico, distinguindo o dever-ser e ser: “...aqueles que temem como a norma fundamental, ..., se realize a redução do direito à força se preocupam não tanto com o Direito, mas com a justiça. A norma fundamental está na base do Direito como ele é (o Direito positivo), não do Direito como deveria ser que detém o poder a exercer a força, mas não diz que o uso da força seja justo só pelo fato d ser vontade do poder originário. Ela dá uma legitimação jurídica, não moral do poder.”34 Entretanto, a hermenêutica de KELSEN travada dentro de uma moldura juridicamente hermética, ao desprezar a experiência de um jurista mais velho, por exemplo, possui valor idêntico de um jovem jurista, o que a torna pouco consistente, como identifica FERRAZ JUNIOR35. Por outro lado, como defendida por KELSEN acerca darelatividade quanto à norma a ser decidida em um caso, é através de HART36 que se apresenta com uma interpretação mais abrangente e ampla, mesmo partindo de uma análise consuetudinária do sistema anglo-saxão, para definir que: “A textura aberta do direito significa que há na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio à luz das circunstâncias, entre interesses conflituantes que variam em peso, de caso para caso.”. 34 Teoria do ordenamento jurídico, p. 67. 35 Introdução ao estudo do direito, p. 236. 36 Conceito de direito, p. 138. 12 Uma nova corrente, como alertara FRANCO MONTORO37, faz jus ao ressurgimento aristotélico na questão da interpretação: “Em plano diferente, vem se desenvolvendo um novo tipo de Lógica, especialmente aplicado ao campo do direito e de outras ciências. Reagindo contra a pretensão formalista de reduzir o raciocínio jurídico a uma simples aplicação dedutiva da leia ao fato, Recaséns Siches, Perelman e o chamado “Grupo de Bruxelas”, Viehweg, Villey e outros preconizam um alargamento do campo da lógica para abranger outros processos de conhecimento que correspondem à vida real do direito. Como diz Taine, as sociedades humanas são um escândalo para a razão pura, pois elas não são obra da Lógica, mas da história.”. Ainda, especificando cada autor acima e suas respectivas marcas na nova vertente do positivismo, mais “arrojada”, prossegue o saudoso mestre paulista: “Recaséns Siches defende a “Lógica do razoável” contra a Lógica do racional dedutivo. Perelman e sua escola falam da Lógica do provável, da argumentação, da controvérsia e preconizam uma “nova retórica”, Viehweg sustenta um tratamento “tópico” para a ciência do Direito, que lida com “problemas” concretos e não com “sistemas” abstratos. Trata- se não apenas da negação de que o Direito Positivo seja um sistema, mas de uma posição mais arrojada, segundo a qual diversas tendências corresponde a “dialética”, no sentido aristotélico da palavra, isto é, uma Lógica não da demonstração, mas principalmente da procura, da investigação, da descoberta, pois, como diz Villey, enquanto ciência parte de princípios, a dialética procura os princípios, a partir das opiniões.”38 37 MONTORO a denominou de corrente das LÓGICAS DO CONCRETO. Direito – ensaio sobre lógica, interpretação...- cidadania e justiça, p. 20. 38 Op. cit., p. 20. 13 Entretanto, como aditivo aos clássicos acima, a tópica aristotélica também tem seu retorno com a contribuição de CASTANHEIRA NEVES que aliás “O autor acompanha, com maestria, o debate da vanguarda do pensamento jusfilosófico contemporâneo: enfrenta o problema da metodologia jurídica e acaba propondo um modelo para realização do direito, baseado na analogia.”39 “O método corresponderia ao “caminhar para”, enquanto a metodologia, ao “pensar sobre esse próprio caminhar”40, segundo CAMARGO41, que junto com KARL LARENZ que a metodologia jurídica é uma auto-análise do direito. Como fica patente, abaixo comparados, sob o aspecto de suas principais características, a virada sobre a primeira fase do positivismo, os seguintes pensadores: - RECASÉNS SICHES que explicita “... la expulsión de la lógica Del campo de la jurisprudência no implica de ninguna manera dejar librado el Derecho a um plano de detestable irracionalismo vitalista. La lógica de lo racional, que va desde su fundación en el Organon de Aristóteles hasta las lógicas simbólicas contemporáneas, no es toda la lógica, sino que es solamente una provincia de esta. Al lado de la provincia de lo racional, hay outra provincia, la del logos de lo razonable, diferente de la primera, pero que é también autêntica razón.”42 - THEODOR VIEHWEG e a relevância da ars inveniendi, também influenciou a teoria geral do direito após a segunda metade do século XX, ao aplicar a racionalidade cientifica utilizada tradicionalmente pelos juspositivistas, mas projetando preocupações não cognoscitivas e valores que possam influenciar o direito, assim: “o formalismo puro ... não desenvolve progressivamente a formalização de um território real, ... mas projeta, ab ovo, como a matemática, 39 Hermenêutica e Argumentação..., p. 182. 40 Metodologia jurídica, p. 9-10. 41 Op. cit., idem. 42 Experiência jurídica, naturaleza de la cosa y lógica “razonable”, p. 419. 14 uma série de cálculos formais, que são logo aplicáveis a este ou àquele campo, dotando-os de um ou outro preceito de interpretação.”43. A técnica consiste em nortear-se por problemas, pois, “toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta” ao passo que a análise do sistema é deixado de lado, vez que trata-se apenas de “conjunto de deduções previamente dado, mais ou menos explicito e mais ou menos abrangentes, a partir do qual se infere a resposta.”44 - HERBERT H. L. HART que professa sobre a vagueza pela dificuldade da linguagem jurídica, o que se convencionou denominar de “casos difíceis” , em razão de “em qualquer grande grupo, as regras gerais, os padrões e os princípios devem ser o principal instrumento de controle social, e não as directivas particulares dadas separadamente a cada individuo, sendo que tem- se usado dois expedientes principais, à primeira vista muito diferentes um do outro, para a comunicação de tais padrões gerais de conduta, com antecipação das ocasiões sucessivas em que devem ser aplicados. Um deles faz um uso máximo o outro faz um uso mínimo de palavras gerais a estabelecer classificações. O primeiro é exemplificado por aquilo a que chamamos legislação e o segundo pelo precedente”.45 E arremata que “Em qualquer sistema jurídico, deixa-se em aberto um vasto e importante domínio para o exercício do poder discricionário pelos tribunais e por outros funcionários, ao tornarem precisos padrões que eram inicialmente vagos, ao resolverem as incertezas das leis ou ao desenvolverem e qualificarem as regras comunicadas, apenas de forma imperfeita, pelos precedentes dotados de autoridade”46. Logo, os casos são identificados pela “textura aberta”, onde reside a incerteza, o que gera uma certa inconveniência nas formas de comunicação. 43 Tópica e Jurisprudência, p. 79. 44 Op. cit., p. 34. 45 O conceito de direito, p. 137. 46 Op. cit., p. 149. 15 - RONALD DWORKIN, como um dos combatentes às idéias de HART, que nega a discricionariedade na atividade judicial, pois o juiz deve ter a resposta correta mesmo para os casos difíceis. A tônica da teoria dworkiniana, através de ALBERT CALSAMIGLIA47 que traduziu para o espanhol a teoria do professor de Oxford sugere que “Os juizes, nos casos difíceis, devem acudir aos princípios. Porém, como não há uma hierarquia preestabelecida de princípios, é possível que estes possam fundamentar decisões distintas. Dworkin sustenta que os princípios são dinâmicos, modificam-se com grande rapidez, e que toda tentativa de canonizá-los está condenada ao fracasso. Por esta razão, a aplicação dos princípios não é automática, mas exige a argumentação judicial e a integração da argumentação em uma teoria. O juiz ante um caso difícil deve balancearos princípios e decidir-se pelo que tem mais peso.”. DWORKIN cria o “juiz Hércules” em referência ao poder daquela figura mitológica que é capaz de vencer todos os casos difíceis. Outro ponto destacada nas idéias desse pensador, é que ele faz acirrada critica contra BENTHAN, defensor da teoria utilitarista, pois os direitos são prioritários frente aos objetivos sociais, embora os direitos morais possam superar os direitos jurídicos. O próprio DWORKIN reconheceu, com relação ao ponto fulcral da interpretação, a necessidade de aprofundar e “... estudar a idéia de interpretação como algo mais importante para a teoria jurídica do que se havia considerado, e também a estudar a filosofia política quando minha maior preocupação tem sido a idéia de igualdade. Tentei desenvolver uma teoria da competência judicial que uma esses campos com o estudo do processo legal.”48 3. Os princípios e regras. A razoabilidade e proporcionalidade como efetividade da decisão judicial. Merecedor de destaque, a partir de DWORKIN e ROBERT ALEXY, são os estudos sobre os princípios e sua importância nas decisões judiciais, como visto acima. 47 Ensaio sobre Dworkin. 48 Op. cit., idem. 16 ALEXY além de terminar a distinção entre regras e princípios, utiliza-se do critério da generalidade das normas para explicar estes, enquanto aquelas possuem menor intensidade49 “de uma norma que dice que cada cual goza de libertad religiosa. Em cambio, uma norma según la cual todo preso tiene el derecho a convertir a otros presos tiene um grado relativamente bajo de generalidad.”. Logo, segundo ALEXY, quando duas regras entram em conflito de forma concomitante, gerando a chamada antinomia a resolução se dá pela regra do tudo ou nada (na all or nothing). O que para DWORKIN, uma das normas em conflitos não poderá ter validade, sendo desprezada no momento da opção pela norma de maior validade: “la decisión rspecto de cuál es válida y cuál debe ser abandonada o reformada, debe tomarse apelando a consideraciones que trascienden las normas mismas.”50 Arrematando o problema, ALEXY determina: “cuando dos princípios em colisión - ... – uno de los princípios tiene que ceder ante el outro.”51 Há de se ressaltar que o jurista alemão cria uma espécie de formulação matemática para mensurar a carga de argumentação e com finalidade de criar as razões prima facie52, estes representados pelos princípios (já que as regras são comandos definidos e aqueles, portanto, não possuem resultados fixos), demonstrando assim necessidade de ponderação e fundamentação para a tomada de decisão judicial. Por fim, através de DWORKIN e ALEXY, é possível encarar os princípios e as regras como normas jurídicas, o que fazem exemplificar, a título de ilustração, que o 49 Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 83. 50 Los Derechos em serio, p. 78. 51 Teoria..., p. 89. 52 “los princípios son siempre razones prima facie; las reglas, a menos que haya establecido uma excepción, razones definitivas”. Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 101. 17 principio da proporcionalidade ganha o status de norma principiológica de caráter prima facie. A inovação pela adoção dos princípios com efeito normativo, faz destacar o principio da proporcionalidade e razoabilidade no atual cenário jurídico, ocupando agora destaque para aqueles que procuram entender e fundamentar as decisões judiciais. A razoabilidade, para muitos é um gênero da proporcionalidade (espécie). Para HART a razoabilidade consiste em um principio geral de aceitabilidade razoável das decisões.53 Do ponto de vista do conteúdo das expressões de tais princípios, persiste uma identidade de conteúdo, justificado apenas pela adoção do termo “proporcionalidade ou proibição de excesso” no direito alemão54, como enfatiza SUZANA DE TOLEDO BARROS. De outra banda, LUIS ROBERTO BARROSO tendo estudo o direito americano 55 ressalta a utilização da expressão “razoabilidade”56 que em linhas gerais mantém uma fungibilidade com a expressão do direito germânico.57 53 Conceito de direito, p. 137. 54 O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade de leis restritivas de direitos fundamentais, p. 72. 55 Conf. CANOTILHO o termo “rule of rasonableness” é o que influenciou o direito da Common Law. Direito Constitucional e teoria da constituição, p. 261. 56 Conf. BARROSO, historicamente, a adesão americana ao termo razoabilidade é assim explicada: “O princípio da razoabilidade tem sua origem e desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito anglo-saxão. De fato, sua matriz remonta à cláusula law of the land, inscrita na Magna Charta, de 1215, documento que é reconhecido como um dos grandes antecedentes do constitucionalismo. Modernamente, sua consagração em texto positivo se deu através das emendas 5ª e 14ª à Constituição norte-americana(1). A cláusula do due process of law tornou-se uma das principais fontes da expressiva jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao longo dos últimos dois séculos. (2) Antes de procurar delimitar com precisão os contornos do princípio da razoabilidade e suas potencialidades no direito brasileiro, é de proveito percorrer brevemente sua trajetória no direito norte- americano. O princípio do devido processo legal, nos Estados Unidos, é marcado por duas grandes fases: a primeira, onde se revestiu de caráter estritamente processual (procedural due process), e uma segunda, de cunho substantivo (substantive due process), que se tornou fundamento de um criativo exercício de jurisdição constitucional. De fato, ao lado do princípio da igualdade perante a lei, esta versão substantiva do devido processo legal tornou-se importante instrumento de defesa dos direitos individuais, ensejando o controle do arbítrio do Legislativo e da discricionariedade governamental. É por seu intermédio que se procede ao exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade 18 4. A concretização da atividade jurisdicional e o sistema jurídico. A atividade jurisdicional, inegavelmente, passa por uma crise de legitimidade perante a atual sociedade, por outra banda, certo é que o Estado encontra-se pautado nos ideais da Democracia, que se pauta no texto constitucional que está repleto de normas (ainda que denominados princípios). Se o juiz “não decide nem ordena como individuo e sim na condição de agente público, que tem uma parcela de poder discricionário, bem como de responsabilidade e de poder de coação, para a consecução de certos objetivos sociais”58, então, a concretização do próprio Estado Democrático de Direito. A Carta Magna, em verdade, concretiza os objetivos sociais como tarefa de todos, mormente na manutenção de suas normas qu59e garantam direitos fundamentais, como enfatiza STRECK: “a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro. Tem, igualmente, a relevante função de proteger os direitos já conquistados” Inegavelmente, em relação à imparcialidade diante de interesses em confronto, para a concretização de uma decisão judicial, PLAUTO FARACO DE AZEVEDO 60 citando DWORKIN (Justice for Clarence Thomas. New York Review of Books, 7.11.1991, p. 41), enfatiza: ... independência do judiciário não consiste em ter-se juizes que não tenham jamais tido a mínima opinião sobre os problemas que lhes são submetidos, mas reside em sua vontade de ouvir cuidadosa e(rationality) das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral.” Os princípios da Raozabilidade e da proporcionalidade. 57 Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional, p. 69. 58 O poder dos juizes, p. 88. 59 Hermenêutica jurídica e(m) crise., p. 45. 60 Aplicação do Direito e contexto social, p. 142. 19 honestamente os argumentos das duas partes e na sua capacidade mudar de opinião sempre que a tal tenham sido convencidos.” A consecução dos objetivos sociais, portanto, relacionados aos direitos e garantias fundamentais do homem, pela própria imposição do Estado Democrático de Direito em contraposição aos ditames do Absolutismo, impõe-se através de interpretações judiciais a responsabilidade, bem como o poder de coação para a validade das normas e princípios61, sob fundamento inexoráveis de uma nova retórica e argumentação, que culminam com a tarefa jurisdicional: julgar os atos e condutas dos cidadãos e do próprio Estado. 5. Conclusão. Por derradeiro, com todos os desacertos que os homens produziram ao longo dos tempos (distanciamento temporal anotado por GADAMER), não há como não observar o fruto colhido pela sociedade contemporânea no sentido de avançar reflexivamente sobre as ações humanas (ação ou omissão) e suas conseqüências jurídicas. Ao jurista, portanto, cabe o devido preparo e conhecimento para a solução de conflitos e parte da responsabilidade pela evolução humana, pois, de acordo com o modelo de Estado que ora se vivencia, repleto de imperfeições, uma coisa é certa: o poder de decisão judicial – poder judiciário - sobre seus semelhantes e seus atos é tarefa sua e passa seguramente pelo domínio da Hermenêutica e Argumentação, e “É claro que essa problemática não é exclusiva da cultura jurídica brasileira. ... Ora, o que observamos, como já destacado, é um crescente alargamento da área de atuação do juiz continental... no Estado democrático de direito a motivação das decisões constitui um dos principais deveres dos juizes para que haja uma cobrança e uma fiscalização por parte dos cidadãos em face do Judiciário”. Bem entendido que se trata de provocar 61 Para Carmen Lucia Rocha: “Os princípios constitucionais são conteúdos intelectivos dos valores superiores adotados em dada sociedade política, materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação política no Estado.” Princípios constitucionais da administração pública, p. 23. 20 a tutela jurisdicional do Estado em favor de qualquer cidadão em face de outrem ou do próprio Estado. “O juiz como boca da lei, aquele que dirá, finalmente, “a verdade legal”(Seabra Fagundes), deixa de ficar dependente de um modelo rígido de interpretação”, enfim, como discorrido por VICENTE DE PAULO BARRETO 62. É possível extrair diante de um novo pensar e repensar jurídico que: “o direito pós-moderno aparece, então, quando o lemos sob essa nova ótica, não como instrumento de conservação social, mas sim como agente da mudança social”63 Portanto, aqui não se pretende precisar se existe alguma evolução ou involução no destino da humanidade, pois como se observa da concepção aristotélica, muito em voga na atualidade, aliada à capacidade do homem (jurista) contemporâneo em construir uma nova ordem com base em uma nova retórica e argumentação, sem desprezar o ordenamento jurídico positivo que se tem, a ambientação humana diante do seu dom maior – a inteligência – é que se cria a esperança de um mundo melhor, nos ideais do Estado Democrático de Direito64. 62 Prefácio de Hermenêutica e Argumentação..., 63 Op. cit., idem. 64 WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO confirma que “ao desafio principal do Estado Democrático de Direito, de atender as exigências sociais garantindo a participação e liberdade dos indivíduos, pois não se impõe medidas somente sem antes estabelecer um espaço publico para a sua discussão, pela qual os interessados deverão ser convencidos da conveniência de se perseguir certo objetivo e da adequação dos meios a serem empregados para atingirem essa finalidade.” Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 82-3. 21 Bibliografia ALEXY, Robert. 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