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Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal FACULDADE DE DIREITO Direito Penal III MATERIAL 08 Prof.º Rone Miller Roma Caiapônia-GO DA RIXA Rixa é uma luta tumultuosa e confusa que travam entre si três ou mais pessoas, acompanhada de vias de fato ou violências recíprocas. Devem existir ao menos três pessoas participando ativamente da rixa. Objetividade jurídica A vida e a saúde das pessoas envolvidas na rixa. Nos termos do item 48 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal: “A ‘ratio essendi’ da incriminação é dupla: a rixa concretiza um perigo à incolumidade pessoal e é uma perturbação da ordem e da disciplina da convivência civil”. Com efeito, o Direito Penal enxerga na rixa, antes de tudo, um crime de perigo para a incolumidade pessoal, mas a maior preocupação do legislador reside no dano que dela inevitavelmente resulta. Objeto material É o participante da rixa. Núcleo do tipo O núcleo do tipo é “participar”, isto é, tomar parte nas agressões. Os três ou mais rixosos devem combater entre si. Se dois ou mais indivíduos atacam um terceiro que somente se defende, não há rixa. Participa da rixa quem nela pratica, agressivamente, atos de violência material (exemplos: chutes, socos, pauladas etc.). Como nessas situações não se pode precisar qual golpe foi efetuado por um determinado agressor contra o outro, todos devem ser punidos pela rixa, em face da participação no tumulto. A rixa não se confunde com o crime de multidão, no qual há uma multiplicidade de agentes, espontaneamente organizada no sentido da ação comum contra pessoas ou coisas, e não para ataque recíproco. Em síntese, não se configura o crime tipificado pelo art. 137 do Código Penal quando lutam entre si dois ou mais grupos contrários, perfeitamente definidos. Nesse caso, os membros de cada grupo devem ser responsabilizados pelos ferimentos produzidos nos membros do grupo contrário. Entende-se, entretanto, existir crime de rixa quando se inicia uma troca de agressões entre dois ou mais grupos distintos, mas, em consequência do elevado número de pessoas envolvidas, não é possível identificar a qual grupo pertence cada um dos lutadores. Não se exige o emprego de armas, nem mesmo que os rixosos lutem fisicamente (exemplo: lançar pedras uns contra os outros). Contudo, rixa não é simples troca de palavras (injúrias ou ameaças), por mais ríspida que possa ser. Inexiste crime na altercação verbal violenta. Devem existir vias de fato ou lesões corporais, em que se chocam os contendores, com risco de danos à incolumidade corporal de qualquer deles ou de outrem. A participação na rixa pode ser material ou moral. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Participação material é a inerente às pessoas que efetivamente tomam parte na contenda, mediante atos violentos e agressivos. É o caso da pessoa que efetua socos ou pontapés contra outrem, atira pedaços de vidros contra terceiros etc. Aquele que assim age é denominado de partícipe da rixa. Participação moral, por sua vez, é a relativa aos sujeitos que estimulam os demais a lutarem entre si, por meio de induzimento ou instigação. É chamado de partícipe do crime de rixa, e deve ser no mínimo uma quarta pessoa, pois o delito reclama ao menos três indivíduos na luta generalizada. Normalmente a rixa é crime comissivo. Pode, no entanto, ser praticada por omissão, quando o omitente podia e devia agir para evitar o resultado. Exemplificativamente, também comete rixa o policial que assiste a três pessoas se digladiando e nada faz para impedir o prosseguimento da luta. Sujeitos do crime: ativo e passivo A rixa é classificada como crime plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário, pois o tipo penal reclama a participação efetiva de ao menos três pessoas na troca de agressões materiais. Basta um imputável. Pouco importa sejam os demais menores de idade, loucos ou desconhecidos. É, ainda, crime de condutas contrapostas, pois os rixosos atuam uns contra os outros. Cada participante é ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo da rixa. Sujeito passivo não da própria ação, mas da ação dos outros, ou ainda da situação de perigo que com a formação da rixa se criou. Elemento subjetivo É o dolo de perigo, pouco importando o motivo que ensejou o surgimento de rixa. Não existe forma culposa. Como expressamente destaca o tipo penal, não há crime na conduta de quem ingressou no tumulto somente para separar os contendores. Nesse caso, não há dolo de participar da rixa. Por se tratar de crime de perigo, não é necessário que qualquer dos rixosos sofra lesões corporais. Mas, se resultar lesão corporal leve em algum dos envolvidos e seu autor for identificado, ele responderá pela rixa e por esse crime, em concurso material. Entretanto, tratando-se de lesão corporal grave ou gravíssima, o crime será de rixa qualificada. A contravenção de vias de fato é absorvida pela rixa. Anote-se que o crime é de perigo abstrato ou presumido: a lei presume, de forma absoluta, que há situação de perigo com a participação na rixa. Consumação Dá-se com a prática de vias de fato ou violências recíprocas. É nesse momento que se produz o perigo abstrato de dano à vida ou à saúde da pessoa humana. Tentativa A rixa, normalmente, surge no arrebatamento da cólera. Os rixosos se acometem de súbito, formando o conflito tumultuoso. É a rixa subitânea ou ex improviso. Nada impede, entretanto, seja premeditado o ataque de umas pessoas contra outras, para vingança ou desagravo, e nasça daí o embate da rixa, chamada de rixa preordenada ou ex proposito. Na primeira (rixa subitânea ou ex improviso) não se admite o conatus. Ou ocorre a rixa, e o crime está consumado, ou o tumulto não se inicia, e o fato é atípico. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Na segunda (rixa preordenada ou ex proposito), por outro lado, é cabível a tentativa, quando três ou mais pessoas acertam uma rixa, mas não conseguem consumá-la por circunstâncias alheias às suas vontades, tal como em razão da intervenção policial. Rixa qualificada: art. 137, parágrafo único A rixa qualificada, também chamada de rixa complexa, é uma das últimas reminiscências da responsabilidade penal objetiva. Com efeito, a redação do parágrafo único do art. 137 do Código Penal permite a conclusão de que todos os rixosos, pelo fato da participação na rixa, suportarão a qualificadora quando ocorre lesão corporal de natureza grave ou morte, pouco importando qual deles foi o responsável pela produção do resultado agravador. Mas, se ocorrer lesão corporal de natureza grave ou morte, a pena é aumentada, passando a ser de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção. Há então uma condição de maior punibilidade. Frise-se que não se impõe ao simples participante a posição de coautor no crime de dano que se verificou. Ele responde somente por uma forma peculiar de crime que é a rixa da qual derivou morte ou lesão grave. As lesões leves e a tentativa de homicídio não qualificam a rixa. É indiferente que a morte ou a lesão corporal de natureza grave tenha sido produzida em um dos rixosos ou em um terceiro, alheio à rixa, apaziguador ou mero transeunte. De igual modo, também há rixa qualificada quando um estranho mata um dos rixosos quando de sua intervenção destinada a conter o tumulto. Basta, em qualquer dos casos, a relação de causalidade entre a rixa e o resultado naturalístico. O resultado morte ou lesão corporal de natureza grave pode ser não individualizado ou individualizado. Na primeira hipótese (resultado não individualizado), todos os rixosos respondem pela rixa qualificada.É o que normalmente acontece, pois em geral são acontecimentos anônimos cuja autoria se perde no tumulto, e para incluí-los como resultado da rixa é suficiente a presença de um vínculo de causa e efeito entre a luta dos rixosos e a consequência do dano. Frise-se, porém, que somente respondem pela rixa qualificada, mas não pela lesão corporal de natureza grave ou pela morte. Na segunda hipótese (resultado individualizado), por sua vez, ao autor da morte ou da lesão corporal de natureza grave serão imputados os delitos de homicídio ou de lesão grave em concurso material com rixa qualificada. Essa foi a opção acolhida pelo Código Penal. Há, todavia, opiniões no sentido de que, apurando-se a autoria da morte ou da lesão corporal de natureza grave, deve o agente responder pelo homicídio ou lesão grave em concurso material com rixa simples, sob pena de caracterização de inaceitável bis in idem. A propósito, até mesmo o rixoso que sofreu lesão corporal de natureza grave responde pela rixa qualificada, pois o parágrafo único do art. 137 do Código Penal não faz distinção. A lesão grave de que foi vítima comunicou à rixa o ônus da qualificadora, e é com esse caráter que ela vem recair sobre ele mesmo, bem como sobre os demais participantes. Em resumo, todos os que se envolvem no tumulto, daí sobrevindo lesão corporal de natureza grave, respondem pela rixa qualificada. A pena da rixa qualificada é a mesma, tanto se resultar lesão corporal de natureza grave como se resultar morte. O resultado agravador (lesão corporal de natureza grave ou morte) pode ser doloso ou culposo. Não se cuida de crime essencialmente preterdoloso. Se ocorrerem várias mortes ou lesões corporais de natureza grave, estará caracterizado um crime único de rixa qualificada. A pluralidade de eventos lesivos deve ser sopesada pelo magistrado na fixação da pena-base (“consequências do crime – CP, art. 59, caput). Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal O sujeito que participou da rixa, mas a abandonou antes da lesão corporal de natureza grave ou da morte da vítima, responde pela forma qualificada, pois concorreu, com o seu comportamento anterior, para a manutenção e desenvolvimento do entrevero, e, por corolário, também para a produção do resultado naturalístico, ainda que indiretamente. Todavia, se o sujeito somente ingressou na rixa após a lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima, a ele será imputado o crime de rixa simples. Responsabilizar o interveniente pelo que ocorreu antes de sua participação seria aceitar ter ele influído de qualquer modo na produção do resultado, sancionando um absurdo ao admitir que um efeito possa preceder sua causa. Rixa e legítima defesa Não é possível suscitar a legítima defesa no crime de rixa, pois quem dele dolosamente participa comete ato ilícito. Exemplificativamente, se no contexto da rixa um dos envolvidos empunha uma faca para atacar outro rixoso, e este se defende, matando-o, a ele será imputada a rixa, pois este delito já estava consumado. Subsiste, contudo, a legítima defesa no tocante ao crime de homicídio. Anote-se, porém, que a legítima defesa somente alcança os resultados produzidos durante a rixa, não impedindo que o sujeito responda por rixa qualificada, nos moldes do art. 137, parágrafo único, do Código Penal. Destarte, quem mata, durante o entrevero, em legítima defesa, não responde por crime de homicídio, respondendo, contudo, por rixa qualificada. É a mesma posição dos outros rixosos, que também respondem por tal delito.126 Ação penal A ação penal é pública incondicionada, qualquer que seja a modalidade do delito. Classificação doutrinária Trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário, e de condutas contrapostas (exigem-se no mínimo três pessoas, cujas condutas voltam-se umas contra as outras); doloso; de forma livre (admite qualquer meio de execução); comissivo, e, excepcionalmente, omissivo impróprio, espúrio ou comissivo por omissão; de perigo abstrato (presume-se, com a prática da conduta, a ocorrência de perigo); plurissubsistente e instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo). DOS CRIMES CONTRA A HONRA Três são os crimes contra a honra definidos no Código Penal: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140). Cada um desses delitos possui um significado próprio, razão pela qual não podem ser confundidos entre si. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Honra é o conjunto de qualidades físicas, morais e intelectuais de um ser humano, que o fazem merecedor de respeito no meio social e promovem sua autoestima. É um sentimento natural, inerente a todo homem e cuja ofensa produz uma dor psíquica, um abalo moral, acompanhados de atos de repulsão ao ofensor. Representa o valor social do indivíduo, pois está ligada à sua aceitação ou aversão dentro de um dos círculos sociais em que vive, integrando seu patrimônio. Um patrimônio moral que merece proteção. Espécies de honra Classifica-se a honra, inicialmente, em objetiva e subjetiva. Honra objetiva é a visão que a sociedade tem acerca das qualidades físicas, morais e intelectuais de determinada pessoa. É a reputação de cada indivíduo no seio social em que está imerso. Trata-se, em suma, do julgamento que as pessoas fazem de alguém. Honra subjetiva, por sua vez, é o sentimento que cada pessoa possui acerca das suas próprias qualidades físicas, morais e intelectuais. É o juízo que cada um faz de si mesmo (autoestima). Subdivide-se em honra-dignidade e honra-decoro. Honra dignidade é o conjunto de qualidades morais do indivíduo, enquanto honra-decoro é o conjunto de qualidades físicas e intelectuais. Honra comum é a atinente à vítima enquanto pessoa humana, independentemente das atividades por ela exercidas. Exemplo: chamar alguém de imbecil. Honra especial, também denominada de honra profissional, é a que se relaciona com a atividade particular da vítima. Exemplo: chamar um médico-cirurgião de “açougueiro”. ART. 138 – CALÚNIA Caluniar consiste na atividade de atribuir falsamente a alguém a prática de um fato definido como crime. O legislador foi repetitivo, pois ambos os verbos – “caluniar” e “imputar” – equivalem a atribuir. Melhor seria ter nomeado o crime como “calúnia”, descrevendo o modelo legal de conduta da seguinte forma: “Imputar a alguém, falsamente, fato definido como crime”. Isto é caluniar. Vislumbra-se, pois, que a calúnia nada mais é do que uma difamação qualificada, ou seja, uma espécie de difamação. Atinge a honra objetiva da pessoa, atribuindo-lhe o agente um fato desairoso, no caso particular, um fato falso definido como crime. Objetividade jurídica O art. 138 do Código Penal resguarda a honra objetiva, é dizer, a reputação da pessoa na sociedade. Objeto material É a pessoa que tem sua honra objetiva ofendida pela conduta criminosa. Núcleo do tipo O núcleo do tipo é “caluniar”. Como já mencionado, o legislador foi redundante. Caluniar é imputar, razão pela qual não era necessário dizer: “caluniar alguém, imputando-lhe...”. A conduta consiste em atribuir a alguém a prática de um determinado fato. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Esse fato, entretanto, deve ser previsto em lei como criminoso. Há de ser definido como crime, qualquer que seja a sua espécie: doloso ou culposo, punido com reclusão ou com detenção, de ação penal pública (incondicionada ou condicionada) ou de ação penal privada. Nada impede que a calúnia possa se verificar mediante a imputaçãode um crime também de calúnia. Além disso, é imprescindível a imputação da prática de um fato determinado, isto é, de uma situação concreta, contendo autor, objeto e suas circunstâncias. Nesse sentido, não basta chamar alguém de “ladrão”, pois tal conduta caracterizaria o crime de injúria. A tipificação da calúnia reclama, por exemplo, a seguinte narrativa: “No dia 10 de fevereiro de 2013, por volta das 20h00, ‘A’, com emprego de arma de fogo, ameaçou de morte a vítima ‘B’, dela subtraindo em seguida seu relógio”. O fato deve ser também verossímil, pois em caso contrário não há calúnia, tal como quando se diz que alguém furtou a lua. Se não bastasse, é fundamental que a ofensa se dirija contra pessoa certa e determinada. A imputação falsa de contravenção penal não configura o crime de calúnia. Não se admite a analogia in malam partem no Direito Penal. Mas não há dúvida de que é maculada a honra alheia ao se atribuir falsamente a alguém a responsabilidade por uma contravenção penal, motivo pelo qual estará caracterizado o crime de difamação. De igual modo, se uma lei posterior retirar o caráter criminoso do fato imputado ao agente (abolitio criminis), desaparecerá a calúnia. O delito será desclassificado para difamação, se o fato for desonroso, ou deixará de existir, nos demais casos. Exemplo: “A” imputa falsamente a “B” a prática de um furto, por ter subtraído um dos seus dez automóveis. Posteriormente, com a mudança do regime de governo no país, é editada uma lei que revoga o art. 155 do Código Penal (furto), e também autoriza as pessoas a se apoderarem de carros de quem tiver mais de um bem dessa natureza. O fato, anteriormente definido como calúnia, será atípico. Elemento normativo do tipo: “falsamente” Deve ser falsa a imputação do fato definido como crime. Por óbvio, não há calúnia quando se atribui a determinada pessoa um delito que ela realmente cometeu. A finalidade do Código Penal é proteger a honra das pessoas de bem, e não acobertar criminosos. Há erro de tipo, excludente do dolo e, consequentemente, do fato típico, quando o agente, agindo de boa-fé, supõe erroneamente ser verdadeira a imputação. Formas de calúnia a) inequívoca ou explícita: a ofensa é direta, manifesta. Não deixa dúvida nenhuma acerca da vontade do sujeito de atacar a honra alheia. Exemplo: “A” ingressou ontem na casa de “B”, no período noturno, e, ameaçando-a de morte, estuprou-a. b) equívoca ou implícita: a ofensa é velada, discreta. O sujeito, sub-repticiamente, passa o recado no sentido de que a vítima teria praticado um delito. Exemplo: Em uma conversa em que falavam sobre a fortuna de “A”, que fora Prefeito, “B” diz que também seria rico se tivesse se apropriado durante anos de verbas públicas. c) reflexa: o sujeito, desejando caluniar uma pessoa, acaba na descrição do fato atribuindo falsamente a prática de um crime também a pessoa diversa. Exemplo: “A”, policial militar, recebeu de “B” elevada quantia em dinheiro para não prendê-lo em flagrante. Atribuiu ao funcionário público o crime de corrupção passiva (CP, art. 317), e o delito de corrupção ativa (CP, art. 333), ao particular. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Consumação O crime de calúnia ofende a honra objetiva. Consuma-se, portanto, quando a imputação falsa de crime chega ao conhecimento de terceira pessoa, sendo irrelevante se a vítima tomou ou não ciência do fato. Não é necessário que um número indeterminado ou elevado de pessoas tome conhecimento do fato, sendo suficiente que uma única pessoa saiba da atribuição falsa. Tentativa É ou não possível, dependendo do meio de execução do crime. A calúnia verbal não comporta o conatus. Tratando-se de crime unissubsistente, ou o sujeito atribui falsamente a prática de crime a uma pessoa diversa da vítima, e o delito estará consumado, ou não o faz, e o fato é atípico. Na forma escrita, porém, é possível a tentativa, como no clássico exemplo da carta que se extravia, ou, modernamente, no e-mail recebido criptografado pela vítima. Subtipo da calúnia: art. 138, § 1.º Nos termos do art. 138, § 1.º, do Código Penal: “Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga”. Verifica-se essa espécie de calúnia quando alguém, depois de tomar conhecimento da imputação falsa de um crime à vítima, leva adiante a ofensa, transmitindo-a a outras pessoas. Propalar é relatar verbalmente, enquanto divulgar consiste em relatar por qualquer outro meio (exemplos: panfletos, outdoors, gestos etc.). A propalação e a divulgação são condutas do sujeito, e não resultado do crime. Essa modalidade do crime de calúnia é incompatível com o dolo eventual. A lei é clara nesse sentido ao estatuir a expressão “sabendo falsa a imputação”, indicativa de conhecimento efetivo da falsidade da imputação (dolo direto). Também não admite tentativa, pois ou sujeito relata o que ouviu, e o crime estará consumado, ou não conta, e inexiste crime. Essa é a posição dominante. Entendemos, contudo, ser admissível o conatus na conduta de “divulgar” (exemplo: o agente coloca um cartaz em uma árvore, mas, antes de ser lido por outras pessoas, um raio o destrói). A imputação falsa de crime propalada ou divulgada para um só indivíduo caracteriza o delito. A lei não condiciona a tipicidade da conduta ao relato a diversas pessoas. Além disso, uma única pessoa já é capaz de transmitir a informação falsa a diversas outras. Calúnia contra os mortos É punível a calúnia contra os mortos (CP, art. 138, § 2.º). Somente se admite a calúnia contra os mortos por expressa previsão legal. A imputação que caracteriza o crime, obviamente, deve referir-se a fato correspondente ao período em que o ofendido estava vivo. Não há regra semelhante no tocante aos demais crimes contra a honra. A lei tutela a honra das pessoas mortas relativamente à memória da boa reputação, bem como o interesse dos familiares em preservar a dignidade do falecido. Vítimas do crime são o cônjuge e os familiares do morto, pois este último não tem mais direitos a serem penalmente protegidos. Exceção da verdade: art. 138, § 3.º A descrição típica da calúnia reclama a imputação falsa de fato definido como crime. Portanto, somente há calúnia quando a imputação é falsa (elemento normativo do tipo). Se a imputação é verdadeira, o fato é atípico. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal A falsidade da imputação é presumida. Essa presunção, contudo, é relativa (iuris tantum), pois admite prova em sentido contrário. Aquele a quem se atribui a responsabilidade pela calúnia pode provar a veracidade do fato criminoso por ele imputado a outrem. A exceção da verdade é o instrumento adequado para viabilizar essa prova, e se fundamenta no interesse público em apurar a efetiva responsabilidade pelo crime para posteriormente punir seu autor, coautor ou partícipe. Lembre-se que a tipificação da calúnia serve para tutelar a honra de pessoas de bem contra ataques ilícitos, mas nunca para acobertar criminosos. Trata-se de incidente processual e prejudicial, pois impede a análise do mérito do crime de calúnia, devendo ser solucionado antes da ação penal. Ademais, constitui-se em medida facultativa de defesa indireta, pois o acusado pelo delito contra a honra não é obrigado a se valer da exceção da verdade, e pode defender-se diretamente (exemplo: negativa de autoria). Na hipótese de autoridade pública com prerrogativa de foro (foro especial), a exceção da verdade será decidida pelo Tribunal competente. Exemplificativamente, se “A” imputou a um juiz de Direito carioca a prática de um crime, e por esta razão foi processado pelo crime de calúnia, eventual exceção da verdadepor ele oferecida será julgada pelo Tribunal de Justiça do RJ. Entretanto, a análise da sua admissibilidade será realizada pelo juízo em que tramita a ação penal. Em razão de ser a falsidade da imputação uma elementar do crime de calúnia, a regra é a admissibilidade da exceção da verdade. É o que se extrai do § 3.º do art. 138 do Código Penal: “Admite-se a prova da verdade”. Entretanto, a exceção da verdade não poderá ser utilizada em três situações expressamente previstas pelo legislador. O rol é taxativo e não pode ser ampliado pelo intérprete da lei. Vejamos. a) se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível: inciso I Nos crimes de ação penal privada somente a vítima (ou seu representante legal, dependendo do caso) pode iniciar o processo penal, mediante o ajuizamento de queixa-crime. Orientou-se o legislador pelo critério do strepitus fori (escândalo do foro), pois nessas hipóteses a publicidade da ação penal pode ser mais prejudicial ao ofendido do que suportar a impunidade do delito contra ele cometido. A decisão sobre exercitar ou não a persecução penal, portanto, pertence única e exclusivamente à vítima. Destarte, a utilização da exceção da verdade para provar a veracidade da imputação, quando a vítima do crime imputado não desejou processar seu responsável, importaria em nítida violação da sua vontade, tornando público um assunto que ela preferiu manter em segredo. Esse é o fundamento da vedação desse meio de prova. Imaginemos um exemplo: João imputa a Pedro a prática de um crime de injúria, pois, em determinada data, ele teria chamado Maria de “prostituta”. Maria, entretanto, em que pese ter lavrado um boletim de ocorrência contra Pedro, não ajuizou queixa-crime contra ele no prazo decadencial, operando-se a extinção da punibilidade de eventual crime de injúria. Não seria razoável permitir a João, contra a vontade de Maria, provar ter sido ela realmente injuriada por Pedro. Se não bastasse, ainda que o ofendido tenha inaugurado a ação penal privada, considera-se o réu inocente até o trânsito em julgado da condenação (CF, art. 5.º, inc. LVII), razão pela qual também se proíbe a exceção da verdade. É o que dispõe a parte final da regra em análise: “o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível”. b) se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n.º I do art. 141: inciso II Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Não se admite a exceção da verdade quando o fato é imputado contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro. Esse dispositivo, longe de constituir-se em inaceitável privilégio de caráter pessoal, tem assento constitucional. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal é o juízo competente para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República (CF, art. 102, inc. I, b), somente depois de admitida a acusação por dois terços da Câmara dos Deputados (CF, art. 86, caput). Fica claro, portanto, que a exceção da verdade implicaria desrespeito a tais regras constitucionais, pois se buscaria provar a responsabilidade penal do Presidente da República em uma ação penal comum, e sem o juízo de admissibilidade da acusação pela Câmara dos Deputados. Observe o exemplo: “A” diz a “B” que o Presidente da República ingressou em sua casa e de lá subtraiu diversos dos seus pertences pessoais. O Presidente da República oferece contra “A” queixa-crime pela prática de calúnia. Em respeito ao complexo procedimento constitucionalmente previsto para proteger o cargo do Presidente da República, “A” não poderá se valer da exceção da verdade para provar que o Chefe do Poder Executivo Federal realmente furtou seus bens. No tocante aos chefes de governos estrangeiros, a vedação ao uso da exceção da verdade encontra fundamento nas imunidades diplomáticas, pois tais pessoas são imunes à jurisdição brasileira, respondendo apenas perante seus países de origem. Vicente Greco Filho, contrário a estas proibições legais, aduz que o art. 138, § 3.º, inciso II, do Código Penal, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista a plenitude do regime democrático, no qual a verdade não admite restrição à sua emergência, qualquer que seja a autoridade envolvida. c) se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível: inciso III O crime imputado pode ser de ação penal pública ou de ação penal privada. Em qualquer hipótese, se o ofendido pela calúnia foi absolvido por sentença irrecorrível, a garantia constitucional da coisa julgada impede o uso da exceção da verdade (CF, art. 5.º, inc. XXXVI). Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, já decidiu pela improcedência da acusação, recaindo sobre essa sentença a autoridade e a eficácia da coisa julgada, não pode o responsável pela calúnia querer provar, em um incidente processual, que o ofendido pela calúnia deveria ter sido punido pelo crime a ele imputado. Frise-se, em reforço, a impossibilidade no direito brasileiro de revisão criminal pro societate. Entretanto, se ocorreu a extinção da punibilidade no tocante ao crime anterior, a exceção da verdade será possível, pois não houve análise do mérito em favor do réu, isto é, ele não foi absolvido. Consequência da inadmissibilidade da exceção da verdade Uma questão constantemente formulada em concursos públicos, especialmente em provas orais, é a seguinte: “Existe calúnia com a imputação verdadeira de fato definido como crime?”. O instinto é responder “não”. O raciocínio formulado pelos candidatos e normalmente forçado pelos examinadores é esse: “A falsidade da imputação é elementar do tipo penal previsto no art. 138 do Código Penal. Portanto, não se pode falar em calúnia com imputação verdadeira de fato definido como crime”. Mas esse raciocínio é equivocado. A resposta é sim, ou seja, existe calúnia com imputação verdadeira de fato definido como crime, nas hipóteses em que não se admite a exceção da Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal verdade. Com efeito, ainda que verdadeira a imputação, isto é, embora seja efetivamente o ofendido responsável pelo crime a ele atribuído, o réu da ação penal de calúnia não poderá provar a veracidade do que disse, uma vez que a lei não aceita esse meio de defesa. Anote-se, porém, que há posicionamentos no sentido de que, constituindo-se a exceção da verdade um meio de defesa, qualquer restrição à sua utilização, como ocorre nas três alíneas do art. 138, § 3.º, do Código Penal, viola o princípio constitucional da ampla defesa (art. 5.º, inc. LV). ART. 139 – DIFAMAÇÃO Constitui-se a difamação em crime que ofende a honra objetiva, e, da mesma forma que na calúnia, depende da imputação de algum fato a alguém. Esse fato, todavia, não precisa ser criminoso. Basta que tenha capacidade para macular a reputação da vítima, isto é, o bom conceito que ela desfruta na coletividade, pouco importando se verdadeiro ou falso. O sujeito deve referir-se a um acontecimento que contenha circunstâncias descritivas, tais como momento, local e pessoas envolvidas, não se limitando simplesmente a ofender a vítima. Exemplificativamente, falar que um homem é “ébrio contumaz” caracteriza injúria, enquanto narrar que ele, em dias determinados, cambaleava em via pública de tão bêbado que estava configura difamação. A imputação de um fato definido como contravenção penal tipifica o crime de difamação, pois a calúnia depende da imputação falsa de crime. Objetividade jurídica A lei penal protege a honra objetiva. Objeto material É a pessoa que tem sua honraobjetiva atacada pela conduta criminosa. Núcleo do tipo Difamar é imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação. Consiste, pois, em desacreditar publicamente uma pessoa, maculando os atributos que a tornam merecedora de respeito no convívio social. E, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a ocorrência do delito de difamação “dá-se a partir da imputação deliberada de fato ofensivo à reputação da vítima, não sendo suficiente a descrição de situações meramente inconvenientes ou negativas”. Veja-se que, ao contrário do que ocorre na calúnia, não existe o elemento normativo do tipo “falsamente”. Portanto, subsiste o crime de difamação ainda que seja verdadeira a imputação (salvo quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções), desde que dirigida a ofender a honra alheia. Buscou o legislador deixar nítido que as pessoas não devem fazer comentários desairosos sobre a vida alheia. Agiu bem ao proceder dessa forma, pois não se pode permitir, em nenhuma hipótese, o desnecessário ataque à honra alheia. Nada obstante o Código Penal não descreva em seu art. 139 a conduta de “propalar”, aquele que assim age pratica nova difamação, pois lhe é vedado levar uma difamação adiante, depois de tomar conhecimento acerca dela. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Consumação A difamação atinge a honra objetiva. Consuma-se, portanto, quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa dirigida à vítima. Tentativa Pode ou não pode ser admitida, dependendo do meio de execução do crime. A difamação verbal é incompatível com a tentativa. Em razão de seu caráter unissubsistente, ou o agente atribui à vítima a prática de um fato ofensivo à sua reputação, e o crime estará consumado, ou não o faz, e o fato é atípico. Na forma escrita, contudo, é possível o conatus. Exemplo: bilhete contendo imputação ofensiva à honra alheia que se extravia. Exceção da verdade Como o art. 139 do Código Penal dispensa a falsidade da imputação como elementar típica, ao contrário do que se dá na calúnia, é indiferente tenha o fato ofensivo ocorrido ou não. Essa é a regra geral: não se admite a exceção da verdade no crime de difamação. De fato, seria irrelevante provar a veracidade do fato atribuído à vítima, pois ainda assim subsistiria o crime. Excepcionalmente, entretanto, o legislador autoriza a exceção da verdade. É o que estabelece o parágrafo único do art. 139 do Código Penal: “A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções”. O fundamento dessa permissão legal reside no direito de fiscalização ou crítica dos cidadãos acerca do regular exercício das funções desempenhadas por agentes públicos. Há interesse coletivo em fiscalizar o correto exercício da atividade pública. Se o ofensor demonstrar a veracidade da imputação, será absolvido. A verdade, nesse caso, funciona como causa específica de exclusão da ilicitude, uma vez que a falsidade não integra o tipo penal. Mas essa prova não é permitida quando a imputação versa sobre fatos relativos à vida privada do agente público. A doutrina diverge no tocante à possibilidade de ser utilizada a exceção da verdade quando aquele a quem foi imputado o fato ofensivo já abandonou a função pública. Para Damásio E. de Jesus, E. Magalhães Noronha e Heleno Cláudio Fragoso, não se admite a exceptio veritatis nessa hipótese, pois o art. 139, parágrafo único, do Código Penal, é taxativo ao estatuir: “se o ofendido é funcionário público”. Essa última posição nos parece a mais acertada. É suficiente seja a ofensa atinente ao exercício das funções anteriormente exercidas pelo agente público. De fato, ainda que tenha, por qualquer motivo, deixado de exercer a função pública, será possível ao ofensor valer-se da exceção da verdade se a sua imputação diz respeito a um fato praticado pelo ofendido quando funcionário público e correlato ao exercício dessa função. Se, por outro lado, ao tempo da ofensa o ofendido já não era mais funcionário público, não será possível ao ofensor valer-se da exceção da verdade, pois o Código Penal exige esteja a condição de funcionário público presente no momento da imputação. Em síntese, deve existir contemporaneidade entre a imputação ofensiva e o exercício da função estatal. Exceção de notoriedade O art. 523 do Código de Processo Penal, dispondo sobre o processo e julgamento dos crimes de calúnia e injúria, de competência do juiz singular, fala em “exceção de notoriedade”. Esse Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal dispositivo, na prática, é utilizado principalmente para o crime de difamação, pois não haveria motivos legítimos para permitir a exceção da notoriedade do fato imputado à calúnia e à injúria, e negá-lo para remanescente delito contra a honra. Quem se vale da exceção da notoriedade alega a falta de ofensividade da conduta do sujeito. Aduzem seus partidários, precipuamente, a falta de potencialidade da ação para lesar a honra alheia, uma vez que o fato imputado já era público. Destarte, a ação praticada em nada altera o sentimento da coletividade acerca dos atributos físicos, morais e intelectuais da vítima. Essa regra, entretanto, é inútil, pois na difamação – como a falsidade não integra o tipo penal – é irrelevante seja verdadeira ou falsa a imputação de fato ofensivo à reputação da vítima. Com efeito, a vedação da exceção da verdade (salvo no tocante ao funcionário público) é extensiva à exceção da notoriedade. As pessoas não devem formular comentários inadequados sobre a honra alheia, pouco importando se verdadeiros ou falsos. Esse é o fundamento da previsão legal da difamação como crime. ART. 140 – INJÚRIA A injúria é crime contra a honra que ofende a honra subjetiva. Consequentemente, ao contrário do que ocorre na calúnia e na difamação, não há imputação de fato. Caracteriza-se o delito com a simples ofensa da dignidade ou do decoro da vítima, mediante xingamento ou atribuição de qualidade negativa. A dignidade é ofendida quando se atacam as qualidades morais da pessoa (exemplo: chamá-la de “desonesta”), ao passo que o decoro é abalado quando se atenta contra suas qualidades físicas (exemplo: chamá-la de “horrorosa”) ou intelectuais (exemplo: chamá-la de “burra”). A queixa-crime ou denúncia ajuizada pelo crime de injúria deve descrever, minuciosamente e sob pena de inépcia, quais foram as ofensas proferidas contra a vítima, por mais baixas e repudiáveis que possam ser. Objetividade jurídica Tutela-se a honra subjetiva. Objeto material É a pessoa cuja honra subjetiva é atacada pela conduta criminosa. Núcleo do tipo Injuriar equivale a ofender, insultar ou falar mal, de modo a abalar o conceito que a vítima tem de si própria. Basta a atribuição de qualidade negativa, prescindindo-se da imputação de fato determinado. Para o Supremo Tribunal Federal: “A difamação pressupõe atribuir a outrem fato determinado ofensivo à reputação. Na injúria, tem-se veiculação capaz de, sem especificidade maior, implicar ofensa à dignidade ou ao decoro”. Esse crime, normalmente, é comissivo. Mas é possível também a injúria por omissão. Confira- se o exemplo de Magalhães Noronha: “Também por omissão se pode injuriar: se uma pessoa chega a uma casa, onde várias outras se acham reunidas e cumprimenta-as, recusando, entretanto, a mão a uma que lhe estende a destra, injuria-a”. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Nada impede a injúria indireta, nas situações em que a injúria, além de atacar a honra da provocada, alcança reflexamente pessoa diversa.Exemplo: chamar um homem casado de “corno” importa em injuriar também sua esposa. Consumação Como esse crime atinge a honra subjetiva, dá-se sua consumação quando a ofensa à dignidade ou ao decoro chega ao conhecimento da vítima. É irrelevante tenha sido a injúria proferida na presença da vítima (injúria imediata) ou que tenha chegado ao seu conhecimento por intermédio de terceira pessoa (injúria mediata). Tentativa É possível quando a injúria for praticada por escrito (exemplo: bilhete ofensivo que o garçom de um restaurante entrega para pessoa diversa da visada pelo agente), pois, nessa hipótese, o crime é plurissubsistente. Sustenta a doutrina, contudo, que não se admite a tentativa (conatus) na injúria cometida verbalmente, por se tratar de crime unissubsistente. Essa afirmação deve ser encarada com ressalvas, mormente levando-se em conta os meios modernos de comunicação. Nada impede, exemplificativamente, a tentativa de injúria verbal cometida por meio de uma ligação de telefone celular, ou de uma conversa pelo computador, utilizando-se a internet (webcam), na qual o sinal é interrompido no momento em que o sujeito atribuía à vítima uma qualidade negativa. É possível ainda falar de tentativa de injúria verbal na denominada injúria mediata. Vejamos um exemplo: “A” pede a “B” que diga a “C”, seu irmão, que é um covarde e ignorante. “B”, todavia, não leva a mensagem ao seu destinatário. Iniciou-se a execução de um crime de injúria que somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente. Exceção da verdade O crime de injúria é incompatível com a exceção da verdade, por dois motivos: 1) ausência de previsão legal; e 2) como não há imputação de fato, mas atribuição de qualidade negativa, é impossível provar a veracidade dessa ofensa, sob pena de provocar à vítima um dano ainda maior do que aquele proporcionado pela conduta criminosa. Imagine o prejuízo que seria causado se a lei permitisse que, depois de o agente ter chamado alguém de “pessoa monstruosa”, provasse ele a adequação da sua assertiva. Perdão judicial: art. 140, § 1.º O perdão judicial é causa de extinção da punibilidade (CP, art. 107, inc. IX), cabível nas hipóteses expressamente previstas em lei. Fundamenta-se nas circunstâncias do caso concreto, nas quais o Estado reputa que, embora presente um fato típico e ilícito cometido por agente culpável, não seja necessário puni-lo. A sentença que o concede não é condenatória nem absolutória, mas declaratória da extinção da punibilidade (Súmula 18 do STJ). O art. 140, § 1.º, do Código Penal arrola duas hipóteses de perdão judicial: I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria: Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Não há razão legítima para o Estado punir quem injuriou a pessoa que o provocou. Mas não se trata de qualquer provocação. Há de ser reprovável, elemento normativo do tipo a ser aferido em concreto, levando-se em conta as condições dos envolvidos e as demais circunstâncias correlatas ao crime. Exemplo: Mulher a quem se dirige gracejo indecoroso chama o homem de “vagabundo” e “sem-vergonha”. Além disso, a palavra “diretamente” indica que a provocação deve ter sido perpetrada face a face, isto é, ofensor e ofendido devem encontrar-se frente a frente. Essa hipótese se assemelha ao crime cometido sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Quem provoca outra pessoa, ilegalmente, até retirar seu equilíbrio emocional, pode ser vitimizado pela injúria. II – no caso de retorsão imediata, que consiste em outra injúria: A retorsão é a injúria proferida pelo ofendido contra quem antes o injuriou. É o revide: tão logo ofendida, a vítima também ataca a honra do seu agressor. Deve ser imediata, ou seja, efetuada tão logo o injuriado tiver conhecimento da ofensa. Assim, tratando-se de injúrias verbais, a retorsão deve se verificar na mesma ocasião em que o ofendido suportar a ofensa. Admite-se também o perdão judicial no tocante a injúrias escritas. Nessa hipótese, a relação de imediatidade impõe o revide quando o injuriado conhecer a sua existência, pois somente a partir de então surge a possibilidade de retorsão imediata. Cuida-se de modalidade anômala de legítima defesa, na qual quem foi injuriado devolve imediatamente a agressão mediante outra injúria. Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: “A retorsão prevista no art. 140, § 1.º, II, do CP só permite que a pena não seja aplicada àquele que responde de forma injuriosa a uma injúria que lhe foi primeiramente proferida, desde que assim o faça imediatamente após ter sido ofendido”. Quem inicia a discussão ofensiva não pode agir em retorsão imediata. E não há retorsão contra ofensa pretérita. Frise-se, por oportuno, que existe apenas retorsão imediata envolvendo injúrias. Se a resposta consiste em difamação, ao agente será imputado o crime tipificado pelo art. 139 do Código Penal. Injúria real: art. 140, § 2.º Quando a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes, a pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. A injúria real, por si só, ingressa no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, aplicando-se as disposições compatíveis da Lei 9.099/1995. Trata-se da injúria em que o sujeito escolhe como meio para ofender a honra da vítima, não uma palavra, um xingamento, mas sim uma agressão física capaz de envergonhá-la. Com efeito, o meio de execução é a violência ou então vias de fato. Violência é sinônimo de lesão corporal. Nesse caso, a lei impõe o concurso material obrigatório entre as penas dos crimes de injúria real e do resultante da violência (homicídio, lesão corporal etc.). Destaque-se que deve ser aplicada de forma autônoma e cumulativa a pena da lesão corporal, qualquer que seja sua natureza (leve, grave ou gravíssima). A contravenção penal de vias de fato, por sua vez, consiste na agressão física sem intenção de produzir lesão corporal (exemplo: tapa desferido no rosto da vítima). De fato, se o sujeito queria lesionar a vítima, mas não conseguiu fazê-lo, a infração penal deverá ser capitulada como tentativa de lesão corporal dolosa, e não como vias de fato. Aqui, contudo, as vias de fato são Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal absorvidas pela injúria real, pois o Código Penal prevê autonomia (soma de penas) exclusivamente para as lesões corporais. Mas não é qualquer agressão física que caracteriza a injúria real. A agressão deve ser aviltante, é dizer, humilhante. Esse elemento normativo do tipo pode ser concretizado pela natureza do ato (exemplos: arrancar o fio do bigode de um homem com intenção ultrajante, rasgar a saia de uma mulher etc.) ou pelo meio empregado (exemplos: atirar fezes na vítima, molhar seu cabelo com cerveja em um bar etc.). Injúria qualificada: art. 140, § 3.º Pune-se com reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, sem prejuízo de multa, o crime de injúria que consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Esta pena, embora sensivelmente inferior àquela cominada no caput, no tocante à injúria simples, é constitucional, e encontra seu fundamento de validade na dignidade da pessoa humana, assegurada pelo art. 1.º, III, da Constituição Federal. A injúria qualificada, assim como os demais crimes contra a honra, reclama seja a ofensa dirigida a pessoa ou pessoas determinadas. Destarte, a atribuição de qualidade negativa à vítimaindividualizada, calcada em elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, constitui crime de injúria qualificada (CP, art. 140, § 3.º). Esse crime obedece às regras prescricionais previstas no Código Penal. Quando fundada em elementos relativos à raça, a injúria qualificada não se confunde com o crime de racismo. Racismo é a divisão dos seres humanos em raças, superiores ou inferiores, resultante de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se essa prática nefasta que, por sua vez, gera discriminação e preconceito segregacionista. O racismo não pode ser tolerado, em hipótese alguma, pois a ciência já demonstrou, com a definição e o mapeamento do genoma humano, que não existem distinções entre os seres humanos, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura ou quaisquer outras características físicas. Não há diferença biológica entre os seres humanos, que na essência, biológica ou constitucional (art. 5.º, caput), são todos iguais. A injúria qualificada é delito afiançável, prescritível, e de ação penal pública condicionada à representação do ofendido (CP, art. 145, parágrafo único, com a redação dada pela Lei 12.033/2009), enquanto o racismo, de ação penal pública incondicionada, por mandamento constitucional expresso, constitui-se em crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5.º, XLII). Os crimes de racismo são definidos pela Lei 7.716/1989 (crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor), e se evidenciam por manifestações preconceituosas generalizadas (a todas as pessoas de uma raça qualquer) ou pela segregação racial (exemplo: vedar a matrícula de uma criança de uma raça qualquer em uma escola). Exemplificativamente, chamar alguém de “gringo safado” tipifica injúria qualificada, enquanto afirmar que “todos os gringos são safados” constitui crime de racismo. A parte final do art. 140, § 3.º, do Código Penal (condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência) foi inserida pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso. Injúria cometida pela internet e competência Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Os crimes de injúria cometidos pela internet são de competência da Justiça Estadual, mesmo se forem utilizadas redes sociais sediadas no exterior.