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LEITE, Carlos H. F. História e Imprensa

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HISTÓRIA E IMPRENSA: A IMPORTÂNCIA E A CONTRIBUIÇÃO DOS JORNAIS 
NO CONHECIMENTO HISTÓRICO 
 
Carlos Henrique Ferreira Leite 
 (Universidade Estadual de Londrina - UEL) 
 
 
Resumo: O presente trabalho é parte integrante dos estudos do projeto de pesquisa 
intitulado: “O papel do jornal Paraná-Norte na sociedade londrinense 1934 a 1953”, 
apresentado ao Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em História Social da 
Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2014. Ao utilizarmos o jornal como 
fonte e objeto de pesquisa histórica, temos como objetivo elaborar uma reflexão 
acerca da importância e das contribuições dos periódicos para a histografia 
contemporânea. Para esta proposta, como referenciais teóricos e metodológicos, 
dialogamos com as considerações do historiador inglês Peter Burke e das 
historiadoras brasileiras Maria Helena Rolim Capelato Tania Regina de Luca, 
Heloisa de Faria Cruz e Maria do Rosário Cunha. Com a revolução historiográfica na 
década de 1970, as novas temáticas e abordagens contribuíram para a ampliação 
da noção de documento, e os jornais se tornaram gradativamente importante fonte 
de pesquisa para o conhecimento das sociedades do passado. Dentre as fontes 
jornalísticas, encontramos os jornais locais, regionais, nacionais, especializados, 
militantes, alternativos ou de humor, que podem ser analisados em seus editoriais 
ou nas seções das colunas sociais, artigos, cartas aos leitores, crônicas, noticiários 
e fotografias, e trabalhados por uma perspectiva social, cultural, política ou 
econômica. O uso constante e crescente dos periódicos no fazer histórico nas 
últimas décadas, fez com que os historiadores pensassem metodologias específicas 
para a utilização adequada e coerente destas fontes. Por meio destas questões, 
podemos perceber, problematizar e identificar a importância e as contribuições da 
imprensa nos estudos históricos. 
 
Palavras-Chave: História; Historiografia, Imprensa; Jornal. 
 
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O reconhecimentoda imprensa como fonte e objeto de pesquisa histórica tem 
como marco inicial a década de 1970. Segundo a historiadora Tania Regina de Luca 
(2005), este períodoapresenta um número escasso de trabalhos que tinham como 
fonte jornais e revistas para o conhecimento da história do Brasil. Embora houvesse 
um reconhecimento da importância dos impressos, devido a sua introdução e 
difusão no país desde o século XIX, houve resistência por grande parte dos 
historiadores em escrever a História por meio da imprensa1. 
De Luca (2005, p. 112.) ressalta que 
Não se pode desprezar o peso de certa tradição, dominante durante o século 
XIX e as décadas iniciais do século XX, associada ao ideal de busca da 
verdade dos fatos, que se julgava atingível por intermédio dos documentos, 
cuja natureza estava longe de ser irrelevante. Para trazer à luz o acontecido, 
o historiador, livre de qualquer envolvimento com seu objeto de estudo e 
senhor de métodos de crítica textual, precisa, deveria valer-se de fontes 
marcadas pela objetividade, neutralidade, fidedignidade, credibilidade, além 
de suficientemente distanciadas de seu próprio tempo. Estabeleceu-se uma 
hierarquia qualitativa dos documentos para a qual o especialista deveria estar 
atento. Nesse contexto, os jornais pareciam pouco adequados para a 
recuperação do passado, uma vez que essas “enciclopédias do cotidiano” 
continham registros fragmentários do presente, realizados sob o influxo de 
interesses, compromissos e paixões. Em vez permitirem captar o ocorrido, 
dele forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas. 
 
No Brasil, a historiadora Maria Helena Rolim Capelato (1988) identificou que 
na primeira metade do século XX, os historiadores brasileiros se posicionaram de 
duas formas em relação ao documento-jornal: Com desprezo, ao considerar os 
periódicos como fontes suspeitas, portanto sem validade; ou com enaltecimento, ao 
encarar o jornal como repositório da verdade, considerando as notícias como relatos 
fidedignos dos acontecimentos registrados. Estas concepções começaram a ser 
criticadas na segunda metade do século XX, e entraram em decadência junto com a 
noção de documento como espelho da realidade, da verdade e da objetividade. 
Novas concepções e perspectivas sobre a fonte jornalística surgiram a partir 
da década de 70, período em que as críticas a História tradicional e seus métodos 
pela Nova História, direcionam os novos rumos da historiografia contemporânea e 
alteram não apenas o modo de fazer história, mas também os métodos sobre a 
análise e crítica de novos documentos. Com a terceira geração dos Annales, a 
 
1
Para Tânia Regina de Luca, a crítica feita pela Escola dos Annales a Escola Metódica sobre a 
concepção de documento na década 30, não significou o reconhecimento dos jornais como fonte 
histórica. 
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renovação marxista e principalmente as contribuições de Michel Focault, a 
historiografia abre-se a proposta de novos objetos, problemas e abordagens. 
O diálogo com outras disciplinas das ciências humanas e o processo de 
alargamento do campo de preocupação dos historiadores com a renovação 
temática, segundo de Luca, trouxeram contribuições metodológicas importantes para 
a História, além de forçar o historiador a repensar as fronteiras de sua própria 
disciplina, assim como a própria concepção e análise crítica dos documentos. O 
historiador inglês Peter Burke (1992), afirmou quese os historiadores estão mais 
preocupados do que seus antecessores com uma maior variedade de atividades 
humanas, devem examinar uma variedade maior de evidências.Esta ampliação das 
temáticas e abordagens contribuiu para a proliferação do universo das fontes, e a 
imprensa que antes era tida como fonte suspeita e sem credibilidade, passou a ser 
considerada como um material de pesquisa valioso e uma das principais fontes de 
informação e pesquisa histórica. O estudo da fonte jornalística permitiu ampliar os 
horizontes para novas reflexões e problemáticas nos conhecimentos sobre as 
sociedades do passado. Segundo Capelato (1988, p.21), 
A imprensa oferece amplas possibilidades para isso. A vida cotidiana nela 
registrada em seus múltiplos aspectos, permite compreender como viveram 
nossos antepassados – não só os” ilustres” mas também os sujeitos 
anônimos. O Jornal, como afirma Wilhelm Bauer, é uma verdadeira mina de 
conhecimento: fonte de sua própria história e das situações mais diversas; 
meio de expressão de idéias e depósito de cultura. Nele encontramos dados 
sobre a sociedade, seus usos e costumes, informes sobre questões 
econômicas e políticas. 
 
Com a ampliação do conceito de fonte, os estudos históricos passam a incorporar de 
forma crescente os jornais como fonte e objetos de pesquisa histórica. As fontes da 
imprensa jornalística variam entre jornais locais, regionais, diários, revistas 
especializadas, militantes, alternativos ou de humor, que podem ser analisados em 
seus editoriais, colunas sociais, artigos, cartas aos leitores, crônicas, noticias, 
fotografias e uma infinidade de outras possibilidades. 
 Dada a importância e a ampliação do uso da imprensa e suas possibilidades 
como objeto e fonte de pesquisa histórica, novos posicionamentos e metodologias 
do historiador frente a fonte jornalística tornaram-se necessárias para uma escrita da 
História por meio da imprensa, reconhecendo sua historicidade e problemáticas. 
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 Com o avanço e a diversificação do uso da imprensa periódica nos campos 
de pesquisa e ensino, tornou-se necessário um aprofundamento teórico-
metodológico por parte dos pesquisadores para o tratamento destas fontes. Em suas 
análises acerca sobre a História e a Imprensa, as historiadorasHeloisa Cruz e Maria 
Peixoto (2007), destacam que pouco se tem avançado em uma formação específica 
que prepare os profissionais para uma analise critica destes materiais. 
A falta de uma metodologia específica levam os pesquisadores e professores 
a análises descontextualizadas e superficiais. Dentre os problemas destacados por 
Cruz e Peixoto, a imprensa muitas vezes aparece como “objeto morto”, analisados e 
estudados fora de seu contexto e historicidade, ou como fonte secundária, utilizadas 
meramente como fontes de informação. 
 As questões iniciais que se propõem a análise do periódico são 
fundamentais para o direcionamento da pesquisa. Quem são os seus proprietários? 
Quando foi produzido? A qual público é direcionado? Quais seus objetivos e 
intenções? Como se constitui enquanto força ativa no seu período de circulação? 
Como se constitui enquanto sujeito? Qual sua relação com as conjunturas de seu 
tempo e campos de atuação? Quais seus aliados e opositores? As respostas a 
esses questionamentos guiam o historiador para a metodologia de análise do jornal 
em suas diferentes partes, como os editoriais, as colunas sociais, classificados e 
propagandas, levando em consideração que a imprensa, não é o espelho da 
realidade, mas uma representação do real, de momentos particulares da realidade. 
(CAPELATO, 1988, p.24). 
 O pesquisador ao analisar o periódico enquanto fonte deve buscar em um 
primeiro momento, identificar no periódico seu título, data de publicação, 
periodicidade, projeto gráfico, processo de produção, tiragem, preço, circulação e 
distribuição, além dos atores envolvidos em sua constituição como proprietários, 
produtores, diretores, e redatores. 
Como fonte de análise, o jornal pode ser estudado desde o ponto de vista dos 
editoriais até o das colunas sociais, passando pela diversidade de outros espaços 
que o compõem (CAPELATO, 1988, p. 20) 
O editorial é o texto que expressa a opinião do Jornal, ou seja, dos sujeitos 
que estão por trás de sua produção, e “os pesquisadores que se dedicam às 
análises político-ideológicas privilegiam os editoriais e artigos, que 
constituem, por excelência, a parte opinativa do jornal. [...] Os jornais 
oferecem vasto material para o estudo da vida cotidiana. Os costumes, as 
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práticas sociais, o folclore, enfim, todos os aspectos do dia-a-dia estão 
registrados em suas páginas. Neste tipo de abordagem o pesquisador pode 
recorrer às colunas sociais, aos “faits divers”, às ilustrações, às caricaturas e 
as diferentes seções de entretenimento. 
 
Ao iniciar a análise pela publicação, segundo Cruz e Peixoto (2007, p. 257) 
propõe-se apreender seu espaço de articulação na configuração de uma 
determinada conjuntura e os laços que a remetem para outras dimensões ligadas a 
historicidade daquele tempo. O estudo da Imprensa deve estar sempre em dialogo 
com outras fontes, que colocam em cena outros sujeitos e práticas sociais, a partir 
de seu contexto e historicidade. Não se deve fazer da história da imprensa um 
campo isolado, mas estabelecer vínculos e conexões com a história social mais 
ampla. 
Questão central é a de enfrentar a reflexão sobre a historicidade da Imprensa, 
problematizando suas articulações ao movimento geral, mas também a cada 
uma das conjunturas específicas do longo processo de constituição, de 
construção, consolidação e reinvenção do poder burguês nas sociedades 
modernas, e das lutas por hegemonia nos muitos e diferentes momentos 
históricos do capitalismo. Pensar a imprensa com esta perspectiva implica, 
em primeiro lugar, tomá-la como uma força ativa da história do capitalismo e 
não como mero depositário de acontecimentos nos diversos processos e 
conjunturas. Como indica Darnton, é preciso pensar sua inserção histórica 
enquanto força ativa da vida moderna, muito mais ingrediente do processo do 
que registro dos acontecimentos, atuando na constituição de nossos modos 
de vida, perspectivas e consciência histórica. 
 
O historiador deve estabelecer uma postura crítica frente ao documento 
jornalístico, e como ponto de partida reconhecer sua inserção histórica como força 
ativa na vida moderna. A imprensa, segundo elas, deve ser entendida como 
linguagem e prática constitutiva do social, que com sua própria historicidade e 
peculiaridades próprias, modelam as formas de pensar e agir, definem papeis 
sociais, generalizam posições e interpretações que pretendem ser compartilhadas e 
universais, além de delimitar espaços, demarcar temas e mobilizar opiniões. 
Assim, Cruz e Peixoto (2005, p.257) definem que os jornais atuam 
 
 [...] no fomento á adesão ou ao dissenso, mobilizando para a ação; na 
articulação, divulgação e disseminação de projetos, idéias, valores, 
comportamentos, etc.; na produção de referências homogêneas e 
cristalizadas para a memória social; pela repetição e naturalização do 
inusitado no cotidiano, produzindo o esquecimento; no alinhamento da 
experiência vivida globalmente num mesmo tempo histórico na sua atividade 
de produção de informação de atualidade ; na formação de nossa visão 
imediata de realidade e de mundo; na formação do consumidor, funcionando 
como vitrine do mundo das mercadoria e produção das marcas. 
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Estas características apontam para o campo de ação da imprensa e sua 
intervenção na vida social, politica e cultural de uma sociedade. A imprensa registra, 
comenta e participa da história, possibilitando ao historiador acompanhar o percurso 
dos homens no tempo (CAPELATO, 1988). Ao analisar a palavra impressa no 
contexto da Revolução Francesa, Robert Darnton (1996) destaca que a palavra 
impressa não apenas registrou os acontecimentos, mas também pode ser vista 
como um ingrediente, ao participar de forma ativa dentro dos processos e 
conjunturas. 
Diversas produções lançadas nas últimas décadas demonstram a 
centralidade da imprensa periódica nos estudos das sociedades do passado. Na 
obra intitulada 200 anos de imprensa no Brasil (2009), as historiadoras Silvia 
Fonseca e Maria Correia, destacam por meio de um levantamento historiográfico 
das principais obras sobre a imprensa nos séculos XIX e XX, a centralidade da 
imprensa periódica para a pesquisa histórica, como fonte e objeto de estudo, e sua 
utilização e contribuição em diversos campos da História Política e Econômica. 
Dentre elas, a obra do historiador Nelson Werneck Sodré, História da 
Imprensa no Brasil (1966), que demonstra um inventário surpreendente em relação 
a quantidade de jornais que surgiram e circularam no país entre os séculos XIX e 
XX. Além dos periódicos de grande circulação das grandes capitais, é possível 
identificar um número expressivo de jornais que não ficaram restritos apenas aos 
grandes centros, mas também nas cidades do interior. 
Atualmente, as catalogações e constituições de acervos físicos e digitais de 
vários periódicos têm colaborado para um número cada vez mais elevado e variado 
de pesquisas e produções. Além dos acervos constituídos em museus, bibliotecas, 
centros de pesquisa e documentação, que disponibilizam os jornais para acesso 
também por meio de microfilmes ou digitalizados. 
Os jornais como o Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, dentre 
outros, disponibilizam seus acervos na internet para o acesso on-line dos usuários. 
Esta disseminação dos meios de comunicação nos últimos trinta anos, 
particularmente em relação à imprensa, difundiu-se rapidamente nos campos de 
pesquisa interdisciplinares das ciências sociais e humanas, e no campo da História, 
seu uso como fonte e objeto de pesquisa histórica e suporte pedagógico nas salas 
de aula tem contribuído para diversas possibilidades de estudos, constatados nos 
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projetosde pesquisa, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e 
teses de doutorado, e consequentemente, fornecido novas problemáticas para os 
debates teórico-metodológicos no interior destas disciplinas. 
Assim, a importância da imprensa periódica na historiografia contemporânea 
torna-se cada vez mais evidente, a relação estreita entre História e Imprensa nas 
últimas décadas, tem contribuído de forma significativa para o conhecimento 
histórico das sociedades do passado, o que levou os historiadores a renovar seus 
olhares e readaptarem seus posicionamentos e métodos frente a fonte jornalística. 
 
Referêncais bibliográficas 
 
BURKE, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: 
Unesp, 1992 
CAPELATO, Maria Helena; PRADO Maria Ligia. O bravo Matutino: imprensa e 
ideologia no jornal O Estado de São Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. 
______________________. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: 
Contexto/Edusp, 1988. 
CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário Cunha. Na oficina do 
historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto História, São Paulo, 
PUC, nº 35, pp. 253-270, Disponível em <http:// www4.pucsp.br/ projetohistoria/ 
series/series3.html>. Acesso em 22 de Fevereiro de 2014. 
DARNTON, Robert e ROCHE, Daniel (orgs.). Revolução Impressa: A imprensa na 
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LUCA, Tânia Regina. A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, 
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SODRE, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 
1999.