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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 3 2 FITOTERAPIA ................................................................................... 4 2.1 Histórico da fitoterapia ....................................................................... 4 3 RELEVÂNCIA DA FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA ................ 7 3.1 Conceitos importantes em fitoterapia ............................................... 12 3.2 Fitoterápicos .................................................................................... 15 3.3 Fitocomplexo .................................................................................... 17 3.4 Fitoterapia baseada em evidências ................................................. 19 4 PLANTAS MEDICINAIS E A FITOTERAPIA NO CUIDADO AO PACIENTE 23 4.1 Prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos ............................. 25 4.2 Segurança no uso de plantas medicinais......................................... 28 5 FITOTERAPIA APLICADA À SAÚDE HUMANA ............................ 32 5.1 Casos clínicos .................................................................................. 33 6 FITOTERAPIA APLICADA NAS PRINCIPAIS PATOLOGIAS ....... 36 6.1 Fitoterapia nas patologias respiratórias ........................................... 36 6.2 Principais patologias respiratórias ................................................... 37 6.3 Uso da fitoterapia nas patologias cardiovasculares ......................... 39 6.4 Aplicação da fitoterapia na obesidade e na síndrome metabólica ... 40 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................ 43 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 FITOTERAPIA Fonte: bit.ly/3VpAeoF A fitoterapia caracteriza-se pelo uso de plantas medicinais em diversas formas como coadjuvantes terapêuticos. Eles foram usados por pessoas milhares de anos antes da civilização cristã. São uma rica fonte de metabólitos secundários de potencial relevância terapêutica, incluindo alcaloides, flavonoides e taninos. No entanto, o uso inadequado de plantas medicinais muitas vezes ocorre devido à falta de conhecimento adequado sobre doses, dosagens, modo de preparo, contraindicações e efeitos colaterais. Com isso, a fitoterapia baseada em evidências busca promover a avaliação crítica das plantas medicinais e fitoterápicos como alternativas de tratamentos, maximizando seus benefícios e minimizando as reações adversas. Aqui você conhecerá o histórico do uso de plantas medicinais e fitoterápicos e alguns exemplos de aspectos intrigantes sobre o uso de medicamentos fitoterápicos: formulações fitoterápicas para o tratamento de alguns distúrbios leves. 2.1 Histórico da fitoterapia Desde os tempos antigos, as pessoas usaram plantas para propriedades medicinais. De acordo com Saad et al. (2018), o primeiro uso registrado de plantas 5 para fins terapêuticos remonta ao período paleolítico. Um registro mais sistemático do uso de plantas medicinais também pode ser encontrado em áreas como Índia, China e Egito, que remontam a milhares de anos da civilização cristã. Era comum combinar terapia e prática espiritual. Há registros na Índia por volta de 3000 a.C. quando as canções eram cantadas em louvor às plantas (SAAD et al. 2018). Segundo o autor, o Ayurveda, uma filosofia médica oriental que surgiu na Índia durante o período de 2000–1000 a.C., utilizando as plantas medicinais como ferramentas terapêuticas, propõe que, para alcançar o bem-estar, a vida humana deve estar em harmonia com as leis da natureza, sendo a saúde um estado de perfeição. Na China, o imperador Shen Nong, por volta de 2500 a.C., compilou as bases da medicina chinesa em um livro denominado Pen Tsao, no qual foram registradas 365 drogas, incluindo plantas medicinais como o chá-da-índia (Thea sinensi, atualmente catalogada como Camellia sinensis) e a efedra (Ephedra sinica). A medicina chinesa encontra-se inserida na visão de mundo da filosofia taoísta e utiliza a fitoterapia como uma forma de tratamento e prevenção de doenças (SAAD et al. 2018). O Papiro de Ebers, que data de cerca de 1550 a.C., é um tratado médico do Antigo Egito. Foi descoberto no século XIX e contém a descrição de procedimentos médicos, bem como do uso de plantas medicinais. Nesse documento, foram registradas cerca de 700 substâncias medicamentosas, sendo que muitas delas ainda são utilizadas e descritas em farmacopeias ocidentais, como o rícino (Ricinus communis), a hortelã (Mentha sp.), a papoula (Papaver somniferum), a mirra (Commiphora molmol) e o alecrim (Rosmarinus officinalis) (SAAD et al. 2018). Na Grécia antiga, os remédios mágicos eram usados em combinação com o uso de plantas medicinais, conforme descrito nos poemas de Homero. De acordo com Saad et al. (2018), há indícios de que a medicina grega antiga teve influência da medicina egípcia, com algumas plantas de origem da Índia e do Egito, e algumas receitas com características semelhantes. Pitágoras, por volta de 500 a.C., estudou como as drogas vegetais atuavam no organismo, o que levou à formulação das bases da medicina humoral e da dietética, as quais influenciaram as bases da medicina de Hipócrates. Hipócrates desmistificou a associação de cura pelo uso das plantas medicinais com forças sobrenaturais, e deu início à medicina racional- -naturalista, descrevendo sinais, sintomas e a sazonalidade de doenças, bem como a 6 influência do emocional e condições de moradia na saúde dos pacientes (SAAD et al. 2018). A descoberta de novas regiões pelos grandes navegadores renascentistas trouxe da Europa novas ervas medicinais e especiarias, ampliando o arsenal terapêutico. Os estudos desenvolvidos pelo médico conhecido como Paracelso (1493–1541) levaram a um novo entendimento a respeito das plantas medicinais. De acordo com Saad et al. (2018, p. 3), Paracelso “[...] anunciou a noção de que a planta medicinal encerra um componente terapeuticamente ativo, suscetível de ser extraído por processo químico, e que o processo utilizado para isso era a destilação”. Naquela época, a planta medicinal era utilizada na sua forma inteira ou em partes (folhas e raízes), sendo essa forma ainda utilizada nos dias atuais nas práticas populares. Embora o uso de plantas medicinais tenha diminuído por algum tempo devido ao processo de industrialização e desenvolvimento de drogas sintéticas, seu uso pela população voltou a ter importância nas últimas décadas, contribuindo para o aumento do uso. Entre eles estão os efeitos colaterais associados ao uso de medicamentos industrializados, a dificuldade de acesso à assistência médica e o aumento do consumo de produtos naturais em busca de uma vida mais saudável (SÃO PAULO, 2019). Atualmente, as plantas medicinais são utilizadascrônicas. 6.3 Uso da fitoterapia nas patologias cardiovasculares Os medicamentos fitoterápicos também são amplamente utilizados em doenças cardiovasculares, principalmente para regular a pressão sanguínea, reduzir a agregação plaquetária e fortalecer os músculos e o sistema cardiovascular geral. Os seguintes medicamentos fitoterápicos são usados em algumas doenças cardiovasculares: Ginkgo biloba – suas folhas ajudam a inibir a agregação plaquetária e melhoram a microcirculação, contribuindo para uma melhor oxigenação celular. Deve ser utilizado como infusão, após as refeições. Alho – é uma planta útil na regulação da tensão arterial. Diminui a agregação plaquetária, aumenta a atividade fibrinolítica, produz efeitos hipoglicemiantes e reduz os níveis de colesterol. Deve ser ingerido cru, em pó ou em cápsulas. Constitui um dos elementos usados no tratamento da arteriosclerose. Essa 40 planta é muito usada na alimentação, além de ser empregada, com frequência, em estudos farmacológicos e fitoquímicos, pois apresenta considerável efeito benéfico sobre doenças que atingem o sistema cardiovascular. Arandos vermelhos – além de combaterem as infecções urinárias, diminuem a glicemia e fornecem maior resistência ao músculo cardíaco. Centáurea menor – em caso de diabetes, o efeito protetor da centáurea menor, rica em flavonoides, é atribuído ao seu potencial antioxidante, que contribui para a diminuição do dano das células. Garcinia cambogia – o excesso de peso e a obesidade promovem uma sobrecarga significativa para o coração. Nesse sentido, a Garcinia cambogia ajuda a controlar o apetite e contribui para o bloqueio parcial da síntese de ácidos graxos e para a conversão de açúcares em ácidos graxos. Folhas de freixo – têm ação diurética e ligeiramente laxativa, podendo ser utilizadas em caso de obesidade com retenção de líquidos. Espinheiro branco – reúne uma série de propriedades que favorecem a saúde cardiovascular: regula a tensão arterial, trata a ansiedade e a depressão e controla as arritmias. Folhas de oliveira – ajudam a combater um grande fator de risco das doenças cardiovasculares, que é a hipertensão arterial. Reduzem os valores máximos da pressão sanguínea e regulam os valores mínimos. Chá verde – devido ao seu conteúdo rico em catequinas, que evitam a adesão das gorduras às paredes das artérias, o chá verde combate o colesterol, um dos principais fatores de risco das doenças cardiovasculares. Além disso, reduz a concentração de glicose no sangue, beneficiando indivíduos com diabetes. 6.4 Aplicação da fitoterapia na obesidade e na síndrome metabólica A fitoterapia tem apresentado efeitos benéficos no tratamento e na prevenção de inúmeras patologias, como a obesidade e a síndrome metabólica. A maioria dos estudos realizados com fitoterápicos no emagrecimento cita Garcinia cambogia, Camellia sinensis e Cynara scolymus como elementos eficazes no tratamento da obesidade. Porém, existem controvérsias. 41 A Garcinia cambogia é nativa da Ásia e atua sobre a ATP-citrato liase, uma enzima responsável pela biossíntese de lipídeos. Ela também tem efeito hipocolesterolêmico e promove perda de peso em humanos, embora essa constatação necessite de mais evidências científicas. Na literatura, é possível encontrar dezenas de fitoterápicos usados para auxiliar no processo de emagrecimento. Porém, o único que se encontra na lista de registros da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com essa finalidade é o sene (Cassia angustifolia), que funciona como um laxativo. Existem, também, vários medicamentos fitoterápicos amplamente usados pela população como auxílio para uma dieta de emagrecimento. Por isso, os profissionais da saúde, em especial, médicos e nutricionistas, devem prescrever esses medicamentos somente com conhecimento aprofundado sobre seus possíveis danos. Além dos efeitos colaterais, que podem ser muito perigosos, existem outros possíveis problemas, como adulterações, toxidez e interação com outras substâncias. Isso ocorre porque, no Brasil, as plantas são facilmente cultivadas e várias são comercializadas sem fiscalização em feiras livres, mercados públicos e lojas de produtos naturais, o que se dá por não ser exigida prescrição médica ou do nutricionista, além de serem isentos de inscrição nos Ministérios da Saúde e da Agricultura. Algumas evidências do uso de fitoterápicos no tratamento da obesidade e síndrome metabólica: Ephedra sinica – a Ephedra sinica ou ma-huang (nome chinês da planta Ephedra), costuma ser utilizada para emagrecimento e, em geral, é combinada com outros compostos, como cafeína e/ou aspirina. Revisões atuais do uso da efedrina isoladamente mostram efeito modesto, ou seja, de cerca de 0,9 kg na redução do peso quando comparado ao do placebo. Entretanto, com aumento de 2,2 a 3,6 na chance do aparecimento de efeitos adversos psiquiátricos, gastrintestinais e cardiovasculares. A frequência e a magnitude dos efeitos colaterais e a ineficácia dos suplementos contendo efedrina contraindicam seu uso no tratamento da obesidade. Erva-de-são-joão (Hypericum perforatum) – planta nativa da Europa, da Austrália e das Américas. Seus extratos são utilizados para tratar depressão. Com base nessa ação no sistema nervoso central, tem-se propagado o uso da 42 erva de modo isolado ou em associação com ma- -huang no tratamento da obesidade. Porém, não existem evidências científicas de que a erva-de-são- joão seja eficaz para reduzir o peso. Garcinia cambogia – a substância, extraída da casca de uma fruta cítrica exótica denominada Brindall berry ou brindleberry, contém ácido hidroxicítrico, o qual inibe a clivagem enzimática do citrato. Assim, além de aumentar a taxa de síntese hepática de glicogênio, inibe o apetite e a estocagem de gordura corporal. Estudos bem conduzidos não mostraram diferença na redução de peso entre os indivíduos que usaram ácido hidroxicítrico e os que utilizaram placebo, assim como não comprovaram aumento na oxidação de gorduras. Apesar de não terem sido documentados efeitos colaterais significativos, não existem estudos de longo prazo a esse respeito. Atualmente, não há evidências convincentes para o uso da garcínia como agente antiobesidade. Ioimbina (Pausinystalia yohimbe) – a yohimbe é uma planta nativa da África Central. Seu constituinte ativo é a ioimbina. Estudos descreveram efeitos colaterais como irritabilidade, artralgias e cefaleia. Atualmente, não há evidências científicas que indiqueminte a ioimbina para reduzir peso. Psyllium (Plantago) – o psyllium é uma fibra hidrossolúvel derivada da semente de Plantago ovata. Seu uso aumenta a saciedade, reduzindo a ingestão calórica. Estudos até agora realizados não demonstraram diferença na perda de peso de indivíduos obesos quando comparado ao placebo. A ingestão da fibra relaciona-se a distúrbios gastrointestinais, como flatulência, diarreia e náuseas, além de interferir na absorção de medicamentos, como antibióticos e digitálicos, e potencializar a ação de anticoagulantes. 43 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRE, R. F. Fitoterapia baseada em evidências: exemplos dos medicamentos fitoterápicos mais vendidos em Santa Catarina. 2004. Dissertação (Mestrado em Farmácia) — Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Florianópolis, 2004. ALMEIDA, E. M. de et al. 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Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira. 2. ed. Brasília: ANVISA, 2021. BRASIL. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2020. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. BRASIL. Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Plantas Medicinais e Fitoterápicos. 4. ed. São Paulo: CRFSP, 2019. BRASIL. Formulário de fitoterápicos farmacopeias brasileiras. Brasília: Anvisa, 2018. BRASIL. Formulário de fitoterápicos e farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa, 2018a. BRASIL. Formulário fitoterápico da farmacopeia brasileira: primeiro suplemento. Brasília: Anvisa, 2018b. BRASIL. Memento fitoterápico: farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa, 2016b. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 18, de 03 de abril de 2013. Dispõe sobre as boas 44 práticas de processamento e armazenamento de plantas medicinais, preparação e dispensação de produtos magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos em farmácias vivas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 abr. 2013. Seção I, p. 67 BRASIL. Ministério da Saúde. Instrução normativa nº 02 de 13 de maio de 2014. Publica a “Lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado” e a “Lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado”. Diário Oficial da União, Brasília, 14 maio de 2014d. BRASIL. Ministério da Saúde. Instrução normativa nº 4, de 18 de junho de 2014. Determina a publicação do Guia de orientação para registro de Medicamento Fitoterápico e registro e notificação de Produto Tradicional Fitoterápico. Diário Oficial da União, Brasília, 20 jun. 2014c. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 886, de 20 de abril de 2010. Institui a Farmácia Viva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, 20 abr. 2010. BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução da diretoria colegiada – RDC n°. 26, de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos. Brasília, 13 maio 2014a. BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução RDC nº 24 de 14 de junho de 2011. Dispõe sobre o registro de medicamentos específicos. Brasília, 14 jun. 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Práticas integrativas e complementares: plantas medicinais e fitoterapia na Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006. Política Nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2020. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. BRASIL. Política e programa nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2016a. BRASIL. Práticas integrativas e complementares: plantas medicinais e fitoterapia na Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRASIL. Renisus: relação nacional de plantas medicinais de interesse ao SUS. 2014b. 45 BRUNING, M. C. R. et al. A utilização da fitoterapia e de plantas medicinais em unidades básicas de saúde nos municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu-Paraná: a visão dos profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 10, p. 2675– 2685, 2012. CID, A. S. Fitoterapia e fitoterápicos. Sagah, 2020. FERRO, D. Fitoterapia: conceitos clínicos. Rio de Janeiro: Atheneu, 2006. 502 p. FINTELMANN, V.; WEISS, R. F. Manual de fitoterapia. Rio de Janeiro: Guanabara KLEIN., T. et al. Fitoterápicos: um mercado promissor. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, 2009. NICOLETTI, M. A. et al. Principais interações no uso de medicamentos fitoterápicos. Infarma, v. 19, n. 1/2, p. 32-40, 2007. OMS. Cuidados primários de saúde: relatório da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. Brasília: UNICEF, 1979. RIBEIRO, W. Prefeitura de São Paulo distribui mais de 6,7 milhões de medicamentos fitoterápicos. ICTQ, 22 jan. 2020. SAAD, G. A. et al. Fitoterapia contemporânea: tradição e ciência na prática clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. SAAD, G. A. et al. Fitoterapia contemporânea: tradição e ciência na prática clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. SIMÕES, C. M. O. et al. Farmacognosia: do produto natural ao medicamento. Porto Alegre: Artmed, 2017. 46juntamente com matérias- primas para medicamentos de valor agregado, in natura (como chás de plantas medicinais), preparações galênicas simples (como extratos líquidos e tinturas) e fitoterápicos (SIMÕES et al. 2017). As plantas medicinais in natura consistem em plantas frescas que são colhidas no momento do uso, enquanto as plantas medicinais secas (ou partes delas) passam por um processo de coleta, estabilização (se aplicável) e secagem até que estejam totalmente disponíveis para moer ou pulverizar. Além disso, as preparações fitoterápicas podem ser encontradas na forma de um único fármaco ou em composições contendo múltiplos fitoterápicos, ambos em diversas formas farmacêuticas (comprimidos, sachês, xaropes, tinturas, líquidos e extrato). Os fitoterápicos compostos são produzidos por farmácias de manipulação, enquanto os fitoterápicos industrializados são produzidos pela indústria farmacêutica ou laboratórios oficiais (SAAD et al. 2018). 7 3 RELEVÂNCIA DA FITOTERAPIA NA SAÚDE PÚBLICA Fonte: bit.ly/3WsZqf9 As plantas medicinais representam, ainda hoje, os únicos recursos terapêuticos de diversas comunidades, especialmente aquelas consideradas mais pobres. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 85% da população dos países em desenvolvimento depende da utilização de plantas medicinais para suprir cuidados básicos de saúde. Além disso, mesmo em países desenvolvidos, uma grande parcela da população utiliza a fitoterapia para o tratamento de doenças. Considerando esses aspectos, discutidos na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde que aconteceu em Alma-Ata, no Paquistão, em 1978, a OMS passou a recomendar que os países membros incentivassem o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, orientação acatada por muitos países, inclusive o Brasil (OMS, 1979; SAAD et al. 2016; SIMÕES et al. 2017). O nosso país é imensa diversidade no que diz respeito a sua flora e sua fauna, o que significa que o território brasileiro abriga uma infinidade de organismos vivos, que representam uma parcela significativa de toda a biodiversidade mundial. Isso já seria motivo suficiente para incentivar pesquisadores e especialistas a aproveitarem toda essa riqueza natural para a promoção da saúde e do bem-estar da nossa população, mas, além disso, o Brasil apresenta uma enorme diversidade cultural que, associada à nossa biodiversidade, resultou em um rico conhecimento sobre o uso e manejo das plantas medicinais, que tem enorme potencial para ser explorado. 8 Reconhecendo isso e seguindo as orientações da OMS, o Ministério da Saúde lançou em 2006 a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que tem como objetivo principal: “garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional” (BRASIL, 2016a). A fim de cumprir esse objetivo, dois anos depois da implementação da política nacional, foi formulado o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que reúne diversas ações visando à regulação e à disseminação do uso medicinal de espécies vegetais e seus derivados (BRASIL, 2016a). Desde 2006, quando a política nacional foi implementada, várias ações já foram conduzidas e têm contribuído para a ampliação da fitoterapia no país. A partir de 2007 houve a inclusão de fitoterápicos no elenco de referência de medicamentos e insumos complementares para a assistência farmacêutica na atenção básica em saúde; atualmente, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) conta com 12 fitoterápicos, além das isoflavonas de soja obtidas da espécie Glycine max. Os medicamentos da Rename podem ser solicitados pelas prefeituras municipais para serem incluídos em suas Relações Municipais de Medicamentos Essenciais (RENUME). Nesse caso, esses medicamentos podem ser distribuídos gratuitamente à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (FERRO, 2006). Os fitoterápicos, em geral, têm um custo de produção menor do que medicamentos convencionais, porque sua obtenção não envolve etapas de isolamento ou síntese. Sendo assim, é muito importante a inclusão desses produtos no SUS, os quais podem atender um grande número de pessoas de forma efetiva e segura a um custo relativamente baixo (KLEIN et al. 2009; SIMÕES et al. 2017; BRASIL, 2020). O menor custo da produção de fitoterápicos também é um incentivo à inovação e ao desenvolvimento das indústrias farmacêuticas nacionais, que, em geral, limitam- se à produção de medicamentos genéricos e similares. Dessa forma, o valor dos produtos repassados ao consumidor também deve ser menor em comparação com medicamentos convencionais. Mesmo que o tratamento não seja realizado pelo SUS, a fitoterapia, em geral, custa menos para o paciente, até porque existe a opção de que ele cultive as plantas medicinais em casa, o que, é claro, deve ser realizado com o acompanhamento de um profissional habilitado (KLEIN et al. 2009). 9 A importância das plantas medicinais para a saúde pública não se limita a uma redução de custos. Investigações dos efeitos terapêuticos e da segurança de plantas medicinais e fitoterápicos mostram que eles podem ser muito úteis para o tratamento de várias doenças. Destacam-se condições de saúde complexas que envolvem diversas vias, uma vez que esses produtos apresentam diversas substâncias em sua composição que podem agir sinergicamente de diferentes formas e tratar o paciente de uma forma mais integral. Estudos mostram ainda que algumas substâncias são inativas quando estão isoladas, mas, no extrato, apresentam atividade porque os demais compostos presentes aumentam a sua biodisponibilidade, estabilidade ou solubilidade. É muito comum em pesquisas na área de produtos naturais que os extratos de plantas apresentem efeitos mais interessantes do que as substâncias isoladas (SAAD et al. 2016). Além disso, estudos mostram que os medicamentos fitoterápicos geralmente têm menos efeitos colaterais do que os medicamentos tradicionais. Isso não significa que a crença popular de que as plantas medicinais são inofensivas esteja errada. Algumas plantas são altamente tóxicas, enquanto outras podem causar efeitos colaterais leves a moderados. No entanto, em comparação com os medicamentos tradicionais, a maioria das plantas medicinais e fitoterápicos têm menos efeitos colaterais, porque estão presentes apenas em pequenas quantidades (SAAD et al. 2016). Outro fato a ser considerado, muitas vezes esquecido tanto pelos profissionais médicos quanto pelo poder público, são os saberes comuns ou tradicionais relacionados ao uso de plantas medicinais. A fitoterapia faz parte da cultura de algumas comunidades e grupos e, por vezes, é passada de geração em geração. Isso altera a percepção dessas pessoas em relação ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos em relação aos tratamentos convencionais. Grande parcela da população tem preferência por fitoterápicos e essa preferência é relevante no contexto da saúde pública (KLEIN et al. 2009; SAAD et al. 2016; BRASIL, 2014a). É claro que provar sua eficácia e segurança é importante para poder fornecer efetivamente plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos às pessoas. Este é um grande problema na promoção da fitoterapia, pois existe a necessidade de mais pesquisas sobre plantas medicinais, principalmente as encontradas no Brasil. Por 10 isso, em 2009 o Ministério da Saúde elaborou uma lista nacional de plantas medicinais de interesse do sistema único de saúde (RENISUS). Esta é uma lista de 71 espécies de plantas nativas ou adaptadas ao Brasil, amplamente distribuídas pela população e consideradas pelo Ministério da Saúde como tendo potencial para produzir produtos para o SUS, porém há preocupaçõesquanto à segurança. O objetivo de compilar esta lista é ajudar a conduzir pesquisas que possam ajudar a desenvolver uma lista de plantas medicinais e fitoterápicos que sejam seguros e eficazes para uso da população (BRASIL, 2014b). A maioria das plantas medicinais brasileiras são amplamente utilizadas e parecem ter alto potencial terapêutico, mas isso é de grande importância, pois ainda não há pesquisas suficientes para embasar cientificamente seu uso seguro de espécies vegetais nativas ou adaptadas em nosso país (FERRO, 2006). Porém, não basta que existam estudos que demonstrem a segurança e eficácia das plantas medicinais e fitoterápicos, pois os profissionais médicos prescrevem esses produtos e acompanham e monitoram os pacientes que tratam. Esses profissionais geralmente desaconselham ignorar essas informações ou oferecer opções de tratamento prejudiciais aos pacientes, caso se deparem com situações em que os pacientes estão usando ou estão prestes a usar esses produtos (BRASIL, 2012; SAAD et al. 2016). Ações do Ministério da Saúde que têm contribuído para a capacitação de profissionais incluem as publicações do Formulário Fitoterápico e do Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira. O Formulário Fitoterápico apresenta monografias em que são descritos o modo de preparo, a indicação de uso, os efeitos adversos e as contraindicações de plantas medicinais e fitoterápicos. Farmácias de manipulação podem dispensar os produtos descritos no formulário considerando as informações apresentadas. O documento auxilia, portanto, no trabalho dos farmacêuticos que atuam nesses estabelecimentos. Já o Memento Fitoterápico tem o objetivo de orientar prescritores em relação às indicações terapêuticas, formas farmacêuticas, posologia, efeitos adversos e contraindicações desses produtos. As monografias das plantas apresentam ainda dados de estudos pré-clínicos e clínicos já conduzidos com a planta medicinal (BRASIL, 2011; BRASIL, 2016b). 11 Em 2012, foi publicado ainda o Caderno de Atenção Básica que trata da fitoterapia, trazendo informações valiosas sobre a promoção do uso racional e seguro de plantas medicinais e fitoterápicos na atenção primária (BRASIL, 2012). Instituída pela Portaria MS 886/2010, presente na Portaria de Consolidação Nº 5/2017 (BRASIL, 2017a), que derivou normas próprias como a RDC da ANVISA de Nº 18/2013 (BRASIL, 2013), a qual dispõe sobre as boas práticas de processamento e armazenamento de plantas medicinais, preparação e dispensação de produtos magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos em farmácias vivas no âmbito do SUS), e se utiliza de outros instrumentos como o Memento Fitoterápico, o Formulário Fitoterápico e a Farmacopeia Brasileira. É comum, pelo seu sugestivo nome, relacionarem esse termo a outros tipos de estabelecimentos de produção com plantas medicinais, comum nas comunidades rurais e associações populares. Entretanto há de se ter claro que a Farmácia Viva é voltada para a atenção à saúde, que contempla todas as etapas como o cultivo da planta medicinal até a manipulação e a dispensação de chás medicinais, fitoterápicos e planta medicinal in natura, sob orientação multiprofissional de uso. Ainda, manipula e dispensa preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais, sob prescrição de profissional habilitado. A Farmácia Viva exige a responsabilidade técnica do farmacêutico, que coordena, orienta e supervisiona a equipe. Por outro lado, as ações operacionais da Farmácia Viva poderão ser executadas por técnicos capacitados e sob supervisão do profissional farmacêutico. Após a fabricação, os fitoterápicos e plantas medicinais são dispensados à população. Para que a Farmácia Viva cumpra seu objetivo, que é justamente aumentar o acesso da população à fitoterapia, os profissionais prescritores dos munícipios que abrigam a Farmácia Viva devem ser capacitados e sensibilizados em relação ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos (BRASIL, 2017). A implantação do Farmácias Vivas é de grande importância para o crescimento da fitoterapia no Brasil e os números são animadores. Cerca de 90 mil consultas de fitoterapia foram registradas em 2016, segundo dados do Sistema de Informações de Saúde da Atenção Básica (SISAB). Além das consultas, já foram realizadas mais de 5 mil atividades colaborativas sobre plantas medicinais no país (BRASIL, 2017). Nessa interação, a Farmácia Viva (FV) constitui-se uma expressão da vontade popular pelo uso das plantas medicinais de forma segura e eficaz. Construída a partir 12 da contribuição de Francisco de Abreu Matos e sua experiência com as comunidades populares e com a academia no estado do Ceará, a Farmácia Viva é um conceito, é um serviço próprio do âmbito público do SUS e está inserida na Assistência Farmacêutica. Todos os temas aqui discutidos demonstram o papel fundamental que a fitoterapia pode desempenhar na saúde pública, mas o crescimento da fitoterapia no país e o uso racional e seguro de plantas medicinais e fitoterápicos são necessárias mais ações para promover. 3.1 Conceitos importantes em fitoterapia Muitos conceitos importantes no campo da fitoterapia causam confusão tanto para o público em geral quanto para os profissionais médicos. Portanto, é muito importante entender esses conceitos tendo em vista a orientação adequada dos futuros pacientes. Fitoterapia é o uso medicinal sem a utilização de princípios ativos isolados, mesmo de origem vegetal, sob a orientação de profissional habilitado, conforme definido na Diretriz Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Isso significa que a fitoterapia é o tratamento com plantas medicinais ou seus derivados, chamados fitoterápicos (FERRO,2006). A definição de fitoterapia inclui dois conceitos básicos: plantas medicinais e fitoterápicos. Segundo a OMS, plantas medicinais são espécies vegetais utilizadas para fins terapêuticos. Esta é uma definição aprovada pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar. De acordo com a legislação brasileira, fitoterápicos são medicamentos derivados exclusivamente de princípios ativos de fitoterápicos ou de ervas que contenham fitoterápicos. Os fitoterápicos são obtidos por processos de estabilização e secagem de plantas ou partes terapeuticamente eficazes. Simplificando, os fitoterápicos são plantas medicinais secas que podem ser inteiras ou moídas. Derivados vegetais são produtos obtidos por meio de processos extrativos da planta medicinal ou da droga vegetal, podendo ser extratos, óleos essenciais, tinturas, entre outros. Isso significa que fitoterápicos não podem apresentar em sua composição substâncias ativas isoladas, mesmo que elas sejam obtidas de fontes 13 naturais, porque elas não são consideradas matérias-primas ativas vegetais; do contrário são denominados fitofármacos (BRASIL, 2014a BRASIL, 2016a). Segundo a legislação brasileira, a definição completa de fitofármaco é a de que se trata de uma substância altamente purificada, com estrutura química e atividade farmacológica definida, isolada a partir de matéria-prima vegetal. Fitofármacos devem ser registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de acordo com as normas preconizadas na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. º 24, de 14 de junho de 2011, que dispõe sobre o registro de medicamentos específicos (BRASIL, 2011). Já em relação aos fitoterápicos, a Anvisa exige, por meio da RDC n. º 26, de 13 de maio de 2014, que, para fins de registro, esses produtos apresentem qualidade e segurança, além de eficácia ou efetividade demonstradas, assim como qualquer outro medicamento. A avaliação de sua eficácia ou a efetividade e a segurança desses produtos podem ser comprovadas por estudos pré-clínicos e clínicos ou por dados de uso tradicional seguro e efetivo publicados na literatura técnico-científica. Jáo controle da qualidade deve ser realizado por meio da identificação e quantificação de marcadores (BRASIL, 2014a). Os marcadores são substâncias ou classes de substâncias presentes no fitoterápico utilizadas como referência para seu controle de qualidade. Esses compostos podem ou não ter relação com a atividade terapêutica, mas é desejável que tenham — caso em que são denominados marcadores ativos. Quando o marcador selecionado não é responsável pelo efeito medicinal do medicamento, ou a sua relação com esse efeito ainda não foi demonstrada, ele é considerado um marcador analítico (BRASIL, 2014b). Para que você possa compreender melhor o conceito de marcador é importante entender como ocorre o desenvolvimento de um novo fitoterápico. Durante esse processo, pesquisadores investigam os efeitos farmacológicos, assim como a composição química do fitoterápico em desenvolvimento. Vários estudos pré-clínicos são conduzidos com o fitoterápico e seus constituintes isolados, para definir quais compostos são responsáveis por essa atividade, os quais são chamados de marcadores farmacológicos. Após determinação da composição química do medicamento, verificam-se quais são as substâncias presentes em maior quantidade 14 ou que são muito características daquela espécie vegetal ou fitoterápico, que são consideradas marcadores químicos. Com todas essas informações, serão definidas as substâncias que serão utilizadas para o controle de qualidade do fitoterápico. Essa decisão envolve, principalmente, o fato de alterações na quantidade dessas substâncias indicarem possíveis problemas na fabricação do medicamento. Um bom marcador é aquele cuja variação indica possíveis falhas no processo de obtenção do fitoterápico e, idealmente, deve ser fácil de ser identificado e quantificado, além de ter relação com o efeito terapêutico (BRASIL, 2014a; SIMÕES et al. 2017). Por meio de RDC n. º 26/2014 foram criados dois tipos de fitoterápicos: os medicamentos fitoterápicos (MF) e os produtos tradicionais fitoterápicos (PTF). A diferença entre eles é a forma como sua segurança e efeitos terapêuticos são comprovados. Fitoterápicos que foram submetidos a estudos clínicos e demonstraram eficácia e segurança podem ser registrados como MF, enquanto PTF são registrados ou notificados com base em dados de uso seguro e efetivo por mais de 30 anos. Esses dados devem estar descritos na literatura técnico-cientifica, ou seja, livros, artigos, documentos oficiais, entre outros (BRASIL, 2014a). Um fitoterápico, independentemente de ser um MF ou PTF, pode ser constituído da droga vegetal ou de um derivado vegetal acompanhados ou não de excipientes. Quando a droga vegetal é comercializada sem adição de excipientes, ela é denominada de chá medicinal. Na Figura 1 você encontra um esquema que ilustra os principais conceitos para fitoterápicos industrializados. A RDC n. º 26/2014 trata dos fitoterápicos industrializados, que devem ser registrados ou notificados na Anvisa. É possível também a comercialização de fitoterápicos magistrais ou manipulados. Farmácias de manipulação podem produzir e comercializar fitoterápicos mediante prescrição médica, aqueles que estão descritos no Formulário Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira. Nesse caso, o preparo deve atender o que o documento oficial descreve, incluindo indicações de uso e demais orientações (FERRO, 2006). 15 Figura 1 - Possibilidades de registro de fitoterápicos no Brasil. Fonte: Adaptada de Brasil (2014c). É muito importante ter uma boa compreensão de todos esses conceitos, porque as plantas medicinais e os fitoterápicos têm características próprias, que fazem com que sua prescrição e o manejo de pacientes que os utilizam sejam diferentes de medicamentos compostos de fármacos isolados e sintéticos, ou mesmo de medicamentos homeopáticos (FERRO, 2006). Alguns destes conceitos, trabalhamos com eles até o presente momento desta exposição. No entanto, precisamos aprofundar nossos estudos, tendo em vista as especificidades da farmacologia fitoterápica. 3.2 Fitoterápicos A cartilha Plantas medicinais e fitoterápicos (SÃO PAULO, 2019) define a fitoterapia como “[...] a terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, 16 ainda que de origem vegetal”. Uma planta medicinal pode ser definida como a espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com fins terapêuticos e/ou profiláticos, enquanto fitoterápico é definido pela Anvisa (BRASIL, 2021, p. 11), como [...] o produto obtido exclusivamente de matéria-prima ativa vegetal (compreende a planta medicinal, ou a droga vegetal ou o derivado vegetal), exceto substâncias isoladas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa. Podendo ser simples, quando o ativo é proveniente de uma única espécie vegetal medicinal, ou composto, quando o ativo é proveniente de mais de uma espécie vegetal medicina. Embora, como já indicamos anteriormente, as plantas medicinais venham sendo utilizadas desde a Antiguidade, o uso oficial de fitoterápicos só foi reconhecido mundialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1978, por meio da Declaração de Alma-Ata. No Brasil, o Ministério da Saúde passou a incentivar como prioridade o estudo das plantas medicinais para aplicação clínica por meio da Portaria nº 212/1981. Em 2006, a fitoterapia foi inserida no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi regulamentada pelo Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006 (BRASIL, 2021). Atualmente, são ofertados pelo SUS 12 medicamentos fitoterápicos, listados no Quadro 1. Quadro 1 - Medicamentos fitoterápicos ofertados pelo SUS Denominação genérica Apresentação Indicação/ação Babosa (Aloe vera (L.) Burm. f.) Creme, gel Tratamento tópico de queimaduras de 1º e 2º graus e como coadjuvante nos casos de psoríase em placas Cáscara-sagrada (Rhamnus purshiana DC.) Cápsula, tintura Coadjuvante nos casos de obstipação intestinal eventual Espinheira-santa (Maytenus officinalis Mabb.) Cápsula, emulsão, suspensão oral, tintura Coadjuvante no tratamento de gastrite e úlcera gastroduodenal e sintomas de dispepsia. Garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens DC. ex Meissn.) Cápsula, comprimido, comprimido de liberação retardada Tratamento da dor lombar baixa aguda e como coadjuvante nos casos de osteoartrite. Apresenta ação anti-inflamatória. Guaco (Mikania glomerata Spreng.) Solução oral, tintura, xarope Apresenta ação expectorante e broncodilatadora 17 Hortelã (Mentha x piperita L.) Cápsula Tratamento da síndrome do cólon irritável. Apresenta ação antiflatulenta e antiespasmódica. Isoflavona-de-soja [Glycine max (L.) Merr.] Cápsula, comprimido Coadjuvante no alívio dos sintomas do climatério. Plantago (Plantago ovata Forssk.) Pó para dispersão oral Coadjuvante nos casos de obstipação intestinal habitual. Tratamento da síndrome do cólon irritáve Salgueiro (Salix alba L.) Comprimido, elixir, solução oral Tratamento de dor lombar baixa aguda. Apresenta ação anti-inflamatória. Unha-de-gato (Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.) DC.) Cápsula, comprimido, gel Coadjuvante nos casos de artrites e osteoartrite. Apresenta ação anti- inflamatória e imunomoduladora. Fonte: Adaptado de Brasil (2020). A indústria de fitoterápicos está em constante desenvolvimento em todo o mundo, e é crescente o interesse em pesquisas com plantas medicinais a fim de comprovar sua eficácia e confirmar as indicações terapêuticas relacionadas ao seu uso. Na prática médica, são bem-vistos os medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais que passam por testes farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos, representando uma alternativaao uso de medicamentos sintéticos, por sua vez relacionados a um maior número de efeitos adversos. O crescimento da indústria de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil ainda é impulsionado pela grande biodiversidade nacional e pelo conhecimento tanto popular quanto científico a respeito dessas plantas (SAAD et al. 2018). 3.3 Fitocomplexo De acordo com a Anvisa (BRASIL, 2021), fitocomplexo é o “[...] conjunto de todas as substâncias, originadas do metabolismo primário e/ou secundário, responsáveis, em conjunto, pelos efeitos biológicos de uma planta medicinal ou de suas preparações”. 18 Do metabolismo primário de plantas, originam-se proteínas, aminoácidos, carboidratos, vitaminas e clorofila. Já o metabolismo secundário origina substâncias que não apresentam distribuição universal dentre as espécies vegetais, mas que são essenciais para sua adaptação e para sua defesa contra o ataque de patógenos e demais agentes. Esses metabólitos costumam apresentar potencial relevância terapêutica. As plantas medicinais são uma fonte rica em metabólitos secundários. De maneira geral, essas substâncias podem ser classificadas em grupos químicos, embora apresentem muitas vezes uma grande variabilidade química estrutural. No Quadro 2, é possível ver os principais grupos fitoquímicos e suas respectivas características biológicas e/ou químicas. Quadro 2 - Relação dos principais grupos fitoquímicos com suas características biológicas e/ou químicas. Classe Definição/características Propriedades/características Alcaloides Aminas básicas Importantes fármacos (morfina, atropina, vincristina) - mais de 12 mil substâncias conhecidas e mais de 13 classes. Flavonoides Pigmentos dos vegetais (flores, frutos). Anti-inflamatórios, antioxidantes Glicosídeos Presença de açúcar Mais de 10 classes e mais de 3 mil substâncias conhecidas Saponinas Glicosídeos com características de sabão Vários grupos químicos - alguns estão envolvidos no metabolismo dos esteroides. Taninos Polifenólicos, a maioria precursora de ácido gálico Substâncias adstringentes que atuam como antidiarreicos, hemostáticos e cicatrizantes. 19 Terpenoides Derivados de unidades de 5 carbonos de isoprenos (10, 15, 20, 30, 40, >40). Mais de 20 mil substâncias conhecidas; seis classes e estruturalmente heterogêneas. Fonte: Adaptado de Saad et al. 2018. A partir de plantas medicinais, também podem ser obtidos os óleos essenciais, que consistem em misturas complexas de substâncias voláteis e lipofílicas, responsáveis, por exemplo, pelas fragrâncias e aromas. De acordo com Saad et al. (2018, p. 29): [...] os grupamentos funcionais mais encontrados nos óleos essenciais são hidrocarbonetos, alcoóis, aldeídos, cetonas, fenóis, óxidos, éteres e ésteres. Assim, os óleos essenciais são misturas bastante complexas, de várias substâncias simples, em que cada componente contribui para o efeito biológico da mistura como um todo. Dentre as diversas propriedades biológicas dos óleos essenciais, podemos destacar as atividades antimicrobiana (como em óleos de cravo-da-índia [Syzygium aromaticum], eucalipto [Eucalyptus globulus Labill.] e alecrim [Rosmarinus officinalis]), antiexpectorante (como em óleos obtidos das folhas de eucalipto e folhas de hortelã- pimenta [Mentha x piperita L.]) e estomáquica, carminativa e colagoga (como em óleo da casca da laranja-amarga [Citrus aurantium L.]) (SIMÕES et al. 2017). 3.4 Fitoterapia baseada em evidências Os fitoterápicos representam um recurso terapêutico de importância mundial promovido por órgãos federais e incorporados ao SUS por meio de políticas nacionais de prática integrativa. As plantas medicinais e fitoterápicos oferecem uma alternativa ao uso de drogas sintéticas em uma população com crescentes preocupações de saúde e bem-estar. Porém, para garantir a saúde do paciente e obter os benefícios terapêuticos dessas plantas, é importante conhecer a dosagem, uso, contraindicações e efeitos colaterais das plantas medicinais, pois grande parte da população desconhece os possíveis efeitos tóxicos das plantas medicinais, o modo correto de prepará-las e as indicações e contra-indicações de cada planta. Existe uma suposição cientificamente 20 infundada de que os fitoterápicos não prejudicam a saúde dos usuários (BRUNING et al. 2012). A fitoterapia baseada em evidências incentiva a avaliação crítica de plantas medicinais e fitoterápicos como tratamentos alternativos, visando maximizar seus benefícios e minimizar efeitos colaterais. Além disso, são realizados estudos de eficácia, segurança e qualidade dessas formulações. Assim, através do estudo científico das formas vegetais e suas funções terapêuticas busca-se determinar o melhor resultado possível que se faz deste tipo de medicamento, sistematizando, ainda o aceso a essas informações e análises para que seu uso possa ser feito com consciência. Os profissionais médicos estão demonstrando crescente interesse por esta área e buscam capacitação e conhecimento para orientar a correta prescrição e uso de plantas medicinais e fitoterápicos na terapêutica. Por outro lado, muitos profissionais médicos desconhecem o valor da fitoterapia por não terem recebido treinamento em fitoterapia durante a faculdade, devendo os profissionais de saúde em fitoterapia se atualizarem para promover seu uso (BRUNING et al. 2012). Atendendo à demanda por plantas medicinais, fitoterápicos, receitas e dispensação de fitoterápicos, a Anvisa publicou em 2011 a primeira edição do Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira. As formulações relacionadas nesse formulário podem ser manipuladas pelos estabelecimentos autorizados para essa atividade, seguindo a legislação vigente, e servem de referência para o sistema de notificação da Anvisa. Em 2021 foi publicada a segunda edição do documento, em que foram revisadas as monografias da primeira edição e incluídas novas monografias. Nesta mais recente edição, são apresentadas 85 monografias, com um total de 236 formulações (BRASIL, 2021). A maioria dos fitoterápicos industrializados são isentos de prescrição. A venda de produtos prescritos requer experiência no domínio clínico, demonstrando conhecimento técnico e científico e habilidades para formular prescrições apropriadas. Alguns fitoterápicos vendidos sob prescrição médica incluem ginkgo (Ginkgo biloba L.), hipérico (Hypericum perforatum L.), kava-kava (Piper methysticum G. Forst.) e valeriana (Valeriana officinalis L). No Quadro 3, são descritas algumas sugestões de formulações fitoterápicas para o tratamento de distúrbios menores, como a gripe e a estagnação. 21 Quadro 3 - Formulações fitoterápicas para o tratamento de distúrbios menores. Condição clínica Principais sinais/ indicações Plantas indicadas para o tratamento Sugestão de formulação Gripe Febre alta Sudorese Cefaleia Dor de garganta Tosse Secreção amarelada Sede Mialgia Língua com a saburra amarelada Citrus aurantium (laranja-da-terra) Echinacea purpurea (equinácea) Mentha pulegium (poejo) Extrato de própolis Xarope: Tintura de poejo 5% „ Tintura de laranjada-terra 5% Tintura de guaco 5% Tintura de própolis 2% Mel q.s.p. 100 mL Modo de usar: tomar 10 mL 3 a 6 vezes/dia. Palpitações e arritmias Palpitações e arritmias ocasionais. Obs: situações agudas com taquicardia ou bradicardia intensas acompanhadas de vertigem e dispneia merecem investigação cardiológica imediata Crataegus oxyacantha (crataego) Valeriana officinalis (valeriana) Chamomila recutita (camomila) Uso oral: Crataegus oxyacantha (fruto) (extrato seco) 300 mg (por dose) Valeriana officinalis (raiz) (extrato seco) 50 mg (por dose) Preparar cápsulas para 30 dias. Modo de usar: tomar 1 dose 3 vezes/dia. Varizes Sensação de desconforto e edemaAesculus hippocastanum (castanha-daíndia) Centella asiatica (centela) Melilotus officinalis (meliloto) Hamamelis virginiana (hamamélis) „ Vitis vinifera (uva) Uso oral: Aesculus hippocastanum (fruto) „ (extrato seco 5:1) 200 mg (por cápsula) Centella asiatica (erva) (extrato seco 5:1) 33 mg (por cápsula) Preparar 60 cápsulas. Modo de usar: tomar 1 cápsula 2 vezes/dia. Hemorroidas Dor e desconforto Aesculus hippocastanum (castanha-daíndia) Uso tópico: Aesculus hippocastanum 22 Aloe sp. (babosa) „ Hamamelis virginiana (hamamélis) „ Paeonia alba (peônia-branca) (tint.) 3,3% Paeonia alba (tint.) 3,3% Hamamelis virginiana (tint.) 3,3% Base pomada q.s.p. 30 g Modo de usar: usar 4 vezes/dia até a melhora dos sintomas. Dores agudas e pós-trauma Dor Edema Vermelhidão Hematoma Pulso e língua sem alterações Arnica montana (arnica) Cordia verbenacea (erva-baleeira) Harpagophytum procumbens (garra- do-diabo) U so tópico: Cordia verbenacea (folhas) 10% Arnica montana (flores) 10% Base creme ou gel q.s.p. 30 g Modo de usar: aplicar 3 vezes/dia no local afetado. Dispepsia funcional (estagnação) Náuseas e vômitos Eructação Distensão Má digestão Língua com saburra acentuada Baccharis trimera (carqueja) Cinnamomum zeylanicum (canela) Citrus aurantium (laranja-da-terra) Citrus reticulata (tangerina) Cynara scolymus (alcachofra) Foeniculum vulgare (funcho) Mentha x piperita (alevante) Peumus boldus (boldo-do-chile) Plectranthus barbatus (boldo brasileiro) Citrus reticulata (casca do fruto) (pó) 500 mg (por dose) Preparar 60 doses. Modo de usar: tomar uma dose após o almoço e o jantar por 30 dias. Fonte: Adaptado de Saad et al. (2018) A partir do conteúdo abordado, foi possível conhecer o histórico da fitoterapia, passando pelas antigas civilizações da Índia, China e Egito até os dias atuais, bem como alguns conceitos que devem ser distinguidos, como planta medicinal, fitoterápico e fitocomplexo. Ainda nesse sentido, apresentamos dados relacionados ao uso da farmacologia fitoterápica no âmbito da saúde pública e indicamos como o mercado para este tipo de produto tem apresentado crescimento significativo no Brasil 23 e no mundo. Como a fitoterapia representa um recurso terapêutico importante, foram apresentados também os principais metabólitos secundários presentes nas plantas medicinais e suas propriedades biológicas. Por fim, para nortear o profissional ao propor terapias com plantas medicinais, alguns exemplos de formulações fitoterápicas foram apresentados. 4 PLANTAS MEDICINAIS E A FITOTERAPIA NO CUIDADO AO PACIENTE Fonte: bit.ly/3i0LeuO Dentre as práticas integrativas e complementares em saúde, a fitoterapia é uma das mais conhecidas e mais amplamente utilizadas nos serviços públicos no Brasil e no mundo. Os profissionais de saúde têm apresentado interesse crescente nessa área, buscando capacitação e conhecimento, com o objetivo de realizar uma adequada prescrição e uso de plantas medicinais e fitoterápicos em seus atendimentos. Embora as plantas medicinais sejam utilizadas pela população desde tempos imemoriais, o uso inadequado é frequente, devido à falta de conhecimento sólido em relação a dosagens, posologia, modo de preparo, contraindicações e reações adversas. Neste capítulo, você vai conhecer os fatores que têm despertado o interesse em fitoterapia pela população e pelos profissionais de saúde. Além disso, vai estudar 24 formas de utilização, reações adversas e contraindicações de plantas medicinais e fitoterápicos. A partir da segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento da química medicinal e da síntese da Aspirina (ácido acetilsalicílico) pela modificação estrutural do ácido salicílico isolado da casca do salgueiro, as plantas medicinais passaram a ser utilizadas como matéria-prima para a obtenção de fármacos semissintéticos e como protótipos para a síntese de novas moléculas (SAAD et al. 2018), dando origem a outras formas de acesso e transformação dos princípios e substâncias oriundas das plantas medicinais, formando um campo de produção farmacológica industrial. No entanto, ainda que o fortalecimento da indústria farmacêutica tenha diminuído o uso de plantas medicinais no mundo moderno, observa-se que nas últimas décadas a fitoterapia tenha ganhado força. Muitos fatores têm contribuído para o aumento da utilização das plantas medicinais pela população, entre eles os efeitos adversos relacionados ao uso de medicamentos industrializados, o difícil acesso à assistência médica, o aumento do consumo de produtos naturais em busca de uma vida mais saudável e a tendência ao uso da medicina integrativa (BRASIL, 2019). Atualmente, além de matéria-prima para fármacos semissintéticos, as plantas medicinais são utilizadas in natura (como em chás de plantas medicinais), em preparações galênicas simples (extratos fluidos e tinturas) e em formulações farmacêuticas com maior valor agregado, como os fitoterápicos (SIMÕES et al. 2017). No Brasil, o Ministério da Saúde, mediante a Portaria nº 212, de 11 de setembro de 1981, passou a incentivar como prioridade o estudo das plantas medicinais para aplicação clínica. Em 2006, a fitoterapia foi inserida no Sistema Único de Saúde (SUS), mediante a Portaria 971/2006, sendo que a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi regulamentada pelo decreto 5.813, de 22 de junho de 2006 (ANVISA, 2011). Em todo o mundo, a indústria de fitoterápicos está em constante desenvolvimento, juntamente com o aumento do interesse em pesquisas com plantas medicinais, a fim de comprovar sua eficácia e confirmar as indicações terapêuticas relacionadas ao seu uso. Os fitoterápicos são uma alternativa ao uso de medicamentos sintéticos, os quais estão relacionados a um maior número de efeitos adversos. Na prática médica, são bem vistos os medicamentos fitoterápicos e plantas 25 medicinais que passam por testes farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos. O crescimento da indústria de plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil ainda é impulsionado pela grande biodiversidade nacional e pelo conhecimento tanto popular quanto científico sobre essas plantas (SAAD et al. 2018). A produção de medicamentos fitoterápicos no Brasil tem apresentado um crescimento exponencial de cerca de 10% ao ano em valores. Em 2018, o mercado de fitoterápicos faturou R$ 2,3 bilhões, o que representa 2,2% do mercado farmacêutico total (RIBEIRO, 2020). De acordo com Ribeiro (2020), o fornecimento de medicamentos fitoterápicos somente na cidade de São Paulo cresceu em 662% no período entre 2015 e 2019. Somente em 2019, foram distribuídos mais de 6 milhões de fitoterápicos para a população paulistana. Essas cifras incluem quatro tipos de medicamentos, sendo três deles pertencentes à lista Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME): isoflavona-de-soja, garra-do-diabo e espinheira-santa. A valeriana, por sua vez, é utilizada no tratamento da depressão e da ansiedade em graus leves. 4.1 Prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2012), as plantas medicinais podem ser disponibilizadas à população nas formas in natura, seca (droga vegetal), fitoterápico manipulado e fitoterápico industrializado. A planta medicinal in natura consiste na planta fresca, coletada no momento do uso, enquanto a planta medicinal (ou suas partes) seca passa pelos processos de coleta, estabilização (quando aplicável) e secagem, podendo ser disponibilizada na forma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. O fitoterápico manipulado é produzido pela farmácia de manipulação, enquanto o fitoterápico industrializado é produzido pela indústria farmacêutica ou pelo laboratório oficial. A planta medicinalin natura pode ser obtida de hortos medicinais ou de produtores com alvará de órgãos competentes para tal, os quais devem seguir normas de boas práticas de cultivo, que incluem uma adequada qualidade do ar, solo e água. O uso de adubos químicos e agrotóxicos no cultivo de plantas medicinais é proibido, 26 uma vez que podem alterar a composição da planta, o que pode levar à perda de seu valor medicinal, ou até mesmo provocar efeitos colaterais ou tóxicos. As espécies cultivadas podem ser nativas ou exóticas, e geralmente encontram-se relacionadas pelos órgãos de saúde nacional, estadual ou municipal. Plantas medicinais que são amplamente utilizadas pela população local também podem ser fornecidas pelos hortos, desde que seus usos terapêuticos sejam validados (BRASIL, 2012). A planta in natura costuma ser utilizada na forma de chás, definidos pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2012, p. 107), como “[...] formas líquidas obtidas pela extração a quente com água, preparadas para uso imediato a partir de plantas frescas ou secas. Dependendo da parte da planta utilizada e dos seus constituintes ativos, são preparados por infusão ou por decocção”. A infusão é indicada para as partes mais flexíveis da planta, como folhas e flores. Nesse método de preparação, a água morna ou fervente é vertida sobre a planta sólida, com abafamento do recipiente, por um determinado tempo. Já a decocção é indicada para partes mais rígidas da planta, como caule e raízes. Nesse processo, a planta é deixada em contato com a água em ebulição por um tempo determinado (BERMAR, 2014). A planta seca (droga vegetal) deve ser processada atendendo às exigências sanitárias, em estabelecimentos com infraestrutura adequada. Por meio de prescrição, ela é dispensada ao usuário, que pode, de modo semelhante à planta in natura, prepará-la por meio de infusão ou decocção (BRASIL, 2012). A produção de fitoterápicos manipulados e industrializados deve atender às normas regulatórias vigentes, sendo que o processo de manipulação em si é regulamentado pela RDC nº 67/2007, que dispõe sobre as boas práticas de manipulação de preparações magistrais e oficinais para uso humano em farmácias. Os fitoterápicos manipulados podem ser preparados a partir da formulação indicada na prescrição feita por um profissional de saúde habilitado, ou a partir de uma formulação descrita no Formulário Fitoterápico Nacional ou em formulários internacionais reconhecidos pela Anvisa (ANVISA, 2018). Já as empresas produtoras de fitoterápicos industrializados devem atender às normas da RDC nº 301/2019, que dispõe sobre as boas práticas de fabricação de medicamentos, e a RDC nº 26/2014, que dispõe sobre o registro de medicamentos 27 fitoterápicos, além das demais normas que complementam as orientações sobre como deve ser procedido o registro de produtos fitoterápicos, que incluem a RDC nº 66/2014, IN nº 02/2014, IN nº 04/2014 e IN nº 05/2014. Os fitoterápicos podem ser encontrados em forma de monodroga ou em composição com mais de uma droga vegetal, e podem ser comercializados em diversas formas farmacêuticas (comprimidos, envelopes, sachês, xaropes, tinturas e extratos fluidos) de acordo com necessidade para o uso e a possibilidade tecnológica. A seguir são descritas as principais formas farmacêuticas para dispensação de medicamentos fitoterápicos (SAAD et al. 2018). Envelopes ou sachês — forma tradicional para acondicionamento dos pós em doses exatas para serem administrados ao paciente. As plantas em pó e/ou extrato seco são pesadas e misturadas até completa homogeneização. Depois, as doses são pesadas e acondicionadas em papéis dobrados, denominados envelopes farmacêuticos ou sachês. Cápsulas — são preparações sólidas em que plantas em pó ou extrato seco são acondicionadas em um invólucro solúvel, duro ou mole. Nas cápsulas duras, normalmente o invólucro é formado de gelatina, mas pode também ser de amido ou de outras substâncias. Nas cápsulas moles, o invólucro de gelatina é mais maleável que o das cápsulas duras e também pode acondicionar conteúdos líquidos ou semissólidos. Comprimidos — são preparações nas quais plantas em pó ou extratos secos são homogeneizados e moldados por compressão, sendo acrescidos ou não de excipiente e/ou agentes adjuvantes, como aglutinantes, desintegrantes, secantes, lubrificantes, antioxidantes, etc. Tinturas e extratos fluidos — as tinturas devem ser administradas diluídas em água, em função do alto teor alcoólico e do forte sabor das plantas. O extrato fluido, apesar de ter teor alcoólico menor que a tintura, também deve ser diluído, em função do forte sabor e aroma de determinadas plantas. A concentração do extrato fluido é superior à tintura em relação à droga vegetal. Xaropes e melitos — os xaropes são preparados a partir do xarope simples (base de água destilada + açúcar) e da incorporação de tinturas e/ou extratos fluidos, em uma concentração de até 10% em relação ao peso do excipiente. 28 Os melitos são preparações com base de mel, nas quais são incorporadas tinturas e/ou extratos fluidos. Pomadas — são preparações de consistência pastosa, tendo como base vaselina e lanolina, geralmente em uma proporção de 7:3. São utilizadas como insumo ativo tinturas em uma concentração de 10% do peso da pomada. Outros excipientes podem ser utilizados, como a base de polietilenoglicol (PEG). Cremes — são preparações obtidas a partir de emulsões água–óleo ou óleo– água, de consistência firme, tendo composições variadas. A base mais utilizada é a lanete. Incorpora bem insumos ativos, como tinturas (até 10%), óleos vegetais (até 20%) e óleos essenciais. Géis — preparação de aspecto coloidal, obtida a partir de substâncias como carboximetilcelulose, ágar-ágar, pectina, alginato de sódio, água, etc. Óvulos vaginais — preparações farmacêuticas de forma ovoide, de constituição sólida, introduzidas por via vaginal. Utiliza-se como base uma mistura de gelatina, glicerina e água destilada ou a base novata. Incorpora-se até 10% do insumo ativo (tinturas ou extratos). 4.2 Segurança no uso de plantas medicinais A maior parte de usuários de plantas medicinais desconhece os efeitos tóxicos que podem advir de seu uso, bem como as formas corretas de preparo e as indicações e contraindicações de cada planta, pressuposto infundado de que plantas medicinais e fitoterápicos não prejudicam a saúde dos usuários (BRUNING et al; 2012). Por outro lado, muitos profissionais de saúde não reconhecem o valor da fitoterapia, em parte por não receberem a formação sobre o assunto durante a graduação. Com isso, faz-se necessário a atualização dos profissionais de saúde frente à fitoterapia, a fim de fornecerem informações seguras aos usuários e promover o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos (BRUNING et al. 2012). No Quadro 4 são descritos alguns exemplos de plantas medicinais, com sua respectiva posologia, modo de usar, indicações, contraindicações e efeitos adversos. 29 Quadro 4 - Tabela de plantas medicinais 30 Fonte: Adaptado de Brasil (2019). No tratamento de diversas condições clínicas, pode ser necessário o uso de dois ou mais fármacos, os quais podem não apresentar o efeito terapêutico esperado em caso de interação medicamentosa. Muitas plantas medicinais também interagem farmacologicamente com outros medicamentos sintéticos e/ou naturais, o que pode levar à mudança do efeito do fármaco ou droga vegetal. Alguns exemplos de interações medicamentosas bem estabelecidas de plantas medicinais e fitoterápicos relatadas por Nicoletti et al. (2007) incluem: Boldo, boldo-do-chile (Peumus boldo Molina) — a boldina, principal alcaloide presente nas folhas e cascas do boldo, causa inibição da agregação plaquetária. Com isso, pacientes que fazemuso de anticoagulantes não devem ingerir ao mesmo tempo formulações contendo boldo, pela ação aditiva aos medicamentos anticoagulantes. Camomila (Matricaria recutita L.) — interage com anticoagulantes (como a varfarina) aumentando o risco de sangramento, com barbitúricos (como fenobarbital) e outros sedativos, intensificando ou prolongando a ação depressora do sistema nervoso central (SNC). A camomila também reduz a absorção de ferro ingerido por meio de medicamentos e/ou alimentos. 31 Erva-cidreira (Melissa officinalis L.) — interage com depressores do SNC e com hormônios tireoidianos. Pode interagir com outras plantas medicinais, destacando-se a kava-kava (Piper methysticum G. Forst). Guaraná (Paullinea cupana H.B.K.) — potencializa a ação de analgésicos e, por inibir a agregação plaquetária, pode aumentar o risco de sangramento ao ser administrado com anticoagulantes. Maracujá (Passiflora incarnata L.) — apresenta ação depressora inespecífica do SNC, provocando ação sedativa e tranquilizante. Quando utilizado ao mesmo tempo com hipnóticos e ansiolíticos, o maracujá pode intensificar as ações desses medicamentos. Valeriana (Valeriana officinalis) — a ação sedativa da valeriana pode ser potencializada ao ser administrada concomitantemente com benzodiazepínicos, barbitúricos, alguns antidepressivos, narcóticos, álcool e anestésicos. Grande parte dos fitoterápicos industrializados são isentos de prescrição médica, podendo ser prescritos por profissionais como farmacêutico, nutricionistas, dentistas, entre outros. Para a dispensação de produtos que requerem prescrição médica, exige-se a especialização na área clínica, comprovando-se conhecimentos e habilidades para uma adequada prescrição. Alguns fitoterápicos vendidos sob prescrição médica incluem ginkgo (Ginkgo biloba L.), hipérico (Hypericum perforatum L.), kava-kava (Piper methysticum G. Forst.) e valeriana (Valeriana officinalis L). A partir do conteúdo abordado, percebe-se o crescente interesse na fitoterapia como prática complementar em saúde. As plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos representam, atualmente, uma alternativa ao uso de medicamentos sintéticos para uma população cada vez mais preocupada com a saúde e bem-estar, sendo que a aplicação clínica da fitoterapia tem sido também incentivada por órgãos federais. De todo modo, é importante conhecer as doses, modo de utilização, contraindicações e reações adversas das plantas medicinais, a fim de garantir a saúde do paciente e alcançar o benefício terapêutico dessas plantas. 32 5 FITOTERAPIA APLICADA À SAÚDE HUMANA Fonte: bit.ly/3GgJt59 A prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos, ou mesmo o manejo de pacientes que já utilizam esses produtos, o que é uma realidade constantemente vivida por profissionais da saúde, exige um conhecimento sólido em relação às potencialidades e também às limitações da fitoterapia. Em geral, plantas medicinais e fitoterápicos são indicados para quadros patológicos leves a moderados, e são caracterizados por apresentarem mais de um mecanismo de ação, devido às várias substâncias que os constituem. Ao mesmo, embora não estejam isentos de efeitos adversos, esses medicamentos, em geral, são mais bem tolerados em relação aos fármacos sintéticos ou mesmo substâncias naturais isoladas. Nesse sentido, existe um grande número de doenças para as quais os fitoterápicos, além de úteis, podem ser até mesmo preferíveis em detrimento de outros medicamentos. O Caderno de Atenção Básica n. º 31, publicado pelo Ministério da Saúde, traz uma classificação de categorias de indicações para fitoterápicos, inicialmente proposta por Fintelmann e Weiss (2010), que é apresentada no Quadro 5. A classificação apresentada no Quadro 5 pode auxiliar profissionais de saúde na tomada de decisão sobre a indicação ou não de fitoterápicos para diversas condições de saúde dos pacientes. Para exemplificar as possibilidades que a 33 fitoterapia pode ter para a saúde humana, vamos trabalhar alguns exemplos de aplicação prática, tomando por base a classificação apresentada (FERRO, 2006). Quadro 5 - Categorias terapêuticas para fitoterápicos Categoria 1 Indicações para as quais os fitoterápicos são a opção terapêutica de primeira escolha e, para as quais, como alternativa, não existiriam medicamentos sintéticos, ou, se existirem, não seriam tão eficientes quanto o fitoterápico. Exemplos: hepatites tóxicas, hiperplasia benigna de próstata, entre outros. Categoria 2 Indicações para as quais os medicamentos sintéticos podem ser substituídos por fitoterápicos. Exemplos: estados leves de ansiedade e/ou depressão reativa, dispepsia não ulcerosa neoplásica, infecções urinárias inespecíficas, entre outros. Categoria 3 Indicações nas quais os fitoterápicos podem ser usados como coadjuvantes para uma terapia básica. Exemplo: outras doenças hepáticas e das vias respiratórias, entre outras. Categoria 4 Indicações nas quais o uso dos fitoterápicos não é adequado, caracterizando até mesmo erro médico, pela possibilidade de retardar ou impedir uma terapia racional com medicamentos sintéticos, mais adequados. Exemplo: tratamento primário do câncer. Fonte: Ferro, 2006. 5.1 Casos clínicos CASO 01 B. C, 38 anos, exibia quadros de infecção urinária recorrente, por isso tem apresentado dor e desconforto ao urinar, que não cessa devido à irritação da mucosa do trato urinário inferior, gerada pelas infecções sucessivas. A fim de melhorar os sintomas e prevenir novas recidivas, a ginecologista que acompanha a paciente prescreveu a utilização diária de um comprimido de 600mg de extrato padronizado das folhas de uva-ursina, contendo 400mg de derivados de hidroquinonas calculados como arbutina. A prescrição apresentada pode ser considerada uma ótima alternativa para o caso. Entre as plantas indicadas para quadros de infecções urinárias de repetição, destaca-se a uva-ursina — Arctostaphylos uva-ursi (L.) Spreng. No Brasil foi incluída na IN n.º 2/2014 para o tratamento de infecções do trato urinário (BRASIL, 2012). 34 Quadros de infecção urinária de repetição, com três ou mais episódios ao ano, são indicações adequadas para fitoterápicos. Antibióticos devem ser utilizados para combater as infecções, mas, em casos de recidivas frequentes, a utilização dos fitoterápicos substitui prescrições adicionais de antibióticos para profilaxia, o que é altamente recomendado para prevenir o surgimento de resistência bacteriana. Este seria um exemplo da Categoria 2, que também inclui o tratamento de quadros leves de ansiedade e insônia, em que medicamentos convencionais psicoativos podem ser substituídos por fitoterápicos à base de valeriana (Valeriana officinalis) e espécies de maracujá como Passiflora edulis, Passiflora incarnata e Passiflora alata (BRASIL, 2018a; BRASIL, 2016b). CASO 02 D. V, 18 anos, exibe episódios de asma desde a infância. Quando está em crise, apresenta muita tosse e dificuldade para respirar, com a presença de secreção amarelo-esverdeada. Há algum tempo o quadro tem evoluído e o paciente tem apresentado esses menos sintomas de forma mais leve entre as crises. A fim de evitar a evolução da doença, o médico que acompanha D. V decidiu pela prescrição de tintura de alho, preparada conforme recomendado no 1º Suplemento do Formulário Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira, que pode ser obtida em farmácias de manipulação. Segue a descrição da fórmula e orientações. Tintura de alho (Allium sativum) 20g dos bulbos secos para 100mL de álcool etílico 70%. Diluir 10mL da tintura em 75mL de água. Administrar duas vezes ao dia (BRASIL, 2018b). Neste exemplo, verificamos a utilização de uma espécie presente na nossa rotina de alimentação diária como coadjuvante para o tratamento de um quadro de asma, um exemplo de indicação daCategoria 3. O alho, segundo o Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira (2016) é indicado ainda como coadjuvante no tratamento de hiperlipidemia e hipertensão arterial leve a moderada e dos sintomas de gripes e resfriados, além de auxiliar na prevenção da aterosclerose. Assim como o alho, vários medicamentos fitoterápicos são uteis para auxiliar os tratamentos convencionais de um grande número de doenças, destacando-se problemas respiratórios, cardiovasculares e sintomas do climatério (BRASIL, 2016b). CASO 03 35 M. E, 25 anos, foi diagnosticada com leucemia. O tratamento quimioterápico tem gerado bastante desconforto, incluindo enjoo, perda de apetite e mucosite oral, uma inflamação dolorosa da mucosa da boca. No caso de M. E, plantas medicinais ou fitoterápicos podem ajudá-la? A resposta é sim, mas não em relação ao tratamento primário do câncer. Atualmente, o câncer é uma das indicações para os quais os fitoterápicos não são indicados. Plantas medicinais são fontes de quimioterápicos, como a vimblastina, isolado da vinca (Catharanthus roseus), e, embora muitos estudos sejam feitos com espécies vegetais que mostram potenciais efeitos antitumorais, atualmente, a utilização de fitoterápicos para o tratamento do câncer em si não é considerada (BRASIL, 2012; SIMÕES et al. 2017). No entanto, muitas plantas medicinais têm ajudado a promover a saúde dos pacientes em tratamento quimioterápico e a reduzir os efeitos colaterais causados por esses medicamentos. As inflamações da mucosa do trato gastrointestinal, por exemplo, as mucosites, são achados comuns em pacientes em tratamento do câncer, e muitas plantas têm se mostrado úteis no combate a esse efeito adverso. Para M. E, por exemplo, uma opção seria a utilização de fitoterápicos à base de camomila (Matricaria chamomilla) ou babosa/aloe vera (Aloe vera) aplicados topicamente na mucosa oral. Essas espécies mostraram efeitos positivos em estudos clínicos para quadros como o da paciente em questão (ALMEIDA et al. 2020). Este exemplo, como outros, representa apenas uma fração do potencial terapêutico holístico dos fitoterápicos na promoção da saúde e bem-estar de pacientes com diversas condições médicas. É importante desenvolver o conhecimento desta prática que beneficia tantas pessoas. 36 6 FITOTERAPIA APLICADA NAS PRINCIPAIS PATOLOGIAS Fonte: bit.ly/3YOEkJU No Brasil, o uso da fitoterapia para tratar algumas condições médicas tem sido incluído nos serviços públicos de saúde. Orienta, nesse sentido, os profissionais de saúde sobre os procedimentos de tratamento e como apresentá-los aos pacientes como opções de tratamento econômicas que podem ser combinadas com outras formas terapêuticas e farmacológicas. Neste capítulo, você aprenderá sobre fitoterapia para doenças respiratórias, doenças cardiovasculares, obesidade e síndrome metabólica. 6.1 Fitoterapia nas patologias respiratórias Medicamentos fitoterápicos são frequentemente usados para doenças respiratórias. Muitas infecções respiratórias são acompanhadas de tosse, dor de garganta, congestão nasal e catarro intenso. Por exemplo, o resfriado comum consiste em infecções do trato respiratório superior causadas por vírus e pode se manifestar como rinite, faringite, sinusite e laringite. O uso de plantas medicinais pode ajudar significativamente na melhorar dos sintomas do resfriado sem afetar a maquinaria mucociliar do trato respiratório superior, evitando o aumento do risco de infecções bacterianas e virais. 37 Medicamentos fitoterápicos podem ser usados para apoiar a terapia antibiótica. Muitas plantas são usadas na forma de chás caseiros para aliviar problemas respiratórios, principalmente folhas de sabugueiro, flores de tília e flores de rainha do prado. 6.2 Principais patologias respiratórias Pneumonia A fitoterapia em combinação com alimentos funcionais também é um importante auxílio na prevenção e superação de doenças respiratórias, inclusive a pneumonia, devendo ser apresentada ao público em geral com cautela, efeitos colaterais, porém são necessárias mais evidências científicas quanto à eficácia e biossegurança. Bronquite, asma e alergias Os xaropes fitoterápicos são muito utilizados em pediatria, principalmente para crianças a partir de 1 ano, quando só então é recomendada a ingestão de mel. Os xaropes fitoterápicos são usados, sobretudo, para o tratamento de bronquite, asma, afecções da garganta e alergias respiratórias. Os efeitos terapêuticos de plantas como agrião, ameixa, alho, capim-limão, couve, hortelã, milho, urtiga-branca, limão, romã, urucum, beterraba e mastruz são peitorais, emolientes e expectorantes. Algumas plantas medicinais atuam, com evidência comprovada cientificamente, no trato respiratório. São relevantes as seguintes plantas: Mikania glomerata Spreng Comumente conhecido como guaco, possui informações etnofarmacológicas atribuídas às propriedades tônicas, purificantes, antitérmicas, estimulantes do apetite, antigripais, sendo indicado para dores de garganta pelo uso das folhas fervidas para gargarejos. seus efeitos broncodilatadores. 38 Eucalyptus globulus Labill O eucalipto é um dos remédios caseiros mais populares. Possui forte odor peculiar e é amplamente utilizado em desinfetantes e detergentes com ação bactericida. Seus óleos essenciais são conhecidos por aliviar febre, inflamação, gripe, coriza, rinite, sinusite, tosse, asma, relaxar, limpar e controlar a ansiedade. Também é ideal para inalação, pois alivia dores musculares e reumatismo e descongestiona as vias respiratórias. Nasturtium officinale R.Br. Popularmente conhecida como agrião, esta planta é utilizada na medicina popular brasileira, utilizando as partes aéreas para tratar bronquite, gripe, faringite e laringite. Óleos essenciais A utilização de óleos essenciais de plantas, como os óleos de hortelã e de eucalipto, tem sido útil na desobstrução das vias aéreas nasais. O resultado é observado quando um paciente com obstrução nasal inala o óleo de hortelã, apresentando uma melhora ao respirar. Os óleos essenciais estão disponíveis para aplicação tópica em várias formas, como pomadas nasais, gotas nasais, inalantes de vaporização, inalantes em aerossol ou, ainda, como ingredientes de comprimidos, pastilhas ou gargarejos. A inalação do vapor de uma preparação de chá de camomila, folhas de hortelã ou anis, a vaporização do álcool de melissa junto com camomila ou o banho quente de um sal de banhos, contendo óleos essenciais, são procedimentos comuns e de fácil realização, mesmo em casa. A utilização de pastilhas, comprimidos mastigáveis e gargarejos contendo substâncias ou misturas de óleos essenciais, como o óleo de anis, eucalipto, hortelã, mentol, funcho, mentol e bálsamo de tolu é indicada para o alívio da inflamação local na cavidade oral e como supressor da tosse. 39 Plantas mucilaginosas O muco vegetal pode suprimir a tosse, formando uma camada protetora que protege as superfícies mucosas dos irritantes. Plantas expectorantes Os agentes fitoterápicos expectorantes influenciam a consistência, a formação e o transporte das secreções bronquiais. A utilização desses fitoterápicos tem sido descrita há séculos, podendo-se observar redução da viscosidade do muco devido à presença de água nos chás. Muitos temperos, como pimenta comprida, cubeba, gengibre e cúrcuma, são compostos presentes em medicamentos para a tosse na medicina tradicional chinesa e indiana. Já as plantas que contêm saponinas (constituinte glicosídico associado a um terpenoide de aglicona) exibem ação expectorante. As folhas de hera são muito prescritas para o tratamento de distúrbios com secreção espessa do trato respiratório superior e no tratamento sintomático de doenças bronquiais inflamatórias