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Redação e textualidade-Maria da Graça Costa Val

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TEXTO E LINGUAGEM TEXTO E LINGUAGEM TEXTO E LINGUAGEM TEXTO E LINGUAGEM TEXTO E LINGUAGEM
W30Vn0Nll 3 01X31 W39VnONH 3 01X31 W30VD0NI1 3 01X31 W30Vn0N!l 3 01X31 W39VnONIl 3 01X31
TEXTO E LINGUAGEM
C oleção d irig ida por Maquira O sakabe, 
Maria Laura M ayrink-Sabinson c 
Raquel Salck Fiad
A coleção destina-se 
principalmente a professores 
do ensino médio, na área de 
língua e literatura. As obras 
pretendem contribuir para a 
atuação na sala de aula, trazendo 
resultados de pesquisas e 
propondo métodos muitas vezes 
inovadores, sempre com sólido
embasamento teórico.
CAPA
Projeto gráfico Alexondre Martins Fontes 
Ilustração Rex Design
REDAÇÃO E TEXTUALIDADE
REDAÇÃO E TEXTUALIDADE*
Maria da Graça Costa Vai
martins
Martins Fontes
SUMÁRIO
A p re se n ta ç ã o ................................................................ VII
PRIM EIRA PARTE 
PRESSUPOSTOS
CAPITULO J
Texto e tex tualidade ................................................ 3
CAPITULO 2
Como ava lia r a tex tualidade? .............................. 17
SEGUNDA PARTE 
RELATO DE UMA ANÁLISE
CAPITULO 3
As condições de produção ..................................... 43
CAPITULO 4
A coerência, a coesão e a informatividade:
breve es tudo quantita tivo ................................ 53
CAPITULO 5
A coerência, a coesão e a informatividade:
análise qualitativa ................................................ 59
CAPITULO 6
Uma visão global do c o r p u s .................................. 111
Conclusão ..................................................................... 121
Noias .............................................................................. 129
B ib lio g ra fia ................................................................... 131
*
Copyright O 1991. I jvm n a M anm \ Fkmtt% FAttofa lida .. 
Sâo M/wfe /* i/n /j presente edição.
1T ed ição / v y /
3 ! edição 2006 
2! tiragem 2009
iV rpan^ã*) do original
Múuricto Buhhítzar Leal 
Revi w s gráficas 
Edunnio Angelo Batista 
Mau r im t tUilthnzar Leal 
P rodução gráfica 
GrrnIJo Abes
l>ados Internacionais ck ( aUfci&v*’ na Pubbcaçáo (C IP» 
iC áfm ra Brasüdna do 1 j \ ru . SP. Braâl)
Comi Vai. Mana da Gi as,a
Kedaçãn e textualiiladc / M ana da (Jraça C m ta Vai. - 3* ed SAn 
Paulo M anias Fontes. 2006. - (Tcxio c linguagem»
ISBN 85-336-2*40-2
I Português - Redação 2. K edaçjo flaleratunO 1 Titulo. II Sér»e
06 8407 __________________________________________ CDI>-X0 H
índices p u ra catalogo sistem ático:
I RedaçAo Liicratura S0 K 
2 . Texto : ProduçJko : R ctom a 808
Todos os direitos desta edição para a lingua iwrtuguesa re senados à 
IJvraria Martins Fontes Editora lida.
Rua Ctmxelheiro Ramalho. 330 01325 OPO Sá o Paulo SP Rrasil 
Tel <li) 3241.3677 Fax {11) 3105.6993 
C-rnail: infot&maninsforucseditora.tom.hr hnp:/M*ww.murimsfonteseditora.< om.br
APRESENTAÇÃO
A lingüística textual, desenvolvida sob re tudo 
na E u ro p a a p a r t i r do final da década de 60, tem 
se ded icado a e s tu d a r a n a tu re z a do texto e os fa­
to res envolvidos em sua p ro d u ção e recepção. Es­
sa teoria, na m edida em q u e b u sc a esc la recer o 
q u e é e co m o se produz u m texto, m erece se r co­
nhecida e con s id e rad a p o r quem se in teressa pe­
lo t rab a lh o com a exp ressão e sc r i ta na escola.
Este livro p rocura condensar algumas das no­
ções mais relevantes da teoria e relacioná-las com 
os resu ltados de um a análise de cem redações ela­
b o ra d a s po r cand ida tos ao cu rso de Letras da 
UFMG no ves t ibu la r de 1983, na tentativa de e s ­
tabe lecer um diagnóstico e lev an ta r a lgum as s u ­
gestões p a r a o ensino esco la r de red ação 1.
PRIMEIRA PARTE
PRESSUPOSTOS
CA PITULO I
T E X T O E T E X T U A L ID A D E
1. O q u e é t e x t o
Para se com preender melhor o fenômeno da 
produção de textos escritos, im porta entender 
previamente o que caracteriza o texto, escrito ou 
oral, unidade lingüística comunicativa básica, já 
que o que as pessoas têm para dizer umas às 
o u tras não são palavras nem frases isoladas, são 
textos.
Pode-se definir texto ou discurso como ocor­
rência lingüística falada ou escrita, de qualquer 
extensão, do tada de unidade sociocomunicativa, 
sem ântica e formal.
Antes de mais nada, um texto c uma uni­
dade de linguagem em uso2, cum prindo uma 
função identificável num dado jogo de a tuação
3
a) o pragmático, que tem a ver com seu f un­
cionamento enquanto atuação informacio- 
nal e comunicativa;
b)o semãntico-conceitual, de que depende 
sua coerência;
c) o lormal, que diz respeito à sua coesão.
2. O que é textualidade
Chama-se textualidade ao conjunto de carac­
terísticas que fazem com que um texto seja um 
texto, e não apenas uma seqüência de frases. 
Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fato­
res responsáveis pela textualidade de urn discur­
so qualquer: a coerência e a coesão, que se rela­
cionam com o material conceituai e lingüístico 
do texto, e a intencionalidade, a aceitabilidade, 
a situacionalida.de, a informatividade e a intertex- 
malidade, que têm a ver com os fatores pragmá­
ticos envolvidos no processo sociocomunicativo.
2.1. Coerência e coesão
A coerência resulta da configuração que as­
sumem os conceitos e relações subjacentes à su­
perfície textual. É considerada o fator fundamen­
tal da textualidade, porque c responsável pelo 
sentido do texto. Envolve não so aspectos lógicos 
e semânticos, mas também cognitivos, na medi­
da em que depende do partilhar de conhecimen­
tos entre os interlocutores.
Um discursoé aceito como coerente quando
5
apresen ta um a configuração conceituai com pa­
tível com o conhecim ento dc m undo do reccbe- 
dor. Essa questão é fundamental. 0 texto não sig­
nifica exclusivam ente por si mesmo. Seu senti­
do é cons tru ído não só pelo p ro d u to r com o tam ­
bém pelo reccbedor, que precisa de te r os conhe­
cimentos necessários à sua in terpretação . O pro­
d u to r do d iscurso não ignora essa par t ic ipação 
do in te r locu to r e con ta com ela. É fácil verificar 
que grande parte dos conhecimentos necessários 
à com preensão dos textos Aão vem explícita, mas 
fica dependente da capacidade de pressuposição 
e inferência do recebedor.
Assim, a coerência do texto deriva de sua ló­
gica in terna , resu ltan te dos significados que sua 
rede de conceitos e relações põe em jogo, mas 
tam bém da com patib ilidade en tre essa rede con­
ceituai — o m undo textual — e o conhecim ento 
de m undo dc quem processa o discurso.
A coesão é a m anifestação lingüística da coe­
rência; advém da m aneira como os conceitos e re­
lações sub jacen tes são expressos na superfície 
textual. Responsável pela unidade formal do tex­
to, constrói-se a través de m ecanism os g ram a t i ­
cais c lexicais.
E n tre os prim eiros estão os p ronom es ana- 
fóricos, os artigos, a elipse, a concordância, a cor­
relação en tre os tem pos verbais, as conjunções, 
por exemplo. Todos esses recursos expressam re­
lações não só en tre os elem entos no in te r io r de 
um a frase, mas também entre frases e seqüências 
dc frases den tro de um texto.
Já a coesão lexical se faz pela re iteração, pe­
la substitu ição e pela associação. A re ite ração se
6
dá pela simples repetição de um item léxico e tam ­
bém por processos como a nominalização (ex.: a re­
tomada, a través de u m substan tivo cognato, da 
idéia expressa por um verbo, como em adiar/adia­
mento ou promover/promoção). A substitu ição in­
clui a sinonímia, a antonímia, a hiponímia (quando 
o term o substi tu ído rep resen ta u m a parte ou umelem ento e o su b s t i tu id o r rep resen ta o todo ou a 
classe — ex.: carroça/veículo), e a h iperoním ia 
(quando o te rm o substi tu ído represen ta o todo ou 
a classe e o substitu idor um a parte ou um elemen­
to — ex.: objeto/caneta). Finalmente, a associação 
é o processo que perm ite relacionar itens do voca­
bulário pertinentes a um mesmo esquema cogniti­
vo (por exemplo, se falam os aniversário, podemos 
em seguida m enc ionar bolo, velinha, presentes, e 
esses termos serão interpretados como alusivos ao 
m esmo evento).
A coerência e a coesão têm cm com um a ca­
racterís tica de p rom over a inter-relação sem ân­
tica en tre os e lem entos do discurso, responden­
do pelo que se pode ch am ar de conectividade 
tex tua l8. A coerência diz respeito ao nexo en tre 
os conceitos c a coesão, à expressão desse nexo 
no plano lingüístico. È im portan te reg is tra r que 
o nexo é indispensável para que u m a seqüência 
de frases possa ser reconhecida como texto. En­
tretanto , esse nexo nem sem pre precisa e s ta r ex­
plícito na superfíc ie do texto por um m ecanismo 
de coesão gram atica l. Vejamos um exemplo:
(1 )0 Pedro vai buscar as bebidas. A Sandra tem 
que ficar com os meninos. A Tereza a r ru m a 
a casa. Hoje eu vou p rec isar da a juda de to­
do mundo.
7
Unia íala como (1) é perfe itamente aceitável, 
tem coerência, Iaz sentido. E n tre tan to não ap re ­
senta m arcadores sintáticos específicos que de­
notem sua coesão. 0 nexo entre as frases se cons­
trói não no nível gramatical, mas no nível semán- 
tico-cognitivo.
Por ou tro lado, um a seqücncia de frases in­
terligadas por marcadores lingüísticos de coesão 
que não correspondessem a relações efetivas es­
tabe lec idas na e s t ru tu r a lógico-semântico- 
cognitiva subjacente não seria um texto. É pos­
sível forjar artificialmente' um exemplo para ilus­
t ra r (normalmente, a com petência textual intui­
tiva impede que as pessoas produzam seqüências 
desse tipo):
(2) No rádio toca um rock. O rock é um rit­
mo moderno. O coração também tem rit­
mo. Ele é um músculo oco composto de 
duas aurículas e dois ventrículos.
Em (2), a presença dc recursos coesivos in- 
terfrasais (a recorrência de item lexical assi­
nalada por artigo definido, o ar t icu lador tam ­
bém e o pronom e anafórico ele) não é suficien­
te para garan ti r textualidade à seqüência, já que 
ela não funciona como um todo significativo coe­
rente.
Entre tanto , é inegável a utilidade dos meca­
nismos dc coesão como fatores da eficiência do 
discurso. Alem de to r n a r a superfície textual es­
tável e econômica, na medida em que fornecem 
possibilidades variadas de se promover a conti­
nuidade e a progressão do texto, também perm i­
8
tem a explicitação de relações que, implícitas, po­
deriam ser de difícil interpretação, sobretudo na 
escrita.
Nas seqüências (3) e (4) abaixo, por exemplo, 
o nexo é facilmente recobrável pelo leitor, embora 
não manifesto na superfície:
(3) A máquina parou. Está faltando energia 
elétrica.
(4)Choveu. O chão está molhado.
O mesmo não acontece, porem, com as frases 
de (5a) a (51). Nesses casos, se a relação pretendi­
da não vier expressa, o recebedor poderá a tribuir 
ao enunciado sentido diferente do que o autor que­
ria, sobretudo se, não se tratando de produção 
oral, não for possível depreender as intenções do 
produtor através da entonação. Veja-se:
(5a) Paulo saiu. João chegou.
(5b) Paulo saiu assim que João chegou.
(5c) Paulo saiu, mas João chegou.
(5d) Paulo saiu, porque João chegou.
(5e) Paulo saiu, apesar de João ter chegado.
(5f )Sc Paulo saiu, João deve ter chegado.
Casos similares a (3) e (4) foram estudados 
por Isenberg (1968), que os interpretou como pos­
sibilidades de "textualização" entre frases assin- 
délicas. O prim eiro exemplifica a textualização 
por "conexão causai" (a máquina parou porque 
está faltando energia clétrica) e o segundo, por 
"interpretação diagnostica" (pode-se verificar que 
choveu pelo fato de o chão e s ta r molhado).
9
Ao contrário , os exemplos (5b-f), inspirados 
em Garcia (1977: 18-20, 262-264), não podem dis­
pensar a conjunção, porque o nexo conceituai e n ­
tre as informações é, digamos, mais frouxo e, por­
tanto, de processamento não imediato. Há diferen­
tes possibilidades de articulação e, por isso, a o p ­
ção por um a delas precisa ser explícita.
Além disso, os recursos coesivos, quando pre­
sentes, devem obedecer a padrões prévios, caso 
contrário seu em prego será percebido como " in ­
fração textual”9, tornando “ irregular" a seqüên­
cia em que ocorrem . Alguns dos princípios que 
orientam o em prego desses recursos serão lem­
brados mais adiante.
Resumindo o que foi dito, o fundamental para 
a textualidade é a relação coerente entre as idéias. 
A explicitação dessa relação através de recursos 
coesivos é útil, m as nem sem pre obrigatória . E n ­
tretanto, uma vez presentes, esses recursos devem 
ser usados de acordo com regras específicas, sob 
pena de reduzir a aceitabilidade do texto.
2.2. Os fatores p ragm áticos da textualidade
Entre os cinco fatores pragmáticos estudados 
por Beaugrande e Dressler (1983), os dois p r im ei­
ros se referem aos protagonistas do ato de c o m u ­
nicação: a intencional idade e a aceitabilidade.
A intencionalidade concerne ao em penho do 
produtor em cons tru ir um discurso coerente, coe­
so e capaz de sa tisfazer os objetivos que tem em 
mente num a determ inada situação comunicativa. 
A meta pode ser inform ar, ou impressionar, ou
10
ala rm ar , ou convencer, ou pedir, ou ofender, ctc., 
e é ela que vai o r ien tar a confecção do texto.
Em ou tras palavras, a intcncionalidade diz 
respeito ao valor ilocutório do discurso, elemen­
to da m aior importância no jogo de atuação co­
municativa.
O outro lado da moeda c a aceitabilidade, que 
concerne à expectativa do recebedor dc que o con­
junto de ocorrências com que se defronta seja um 
texto coerente, coeso, útil c relevante, capaz de 
levá-lo a ad qu ir ir conhecim entos ou a cooperar 
com o.s objetivos do produtor.
Grice (1975, 1978)10 estabelece máximas con- 
versacionais, que seriam es tra tég ias norm alm en­
te adotadas pelos produtores para alcançar a acei­
tabilidade do recebedor. Tais es tra tég ias se refe­
rem à necessidade de cooperação (no sentido de 
o p ro d u to r responder aos in teresses dc seu inter­
locutor) c à qualidade (autenticidade), quan tida­
de (informatividade), pertinência e relevância das 
informações, bem como à m ane ira como essas in­
formações são apresentadas (precisão, clareza, o r­
denação, concisão, ctc).
Mas é possível que, deliberadam ente , o pro­
d u to r queira ap resen ta r um texto que desrespei­
te alguma(s) dessas máximas. Tal intenção, reco­
nhecida pelo recebedor, ganhará função significa­
tiva c resu ltará em efeito de sentido im portante 
no jogo interativo. É o que-Grice cham a de “ im- 
plicatura conversacional”: o recebedor prefere su­
por que a infração aos princípios conversacionais 
seja intencional e tenha alguma significação do que 
sim plesm ente aceitar que seu in terlocu tor possa 
produzir um discurso impertinente e sem sentido.
11
Charollcs (1978:38) afirma que, em geral, o rc- 
ccbedor dá um "crédito de coercncia" ao produ­
tor: supõe que seu discurso seja coerente e se em­
penha em captar essa coerência, recobrindo lacu­
nas. fazendo deduções, enfim, colocando a servi­
ço da compreensão do texto todo conhecimento 
de que dispõe.
Assim, a comunicação se efetiva quando se es­
tabelece um contrato de cooperação entre os in­
terlocutores, de tal modo que as eventuais falhas 
do produtor são percebidas como significativas (as 
vezes, o sentido do texto çstá na suaaparente fal­
ta de sentido — cf. a piada), ou são cobertas pela 
tolerância do recebedor. A margem de tolerância 
e tanto maior quanto mais conhecido é o assunto 
e mais informal ê a situação. O produtor sabe da 
existência dessa tolerabil idade e conta com ela, 
assim como conta a capacidade de pressuposição 
e inferência do recebedor. Essa “cumplicidade" 
do recebedor para com o texto é que possibilita 
que a produção não seja tarefa excessivamente di­
fícil e tensa e, assim, viabiliza o jogo comunicativo.
O terceiro fator de textualidade, segundo 
Beaugrandc e Dresslcr (1983), é a situacionalida- 
de, que diz respeito aos elementos responsáveis 
pela pertinência e relevância do texto quanto ao 
contexto em que ocorre. E a adequação do texto 
a situação sociocomunicativa.
O contexto pode, realmente, del in ir o senti­
do do discurso e, normalmente, orienta tanto a 
produção quanto a recepção. Em determinadas 
circunstâncias, um texto menos coeso e aparen­
temente menos claro pode funcionar melhor, ser 
mais adequado do que outro de configuração mais 
completa. Se n e m de exemplo as inscrições lacó-
12
nicas das p lacas de trânsito, m a is ap ro p r iad as à 
s i tuação específ ica cm que são u sadas do que um 
longo texto explicativo ou persuas ivo que os mo­
to r is ta s seq u e r tivessem tem po de ler.
A con junção dos três fa to res já mencionados 
resu l ta n u m a série de conseqüências p a ra a prá­
tica com unicativa.
Em p r im e iro lugar, é im p o r tan te p a ra o pro­
d u to r saber com que conhecimentos do recebedor 
clc pode co n ta r c que, portan to , não p rec isa ex­
p lic ita r no seu discurso. Esses conhecim entos po­
dem adv ir do contexto imediato ou podem pree- 
x is t ir ao a to comunicativo. Assim, um a inform a­
ção apa ren tem en te absu rda com o o exemplo a se­
guir, ex tra ído de Elias (1981: 45), fa rá sentido pa­
ra quem souber que Maria sofre de problemas gás­
tr icos de fundo nervoso e que passa mal sem pre 
que come tensa, p reocupada com o horário:
(6) M aria teve um a ind iges tão em b o ra o re­
lógio es tivesse es trag ad o .
Daí vem a noção de coerência pragmática, ou 
seja, a necessidade de o texto se r reconhecido pe­
lo recebedoi com o um em prego norm al da lingua­
gem num d e te rm in ad o contexto .
O u tra conseqüênc ia da con jugação desses 
três fa to res de tex tualidade é a existência dos di­
versos tipos de d iscurso . A p rax e acab a p o r e s ta ­
belecer que, n u m a dada c i rcu n s tân c ia , tendo-sc 
em m en te d e te rm in a d a in ten ção ilocucional, 
deve-se c o m p o r o texto dessa ou daque la m ane i­
ra. Assim, há convenções que regem o func iona­
m en to da linguagem na in te ração social e que de­
te rm inam , especif icam ente , qual o tipo p a r t ic u ­
13
la r de d isc u rso ad eq u ad o a cada ato co m u n ica t i­
vo. Essa ques tão é da m aio r im portânc ia para 
quem traba lha com o ensino de redação, pois vem 
dai o la to de que a tex tualidade de cada tipo de 
d iscu rso envolve e lem entos diferentes. O que c 
qua lidade num texto a rgum en ta iivo form al po­
derá se r defeito num poema, ou n um a es tó r ia de 
suspense, ou n u m a conversa de botequim , por 
exemplo.
O in te resse do recebedor pelo texto vai de­
pender do grau de in form aliv idade de que o u lt i­
mo é po r tador . Esse é mais um fa to r de tex tua li­
dade apon tado por B eaugrande e D ress lc r (1983) 
e diz respeito á m edida na qual as oco rrênc ias de 
um texto são e sp e ra d a s ou não, conhecidas ou 
não, no plano conceituai e no formal. O corre que 
um d iscu rso menos previsível é m ais in fo rm ati­
vo, porque a sua recepção, e m b o ra m ais t rab a ­
lhosa, resu lta m ais in teressan te , m ais envolven­
te. E n tre tan to , se o texto sc m o s t ra r in te iram e n ­
te inusitado, te n d e rá a ser re je i tado pelo recebe­
dor, que não consegu irá processá-lo. Assim, o 
ideal é o texto se m a n te r num nível m ediano de 
informatividade, no qual se a l te rnam ocorrências 
de p rocessam ento imediato, que falam do conhe­
cido, com ocorrências de processam ento mais t ra ­
balhoso, que trazem a novidade.
P ara mim, o texto com bom índice de infor- 
matividade p rec isa a inda a te n d e r a o u t ro req u i­
sito: a suficiência de dados. Isso significa que o 
texto tem que a p re s e n ta r todas as inform ações 
necessárias para que seja co m p reen d id o com o 
sentido que o p ro d u to r p re tende . Não é possível 
nem desejável que o d iscu rso explicite todas as
14
informações necessárias ao seu processamento, 
mas c preciso que ele deixe inequívocos todos os 
dados necessários à sua compreensão aos quais 
o recebedor não conseguirá chegar sozinho.
Bcaugrande e Drcssler (1983) lalam ainda de 
um outro componente de textualidade: a intertcx- 
tua!idade, que concerne aos fatores que fazem a 
utilização dc um texto dependente do conhecimen­
to de outro(s) texto(s). De fato, "um discurso não 
vem ao mundo numa inocente solitude, mas 
contrói-se através de um já-dito em relação ao qual 
ele toma posição”11. Inúmeros textos só fazem 
sentido quando entendidos em relação a outros 
textos, que funcionam como seu contexto. Isso é 
verdade tanto para a fala coloquial, em que se re­
tomam conversas anteriores, quanto para os pro­
nunciamentos políticos ou o noticiário dos jornais, 
que requerem o conhecimento de discursos e no­
tícias já divulgadas, que são tomados como pon­
to de partida ou são respondidos.
Há aqui uma questão interessante que não é 
mencionada pelos autores. É que o mais freqüen­
te interlocutor de todos os textos, invocado e res­
pondido consciente ou inconscientemente, é o dis­
curso anônimo do senso comum, da voz geral cor­
rente. Assim, avaliar a intertextualidade, em sen- 
tido lato, pode significar analisar a presença des­
sa fala subliminar, de todos e de ninguém, nos tex­
tos estudados12. Por ou tro lado, como esse dis­
curso é de conhecimento geral, pode-se também 
considerá-lo como informação previsível e avaliar 
sua presença como elemento que faz baixar o grau 
de informatividade. Foi essa a minha opção na 
análise de redações que apresento adiante.
15
Relacionando os conceitos dc texto e textua­
lidade, poder-se-ia dizer, cm princípio, que a uni­
dade textual se constrói, no aspecto sociocomu- 
nicativo, através dos fatores pragmáticos (inten- 
cionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, in­
formatividade e intertextualidade); no aspecto se­
mântico, através da coerência; e, no aspecto for­
mal, através da coesão.
É possível, no entanto, repensar esse a rran ­
jo, se se considerar que a informatividade e a in- 
tertextualidade dizem respeito, também, à maté­
ria conceituai do discursô, na medida em que li­
dam com conhecimentos partilhados pelos inter­
locutores. Ao mesmo tempo que contribuem pa­
ra a eficiência pragmática do texto, conferindo- 
lhe interesse e relevância, esses dois fatores tam­
bém se colocam como constitutivos da unidade 
lógico-semântico-cognitiva do discurso, ao lado 
da coerência. Assim, poder-se-ia situá-los a cava­
leiro, parte no plano sociocomunicativo, parte no 
plano semântico-conceitual. Foi dessa maneira 
que os considerei neste trabalho.
16
CAPÍTULO 2
COMO AVALIAR A TEXTUALIDADE?
1. Questões preliminares
Um dos pontos-chave da lingüística textual 
é a discussão sobre o que faz de um texto um tex­
to, isto é, em que consiste a essência de um tex­
to, que propriedade distingue textos de não- 
textos. A essa discussão grande número de estu­
dos recentes responde apontando a coerência co­
mo fator fundamental da textualidade e, em fun­
ção dessa resposta, tenta esclarecer o que ée de 
que é feita a coerência de um texto. A conceitua- 
ção teórica, que busca estabelecer em que nível 
se situa e com que elementos lida a coerência, se 
mostra, muitas vezes, fruto da análise empírica, 
empenhada em descobrir que características 
usualmente apresentam os textos coerentes. Es­
17
sas características são chamadas por alguns dc 
condições ou requisitos de coerência, porque, se 
um texto coerente tem qualidades específicas que 
o distinguem dos incoerentes, pode-se afirmar 
que, para ser coerente, um texto precisa apresen­
tar tais qualidades. Assim, a observação empíri­
ca possibilita a descrição, que, por sua vez, per­
mite a formulação de critérios para a análise 
textual.
Neste trabalho, tomo como ponto de parti­
da a descrição fornecida por estudiosos da ques­
tão e utilizo como instriimcnto critérios de ava­
liação que considerei adequados ao modelo teó­
rico adotado. Para avaliar a coerência e a coesão 
das redações do corpus, tomei como base as cha­
madas "meta-regras” formuladas por Charollcs 
(1978) e, para os demais fatores de textualidade, 
orientei-me pelo que propõem Beaugrandc e 
Dressler (1983).
Antes de apresentar e discutir os critérios de 
avaliação adotados, é preciso deixar claros alguns 
pontos.
Primeiro quero registrar que a intenção aqui 
não é, de maneira alguma, prescritiva. Não se está 
aqui fornecendo mais uma receita, ou uma nova 
lista de macetes, à qual as redações escolares de­
vam se conformar para obter boas notas e se apro­
ximar do modelo que garante aprovação no vesti­
bular. 0 que se pretende é, a partir de um quadro 
de características identificadas em textos que "fun­
cionam’', construir um quadro adequado para bali­
zar a avaliação do funcionamento de outros textos.
Em segundo lugar, quero delimitar a aplica­
bilidade dos critérios a serem adotados. Confor-
18 %
me acertadamente observa Widdowson (1981: 56), 
a aceitabilidade de um texto se prende à sua iden­
tificação como “um emprego normal da língua". 
Ora, em situações diferentes, são diferentes as ex­
pectativas quanto ao que seja “normal" e aceitá­
vel. Assim, os critérios aplicáveis ao corpus des­
ta pesquisa podem não ser adequados para o ju l­
gamento da textualidade de discursos de outro 
tipo c construídos com outros objetivos. 0$ tex­
tos por mim analisados, por exigência da natu­
reza e do programa do concurso vestibular, se re­
vestem de peculiaridades que não sc podem dei­
xar de levar cm conta: são textos escritos, for­
mais, de função referencial dominante, compos­
tos de introdução, desenvolvimento e conclusão, 
através dos quais os candidatos buscam demons­
tra r sua habilidade de expor idéias c argumen­
tar em torno de determinado problema. Os requi­
sitos a que esse tipo específico de texto deve res­
ponder para angariar aceitabilidade são ce rta ­
mente impraticáveis para uma conversa descon­
traída. um poema ou um romance, por exemplo.
Resta ainda uma observação a fazer, quanto 
á organização dada ao grupo de fatores levados 
em conta no julgamento das redações. Como to­
das elas loram produzidas sob as mesmas condi­
ções (o vestibular) e não me era possível ter acesso 
a cada produtor individualmente, examinei em 
bloco a interferência dos fatores pragmáticos em 
sua textualidade. Quero dizer: a intencional ida- 
de, a aceitabilidade e a situacionalidade não fo­
ram analisadas cm cada redação particular; foi 
feita uma análise desses três fatores para o con­
junto das redações. Por outro lado, ampliei o con-
19
ccito de informatividade, dc modo a incluir nele 
a suficiência de dados c a intertextualidade (já que 
os textos requeridos para a interpretação do texto 
“X" constituem informações prévias necessárias 
ao texto "X"). Assim, entendendo a informativi­
dade, bem como a coerência e a coesão como fa­
tores centrados no texto, concernentes a elemen­
tos constitu tivos do texto, avaliei a presença e o 
funcionamento desses três com ponentes da tex­
tualidade em cada redação do corpus.
f
2. Critérios p a ra a análise da coerência 
e da coesão
Entendida a coerência como a configuração 
conceituai subjacente e responsável pelo sentido 
do texto, e a coesão como sua expressão no pla­
no lingüístico, é preciso esm iuçar essas noções, 
para perceber de que são feitos esses fatores e 
como se apresen tam ou deixam de se ap resen tar 
em produções lingüísticas reais tais como as re­
dações dos alunos na escola.
É in teressante a proposta do lingüista fran­
cês Charolles (1978), porque parte exatamente da 
análise de redações de es tudan tes da escola ele­
m entar e do ensino médio. Nessa tentativa de ex­
plicitar o s is tem a implícito de regras referentes 
à composição e à in te rp re tação de textos, que 
constitui a com petência textual presente em to­
do falante, o a u to r se vale também das interven­
ções feitas pelos professores, de modo a perce­
ber o fenômeno em seus dois m om entos funda­
mentais — a p rodução e a recepção.
20
Para Charolles (1978), um texto coerente e 
coeso satisfaz a qua tro requisitos: a repetição, a 
progressão, a não-contradição e a relação. Vou 
chamá-los, aqui, dc continuidade, progressão, não- 
con tradição e articulação.
2.1. A continuidade
A continuidade diz respeito à necessária re­
tomada de elementos no decorrer do discurso. 
Tem a ver com sua unidade, pois um dos fatores 
que fazem com que se perceba um texto como um 
todo único c a permanência, em seu desenvolvi­
mento, dc elementos constantes. Uma seqüência 
que trate a cada passo de um assunto diferente 
certam ente não será aceita como texto.
Quanto à coerência, esse requisito se mani­
festa pela retomada de conceitos, de idéias. Quan­
to à coesão, pelo em prego de recursos lingüísti­
cos específicos, tais como a repetição de palavras, 
o uso de artigos definidos ou pronomes dem ons­
trativos para determ inar entidades já menciona­
das, o uso de pronomes anafóricos e de outros ter­
mos vicários (como os pró-verbos s e r e fazer e os 
pró-advérbios lá, ali, então, etc.), a elipse de te r­
mos facilmente recobráveis, en tre outros me­
canismos.
O emprego desses m ecanism os de coesão 
obedece a regras específicas, como já disse. Por 
exemplo, os pronomes anafóricos devem concor­
da r em gênero e núm ero com o term o que subs­
tituem. Assim, uma seqüência como a que se se­
gue conterá um a infração textual, se ocorrer em
21
d isc u rso e sc r i to formal, cm cu ja recepção a ex­
pecta tiva é de respeito ao d ia le to pad rão :
(7) O m en o r abandonado p re o cu p a a popula­
ção das g ran d es c idades p o rq u e a m arg i­
na l idade ac ab a os levando ao crime.
O u tra exigência cabível q u an to a esse tipo de 
d iscu rso é que só podem r e c o b ra r p o r pronom e 
elem entos exp ressos na superfíc ie textual. 0 a lu ­
no a u to r da f rase abaixo infringiu essa exigência 
ao p re fe r i r a ex p ressão Areação h u m a n a ” a “rea­
ção do h o m e m ” , porque sua opção acabou dei­
xando sem an teced en te exp resso o p ro n o m e que 
vem em seguida:
(8) Pode-se def in ir conhecim ento com o a rea­
ção h u m a n a ao meio que o ce rca .
Um caso m u ito freqüen te de “desvio de coe­
são", no d izer de El ias (1981: 59-60), é aquele em 
que o em prego do p ronom e an a fó r ico c r ia a m b i­
güidade, p o rq u e h á mais de u m te rm o que pode 
lhe se rv ir de an teceden te . A seqüênc ia abaixo 
exemplifica o problem a:
(9) Ana es tava conversando com Teresa e Ro­
sa chegou. Aí ela con tou que e s tá nam o­
rando João.
Assim, a v a l ia r a co n t inu idade de um texto c 
verificar, no p la n o conceituai, se há elem entos 
que p e rc o r re m todo o seu desenvolvimento, 
confcrindo-lhe unidade; e, no plano lingüístico,I
22
se esses elementos são retomados conveniente­
mente pelos recursos adequados. Não cabe aqui 
lazer o levantamento e a descrição de todas as 
regras que governam o emprego desses recursos, 
mas posso afirm ar que elas fazem parte da gra­
mática intuitiva de todo falante, que é capaz não 
so de empregá-los naturalmente como de reconhe­
cer as eventuais falhas no seu uso (tendo em vis­
ta, é claro, as contingências pragmáticas da atua­
ção comunicativa).
Na análise das redações do corpus, conside­
rei a continuidade requisito da coerência e obser­
vei se os recursos lingüísticos que servem à ex­
pressão desse requisito foram empregados de mo­
do a favorecer a coesão textual.
2.2. A progressão
Para Charolles (1978), a progressão, contra­
partida da repetição ou continuidade, é a segun­
da condição de coerência e coesão. O texto deve 
retom ar seus elementos conceituais e formais, 
mas não pode se limitar a essa repetição. É pre­
ciso que apresente novas informações a propósi­
to dos elementos retomados. São esses acrésci­
mos semânticos que fazem o sentido do texto pro­
gredir e que, afinal, o justificam.
No plano da coerência, pcrcebe-se a progres­
são pela soma de idéias novas às que já vinham 
sendo tratadas» No plano da coesão, a língua dis­
põe de mecanismos especiais para manifestar as 
relações entre o dado e o novo13. Por exemplo, o 
dado, que costuma coincidir com o tópico, em
23
geral c retomado anaforicamente e aparece no ini­
cio de frases ou mesmo parágrafos ou seqüências 
de frases. Já a informação nova com freqüência 
se expressa pelo comentário e figura no final das 
frases. A progressão pode se fazer pelo acrésci­
mo de novos comentários a um mesmo tópico, ou 
pela transformação dos comentários em novos tó­
picos. A mudança dc tópico deve se apresentar 
inequívoca para o recebedor, sob pena de causar 
dificuldades de compreensão, visto que a tendên­
cia mais comum é interpretar as anáforas de uma 
passagem como referentes ao tópico dessa pas­
sagem. O texto que não deixa claro, a cada pas­
so, de que está tratando pode levar o recebedor 
a um processamento indevido que, na melhor das 
hipóteses, precisará ser refeito. Há. no português, 
construções, palavras e locuções que servem pa­
ra destacar de maneira especial o tópico de uma 
passagem, colocando-o em posição de foco: quan­
to a, a respeito de, no que se refere a; ser Sn que 
X, é que, até, mesmo, o próprio, etc.
A progressão foi considerada como condi­
ção de coerência na análise das redações. Para­
lelamente, foi observado se essa condição foi 
bem expressa, através dos recursos disponíveis 
no português, de maneira a dar ao texto mais 
coesão.
2.3. A não-contradição
O terceiro requisito proposto por Charollcs 
(1978) é o da não-contradição, que deve ser 
observado tanto no âmbito interno quanto no
24
âm bito das relações do texto com o mundo a que 
se refere.
Para se r in ternam ente coerente, o texto p re ­
cisa, cm p r im eiro lugar, respeitar princípios ló­
gicos elem entares. Não pode, por exemplo, afir­
m ar A e o con trá r io dc A. Suas ocorrências não 
podem se contradizer, têm que se r compatíveis 
entre si, não só no que trazem explícito como tam­
bém no que delas se pode concluir por pressupo­
sição ou inferência.
Por ou tro lado, para ser coerente, o texto não 
pode contradizer o mundo a que se refere. O m un­
do textual tem que scr compatível com o mundo 
que o texto representa. Assim, um discurso refe­
rente ao m undo real não pode deixar de conside­
ra r algumas pressuposições básicas que integram 
a m an e ira com um de pensar esse mundo c que 
subjazem à com unicação textual: as causas têm 
efeitos; os objetos têm identidade, peso e massa; 
dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tem­
po, o m esm o lugar no espaço, etc.
A exigência de não-contradição se aplica não 
só ao plano conceituai (da coerência), mas tam ­
bém ao plano da expressão (da coesão). Por exem­
plo, a través do em prego dos tempos e aspectos 
verbais, o texto ins taura um sis tem a próprio de 
situação dos fatos a que alude, tomando por re­
ferência o mom ento da com unicação ou um mo­
m ento de term inado pelo texto mesmo. A moda­
lidade é o u tro elemento do s is tem a de funciona­
m ento discursivo. Trata-se da a t i tude do p rodu­
to r tanto em relação ao conteúdo proposicional 
c ao valor de verdade dc seu enunciado quanto 
em relação ao próprio recebedor. Essa atitude se
25
manifesta lingüisticamcnte pelo emprego dos mo­
dos verbais e de itens específicos, com o os ver­
bos modais, alguns advérb ios (talvez, certam en­
te) c os cham ados verbos ilocutórios (achar, acei­
tar, considerar, admitir, exigir, deplorar, declarar, 
negar, etc.). As contradições relativas a esses dois 
elementos do que Charolles (1978: 23) chama “re­
gime enuncia tivo", a menos que intencionais e vi­
sando a efeitos estilísticos, podem causa r em ba­
raço ou es tranheza ao reccbedor.
A configuração do m undo textual pode se ex­
p ressa r lingüisticamente a través do emprego de 
verbos, expressões e construções “criadores de 
m u n d o ”, no dizer de Charolles (1978: 28): sonhar, 
imaginar, pensar, acreditar, gostar (no condicio­
nal, gostaria que\, no caso de, na lupotese de; se­
ja..., (az. de conta que, era um a vez. etc. A não ser 
que objetivando efeitos intencionais específicos,
o emprego contraditório desses recursos também 
pode aca rre ta r d is tú rb ios à in te rp re tação do dis­
curso, na m edida em que co n tra r ia as expectati­
vas do reccbedor.
Um problem a concernen te à exigência da 
não-contradição, ao qual Charolles (1978) não faz 
referência, consiste no que eu chamei de constra- 
dição Icxico-semántica. Trata-se de inadequação 
muito 1 requente nas redações escolares e que diz 
respeito ao uso do vocabulário: muitas vezes o sig- 
nificante em pregado não condiz com o significa­
do pretendido ou cabível no texto. Tal con trad i­
ção resulta do desconhecimento, por parle do 
usuário , do vocábulo a que recorreu . Um exem ­
plo elucidativo é o de um vestibulando que recla­
mava, em sua redação, contra "o desvelo das auto-
26
i idades pelo menor abandonado". Casos desse ti­
po situam-se, a meu ver, na região limítrofe cn- 
t re a coesão e a coerência, porque, embora sc ma­
nifestem no nível da expressão, concernem à vei- 
culação de conceitos e têm implicações sobre a 
e s t ru tu ra lógico-semântica do texto.
Nas redações do corpus, a não-contradição in­
terna e externa foi tomada como condição dc coe­
rência. Quanto à coesão, foi verificado se os re­
cursos lingüísticos empregados serviram ao bom 
funcionamento discursivo, tornando o todo tex­
tual livre de contradição.
2.4. A articulação
O quarto e último requisito de coerência pro­
posto por Charollcs (1978) é a relação, que eu cha­
mo aqui de articulação. O autor, considerando va­
go o te rm o relação, p ro c u ra delimitá-lo, 
rebatizando-o dc congruência e estabelecendo que 
dois latos serão congruentes quando um for uma 
causa, condição ou conseqüência pertinente do 
outro.
Neste trabalho, o termo articulação não co­
brirá apenas essas três relações. Com ele estarei 
me referindo á m aneira como os fatos e concei­
tos apresentados no texto se encadeiam, como se 
organizam, que papéis exercem uns com relação 
aos outros, que valores assum em uns em relação 
aos outros. Avaliar a articulação das idéias de um 
texto, para mim, significa verificar se elas têm 
a ver umas com as outras e que tipo específico 
de relação sc estabelece entre elas (além das rc-
27
lações de con t inu idade , p ro g ressão e não- 
con trad içâo , já cobertas pelas o u tra s condições 
de coerência). São dois aspectos a se rem verifi­
cados: a presença e a pertinência das relações en­
tre os fatose conceitos ap resen tados . O texto po­
de ap resen ta r fatos c conceitos rclacionáveis sem 
es tab e lece r ligações en tre eles, ou pode es tabe­
lecer relações não per t inen tes e n t re os fatos e 
conceitos que den o ta (porque não são rc lacioná­
veis, ou porque se re lac ionam de o u tro modo).
E ssas relações, como vimos, não precisam 
ser necessariam ente explicitadas por mecanismos 
lingüísticos formais. Podem perfe itam ente se es­
tabelecer ap en as no plano lógico-scmântico- 
conceitual (o da coerência). Entre tan to , há recur­
sos específicos para sua expressão formal, no pla­
no da coesão. E n tre eles podem-sc m en c io n a r os 
mecanismos de junção (tradicionalm ente cham a­
dos de conjunção), os articuladores lógicos do dis­
cu rso (expressões como por exem plo, dessa for­
ma, por outro lado, etc.) e os recu rsos lingüísti­
cos que perm item estabelecer relações temporais 
en tre os e lem entos do texto (a o rdem linear de 
ap resen tação desses elementos, as conjunções 
tem pora is , a lguns advérbios e expressões de va­
lor adverbial, os num era is o rd ina is e a lguns ad­
jetivos, com o anterior, posterior, subseqüente).
Na análise das redações foram avaliadas a 
presença e a pertinência da articulação como con­
dição de coerência e foi observado se, q u an d o ne­
cessários, os m ecanism os lingüísticos que expli­
c itam as relações en tre os e lem entos tex tua is cs- 
tavam presen tes e foram ad eq u ad am en te em pre­
gados, con tr ibu indo para a coesão do discurso.
28
2.5. P a ra e n c e r r a r
Aceita a proposta de Charolles (1978) — com 
a ressalva feita quanto à sua não-uni versai idade 
—, avaliar a coerência de um texto denotativo, es­
crito e formal, será verificar se, no plano 
lógico-scmântico-cognitivo, ele tem continuidade 
e progressão, não se contradiz nem contradiz o 
mundo a que se refere e apresenta os fatos e con­
ceitos a que alude relacionados de acordo com 
as relações geralmente reconhecidas entre eles 
no mundo referido no texto. Avaliar a coesão se­
rá verificar se os mecanismos lingüísticos utili­
zados no texto servem à manifestação da conti­
nuidade, da progressão, da não-contradição e da 
articulação.
Dado o grande número de marcadores lin­
güísticos de coesão e dada a tremenda complexi­
dade que envolveria a tarefa de formular restri­
ções pertinentes e exaustivas com relação ao em­
prego de cada um, meu julgamento das redações, 
sobretudo neste particular, vai se basear na in­
tuição e no bom senso. Será considerada infra­
ção textual a ocorrência que acarre ta r em bara­
ços à leitura, tendo em mente as expectativas re­
sultantes do tipo de texto analisado.
A esse propósito, é bom lembrar o papel de­
terminante dos fatores pragmáticos na comuni­
cação efetiva. 0 contexto e a imagem do interlo­
cutor podem autorizar lacunas na configuração 
textual não possíveis noutras circunstâncias. É 
relevante o fato de o produtor contar com os co­
nhecimentos prévios do recebedor e com sua ca­
pacidade de pressuposição e inferência.
29
Daí advem uma conseqüência importante pa­
ra o trabalho com redação na escola. São freqüen­
tes, por exemplo, os casos de aparente incoerên­
cia resultante da não-explicitação de fatos ou de 
relações entre fatos do mundo representado no 
texto. Se o professor consegue reconhecer esse 
mundo e refazer os cios ausentes, percebe o sen­
tido do texto e pode apontar ao aluno o problema 
e a forma de saná-lo. Esse tipo dc intervenção, de­
ve ficar claro, não obedece a imperativos cogniti­
vos, uma vez que o sentido do texto foi captado, 
mas obedece ao que Charolles (1978: 37) chama de 
" razões ílc deonlologia discursiva superior”. Em 
outras palavras, o que funcionaria na comunica­
ção real c vetado na redação escolar em virtude 
da preocupação do professor de ensinar a redigir.
Charolles (1978: 37) tem essa pr eocupação co­
mo legítima e a justifica pelo fato de o professor 
considerar que nem todo leitor será capaz de reali­
zar a mesma operação por ele efetuada para recu­
perar o sentido do texto e julgar-se, então, na obri­
gação de apontar o problema ao aluno, por enten­
der que todo discurso, se não for imediatamente 
coerente e coeso, deve, pelo menos, ter o sentido 
facilmente recobrável por qualquer recebedor. Pa­
ra mim, tal atitude será pertinente sc explicitada 
pelo professor e se levar em conta, também, o tipo 
textual e as intenções do aluno produtor do texto.
3. Critérios para a análise da informatividade
A informatividade é entendida pelos estudio­
sos como a capacidade do texto dc acrescentar ao
30
conhecimento do recebedor informações novas 
e inesperadas. Neste trabalho, esse termo c en­
tendido como a capacidade que tem um texto de 
efetivamente inform ar seu recebedor. Não c to­
mado apenas como sinônimo de originalidade, 
m as ganha o u tra acepção.
Por um lado, no que tange à necessidade de 
imprevisibilidade, o conceito foi ampliado e pas­
sou a abranger o aspecto mais geral do fator in- 
lertextualidade, na medida em que se tomou co­
mo informação conhecida e previsível a voz do 
senso comum, da ideologia dominante, presente 
nas redações estudadas. Por ou tro lado, o termo 
passou a recobrir a exigência do que se chamou 
suficiência de dados, na medida em que se consi­
derou que, para ser informativo, o texto, além de 
se m ostra r relativamente imprevisível, precisa 
apresen tar todos os elementos necessários à sua 
compreensão, explícitos ou inferíveis das infor­
mações explícitas.
Para avaliar a imprevisibilidade, Beaugran- 
de e Dressler (1978: 140-141) propõem uma esca­
la de três ordens, aplicável (e efetivamente apli­
cada) pelo falante comum. Na primeira ordem os 
autores enquadram as ocorrências de elevada 
previsibilidade e, conseqüentemente, baixa infor­
matividade, como os clichês e estereótipos, as fra­
ses feitas, as afirmações sobre o óbvio. Os textos 
que não ultrapassam esse patamar, ainda que do­
tados de coerência e coesão, resultam pragmati- 
camente ineficientes, porque desprovidos de in­
teresse. Na segunda ordem ficam as ocorrências 
em que o original c o previsível se equilibram, an­
gariando boa aceitabilidade, porquanto apresen­
31
tam novidade sem provocar es tranhe/a . São dc 
terceira ordem as ocorrências que, aparentem en­
te pelo menos, não figuram no leque de a l te rna­
tivas possíveis c que, por isso mesmo, desorien­
tam, ainda que temporariamente, o reccbedor. 
Postulam os au tores que, na comunicação efeti­
va, o processam ento dos textos se faz através do 
alçamento para a segunda ordem das ocorrências 
de baixa informatividade c do rebaixamento, tam­
bém para essa ordem mediana, daquelas que pro­
vocam estranheza, de modo a atribuir sentido tan­
to a um as quan to a outras . Assim, no todo tex­
tual, o óbvio ganhará razão de ser c o inusitado 
se explicará, passando a ter, um e outro, rendi­
mento eficaz dentro do texto. O discurso em que 
esse processamento, cm um a ou outra direção, 
não for possível, tenderá a se r rejeitado: no p r i­
meiro caso, porque sc m ostra rá pouco informa­
tivo e desinteressante; no segundo caso, porque 
se m ostra rá difícil de ser entendido, impene­
trável.
De outra parte, avaliar a suficiência dc dados 
é examinar sc o texto fornece ao reccbedor os ele­
mentos indispensáveis a um a in terpretação que 
corresponda ás intenções do produtor, sem se 
mostrar, por isso, redundante ou rebarbativo. Os 
dados cuja explicitação é necessária são aqueles 
que não podem ser tomados como dc domínio 
prévio do recebedor nem podem ser deduzidos 
a partir dos conhecimentos que o texto ativa.
Assim, avaliar a informatividade significa, 
para mim, m ed ir o sucesso do texto em levar co­
nhecimento ao recebedor, configurando-se como 
ato de comunicação efetivo. Esse sucesso depen-
32
de, em parte, da capacidade do discurso de acres­
cen ta r alguma coisa à experiência do recebedor, 
1 1 0 plano conceituai ou no plano da expressão (im- 
previsibilidade). De ou tra parte, resu lta do equi­
líbrio en tre o que o texto oferece e o que confia 
ã partic ipação de quem o in terpreta (suficiência 
de dados).
Um texto informativo pode não ser de pro­
cessam ento imediato e dem andar algum esforço 
de interpretação. Em contrapart ida , é um texto 
que se mostra apto a engajar o recebedor, a con­
qu is ta r a adesão dele, viabilizando, assim, o es­
tabelecimento dc uma relação comunicativa ver­
dadeira.
Um texto com baixo poder informativo, que 
não fornccc os elementos indispensáveis a uma 
in terpretação livre dc ambigüidades, ou que se 
limita a repetir coisas que nada somam à expe­
riência do recebedor, tem corno efeito desorientá- 
lo ou irritá-lo, ou simplesmente não a lcançar sua 
atenção. Tende a se r rejeitado. Mesmo que não 
chegue a ser tomado como não-texto, é avaliado 
como produção de má qualidade, com a qual não 
vale a pena perder tempo. Em suma, mesmo pa­
ra textos coerentes e coesos, um baixo poder in­
formativo tem como correlata uma baixa eficiên­
cia pragmática.
4. A subjetividade da avaliação
Segundo Hallidaye Hasan(1978: 25), "texture 
is really a more-or-less affair" A mim parece que 
a natureza do texto é melhor compreendida se se
33
abre mão do rigor c da exatidão tecnicista e se 
dá espaço p a ra a intuição e o bom senso.
Os c r i té r io s adotados neste trabalho p a ra o 
julgamento das redações são, inegavelmente, flui­
dos c subjetivos. Não vejo como fugir disso. A coe­
rência, a coesão e a informatividade estão em es­
treita dependência dos conhecimentos par t i lha ­
dos pelos interlocutores. O que faz sentido para 
um recebedor pode parecer absurdo para outro; 
o nexo en t re os elementos textuais pode ser fa­
cilmente percebido por um, através das relações 
lógico-semàntico-cognitivas implícitas, e pe rm a­
necer irrecobrável para outro, sc não for expresso 
lingüisticamente; o que c “ba t ido” para um po­
de ser abso lu ta novidade para outro.
Em ou tras palavras, o que estou dizendo é 
que a textualidade de uma produção lingüística 
qualquer depende, em grande parte, do recebe­
dor (seus conhecim entos prévios, sua capacida­
de dc pressuposição e inferência, sua adesão ao 
discurso) e do contexto (o que é texto num a s i tua­
ção pode não o ser em outra, e vice-versa). Como, 
então, fixar cr i té r ios rígidos e objetivos p a ra de­
m arcar os limites da textual idade: daqui p a ra lá, 
texto; daqui p a ra cá, não-texto? (!) T en ta r fazê-lo 
seria ignorar ou falsear as relações que de fato 
se estabelecem no processo de interação com u­
nicativa.
Por isso neste trabalho não foi ado tada qual­
quer tabela objetiva para m edir a textualidade 
das redações do corpus. O julgamento, ainda que 
balizado pelos critérios já definidos, passou pe­
la subjetividade de minha percepção com o leito­
ra. Não há como evitar. Não vejo com o ca lcu lar
34
objetivam ente a d im ensão da gravidade de um a 
talha relativa, por exemplo, à condição de não 
contradição com o mundo real. Fazé-lo correspon­
deria a pretender a existência dc verdades inques­
tionáveis das quais se pudesse m ed ir num erica­
mente o afastamento; significaria adm itir um a 
única possibilidade de leitura do real; seria igno­
rar a participação do recebedor na construção do 
sentido do texto; seria desprezar todos os elemen­
tos pragmáticos que interferem decisivamente na 
textualidade.
A necessidade de p reestabelecer parâm etros 
para o r ien ta r a avaliação técnica de um texto po­
de ser a tend ida através da definição de critérios 
qualitativos (e não quantitativos) que busquem 
cap ta r e s is tem atizar as condições na tu ra is de 
aceitabilidade dos discursos.
Assim, acred ito que um ju lgam ento que p re ­
tenda respe i ta r a natureza do objeto avaliado e 
percebê-lo na sua to ta lidade pode se pe rgun ta r 
o seguinte; d ada a situação com unicativa, as ca­
racterís t icas e as disposições dos interlocutores 
e o tipo textual efetivo, essa produção lingüísti­
ca se m ostra aceitável? Tem continuidade? Apre­
senta progressão? Mostra-se não-contraditória e 
bem ar t icu lada? Faz uso adequado dos recursos 
coesivos que servem à expressão dessas qualida­
des? É suficientemente c lara e explícita na a p re ­
sentação das inform ações? Com porta um m íni­
mo de novidade que possibilite reconhecê-la co­
mo m anifestação personalizada e capaz dc a t ra i r 
a atenção dc um recebedor médio?
As respostas a essas p erg u n tas não são redu- 
tíveis à exatidão de valores quantitativos. Antes,
35
passam inapelavelmente pela intuição e o bom 
senso, aplicados com na tu ra l idade pelo falante 
com um na com unicação cotidiana. São questões 
que têm a ver com a competência textual, que de­
te rm ina a capacidade das pessoas dc produzir e 
in te rp re ta r textos.
A preocupação dc julgar com objetividade as 
redações escolares tem resu ltado cm esquem as 
de correção e a tr ibu ição de notas através dos 
quais se t i ram pontos por desrespeito às regras 
do dialeto padrão ou por desobediência às con­
venções relativas ao uso da escrita , como a o r to ­
grafia c a pontuação. Q uer dizer: o ju lgam ento 
acaba privilegiando os aspectos mais superficiais 
do texto escrito, que nada têm a ver com sua es­
sência, isto é, sua textualidade, mas que são os 
únicos suscetíveis dc mensuração objetiva. A mim 
parece que o ensino de redação só te ria a ganhar 
se se p rocurasse respe i ta r na cscola o que acon­
tece na vida. A interação com unicativa cie verda­
de é um processo essencialm ente intersubjetivo: 
são pessoas que p roduzem /in te rp re tam textos, e 
e n t ram nesse jogo com toda a sua individua­
lidade.
5. A necessidade de um a avaliação global
Um texto é um a unidade dc sentido, na qual 
os elementos significam uns em relação aos ou ­
tros e em relação ao todo. O significado de cada 
um isolado pode não coincidir com o sentido que 
assum e cm relação ao conjunto, ou pode não scr 
relevante para esse sentido global. Decorre que
36
as ocorrências dc um texto não devem ser anali­
sadas per si, mas o texto deve ser percebido c in­
terpre tado integralmente, cada elemento sendo 
avaliado em função do todo. Por isso, os critérios 
cie julgamento aqui definidos conduzem a um exa­
me global do texto.
No plano da coerência, não há como avaliar 
fragmentos: a continuidade, a progressão, a não- 
contradição e a articulação só podem ser perce­
bidas quando se analisa a redação por inteiro, 
examinando-se as relações do texto com seu te­
ma e as relações das par tes entre si e com o to­
do. O não-cumprimento de uma dessas condições 
num a determ inada passagem vai com prom eter 
todo o conjunto. A ordem, aqui, é macrocs- 
trutural.
O plano da coesão, linear, m icroestrutural, 
oferece possibilidade cie percepção individuali­
zada das ocorrências: um pronome anafórico em­
pregado de maneira ambígua, uma conjunção que 
estabelece relações incabíveis, etc. Entretanto, o 
que importa é considerar o efeito dessas ocorrên­
cias no conjunto, é avaliar se os recursos lingüís­
ticos utilizados servem ou não à conexão das 
idéias, sc o texto como um todo se mostra coeso 
ou desconexo.
Não interessa, também, ju lgar a informati­
vidade de cada seqüência, examinando, como 
quer a teoria física da informação, a probabili­
dade de ocorrência dos seus integrantes. O que 
conta é verificar se, em sua realização global, o 
texto equilibrou satisfatoriamente o explícito e 
o implícito, o previsível e o inesperado, de modo 
a seconstituir num todo informativo c atraente.
37
Além da inconveniência de uma análise frag­
mentária de cada componente textual considera­
do, há a Improcedência de um exame dos três co­
mo fatores absolutamente estanques. O que se de­
preende da conceituaçào estabelecida e dos cri­
térios esboçados é que eles são faces imbricadas 
de mesmo corpo. O que afeta um deles, em ge­
ral, tem implicação sobre os outros também. Sua 
separação só se obtém artificialmente, para aten­
der á necessidade dc análise (“dividir para domi­
nar").
Vejamos: a coesão é a manifestação lingüís­
tica da coerência e, assim, a ela está inquestio­
navelmente associada; a informatividade se aplica 
tanto sobre uma quanto sobre a outra e, mais que 
isso, localizada no terreno cognitivo, guarda pon­
tos de interseção com a coerência. Há problemas 
de difícil delimitação que se espraiam por mais 
de uma área. Por exemplo: até que ponto um a la­
cuna na configuração conceituai do texto é pro­
blema de informatividade (insuficiência de dados) 
ou de coerência (falta de articulação)? Ou. ainda, 
em que medida a rup tu ra com modelos cogniti­
vos usuais representa ganho para a informativi­
dade (imprevisibilidade) ou perda para a coerên­
cia (contradição entre o mundo textual e o m un­
do real)? Problemas semelhantes podem ser apon­
tados também no que respeita à coesão: qual o 
limite entre um arran jo sintático inusitado, que 
favorece a originalidade, e uma infração, que pre­
judica a coesão textual?
Em razão do que foi apresentado, o que me 
preocupou na análise das redações foi identifi­
car com a maior nitidez possível os problemas
38
existentes, com a finalidade de tentar comprccn- 
der as reais dificuldades que eles representam. 
Assim, foi mais importante para mim perccbcr 
todas as ramificações e implicações de um mes­
mo problema do que buscar, artificialmente, 
isolá-lo do conjunto em que figura para identificá- 
lo c computá-lo como ocorrência individual. O ob­
jetivo foi perceber cada texto como um todo c che­
gar a um julgamento mais legítimo, mais próxi­
mo do que se passa dc fato no proccsso comuni­
cativo. Um julgamento que não se funda em pa­
râmetros rígidos, mas na realidade que o texto 
propõe; porem, um julgamento com inevitável 
margem dc subjetividade.
39
SEGUNDA PARTE
RELATO DE UMA ANALISE
CAPITULO 3
AS C O N D IÇ Õ E S DE PRODUÇÃO
Antes de passar à análise da coerência, coe­
são e informatividade das redações estudadas, é 
preciso deter a atenção sobre as condições de pro­
dução desses discursos, o que significa avaliar o 
papel dos fatores pragmáticos (situacionalidade, 
intencional idade e aceitabilidade) sobre a textua­
lidade desses textos específicos.
I. As contingências histórico-políticas
As redações que compõem o corpus foram 
produzidas no vestibular/UFMG realizado em ja­
neiro de 1983.
Nessa época o Brasil vivia o início do proces­
so de redemocratização. No âmbito federal, ea-
43
minhava para o fim o último governo de um a fa­
se de 21 anos de au to ri ta r ism o. No âm bito es ta ­
dual, tom avam posse os governadores eleitos di­
re tam ente em novem bro de 1982, depois de lon­
go período cm que esses cargos e ram preenchi­
dos por escolha pessoal e exclusiva do prim eiro 
m anda tá r io do país. A anistia política fora con­
quistada, já se p renunciava a Nova República e 
a cam panha pelas eleições diretas para presiden­
te começava a g an h a r as ruas.
Economicam ente, no entanto , o Brasil en ­
frentava u m a crise cujos reflexos mais dolorosos 
e ram a recessão e o desemprego. Essas dificul­
dades não e ram exclusivamente nacionais. Afe­
tavam, naquele momento, até os Estados Unidos 
c os países ricos da Europa. Aqui, a s i tuação sc 
mostrava particularmente grave c, em função dis­
so, caracterizava-se com nitidez um processo de 
ac irram en to da violência, sobre tudo nos centros 
urbanos. A população via-se, então, dup lam ente 
ameaçada, pelo desemprego e pela insegurança.
Todos esses co m p o n en te s do con tex to 
histórico-político-social são im portan tes porque 
integram o conjunto de conhecim entos e vivên­
cias par ti lhados pelos p rodu to res dos textos, os 
candidatos ao vestibular, e pelos seus recebedo- 
res compulsórios, os examinadores. Esses dados 
assum em p a r t icu la r relevância quando se sabe 
que o tema proposto para a redação foi violên­
cia social, assun to d ire tam en te dependente des­
sas contingências históricas. Não seria possível 
um a avaliação consistente da coerência ex terna 
e da inform atividade das redações sem levar em 
conta esse quadro político-cconômico-social.
44
2. O c o n te x to im ed ia to : o v e s t ib u la r
As redações analisadas fizeram parte da pro­
va de Língua Portuguesa e L itera tura Brasileira, 
aplicada na segunda e tapa do vestibular, de ca­
rá te r classificatório. Todas as provas dessa e ta­
pa foram compostas de questões abertas; as ques­
tões de múltipla escolha se lim itaram à primei­
ra etapa, eliminatória.
É fundam ental o fato de se t ra ta r de prova 
de vestibular, situação fortemente impregnada de 
carga ideológica, que lhe a tr ibui o papel mágico 
dc porta dc felicidade: u l t rap assa r esse umbral 
significa ob ter garantia absoluta de sucesso pro­
fissional e financeiro. O exame ganhou a dimen­
são de um rito de passagem, através do qual o jo ­
vem adolescente atinge a categoria de adulto res­
ponsável, socialmente integrado e bem-sucedido.
Em função desse mito, o concurso se realiza 
sob grande tensão c é, em geral, muito competi­
tivo. Em 1983, na UFMG, foram selecionados pa­
ra a segunda etapa, para todos os cursos, dois pre­
tendentes para cada vaga. N um a situação como 
essa, o candidato tem consciência de que seu de­
sempenho c decisivo e realiza um grande esfor­
ço dc auto-superação. Não bas ta fazer boas pro­
vas, é preciso fazer provas m elhores que as dos 
concorrentes, pois a segunda etapa é classifi-
catória.
Outra conseqüência do mito em que se trans­
formou o vestibular é a ncurotizante preparação 
a que se submetem os candidatos. A realidade 
atual é que praticamente todo o ensino, desde o 
1? grau, se orienta pela filosofia adm itida c pelo
45
modelo de provas adotado no vestibular. No 2? 
grau a situação se agrava e o último ano imedia­
tamente anterior ao exame é, de modo geral, de­
dicado a ele de maneira intensa e exclusiva. Há, 
então, nos colégios e nos cursinhos preparatórios, 
a preocupação de, além de dotar os alunos dos co­
nhecimentos e habilidades necessários a quem se 
destina a um curso universitário, fornecer-lhes os 
truques c macetes considerados indispensáveis a 
um bom êxito nas provas.
No caso em loco, a preparação específica se 
orienta por parâmetros previamente delimitados. 
Sabe-se que, além da redação, o candidato deve­
rá responder a questões discursivas nas quais o 
seu desempenho lingüístico, em termos de "cor­
reção gramatical", também estará em julgamen­
to. Isso significa que, normalmente, os competi­
dores se submetem a um intenso treinamento pa­
ra obter o domínio da língua padrão na modali­
dade escrita. O próprio programa do concurso ves­
tibular estabelece os critérios de avaliação e, quan­
to à redação, estipula que tipo de texto os candi­
datos deverão elaborar:
O que sc espera em termos de reda- 
çào são habilidades de exposição de 
idéias e de argumentação em tomo dc de­
terminado problema. O tema será, pois, 
de tal natureza que conduza o candida­
to a demonstrar tais habilidades.
Revela desempenho satisTatório do 
candidato em expressão escrita um tex­
to com as seguintes características:
— organização adequada cm torno 
de uma idéia central;
— estruturação das idéias de tal ma­
neira que se identifique uma in­trodução. um desenvolvimento c 
uma conclusão;
46
— divisão adequada das idéias cm 
parágrafos, c, em cada parágrafo, 
divisão adequada das idéias cm 
períodos;
— ordenação lógica e coerente das 
idéias, com uso apropriado das 
partículas de transição e palavra 
de referência;
— expressão das idéias com clareza 
e concisão, sem pormenores ex­
cessivos, redundâncias, palavras 
e expressões desnecessárias;
— uso de vocabulário exato, preciso 
e adequado;
— uso conveniente dos processos de 
coordenação e da subordinação 
de idéias;
— adequação da modalidade de lín­
gua usada ao tratamento escolhi­
do para o tema;
— uso adequado e correto dos sinais 
de pontuação;
— uso correto das estruturas da lín­
gua escrita (morfologia e sintaxe);
— correção ortográfica.
(MEC/UFMG. Normas gerais. Pro­
gramas das provas de Língua Portugue­
sa e Literatura Brasileira íl ? e 2? etapas). 
Guia dc. inscrição do vestibular 1983, p. 7)
Quanto à relação entre intencional idade e si- 
tuacionalidade, o que se pode supor é que o forte 
desejo de ser aprovado e a competitividade do con­
curso levarão o vestibulando a se empenhar para 
produzir um texto de acordo c o n as exigências 
do programa.
3. Os produtores dos textos
A p a r t i r de um Questionário de Informações 
Sócio-econômicas elaborado pelo MEC e aplicado
47
a todos os inscritos no vestibular UFMG/1983, foi 
possível delinear o perfil da amostra de cem can­
didatos ao curso de Letras cujas redações anali­
sei. Seus integrantes, em sua maioria indivíduos 
com idade entre 17 e 22 anos, trabalhavam e con­
tribuíam para a renda familiar na ocasião do con­
curso. A maior parte deles provém de famílias em 
que o pai e a mãe têm nível médio de escolarida­
de, o pai é profissional dc nível médio c a mãe é 
dona-de-casa. No 2? grau, a maioria deles estudou 
em escola particular, duran te o dia, fazendo cur­
so regular (c não supletivo ou madureza), e não 
freqüentou cursinho.
Foi possível também confrontar esse perfil 
com o do universo dos concorrentes à UFMG na 
segunda etapa do vestibular (6.914 candidatos) e 
constatar que os dois grupos apresentavam carac­
terísticas sócio-econômicas equivalentes, à exce­
ção de dois fatores: a participação na renda fami­
liar e a freqüência a cursinho. A maioria dos ves- 
tibulandos UFMG/1983 (segunda etapa) não traba­
lhava na época do exame e freqüentou algum cur­
so pré-vestibular.
As circunstâncias específicas do vestibular co­
locavam cm situação equivalente os produtores 
dos textos analisados (bem como todo o conjunto 
de candidatos que chegaram a fazer a redação). 
Todos eles já haviam concluído o 2? grau e, no ves­
tibular, já haviam sido aprovados nas provas da 
etapa eliminatória, ou seja, já haviam passado por 
uma dupla seleção.
A particularidade de os integrantes da amos­
tra serem concorrentes ao curso de Letras susci­
ta a hipótese de que eles tenham em comum o pen­
dor e o gosto pelo tra to com a linguagem, carac­
48
te rís tica que os distinguiria dos demais candida­
tos. Tal hipótese não encontrou respaldo num in­
d icador quantitativo levantado: as notas das re­
dações.
A questão de redação valeu 12 (doze) pontos, 
sendo a nota média, portanto, 6 (seis). Nos dois 
grupos, a média aritmética das notas ficou em tor­
no de 6 (seis) e a moda, também para os dois g ru ­
pos, foi 6 (seis).
Os pontos aqui levantados para a caracteri­
zação da am ostra serão retomados na conclusão, 
porque eles é que dão a medida da sua represen- 
tatividade c, por conseguinte, do alcance das pos­
síveis generalizações a serem postuladas.
4. Implicações do contexto pragmático
Como já disse, as circunstâncias históricas do 
momento de produção das redações têm particu­
lar im portância no caso em exame, em razão do 
assunto proposto como tema, d iretam ente vincu­
lado à realidade circundante. Tal fato determinou 
que, afinal, o material cognitivo com que os ves- 
tibulandos trabalharam em seus textos fosse fun­
dam entalm ente o mesmo, o que não ocorreria se 
a proposta dc redação ensejasse a criação de um 
texto com base cm vivências pessoais.
Outros elementos condicionantcs decorrem 
do fato de os textos integrarem uma prova de ves­
tibular. A situação comunicativa é absolutam en­
te artificial. O produtor do texto não é dono do 
seu assunto, nem da forma do seu discurso. Vê- 
se na contingência de discorrer sobre o tema que 
lhe for imposto, nos moldes preestabelecidos pelo
49
program a do concurso. O recebedor é ignorado, 
porem compulsório. Não se trata de um a pessoa 
a quem o produtor queira dizer alguma coisa, mas, 
pelo contrário, trata-se de um desconhecido que, 
caneta vermelha em punho, poderá barrar-lhe a 
entrada na universidade. A relação que se estabe­
lece en tre os interlocutores, em razão dos luga­
res que ocupam, é uma relação de poder, em que
o produtor se submete ao que ele imagina sei a 
vontade do recebedor. Esse jogo de representações 
mentais, no entanto, sc processa de form a distor­
cida, porque os protagonistas de lato não se co­
nhecem e se baseiam cm suposições estereotipa­
das sobre a figura do outro. Mais um artificialis- 
mo resulta do próprio objetivo do pretenso ato de 
comunicação. A intenção nào é dizer alguma coi­
sa, mas demonstrar que se tem o domínio de uma 
modalidade do código c. com isso, angaria r apro­
vação no concurso. Nesse caso, às vezes, pode ser 
mais conveniente se esconder do que se mostrar, 
dizer não o que realmente se teria a dizer, mas ape­
nas o dizível, o considerado adequado para a cir­
cunstância. Assim, os objetivos do produtor, as­
sociados àquilo que ele imagina ser a expectativa 
do recebedor, vão exigir um severo direcionamen­
to da situação no sentido da conquista da meta 
planejada. Noutros termos, intencional idade, acei­
tabilidade e situacionalidade vão se conjugar pa­
ra exigir a auto-superação do candidato com vis­
tas à produção de um texto o mais próximo pos­
sível do padrão considerado desejável.
As contingências apontadas autorizam algu­
mas expectativas. O curso a que sc destinam os 
candidatos, sua prévia seleção e suposta cuidado­
sa preparação, a importância social c a competi-
50
lividade do curso conduzem à hipótese dc que ti­
re em mãos um elenco de produções lingüísticas 
com alto padrão de textualidade. Por outro lado, 
fatores correlatos levam a esperar baixo grau dc 
informatividade nas redações: todas elas inte­
gram a m esm a prova, tra tam do mesmo tema, 
proposto no mesmo momento. Foram elaboradas 
por pessoas sujeitas às mesmas condições histó­
ricas e culturais, pertencentes, em sua maioria, 
a m esm a classe social e à mesma faixa etária, su­
postamente com a mesma habilitação e aptidão, 
que provavelmente se subm eteram a uma prepa­
ração de tendência despersonali/an te e que pre­
sumivelmente procuraram cum prir as exigências 
do programa.
Os fatores que sugerem a segunda hipótese 
pesaram mais que aqueles que dão origem à pri­
meira. De início, um indicador disso foi a d istri­
buição de freqüência das notas de redação, que 
revelou um a concentração em torno de 6 (seis), 
tanto para a amostra analisada quanto para o uni­
verso dos vestibulandos UFMG/1983 (segunda eta­
pa). A análise qualitativa das redações vai confir­
m ar essa suposição.
SI
C A P I T U L O 4
A C O E R Ê N C I A . A C O E S Ã O 
E A I N F O R M A T I V I D A D E : B R E V E E S T U D O 
Q U A N T I T A T I V O
A análise quantitativa não constitui o foco dc 
interesse deste trabalho. Os núm eros que ap re ­
sento rap idam ente aqui têm apenas a função de 
possibilitar uma visão panorâmica do que foi apu­
rado no exame do corpus e, assim, m arca r um 
ponto de pa r t id a para a análise qualitativa.
Computando quantas redações apresentaram 
uma ou mais infrações a cada condição conside­
rada, obtive os resultados constantes da Tabela
1 a seguir.
53
TABELA 1
INFRAÇÕES AS CONDIÇÕES DC TEXTUALIDADE CONSIDERADAS
Fatores Condições
% de Redaçócs 
com Infração
C ontinuidade 32
Progressão 30
Coerência
Não-con trad ição 
in te rn a 33
externa 64
A rticulação
presença 56
pertinência 56
C ontinuidade 60
Coesão
P rogressão 12
\à o -c o n trad ição 51
A rticulação 36
Suficiência de dados 65
Inform atividade Im previsib ilidade 87
A Tabela 1 m o s tra que a in fo rm ativ idade foi 
o fa to r cm re lação ao qual houve m a io r núm ero 
dc redações com problem as: 87% de las fe riram 
a condição de imprevisibilidade e 65%, a de su fi­
ciência de dados.
Em segundo lugar vem a coerência. Assina­
lo que os aspec tos que têm a ver com a o rgan iza­
ção conceituai in terna do texto, à exceçào da con­
dição de articu lação interna ("presença"), se apre­
sentam falhos num percen tual re la t ivam ente bai­
xo de redações (cm to rno dc 30%). J á as condi­
ções de não-contradição externa c dc pertinência 
da articulação estabelecida se m o s t ra ra m proble­
m áticas c m m ais da m etade dos textos.
A coesão foi o fa to r que sc ap re se n to u defi­
ciente num percentual m en o r dc redações. O em ­
prego dc recursos lingüísticos que deno tam a pro-
54
gr es são (a estruturação de frases e parágrafos em 
função das relações entre dado e novo e entre tó- 
d í c o e comentário, o uso de mecanismos de cria­
ção de foco) sc mostrou inadequado num percen- 
:ual pouco signif icativo de redações (12%). Os me­
canismos de junção e os articuladores do discur­
so, que servem à inter-relação das idéias do tex­
to, foram mal empregados em 36% das redações.
O alto índice de redações com problemas 
quanto à condição de não-contradição (51%) se 
explica em função do grande núm ero de falhas 
na área léxico-semântica: em 43% das redações 
foram constatadas impropriedades vocabulares 
que configuravam contradição entre o significan- 
te empregado e o significado cabível. Em 8% fo­
ram encontrados problemas concernentes ao uso 
de tempos e modos verbais, que redundam em 
contradições no regime enunciativo do texto.
Os recursos lingüísticos que expressam a 
continuidade tiveram utilização inadequada em 
60% das redações. Esse percentual, em desacor­
do com os 32% de redações afetadas por proble­
mas de continuidade no plano da coerência, exi­
ge um esclarecimento. Esse desacordo significa 
que, em m uitos casos, a re tom ada de elementos 
era feita sem problemas no plano conceituai, mas 
se apresentava mal expressada na superfície 
do texto. Era possível perceber com nitidez que 
elemento estava sendo retomado, a retomada 
e ra pertinente, mas não havia, por exemplo, con­
cordância en tre o pronome e seu antecedente, 
ou entre o verbo e o sujeito elíptico. Os pronomes 
anafóricos e a elipse, aliás, foram os mecanis­
mos de expressão da continuidade que apare­
55
ceram mal em pregados com m aior freqüência no 
cor pus.
A T abe la 2 a segu ir re su m e e to rna de fácil 
v isualização o que foi dito nos ú lt im os p a rág ra ­
fos a p ro p ó s i to do em prego dos recursos de coe­
são:
TABELA 2
1 \ FRAÇÕES RELATIVAS AO EMPREGO ÜH RECURSOS COESIVOS
Condiçóes M ecanismos de coesão
% de Redações 
com Problemas
Continuidade
Pronom es anafóricos 
Elipse
substitu ição por zero 
concordância com sujeito elíptico 
D eterm inação por artigo deíinido 
Recorrência lexical 
Substitu ição lexical
32
02
10
06
04
06
TOTAL 60
Progressão
Relações en ire dado e novo 
Relações en tre tópico e com entário 
Mecanismos de criação dc foco
02
09
01
TOTAL 12
N'áo-contradiçáo
Tempos e modos verbais 
Compat ibilidade léxico-semântica
08
43
TOTAL 51
Articulação Mecanismos der junção e articuladores 36
TOTAL 36
É de in te resse re ssa l ta r que, indiv idualm en­
te, os itens que se a p re se n ta ram problem áticos 
em m aior núm ero de redações foram: o em prego
56
do vocabulário (43% dos textos com casos de con­
tradição léxico-semântica); o uso de mecanismos 
de junção e articu ladores do discurso (36% dos 
textos com problemas); o uso de pronomes ana- 
(o ricos (32% das redações com problemas de falta 
de concordância, ambigüidade, etc.). Os outros 
itens constantes da Tabela mostram índices pou­
co ou nada significativos, o mais alto deles a tin­
gindo apenas 10%. Esse levantamento é impor­
tante como diagnóstico e sugere um a nova área 
de trabalho no cuidado com o aspecto formal da 
redação.
57
CAPÍTULO 5
A C O E R Ê N C I A . A C O E S Ã O 
E \ I \ TF O R M A T I V I D A D E : A N Á L I S E Q U A L I T A T I V A
Neste estudo qualitativo pretendo demons­
t r a r quais foram os problemas constatados nos 
textos e que interpretação eles receberam. Para 
tanto, vou transcrever14 e analisar algumas re­
dações em que essas dificuldade aparecem bem 
caracterizadas e são representativas do que ocor­
reu com freqüência no corpus.
A intenção é apresentar exemplos caracterís­
ticos de infração a cada condição de textualida- 
dc fixada. Como não foi possível encontrar tex­
tos cu jo único problema fosse uma falha bem de­
lineada com relação a uni determinado requisi­
to, decidi apresentar a análise integral da reda­
ção escolhida para ilustrar o não-cumprimento 
de cada condição, destacando as dificuldades eon-
59
cernentes à realização cio requisito em 1'oco, mas 
não ignorando as eventuais falhas relativas a ou­
tras condições. Posto que o corpus me oferecia 
mais de um texto com ocorrência típica e inte­
ressante de infração relativa a cada condição, ou 
me oferecia textos com manifestações diferentes 
do mesmo problema, julguei pertinen te traze r à 
m ostra mais de um a redação, em alguns casos.
1. Em foco: p roblem as relativos à coerência 
e à coesão
1.1. Falha na realização do requis ito 
de continuidade
REDAÇÃO N? 41
O homem como fruto do meio
O homem é produto do meio social 
cm que vive. Somos todos iguais e não 
nascemos com o destino traçado para fa­
zer o bem ou o mau.
O desemprego, pode ser considera­
do a principal causa de tanta violência. 
A falta de condições do indivíduo em ali­
mentar a si próprio e sua família.
Portanto é coerente dizer, mais em­
prego, menos criminalidade. Um empre­
go com salário, que no mínimo supris­
se o que é considerado de primeira ne­
cessidade, porque os sub-empregos, es­
ses, não resolvem o problema.
Trabalho não seria a solução, mas 
teria que ser a primeira providência a 
ser tomada.
60
Existem vários outros fatores que 
influenciam no problema como por 
exemplo, a educação, a falta de carinho, 
essas crianças simplesmente nascem, 
como que por acaso, e são jogadas no 
mundo, tomando-se assim pessoas re­
voltadas c agressivas.
A solução é alongo prazo, é cuidan­
do das crianças, mostrando a elas a es­
cala de valores que deve ser seguida.
E isso vai depender de uma cons­
cientização de todos nós.
A descontinuidade é f lagrante nesse texto, 
mas aparece aí associada à desarticulação. E não 
são esses os únicos problemas. Vejamos a análise.
A e s t ru tu ra formal da redação corresponde 
á organização do texto dissertativo e atende, pois, 
às exigências do programa: um parágrafo in tro­
dutório, qua tro dc desenvolvimento e dois reser­
vados à conclusão. De início, um núm ero tão 
grande de parágrafos num texto relativamente pe­
queno faz suspe ita r de um a certa fragmentação.
O título e a prim eira frase lançam uma idéia 
que não se rá mais re tom ada explicitam ente na 
redação e que só à custa de algum esforço do rc- 
cebedor pode ser relacionada com os fatos e con­
ceitos expostos. Não é imediataa com preensão 
de que ap on ta r o desemprego (...), a educação e a 
falta de carinho como responsáveis, respectiva­
mente, pela criminalidade e pela revolta e agres­
sividade das pessoas co rresponda a dem onstra r 
que o homem é fru to do meio. É difícil também, 
à prim eira leitura, descobrir em que c como a se­
gunda frase da introdução pode se ligar à primei­
ra. Na verdade, quem acred ita que o meio de te r­
mina a personalidade e o comportamento das pes­
61
soas não pode scr fatalista, não pode acreditar 
em destino. Mas, no caso cm foco, essa relação 
tem que ser processada pelo leitor, o texto não 
lhe fornece sequer um a ajuda. E, mesmo depois 
dc algumas leituras, continua difícil para mim en­
tender o que tem a ver o fato de sermos todos 
iguais com a idéia dc que o hom em è produto do 
meio.
Reconheço, então, até aqui, no plano da coe­
rência interna, falhas relativas à condição de con­
tinuidade e à de articulação. Considero que es­
ses problemas dizem respeito mais à coerência 
que à coesão, na medida em que não se resolve­
riam pelo simples acréscimo de um ou ou tro re­
curso coesivo. Para saná-los seria necessário ex­
plicitar conceitos c relações, elementos integran­
tes da m acroes tru tu ra lógico-semântico-cogniti- 
va, isto é, da coerência.
Vêm a seguir, na redação, três parágrafos in­
terligados entre si, girando em torno da idéia dc 
que o desemprego é causador da violência. A rup­
tura entre a in trodução c esse trecho é chocante 
para o leitor, que, estupefato, se pergunta: que 
desemprego? que violência? o que tem isso a ver 
com o meio social, a igualdade entre os homens 
e a não-p redes ti nação?
Aí, a descontinuidade se m ostra também no 
plano da coesão. Na expressão tanta violência tc- 
mos, ou um determinante endofórico sem cor re­
ferente, ou um determ inante exofórico. Não há 
meio dc recobrar, no texto, o seu antecedente. O 
intensificador remete, em prim eira instância, à 
situação específica de produção do texto (o tema 
proposto para a redação, que, afinal, não integra
62
o texto), e, em segunda instância, ao contexto his­
tórico do m omento (a exacerbação dc\ violcncia no 
Brasil). Mas não remete a nenhum elemento do 
próprio texto. Outro problema de coesão apare ­
ce na frase seguinte, que pretende ser uma frase 
nominal, com predicado elíptico. Entretanto, es­
se recurso não foi bem aplicado, de modo que o 
que resulta p a ra o leitor é a impressão de incom- 
p le tude da sentença.
A passagem para o terceiro parágrafo traz no­
vos tipos de problema. A afirm ação de que o de­
semprego é a principal causa de tanla violência é 
seguida imediatamente da conclusão de que mais 
emprego implica menos criminalidade. Ou seja, os 
valores dos termos da prim eira proposição sim­
plesmente foram invertidos. A equação foi m ult i­
plicada por ( 1):
-em prego= + violência —>+emprcgo= -violência
Nenhum argum ento foi apresentado para 
comprovar ou justificar a relação estabelecida en­
tre os dois latos. 0 raciocínio é circular, tautoló- 
gico, e constitui uma infração localizada à condi­
ção de progressão. Além disso, traz problemas 
tam bém à área da informalividade, com respeito 
à suficiência de dados e a imprevisibilidade. A 
idéia de que desemprego gera criminalidade é tão 
corriqueira, tão previsível, tão de todos, que o pro­
d u to r do texto a toma por verdade inquestioná­
vel, que dispensa comprovação. Observe-se que o 
emprego do articu lador lógico portanto não im­
pediu a falha na e s t ru tu ra conceituai.
O ou tro parágrafo infringe a condição de não- 
contradição interna, na medida em que nega ser 
o trabalho a solução, depois de o texto ter apon­
63
tado a falta de traba lho como a princ ipa l causa 
da violência. E ssa contradição decorre da não- 
explicitação de conceitos e relações (desarticula­
ção e insuficiência de dados): o texto n ào forne­
ce os elementos necessários para sc com preen ­
der por que o trabalho nào seria solução e que pro­
videncias deveriam ser tomadas.
O parágrafo seguinte trata de ou tra questão, 
cuja relação ind ire ta com o título e a in trodução 
tem que ser, como disse, mediada pelo recebedor. 
A continuidade é aí p rejudicada tam bém no ní­
vel da coesão, p o r duas ocorrências: a) a palavra 
problema, em pregada como pró-forma nominal, 
sem referente claro (problema = o homem ser I ru- 
to do meio?/problcma = violência?/problema 
incapacidade do indivíduo de sup rir suas necessi­
dades?); b) um pronome anafórico sem anteceden­
te expresso na superfíc ie textual (essas crianças). 
Alem disso, há um a ocorrência que configura con­
tradição léxico-semântica: educação e falia de ca­
rinho não podem ser tomadas equivalentem ente 
como fatores que influenciam no problema por­
que educação não é problema, devia ser solução...
A conclusão do texto se aplica apenas ao pa­
rágrafo im ediatam ente an te r io r e não à integri­
dade da redação. Ou seja, as idéias lançadas na 
introdução e na prim eira parte do desenvolvimen­
to são esquecidas, não ganham seqüência, não são 
levadas a termo. Vê-se, então, que, nessa redação, 
o problem a da descontinuidade é m acroes tru tu - 
ral, perpassa todo o texto.
Há ainda, na conclusão, falhas q u an to aos 
dois aspectos da informatividade. O u tra vez são 
lançadas idéias es tereo tipadas sem d iscussão
64
nem esclarecimentos. O leitor cuidadoso fica sem 
respostas: que escala cie valores? por que deve ser 
seg u id a ? o que se en tende por conscientização? 
com o c por que a solução depende da conscienti­
zação de todos nó s?
Uma últim a observação: a redação 41, com 
problem as na realização da coerência, da coesão 
c da inform atividade que degradam seu padrão 
dc textualidade, não ap resen ta desvios significa­
tivos da norm a culta e t raz poucas falhas no to­
can te ã utilização do código escri to (ortografia e 
pontuação).
1.2. Falha na realização do requ is i to de 
progressão
REDAÇÃO N? 93
Violência Social 
A sociedade em desarmonia
A cada dia que passa a violência so­
cial aumenta. A sociedade não consegue 
viver em harmonia.
O que acontece com as pessoas, é 
que elas não conseguem chegar a um re­
sultado comum. A agressão, tanto físi­
ca, como moral é mais uma rotina de 
nossos dias. As constantes guerras, são 
imagens de total falta de conscientiza­
ção com a vida do próximo.
A desarmonia entre os povos acar­
retará conseqüências trágicas sem qual­
quer benefício. As pessoas são egoístas 
só pensam em si mesmas, não se preo­
cupam com seu semelhante. No mundo 
dc hoje há poucas pessoas que lutam por 
dias melhores.
65
Sendo assim, a tendência é o aumen­
to da violência com resultados irrepará­
veis. As pessoas se afastam umas das ou­
tras a cada momento. Vivem assim em 
plena desarmonia.
Esta redação exemplifica t ip icam ente o pro­
blem a da falta de progressão no âm b ito textual. 
A rigor, co m p o r ta um a única idéia, ex p ressa no 
títu lo e repe tida e p a ra f ra sead a em todos os pa­
rágrafos: a d esa rm on ia da sociedade atual.
A in trodução declara que há violência e não 
h á harm onia . O pr im eiro p a rág ra fo do que de­
veria se r o desenvolvim ento p a ra f ra se ia a de­
c la ração de que não há h a rm o n ia (as pessoas 
não conseguem chegar a u m resultado com um ) 
e a p re se n ta exem plos de violência (a agressão 
tanto física com o moral e as constantes guer­
ras). O p a rág ra fo seguinte re tom a a q u es tão da 
desarm onia , p a ra dizer que ela acarretará con­
seqüências trágicas sem qualquer benefício, mas 
não esc larece q ua is são essas conseqüênc ias ou 
esses benefícios. Ê re tom ado tam bém um a rg u ­
m ento lançado no parág rafo a n te r io r e que se 
m o s t ra como ca u sa ou explicação para a violên­
cia e a desarm onia : as pessoas são egoístas (...), 
não se preocupam com o sem elhante (...) lu tam 
por dias melhores. Daí o p ro d u to r do texto in­
fere que a violência vai au m en ta r , com resul­
tados irreparáveis ( = conseqüências trágicas) c 
que as pessoas vivem em plena desarmonia. To­
do o con teúdo sem ântico dessa redação pode 
se r expresso n u m a frase: na sociedade atual há 
violência e desarm onia , porque as pessoas são 
egoístas.
66
Alem de se rep e t i r in te rn am en te , as poucas 
idéias que o tex to traz não são mais que rep e l i ­
dos e d esgas tados lugares-com uns. E ai tam bém 
apa rece , com o c o r re la ta do em p reg o de clichê, a 
au sên c ia de reflexão so b re o p rob lem a, a não- 
apresen tação de explicação ou esclarecim ento so­
bre as a f irm ações feitas, o que im pede o leitor 
de ir um m il ím e tro a lém das dec la rações s u p e r ­
ficiais e pouco significativas do texto. 1 lã um a sé­
rie do que Pécora (1983: 77) ch a m a de “vácuos se­
mânticos", à e sp e ra de significação: v ive re m har­
m o n ia , resultado c o m u m , falta de conscien tiza­
ção, conseqüências trágicas, benefício, dias m elho­
res, resultados irreparáveis. A redação fere, assim, 
as condições de sufic iência de dados e de impre- 
visibilidade. Do ponto de v is ta sem ân tico e cog­
nitivo, esse texto não a p re s e n ta e lem entos que 
ju s t if iq u em su a existência.
No plano da expressão , a redação se com põe 
de poucas frases, cu r ta s , todas elas na o rd em di­
reta, independentes ou coo rdenadas e n t re si. To­
das as p roposições são co locadas no m esm o p la­
no, a ss inde t icam en te , não há en tre e las seq u e r 
um a relação de subordinação . São usados apenas 
dois a r t icu lad o res , quase iguais, com o m esm o 
sen t id o c a m e sm a função de in t ro d u z ir as p re ­
tensas conclusões — sendo assim e assim. N ão há 
nada que se p o ssa c h a m a r de infração, m as a es- 
t r u lu r a in form acional, r e c u rso de coesão re la t i ­
vo às técnicas de a r r a n jo das in form ações segun­
do sua novidade ou relevância , é m onótona, p o r ­
que repete se m p re o e sq u em a mais com um , não 
m arcado , com exceção ap e n a s da p r im e ira f rase
do segundo paictgrafo, em que se em p reg a um
67
m ecanism o c r ia d o r de foco (o que acontece... e... 
que).
Os períodos cu r to s e não ligados p o r conec­
tores resultam num texto fragmentado, cujas fra­
ses não se engatam . As relações dc sentido não 
progridem , com o dir ia M arcuschi (1983), não se 
desenvolvem, pois o único vínculo en t re as p ro­
posições é a re ite ração lexical pura c sim ples ou 
a paráfrase. Neste texto, a fragilidade coesiva es­
pelha as falhas na coerência e na informatividade.
Entre tan to , a redação é certinha, cum pre 
com as exigências do p rogram a do concurso. Exi­
be um a introdução, dois parágrafos de "desen­
volvimento" e um a pseudoconclusão, devidamen­
te in troduzida por um sendo assim. Não há des­
vios da morfo-sintaxe padrão, a ortografia oficial 
é respeitada, os únicos e r ro s concernem à pon­
tuação: duas vírgulas que sobram e uma que falta.
1.3. Falha na realização do requ is i to de 
nào-contradição
REDAÇÃO NV 49
Violência Social
A violência social tem acentuado no 
decorrer dos tempos, devido a vários fa­
tores como: o desemprego, o analfabe­
tismo c* a discriminação social.
A primeira causa que conduz vários 
indivíduos a violência é o desemprego, 
constante cm nossos dias e que sem te­
rem condição de trabalho, ficam angus­
tiados, deprimidos e partem pai a o as­
salto, seqüestro, com armas, ferindo
68
homens inocentes e vítimas da revolta 
d o s v io len to s .
Já a segunda, impede a valorização 
de várias pessoas dentro da sociedade, 
distanciando homens da nossa cultura 
e informação, tornando-os rudes, agres­
sivos e levando-os a violentarem pes­
soas. tanto fisicamente como moralmen­
te.
Por último, a discriminação social 
leva à separação de classes, tornando 
prejudicados os humildes, sem chance 
de integração social, que assumem pa­
péis secundários e muitas vezes despre­
zíveis. 0 Povo sente na carne e nasce um 
clima de rivalidade acentuada, que acar­
reta o ódio e conseqüentemente, leva ao 
crime.
Portanto, se levarmos em conside­
ração estas três causas citadas acima, 
observaremos que são fortes e levam o 
homem ao desespero. Devemos superá- 
las, através da conscientização dos pro­
blemas, resolução dos mesmos, acaban­
do com as limitações sociais e fazendo 
justiça à massa popular.
Esta redação, como a seguinte, identifica vio­
lência social com criminalidade urbana, em bora 
tal identificação não venha explícita. Só a p a r t i r 
dessa delim itação de sentido é que é possível en ­
tender por que os l atorcs mencionados são lidos 
como causa, c não como efeito, da violência so­
cial. Este texto busca explicar um fenômeno so­
cial indicando os motivos que levam indivíduos 
a se to rnarem criminosos, c se m an tem coeren te 
nessa contradição, que é fru to de um a análise 
apressada e superficial do tema, problema detec­
tado tam bém na redação que se segue.
69
A contradição sc manifesta, também, numa 
série de ocorrências localizadas. A prim eira de­
las e o anacronism o presente logo na primeira 
frase, a qual, en tre outros fatores, toma um pro­
blema conjuntural do momento da produção do 
texto — o desemprego — como causa do agrava­
mento da violência social no decorrer dos tempos.
O utra contradição aparccc no terceiro pará ­
grafo. Ao explicar por que considera o analfabe­
tismo causa da violência, o produtor do texto faz 
uma afirmação incompatível com o que geralmen­
te se observa no m undo real: que os analfabetos 
são rudes e agressivos c violentam física e m oral­
mente as pessoas.
No parágrafo seguinte, localizo ou tra inver­
são entre causa e conseqüência (a discriminação 
leva à separação de classes) e uma contradição 
léxico-semântica na frase que diz os humildes, 
sem chance de integração social, assumem papéis 
secundários, muitas vezes desprezíveis. Ora, quem 
assum e um papel num a comunidade, ainda que 
esse papel seja secundário ou desprezível, está in­
tegrado nessa comunidade.
A conclusão, além do simplismo da propos­
ta de solução, lalha quanto à suficiência de da­
dos, na medida em que não fornece os elemen­
tos necessários para sc entender como superar as 
causas citadas, resolver os problemas, acabar com 
as limitações e jazer justiça à massa popular, tu ­
do isso simplesmente através da conscientização. 
Esse bloco de "noções confusas" e "provas de ca­
ráter moral" (cf. Pécora, 1983: 76-78) em nada con­
tribui para o equacionamento da questão.
De passagem, chamo a atenção para um pro­
blema de continuidade, no nível microcstrutural,
70
manifesto no m au emprego dc recurso coesivo in- 
tcrfrásico. Trata-sc da elipse mal aplicada do ter­
mo vários indivíduos, objeto direto dc conduz, no 
segundo parágrafo. Esse termo é recuperado clip- 
licamente, a través da concordância verbal, cm 
uma seqücncia dc orações já d istanciadas dele, 
das quais a p r im eira tende a se r in te rpre tada co­
mo oração adjetiva referente ao term o desempre­
go, candidato a antecedente mais viável, em ra ­
zão da proximidade.
Merece destaque a perfeita es tru turação for­
mal desse texto, que m ascara a sua fragilidade 
conceituai. Na introdução, o produtor indica três 
causas da violência social; tra ta de cada um a de­
las em um parágrafo do desenvolvimento, em pre­
gando com pertinência os mecanismos de coesão, 
e, em seguida, as retoma na conclusão, onde u ti­
liza,também com adequação, o a r t ic u la d o r lógi­
co poriunio.
Q uan to à correção, há apenas falhas sem im­
portância, referentes à pontuação c ao emprego 
dc maiúsculas.
REDAÇÃO N? 45
Violência Social
A violência social c gerada pelo pro- 
pio sistema. Ela existe a um longo tem­
po e acentuou-se nos últimos tempos de­
vido ao crescimento desordenado das 
grandes cidades.
O êxodo rural vem aumentando ca­
da vez mais c formando um crescimen­
to desordenado das áreas urbanas. Es­
tas pessoas não encontrando meios dc 
sobrevivência adequado, passam a viver
71
cm favelas. Nelas não existindo condi­
ções humanas como: higiene, escolas, 
hospitais, alimentação adequada, assis­
tência social, habitação, ira gerar uma 
serie de danos para esta população, co­
mo por exemplo o menor abandonado, 
que automaticamente sera um marginal 
para sociedade.
Esta população carente, ira lutar 
pela sobrevivência, lançando mão de coi­
sas ilegais como: trafico de drogas, rou- 
bous, contrabando, enfim uma série de 
coisas que levam a violência social. Pes­
soas que se desesperam com a falta de 
dinheiro, e como não conseguem arran­
jar emprego, partem logo para o lado do 
roubo.
O capitalismo centraliza o podei 
nas mãos de uma minoria, que controla 
lôdo o sistema, não havendo uma boa 
distribuição de renda, havera uma dis­
pu ta que gera em briga de classes.
Um pais para controlar este proble­
ma teria que investir em cima da educa­
ção destes menores, emprego a estas pes­
soas, e se possivel fazer um controle de 
natalidade, enfim dar condições huma­
nas para tòda esta população carente.
A redação n? 45 exibe oco rrênc ia s significa­
tivas, porque m uito reco rren tes no corpus , dc um 
tipo de con trad ição externa. Trata-se da g en e ra ­
lização indevida de afirmações que não podem ser 
estendidas, de m a n e ira im ediata e simplista, a to­
dos os indivíduos q u e se encon tram sob d e te rm i­
nadas condições. É a ap licação irre fle tida de um 
es te reó tipo c o r re n te c per igosam en te fa lseador 
de realidade.
Primeiro cia condena toda criança como m ar­
ginal nocivo à soc iedade e incrim ina toda a popu-
72
iação carente como culpada de irá fico de drogas, 
roubos e contrabando. Em seguida, afirma, pe- 
remploriamente, que as pessoas que não conse­
guem arranjar emprego partem logo para o lado 
do roubo. Essa radicalização não c compatível 
com a realidade. Há uma grave distorção em iden­
tificar toda a população pobre, em sua maioria 
trabalhadora e sacrificada, com uma minoria de 
marginais e criminosos.
Uma dessas afirmações da redação, além de 
contradizer a realidade, se mostra ambígua, di­
fícil de entender: o menor abandonado será um 
dano para a população favelada ou para o resto 
da sociedade? Será que cie, sendo um dano para 
esta população, se transformará automaticamen­
te num marginal para a sociedade? Como? Esse 
menor abandonado é uma decorrência da falta 
de escolas, do mesmo modo que endemias como 
a verminose seriam decorrentes da falta de higie­
ne, hospitais, alimentação adequada? Assim, as 
crianças, tanto quanto as doenças, constituiriam 
danos para os favelados?
Faltam elementos que possibilitem respostas 
a essas perguntas. Faltam informações, esclare­
cimentos quanto a determinados conceitos, e falta 
relação entre os conceitos apresentados. Com isso 
o texto fere também os requisitos de suficiência 
de dados e de articulação. Essas falhas no nível 
lógico-semântico-cognitivo se refletem na super­
fície textual, na forma de um período sintatica- 
mente mal estruturado, cujo sujeito é uma ora­
ção causai reduzida de gerúndio.
É curioso como, apesar dessa zona de turbu­
lência, a redação guarda alguma coerência no
73
âmbito global. À origem da violência c atribuída 
ao propio sistema, depois identificado com o ca­
pitalismo, centralizador de poder e riqueza e ge­
rador da briga de classes. O crescimento desorde­
nado das grandes cidades é apontado como cau­
sa imediata do acirramento recente da violência 
urbana c, cm seguida, é explicado pelo êxodo ru­
ral c a formação de favelas, consideradas autên­
ticos viveiros de delinqüentes: os menores aban­
donados e os adultos desempregados. A conclu­
são, então, aponta maneiras de remediar a situa­
ção: quanto aos menores, educá-los, se não for 
possível evitar que eles nasçam; quanto aos adul­
tos, dar-lhes emprego. Quer dizer: a conclusão 
propõe eliminar os danos e suas causas (a falta 
dc condições humanas).
A transformação do propio sistema, apontado 
como causa geradora da violência, é uma hipótese 
sequer cogitada. A substituição do capitalismo por 
um regime mais igualitário nem sequer é aventa­
da. A consideração dessa possibilidade, ainda que 
para demonstrar sua inviabilidade ou inutilidade, 
viria satisfazer à lógica interna do texto e daria 
mais consistência à argumentação. Tal como está, 
o raciocínio parece truncado, não acabado.
Apesar das falhas na estrutura lógico-semân- 
tico-cognitiva, na superfície a redação se mostra, 
em linhas gerais, certinha e organizada. Seu úni­
co problema formal significativo c a má es tru tu­
ração de um período do segundo parágrafo.
74
1.4. Falha na realização do requisito de 
articulação
REDAÇÀO N? 7
Violência Social
A violência em nosso pais esta a ca­
da dia que passa se acentuando mais, is- 
lo devido a diversos fatores podemos ci­
tar o fator economico a gananeia do ho­
mem pelo dinheiro, o desemprego dos 
pais, a falta de moradias, alimentação 
e educação impedem o de criar seus fi­
lhos dignamente dai a grande violência 
da sociedade o menor abandonado, que 
sozinho sem ter uma mão firme que o 
conduza pela vida, parte para o crime o 
roubo na tentativa de sobreviver.
A falta de terra para nossos indioscontri­
buindo assim para extinção da especie. 
A matança sem controle de nossos ani­
mais, a poluição de nossas aguas pelas 
industrias e a destruição de nossas ma­
las em nome de um progresso uma tec­
nologia importada a custo do sacrifício 
economico financeiro de nosso povo.
O homem se esqueceu dos fatores bási­
cos para sua sobrevivência em socieda­
de, a alimentação o trabalho e educação 
que cada dia que passa se torna mais di- 
ficil, a sua historia é o oxigênio que 6 fa­
tor principal para sobrevivência de qual­
quer ser, tudo isto pelo dinheiro pela 
maquina que o apaixona tornando o ce­
go para necessidades primarias da vida.
O homem caminha para sua própria 
destruição.
Essa redação beira os limites do não-texto. 
Seu processo de elaboração parece ser o da as­
sociação livre, as idéias são jogadas no papel sem
75
a preocupação dc sc cstabclecer qualquer co rre­
lação en tre cias. Todas elas, é verdade, têm a ver, 
algum modo, com a questão da violência, mas es­
sa ligação não c explicitada. Falta uma rede que 
as articule, um a h ie rarqu ia que as organize. Ele­
mentos de peso c am plitude diferentes são colo­
cados no mesmo plano, não se distinguem cau­
sas, sintomas ou conseqüências. Por exemplo, al­
guns elementos arrolados como responsáveis pelo 
agravam ento da violência, como o desemprego 
dos pais e a falta de moradia, alimentação e edu­
cação, são decorrentes do que o texto designa ge­
nericamente como fator econômico, mas essa re­
lação não é estabelecida.
Outras manifestações de violência, sem vín­
culo direto com os problem as urbanos menciona­
dos, são incluídas no rol das ações hum anas que 
a redação condena. Refiro-me à falta de terras pa­
ra os nossos índios (tidos como integrantes não da 
espécie humana, m as de outra espécie em extin­
ção?) e à destruição da natureza [animais, águas 
e maias). A inclusão se faz através de frases nomi­
nais que exprimem, na superfície, a desconexão 
que existe na e s tru tu ra conceituai subjacente.
Há na tessitura doraciocíniodescontinuida- 
des e lacunas que só podem ser reconstituídas pe­
lo leitor à custa de algum esforço. Um exemplo 
é a menção ao oxigênio, qualificado com o fator 
principal para sobrevivência de qualquer ser e 
identificado com a história do homem, num a pas­
sagem que fala dos fatores básicos para a sobre­
vivência em sociedade, dos quais o h o m em se es­
queceu. A única possibilidade de processamento 
dessa ocorrência de "terceira ordem ” é, como di­
76
r iam B eaugrande c D ressler (1983: 144), seu " r e ­
ba ixam en to" para um a ordem m ediana de infor­
matividade, a través da sua vinculação com o fe­
nômeno da destruição de nossas malas aludido no 
parág ra fo an terior.
Esse jo r ro caótico dc idéias, relacionáveis en­
tre si e com o tema, m as não a r t icu ladas dc fato 
pelo p ro d u to r do texto, é caso típico de infração 
ao p rim eiro aspccto da condição de articulação: 
a p resença efetiva das relações. A única pista d a ­
da ao leitor com o possibilidade de nexo en tre os 
vários fatos a rro lados é a lacônica frase final: o 
h o m em cam inha para sua própria destruição.
No plano da coeseto, a e s t ru tu ra do texto lem­
bra uma longa enum eração, com frases nominais 
e sem mecanismos de junção interoracional, que 
corresponde à desart icu lação apontada no plano 
da coerência.
Ressalto que essa é um a das poucas redações 
do corpus que não atendem à exigência do progra­
ma do vestibular referente à organização do texto 
em introdução, desenvolvimento e conclusão. Ê, 
também, um a das poucas que carregam cm alta 
incidência de erros formais, em diferentes níveis, 
desde a ortografia e a pontuação até a construção 
de cadeias anafóricas interfrasais, passando pela 
morfo-sintaxe e a es tru tu ração de períodos.
REDAÇÀO N? 74
Violência Social
O que gera a violência? A falta de 
amor: a ganância; a luta pelo poder: a
77
pobreza, os desgostos, traumas; a falta 
de alfabetização ou seria as más condi­
ções do ser humano de sobreviver?
O homem caminha em busca de paz 
e a cada dia ele geme, chora e teme por 
saber que a violência cada vez mais se 
agrava.
O mundo caminha para um caos. a 
frieza em que as relações humanas per­
sistem em viver, dá para se ter uma idéia 
que não é só nosso pais que sofre deste 
mal.
A violência está alastrando-se como 
uma epidemia onde o futuro de todos é 
incerto e doloroso.
Ao amanhecer abrimos o jornal e o 
que mais nos fascina são os crimes: mu­
lheres vítimas de seus maridos; estru- 
pos, mortes, desastres c suicídios. E de­
paramos diante destes quadros frios e 
incalculistas. Agimos mal? Erro só nos­
so!
A violência e um crime social, amea­
ça nossa sociedade, onde fazemos par­
te dela, onde vivemos e é por certo a 
quem devemos lutar e proteger! Ela nào 
é só um problema de governantes, au­
toridades policiais, da Igreja ou de Deus; 
é um problema nosso, de nossos filhos 
ou de animais (restos de homens alienis- 
tas) de uma tremenda catástrofe em que 
vivemos ao lado dela a cada instante...
Embora menos grave que a n? 7, a redação 
74 também constitui caso típico dc infração ao 
requisito de presença de articulação entre latos 
c conceitos. A introdução tem a mesma constitui­
ção de saco de gatos que comanda a composição 
anterior. O produtor do texto enum era alguns fa­
tos que podem ser relacionados à violência, sem 
sc p reocuparem ordená-los ou m ostra r os possí­
78
veis nexos ex is ten tes en tre eles. Por exemplo: o 
que seriam a pobreza e a falta de alfabetização se­
n ão com ponen tes das m á s condições do ser h u ­
m a n o de sobrev iver?
As idéias lançadas na in tro d u çã o não são re­
tomadas nem discutidas du ran te o texto. O segun­
do p a rág ra fo fala dc u m a rea lidade que é, em si, 
con trad itó r ia (a busca de paz versus o agravamen­
to da violência), mas não lida bem com essa con­
tradição, porque não a expressa a trav és dos co­
nec to res in te rf ra sa is adequados. O terce iro p a ­
rág ra fo a lude a um fato que não é re lac ionado a 
nenhum a ocorrência an te r io r ou pos te r io r (a frie­
za das relações h u m a n a s no âm b ito in te rnac io ­
nal). Há, ainda, falhas q u an to ao requ is i to de su ­
ficiência de dados, c a ra c te r iz ad as pela ausência 
de delimitação do sentido de conceitos difusos co­
m o falta de amor, desgostos, traumas, m ás con­
dições do ser h u m a n o de sobreviver, frieza das re­
lações hum anas , e pela falta de explicação p a ra 
o papel a eles a tr ib u íd o com o lon tes ou m an ifes­
tações da violência.
O qu in to p a rág ra fo co m p o r ta um a excmpli- 
ficação do que é violência p a ra o p ro d u to r do tex­
to e anuncia a conclusão, a través de contradições 
léxico-semânticas. Como en tender , p o r exemplo, 
quadros frios e incalculistas? P a ra que a passa ­
gem faça sentido, é p rec iso t r a d u z i r deparamos 
p o r “param os" ou “ ficamos paralizados" e en ten­
d e r como “om issão" a ação sugerida pela pergun­
ta que se segue: A gim os mal? Erro só nossol Es­
se é o único meio dc re lac ionar ao texto a con­
clusão, que q u e r dem o n s tra r que a violência é um 
p rob lem a da responsab il idade de todos os c ida­
79
dãos, e não só de governantes, autoridades poli­
ciais, da Igreja, ou de Deus. P erm anecem fora da 
rede de re lac io n am en to s plausíveis, co n f ig u ran ­
do au sên c ia de a r t icu lação , os an im ais (restos de 
h o m en s alienistas) de um a trem enda catástrofe.
À falta de re lac ionam en to en tre os fa tos e 
conceitos denotados corresponde, nessa redação, 
a ausência de m ecan ism os de junção. Não há um 
só conec to r que faça a ligação dos vár ios p a r á ­
grafos en tre si. Além disso, a falta de c lareza 
quan to às relações e n t re indivíduo e sociedade, 
m encionadas na conclusão , t ran sp a re c e no e m ­
prego inadequado dos relativos da p r im e ira f ra ­
se deste p a rág ra fo e na am bigü idade dos anafó- 
ricos dessa frase e da última. Tais falhas c o n tra s ­
tam com a a p a re n te boa o rganização da redação 
que respe i ta o m odelo fixado p a ra textos disser- 
t ativos.
Deixo aqui um a an o tação q u an to ao esforço 
que textos com o este e o a n te r io r (redação 7) ex i­
gem do le itor que p re te n d a in terpre tá-los . Sem 
a cum plic idade benevolente do receb ed o r não se 
constró i o seu sentido.
REDAÇÃO NV 3
Violência Social
A violência social está muito presen­
te na nossa sociedade. Como exemplo 
nós podemos c itar a morte de Sete- 
quedas e as condições precárias dos m a­
nicômios.
O assassinato de Sete-quedas não 
foi unia escolha popular. E quando os
80
direitos de qualquer pessoa são viola­
dos, ocorre violência social.
O progresso écaracterística de paí­
ses desenvolvidos, mas para que ele te­
nha sucesso ê preciso que seja bem pla­
nejado. Com a morte de Scte-quedas, o 
Brasil ganhará divisas e ltaipu será a 
maior usina hidrelétrica do mundo. Mas 
por outro lado a natureza brasileira fi­
cará seriamente abalada. Muitas espé­
cies de peixes podem se extinguir, isso 
porque o fenômeno da piracema que 
ocorre no mês de agosto, quando os car­
dumes de peixes vão para as cabeceiras 
do rio para desova, não poderá mais 
ocorrer.
As condições precárias em que se 
apresentam os manicômios brasileiros 
é uma violência social paraos pacientes. 
As condições higiênicas são péssimas, 
geralmente os manicômios abrigam o 
dobro de pessoas que comportam, a as­
sistência médica quase sempre não tem 
e os pacientes tomam grandes quantida­
des de remédios sem controle médico. 
Desta forma os pacientes nunca se 
curam.
Portanto quando o país souber da 
grande importância em escolher,as vio­
lências sociais terminaram.
Para fa lar de violência social o p rodutor do 
texto toma dois aspectos de rem ota vinculação 
com o assunto e nenhum vínculo entre si: a m or­
te de Sete-quedas e as condições precárias dos m a­
nicômios. A possível relação dos fatos apontados 
com o tema não é efetivamente estabelecida. O 
au to r da redação forja uma ligação indireta en­
tre o assassinato de Seie-Quedas e a violência so­
cial através da mediação da ausência de escolha 
popular como base para a decisão governamen­
81
tal de afogar, no lago de Itaipu, o Salto de Sele 
Quedas. Não se lembra, por exemplo, de alegar 
que a des tru ição da Natureza é uma am eaça pe­
rigosa para a sociedade humana, e não apenas pa­
ra as espécies animais. Por sua vez, a dimensão 
social da p recariedade dos manicômios, proble­
ma de saúde pública, também não é lembrada pe­
lo p ro d u to r do texto, que a restringe ao âmbito 
interno das instituições, como violência contra 
os pacientes. Assim, o que se tem na redação são 
"provas" apenas rem ota e artificialmente rclacio- 
náveis com o assun to em foco: a am eaça de ex­
tinção dos peixes pela não-ocorrência da pirace- 
ma c a dificuldade dc cura dos doentes in terna­
dos nos hospícios. Essa redação é um exemplo ti- 
pico de falha quanto à pertinência na articulação 
de fatos e conceitos.
Na tentativa de desenvolver seus a rgum en­
tos, o au to r da redação incorre ainda em tauto- 
logias e impropriedades. É tautologia fa la r no 
progresso de sucesso dos países desenvolvidos. É 
im próprio fa lar em morte e assassinato de Sete- 
quedas sem p re s ta r ao leitor m aiores esclareci­
mentos (infração à exigência de suficiência dc da­
dos). Um recebedor que não detenha as inform a­
ções prévias necessárias pode in te rp re ta r Seie- 
quedas como o nome de algum herói popu la r as­
sassinado.
Nesse texto, a conclusão não decorre, abso­
lutamente, do desenvolvimento das idéias ap re ­
sentadas. Antes, parece um artifício descoberto 
pelo p rodutor para se safar da dificuldade de fe­
char convenientemente a redação, justificando a 
inclusão de elementos tão discrepantes. Não há
82
nada, no texto ou fora dele, que perm ita inferir 
que bas ta s a b e r que c im p o r tan te esco lher para 
se e l im in a r a violência social. Se essa dedução se 
vincula, p o r recorrência lexical, ao pretexto u sa ­
do p a r a qua lif icar o assassinato de Sete-quedas 
com o violência social, não m antém com o segun­
do a rg u m e n to sequer um a ligação superficial e 
longínqua.
É curioso como o p ro du to r do texto tenta es­
conder a efetiva desarticulação entre os argum en­
tos que utiliza sob a m áscara de uma es tru tu ra for­
mal canônica, superficialmente perfeita: na intro­
dução, apresen ta o tema e anuncia os dois aspec­
tos sob os quais irá abordá-lo; no desenvolvimento, 
reserva dois parágrafos distintos, para tra ta r cada 
vez dc um argumento; na conclusão, devidamente 
p recedida do a r t icu lador lógico portanto, retom a 
um a idéia do desenvolvimento e faz uma projeção 
relativa à possibilidade de solução do problema. 
Tudo certo e arrumadinho, m as sem sentido.
2. E m foco: problemas relativos à informatividade
2.1. Falha na realização do requisito 
de suficiência de dados
REDAÇÃO N? 85
Violência Social
A violência social vem sendo pra ti­
cada no mundo inteiro, em todas as clas­
ses da sociedade.
83
É uma luta pelo poder e pela sobre­
vivência. Uns matam e roubam para so­
breviver, conseguir urn pedaço de pão 
e ter com que se alimentarem, outros 
praticam a violência apenas com o ob­
jetivo de enriquecerem ainda mais e do­
minar a elasse mais fraca.
Há rivalidades até entre famílias, fi­
lhos matando pais para tomar o que lhes 
pertence, irmãos brigando entre si.
Brigas por posses de terras, causan­
do guerras entre países como ocorreu há 
pouco tempo e continua acontecendo.
Por qualquer motivo se pratica a 
violência, uma simples discussão, ciú­
mes, um lugar em fila de ônibus, etc. 
Ninguém respeita o próximo, qualquer 
coisa, por menor que seja, serve de mo­
tivo para acabar em violência c basta an­
darmos uns minutos pelas ruas, para en­
contrarmos vários exemplos.
Assim como ha os que praticam a 
violência pelo poder e pela sobrevivên­
cia, há também muitos que a praticam 
por prazer, por querer m ostrar que po­
de mais que o outro.
Uma ocorrência típica do problem a dc que 
estou me ocupando se localiza no quar to parágra­
fo dessa redação: brigas por posse dc terras, cau­
sando guerras entre países como ocorreu há pou­
co tempo e continua ocorrendo. Nada há no tex­
to que informe de que terras, de que guerras , de 
que países e de que tempo se está falando.
Que força pode te r um a rg u m en to com o es­
se, que não esclarece a que está se referindo? Em 
vez de con tr ibu ir para a persuasão do leitor, es­
se argum ento tem o efeito de reduzir a eficiên­
cia pragmática do texto, pois a impressão que dei­
xa é que o a u to r da redação não pôde fornecer
84
dados mais completos em função de sua ignorân­
cia. Ora, quem ignora o assun to de q ue fala não 
m erccc crédito , não faz ju s à cooperação do in­
terlocutor. Não tem aceitabilidade. No entanto, 
no vestibular, o b te r a aprovação do recebedor é 
fundamental.. .
A falha ap resen tad a não é ocorrência isola­
da e excepcional no texto. Pelo contrário , apenas 
i lus tra o tom escapis ta que perpassa toda a re­
dação.
O fio co n d u to r do texto é a tenta tiva de defi­
nir e exem plif icar o que seja a violência social, 
para d em o n s tra r que ela vem sendo praticada no 
m u n d o inteiro em todas as classes sociais. O re­
sultado, no en tan to , é um a noção obscura e con­
trad itó ria , em virtude da abrangência p re tend i­
da e da variedade e indefinição dos exemplos. 
Tanto é violência social o en r iquec im ento ilícito 
quan to a d ispu ta por um lugar na fila do ônibus; 
tan to as g u erras in ternacionais quan to as rivali­
dades familiares. Os motivos que a desencadeiam 
vão desde a legítima luta pela sobrevivência até 
o anseio de poder e riqueza, passando pelo c iú ­
me e pela mais cruel vaidade (a dos que a prati­
cam por prazer, por quererem mostrar que podem 
m ais que o outro). Assim, fica difícil reconhecer 
e s i tu a r o c a rá te r social do fenômeno e (ica difí­
cil com por um conceito nítido e coerente do te r ­
mo em questão. Se a violência é p ra t icada pelos 
que têm o objetivo de enriquecerem ainda mais 
e d o m in a ra classe mais fraca, essa classe, ob r i­
gada a m a ta r p a ra ro u b a r um pedaço de pão (!), 
não se ria \ i i im a , em vez dc agente, da violência 
social?
85
T ransparece , nesse texto, a superficialidade 
da reflexão, explicável pelas contingências da si­
tuação de p rodução e que sc manifesta, com o se 
viu, não apenas pela não-explicitação de dados ne­
cessários (que brigas, que terras, que guerras?), 
mas também pela não-construção de uma rede de 
relações que a r t icu le e organize todos os fatos 
mencionados.
No entanto, m ais um a vez, tem-se um a reda­
ção certinha e feita de modo a a tender as exigên­
cias do modelo de com posição estabelecido pa­
ra os textos dissertativos.
REDAÇÃO N? 26
Violência Social
Atualmente, um dos grandes proble­
mas que afetam a vida de uma socieda­
de, é a violência nela inccrida. Violên­
cia essa que devido a vários fatores, se­
gundo sociólogos, psicólogos e outros 
estudantes das ciências humanas, será 
praticamente impossível de ser elimina­
da.
A dificuldade na solução deste pro­
blema. está na complexidade do mesmo. 
Várias são as suas causas e para cada 
uma sc faz necessária uma medida es­
pecial, medidas essas quemuitas vezes 
são impossíveis de serem colocadas em 
prática.
A violência pode ser gerada pela 
própria sociedade, por crises econômi­
cas, por um problema mental do indiví­
duo. pelo grande numero de adeptos ao 
uso de drogas, e por uma enorme série 
dc outros fatores.
Devido as perspectivas quase que 
inexistentes em uma solução a curto ou
86
médio prazo para a questão da \ iolên- 
cia, o melhor a fazer, é se precaver pa­
ra não se tornar mais uma vítima de um 
dos problemas mais sérios da nossa so­
ciedade.
A sonegação de informações é o que me 
incomoda nesse texto. A in trodução e o primei­
ro parágrafo m anifestam de modo especial es­
sa falha, pois c r iam no leitor expectativas que 
não são satisfeitas: quais são os vários fatores 
e as várias causas da violência? a que medidas 
especiais se refere o au to r? por que elas são im ­
possíveis de serem colocadas em prática? afinal, 
cm quo consiste a complexidade desse proble­
ma e por que ele é praticamente impossível de 
ser e l im inado?
O segundo parágrafo, ao invés de remover a 
instabilidade da comunicação, satisfazendo a cu­
riosidade do leitor, ap resen ta uma seqüência de 
explicações vagas e desconexas, nenhum a delas 
re tom ada e especificada depois: a própria socie­
dade, crises econômicas, u m problema mental do 
indivíduo, o grande núm ero de adeptos ao uso de 
drogas. Essa seqüência é encerrada de um a lor- 
ma que aum enta a f rus tração do recebedor, ao 
invés dc resolvê-la: uma enorme série de outros 
fatores (grifo meu).
A conclusão não vem para esclarecer mas pa­
ra escapulir. Retorna à idéia duas vezes expres­
sa. mas não desenvolvida, da quase impossibili­
dade de solução para a violência social, sem fun­
dam entar ou just if icar essa descrença no futuro. 
E recomenda a cada um se precaver para não se 
tornar mais um a vítima (...), o que não é um a
87
solução, mas um a escapatória. A proposta é fu­
gir do problema, como o au to r fugiu do tema...
Para mim, esse é um texto que taz que di/.t 
mas não diz.
Quanto aos aspectos mais superficiais, ap re ­
senta desvios no que tange à morfo-sintaxe pa­
drão e às regras de ortografia e pontuação. Sua 
e s tru tu ra formal aparente , no entanto, segue o 
molde ortodoxo de dissertação, compondo-se das 
três partes tradicionais.
2.2. Falha na realização do requisito
de iniprevisibilidade
2.2.1. Considerações preliminares
A exigência de iniprevisibilidade não é, nem 
poderia ser, absoluta. As contingências histórico- 
sociais inviabilizam, de certa forma, a originali­
dade total. Segundo Pêcheux (1969: 16), as c ir­
cunstâncias condicionam, efetivamente, a produ­
ção dos discursos. Eu não pretendia, ao avaliar 
redações (citas no Brasil, em 1983, sobre violên­
cia social, encontrar textos que não aludissem aos 
elementos corriqueiros da nossa realidade da épo­
ca (e de hoje também), como os assaltos, o me­
nor abandonado, a pobreza do povo, a injusta dis­
tribuição social da riqueza, o desemprego. Esses 
elementos c que integram nossa experiência. Eles 
é que constituem o material cognitivo com o qual 
trabalhamos na produção de nossos textos; eles
88
e quo com põem os modelos de conhecimento com 
os quais processam os os textos que recebemos.
E n tre tan to , c sempre possível a elaboração 
pessoal desse m ateria l cognitivo comum. Por is­
so, com o estava lidando com falas de indivíduos, 
considerei razoável espera r m aneiras diferentes 
de in te rp re ta r e valorizar os componentes da rea­
lidade. Mas nào foi isso o que encontrei. Grande 
parte das redações traz um grau elevado de p re ­
visibilidade, nào só porque se compõe de a rg u ­
mentos reco rren tes e de es tereó tipos relacioná- 
veis ao tem a (referentes a amor, paz, unidade na­
cional, etc.), mas, principalmente, porque a p re ­
senta um a única leitura de mundo.
Poderia incluir aqui um núm ero bem m aior 
de redações, mas isso seria duplam ente desneces­
sário. Em primeiro lugar, porque a recorrência 
de algum as idéias já está com provada pelas re ­
dações t ran sc r i ta s até agora a propósito de o u ­
tros problem as. Em segundo lugar, porque a re ­
p rodução de mais algumas redações não tra r ia 
novidade, seria apenas redundante .
Basta, então, que eu ap resen te alguns exem ­
plos típicos, que dão conta de grande par te dos 
textos in tegrantes do corpus. O mesmo a rca b o u ­
ço formal e conceituai, com poucas variações p re ­
visíveis, pode ser reconhecido em pelo menos 45 
das cem redações analisadas. Quase a metade dos 
candidatos in tegran tres da am ostra escreveram 
o m esm o texto. Os ou tros 55 textos não sc a p re ­
sentam inteiramente originais, mas acrescentam 
elementos a esse esquema ou a rran jam dc manei­
ra diferente os elementos que o compõem.
89
O molde é o seguinte:
a) na introdução, declara-se que a violência 
social c um prob lem a do m undo todo, muito dis­
cutido, e/ou que se m ostra muito acen tuado nos 
dias de hoje;
b) 1 1 0 desenvolvimento, exemplifica-sc o agra­
vamento da violência falando da falta de seguran­
ça nas cidades (assaltos, roubos, estupros, pivetes, 
trombadinhas) c apontam-se suas causas sociais 
(o êxodo rural, o desemprego, a marginalização, 
as favelas) e/ou m ora is (o egoísmo e a ganância 
do hom em , a falta de am or ao próx im o );
c) na conclusão, apregoa-se a necessidade de 
conscientização e humanização das pessoas, ou 
apontam-se objetivamente medidas a serem to­
m adas pelo governo e pela classe dom inante (em­
prego, escola e habitação para todos), ou profeti/.a- 
se que não há solução para o problema.
As redações transcritas a seguir i lus tram al­
gumas variantes do modelo. São, em geral, tex­
tos com razoável correção gramatical e que obe­
decem ao padrão dc e s tru tu ração formal es tabe­
lecido p a ra a dissertação.
2.2.2. Análise de a lgum as redações
REDAÇÃO N? 2
Violência Social
Violência c um tema muito discuti 
do. Atualmente, um dos grandes proble 
mas dos brasileiros é a violência social 
Pesquisadores, psicólogos, educadores 
têm procurado um meio eficaz para so 
lucionar o problema, que se agrava, a ca 
da dia que passa.
90
0 maior índice de ocorrência es­
tá localizado entre os pobres. As pes­
soas pobres geralmente são muito ca­
rentes de amor, de carinho, de com­
preensão, são marginalizadas e a so­
ciedade os recrimina e os maltrata. 
Então eles usam a violência como fuga 
da sociedade, dos problemas c dc si 
mesmos.
A violência também está entre os ri­
cos e poderosos, que na sua ânsia de ri­
queza e poder, usam a violência como 
forma de obter o desejado.
Enfim, a violência social está no 
mundo inteiro, presente na maioria 
das pessoas, que a usam como fuga 
oi\ desejo de algo. Espera-se uma so­
lução para, pelo menos, diminuir o 
índice de violência na nossa sociedade. 
Para uma solução acertada, é preciso 
de uma conscientização de todas as 
classes sociais no sentido de m ostrar 
que a violência não c a única saída pa­
ra os problemas.
A redação n? 2 exemplifica bem o modelo. In­
clui na in trodução d u as das t rês form as de a p re ­
sentação do assunto mais recorrentes — a violên­
cia é u m tema m uito discutido (...) que se agrava 
a cada dia que passa. No desenvolvimento, mes­
cla a explicação social (as pessoas pobres [.. J m ar­
ginalizadas, que usam a violência como saída para 
seus problemas) com a explicação moral (os ri­
cos e poderosos com sua ânsia de riqueza e p o ­
der). E, na conclusão, condiciona o fim do p ro ­
blema a um a conscientização de todas as classes. 
Parar para pensar e se conscientizar foi a suges­
tão oferecida por 19% das redações como fórm u­
la mágica p a ra e lim inar a violência social.
91
REDAÇÃO N? 1 I
Violência Social
A sociedadeatual está muito mar­
ginalizada. Há tanta violência no mun­
do, tantas guerras, desavenças, tudo por 
ambição, egoísmo.
A marginalização é total. Todos sc 
agridem, se matam na luta pela sobre­
vivência, a procura de um mundo me­
lhor, de uma vida mais calma, só que es­
tão fazendo o contrário, causando mais 
guerras e mais desunião.
A fome e a miséria são umas das 
causas da nossa marginalização, fazen­
do com quo os homens se matam pela 
sobrevivência. É o "pão nosso de cada 
dia". Os analfabetos, os deficientes físi­
cos ou mentais e principalmente o "me­
nor abandonado", todos eles e mais ou­
tros estão por aí a procura de uma mão, 
de um coração aberto e só encontram 
portas fechadas não permitindo que ele­
vavam.
Na época em que vivemos, todos nós 
precisamos é de paz, amor e não o que 
está acontecendo. 0 homem está sc tor­
nando cada vez mais escravo do seu 
egoísmo, do seu ódio e de sua ambição, 
e s tá acabando com o am or, nào 
deixando-o florescer em seu coração.
Só o amor constrói. Vamos! Plante 
uma flor e a faça germinar em seu co­
ração criando verdadeiras, fortes e fér­
teis raízes.
O texto 11 é exemplo da abordagem lírica c 
pueril do tema, muito íreqüente entre as redações 
analisadas. In troduz o assunto apon tando a ge­
neralização da violência no mundo, descnvolve- 
o contrapondo o ideal (um m u n d o melhor, uma
92
vida mais calma) à realidade social (a fome , a m i­
séria, o m enor abandonado) e conclui afirmando 
que só o am or constrói e que, portanto, a manei­
ra de o homem encontrar paz, amor e acabar com 
seu egoísmo, seu ódio, sua ambição é plantar uma 
f lore fazê-la germinar em seu coração. Correspon­
de a uma análise simplista da realidade, fruto da 
não-penetração nos problemas e da generalização 
ap ressada15.
Há 22 redações no corpus que terminam ex­
pressando sua crença na força do amor como úni­
ca possibilidade de solução para os males sociais.
Vale a pena observar que, apesar do seu bai­
xo teor informativo (no que se refere aos dois as­
pectos considerados neste trabalho), a redação é 
coerente em sua ingenuidade, atendendo aos qua­
tro requisitos aqui adotados, é coesa, e, além dis­
so, atende aos padrões escolares (paragrafação 
adequada e correção gramatical).
REDAÇÃO N? 59
Violência Social
Hoje o que mais se vê é a violência 
social, ocorrendo em toda parte do 
mundo.
Os homens destroem a si mesmos. 
Não há um só país, onde não exista as­
saltos. estupro ou violentação. N inguém 
mais tem o direito dc sair às ruas, sem 
a preocupação de ser violado por um 
trombadinha ou mesmo por um assal­
tante mais “eficiente". A cada dia que 
se passa mais aumentam os índices de 
criminalidade. A culpa não é somente 
dos marginais. A culpa está em cada um 
dc nós, porque não aceitamos as pessoas
93
como elas são e sim recriminamos, jul­
gamos, criticamos. O ser humano preci­
sa dc proteção e carinho. Ao invés de 
condenar, devemos fazer alguma coisa 
para diminuir esse índice de violência 
social que sofremos todos os dias. Nós 
mesmos somos as vítimas e nem assim 
tomamos uma providência, ajudando es­
sas criminosos livres a se reintegrarem 
em nossa socieCade e não ignorando-os. 
Devemos educar corretamente as nossas 
crianças, para çue no futuro eles sejam 
pessoas honestas e seguras.
A violência social tem seu gráfico 
elevado por nosso egoísmo, que tapamos 
os olhos para tudo o que está acontecen­
do, deixando a cargo da polícia esse gra­
ve problema. Nós podemos ajudar, não 
fazendo surgir nóvos criminosos, mas 
fazendo com que estas pessoas que se 
sentem inúteis e caem nesta vida dc vio­
lência, vejam que podem fazer algo mais 
correto e útil para elas c para todos nós.
Em 53% dos textos estudados há a lgum a ex­
plicação de cunho moral para a violência. 0 fe­
nômeno é a tr ibu ído à corrupção da sociedade e 
à degradação espiritual dos homens. 30% das re­
dações mencionam com o causas do p roblem a o 
egoísmo, a ganância e a ambição humanas c 23%, 
como a redação 59, se configuram como verda­
deiros atos de contrição: a culpa está em cada um 
de nós, porque não aceitamos as pessoas como elas 
são e sim recriminamos, julgamos, criticamos. As 
disparidades sociais são reduzidas ao plano in­
dividual e explicadas pelo fato de cada pessoa re­
je ita r os que não pertencem à sua classe. A solu­
ção fica, então, na dependência da conversão de 
cada ser humano. A redação 59 propõe que aju-
94
dem os os cr im inosos livres a se re in tegrarem em 
nossa sociedade, que eduquem os corretamente as 
nossas crianças, que acabem os com nosso egoís­
mo. Como o u tro s casos já vistos, esse texto e coe­
ren te em su a ingenuidade. Condicionar o fim do 
problema à nossa capacidade de a judar os neces­
sitados condiz com a in te rp re tação de que a vio­
lência social existe em razão da nossa falta de 
am o r ao próximo.
REDAÇÃO NV 21
Violência Social
Um dos problemas que mais aflige 
ao homem moderno é a violência social. 
Atingindo-o fisicamente e espiritualmen­
te, a violência social vem causando sé­
rias conseqüências, dentre delas, o me­
nor abandonado.
O menor abandonado é vítima da 
violência de todas as classes sociais, des­
de a classe baixa que enconsequênte- 
mente visam apenas o prazer, até a clas­
se alta que pensam apenas em aumen­
tar o seu fundo monetário e jamais em 
ajudar o próximo necessitado de dinhei­
ro e amor. E como fruto desse egoísmo 
surgem os menores abandonados que 
sem nenhum apoio e dinheiro se desses- 
peram, tornando assim marginais que 
consequentemente irão buscar na vio­
lência uma opção de vida, pois fora is­
so que receberão e aprenderão com a so­
ciedade, e talvez, até pensam ser isso o 
certo.
E assim fecha um ciclo e começa o 
outro sucessivamente, pois não há for­
ças c coragem para cortá-lo, o homem 
prefere fechar os olhos e ver um "céu es­
curo. porém estrelado".
95
O texto 21 representa o grupo dos pessimis­
tas, integrado por dezessete das cem redações do 
corpus.
Diante da mesma realidade (a violência social 
como um cios problemas que mais afligem ao ho­
m em moderno\ o menor abandonado), propõe a 
mesma explicação moralista (a classe alta que 
pensam apenas em aumentar o seu fundo mone­
tário e jamais em ajudar o próximo necessitado 
de dinheiro e amor), mas não acredita cm solu­
ção. Pelo contrário, enxerga um "ciclo vicioso” 
que o homem não tem côragem para romper.
REDAÇÃO N° 15
Violência Social
A violência c um dos temas mais 
constantes de nossa sociedade atual.
Devido ao progresso, as cidades ti­
veram um crescimento acelerado, oca­
sionado pela vinda de pessoas do meio 
rural, ã procura de melhores condições 
de vida.
Com este surto populacional, as pes­
soas, desacreditadas na cidade grande, 
procuram de todos os meios manter a 
sua sobrevivência, amontoando-se em 
favelas, subúrbios, etc., enfim, vivendo 
na penúria.
Marginalizadas como ficam, sem ne­
nhuma condição de trabalho, de estudo, 
de vida em si, passam a roubar, a ma­
tar. desrespeitando de todos os meios, 
o ser humano e a comunidade.
Portanto, cr.be ao governo e a socie­
dade, de evitar que a violência perdure, 
incentivando e criando mais escolas ac- 
ccssíveis. trabalho paia todos, cultura 
e lazer, enfim, meios mais propícios
96
para a vida em comunidade, porque o 
ser humano é portador dos direitos de 
liberdade e igualdade.
Essa redação parti lha com ou tras 16 a posi­
ção prática e objetiva diante da questão. Se u vio­
lência é u m dos temas mais constantes cie nossa 
sociedade atual c se deve ao êxodo ru ra l e à m ar­
ginalização das pessoas na cidade grande, o que 
as obriga a m o ra r cm favelas, na penúria, e a rou­
bar e matar pa ra sobreviver, a solução previsível 
é o governo proporcionar escolas (...), trabalhopa­
ra todos, cultura e lazer. Tudo é apresentado co- 
mo tão simples e tão óbvio quo, ao final da le itu­
ra de textos com o esse, fica-se com a impressão 
de que o problem a só não foi a inda resolvido por 
m á vontade e desinteresse das autoridades públi­
cas.
3. Textos com bom padrão de textualidade
3.1. Considerações prelim inares
Para não se r tendenciosa ou parcial, tenho 
que ap on ta r a existência dc textos de boa quali­
dade no corpus. Aproximadamente 10% das re­
dações analisadas se mostraram com bom padrão 
de textualidade, do ponto de vista dos três fato­
res avaliados. São produções que se m ostram 
compatíveis com a realidade a que se referem e 
que exibem unidade, logicidade e boa articulação
97
dos argum entos que apresentam. Em bora nào ab­
solutam ente originais, são textos que dão ao lei­
tor a im pressão de que tinham algo a dizer. Tex­
tos que revelam, da parte do produtor, uma lei­
tura pessoal do mundo, um posicionamento cons­
ciente c mais consistente diante da p rob lem áti­
ca abordada, ce r tam en te não forjado às pressas 
para cu m p rir a obrigação de ju n ta r 120 palavras 
sobre um tem a complexo, mas fru to de um a re­
flexão an te r io r já am adurecida. Por isso mesmo, 
são textos que merecem o respeito mesmo do lei­
tor discordante . *
3.2. Análise de a lgum as redações
REDAÇÃO N° 61
Violência Social
O homem dc hoje vive sob o signo 
da violência. O medo é o sentimento que 
mais nos acompanha. Se hã medo, algu­
ma coisa nos ameaça e põe em risco nos­
sa segurança. Que coisa é essa? Se se fi­
zesse uma pesquisa, ficaria flagrante 
que a preocupação primeira dos indiví­
duos é sua segurança pessoal. Estamos 
constantemente sob o risco de ter nos­
sa casa assaltada, a filha violentada ou 
o carro roubado. O que há por trás 
disso?
Toda violência tem um agente e um 
paciente, o que a pratica e o que a so­
fre. Será? Ficaria fácil sc pudéssemos 
explicar o mundo pela ótica maniqueís- 
ta, o violento c o violentado, o bom e o 
mau, o vilão e o mocinho, mas o mundo 
é mais complexo. Não podemos esque­
98
cer que existem pessoas que foram es­
vaziadas dc qualquer espécie de poder, 
político, econômico ou social. Pessoas 
que, como hoje, no sistema capitalista 
em crise, nâo encontram nem a quem 
vender o que lhes resta, sua força dc tra­
balho. Mais violento que o marginal quo 
matou um engenheiro, ê a injusta estru­
tura social pousada na propriedade pri­
vada na existência de uma classe explo­
radora e outra explorada, na desigual­
dade de chances. O marginal apenas de­
volve ã sociedade a violência que ela lhe 
praticou.
Essa redação traz um a interpretação diferen­
te p a ra o problem a do desem prego c da m arg i­
nalidade, tão recorrente no corpus. Uma interpre­
tação que dá aos latos a devida d im ensão social 
e busca o significado deles na e s t ru tu ra sócio- 
econòmica. Mesmo quem não concorde com a 
ideologia subjacente, tem que ad m it i r que aí es­
tá um texto consistente, coerente c coeso. Aí es­
tá a fala de um indivíduo capaz dc o lh a r o m u n ­
do com olhos críticos.
O au to r introduz o problema apontando o m e­
do e a preocupação com a segurança pessoal co­
mo sen tim entos generalizados nos dias de boje 
em v ir tude da p resença da violência en tre nós. 
Há cau te la nas afirm ações que faz — se se f izes­
se um a pesquisa , ficaria flagrante (...) — e prudên­
cia nas suas generalizações — estam os constan­
tem ente sob o risco de (...)
A art icu lação en tre o p r im eiro e o segundo 
parágrafo se íaz através da pergunta O que há por 
trás disso? lançada no final do primeiro. Vem, en­
tão, a análise, que começa por desca r ta r a respos­
99
ta ingênua da percepção m aniqueís ta (de um Ia 
do, os culpados; do outro, as vítimas inocentes), 
p a ra , cm seguida, lem brando a complexidade do 
problema, propor uma explicação mais consisten 
te. Os argum entos apresen tados são pertinentes 
e relevantes. A recessão e o desemprego, elemen­
tos con jun tu ra is da econom ia na época, são in­
te rp re tados como in tegrantes de um a crise em 
que os despossuídos não têm a quem vender (...) 
sua Iorça de trabalho. A p a r t i r dessa colocação, 
é cabível a avaliação final de que a e s t ru tu ra eco­
nômica da sociedade é mais in justa que os pró­
prios marginais. A exemplificação utilizada é in­
teressante porque retoma e esclarece quem são 
o vilão e o mocinho, na ótica maniqueísta: o mar­
ginal, isto é, a classe excluída das relações sociais 
e o engenheiro, represen tan te da classe média 
ameaçada e atemorizada.
Em suma, o texto é do tado de coerência in- 
terna — há continuidade, progressão, não- 
contradição e a r t icu lação dos argum entos ap re ­
sentados; e externa — os a rgum entos ap resen ta ­
dos são compatíveis com a realidade que se pre­
tende ana lisa r e as relações estabelecidas entre 
eles correspondem a relações que se podem re­
conhecer como pertinentes nessa realidade. Além 
disso, em bora não traba lhando com m aterial in­
teiramente novo, a análise do problema é m arca­
da pela pessoalidade, no plano conceituai como 
no da expressão. Por exemplo, o produtor em pre­
ga, com adequação, noções como ótica maniqueís- 
ta e força de trabalho, dem onstrando que não es­
tá só repetindo expressões em moda nas conver­
sas intelectuais, m as que sabe do que^e por que
100
está falando. Por o u tro lado, foge da simples e 
desgastada reco rrênc ia de palavras com o assal- 
io, estupro , roubo e assassinato, p re fe rindo tipi- 
licar situações que as traduzem: o risco cie ter nos­
sa casa assaltada, a filha violentada, o carro rou­
bado', o marginal que matou o engenheiro.
Curiosamente, essa boa dissertação não apre­
senta, no plano formal, a tradicional divisão em 
três partes. O para le lo en tre esse texto e tantos 
outros vistos, form alm ente perfeitos e frágeis de 
conteúdo, sugere que a paragrafação de acordo 
com o modelo usual não c condição necessária 
nem suficiente p a ra a boa qualidade dc um dis­
cu rso dissertativo.
REDAÇÃO N?*77
Violência Social
Pensadores de todas as épocas da 
história teceram múltiplas teorias sobre 
as possíveis causas da agressão do ho­
mem pelo homem. Alguns responsabili­
zaram a "natureza" humana, outros in­
vocaram a autoria de demônios para 
nossos atos violentos e, mais recente­
mente, alguns empenharam-se com fer­
vor em explicar a violência social a tra­
vés de fidipo ou da primeira infância. 
Hoje, sucumbiram todas as iniciativas 
"científicas" destes senhores, por um 
motivo simples: todas estas teorias bus­
cavam causas individuais para um fenô­
meno social, político. Surgiram, então, 
os que encontraram na estrutura da so­
ciedade as raízes da violência social.
A estrutura de uma sociedade é de­
terminada, principalmente, pelo arca­
bouço econômico de seu funcionamen­
to. Todos os grandes grupos sociais, até
101
o início deste século, caracteriza ram-se 
pela divisão em classes da sociedade, 
distinguindo-sc o que possuía bens ge­
radores de riqueza daquele que possuía 
apenas sua força de trabalho. Esse sis­
tema onde a propriedade dos meios de 
produção é privilégio de um a minoria, 
gera, evidentemente, uma serie de con­
flitos. São classes com interesses dife­
rentes, inconciliáveis, e como conse­
qüência natural seus confrontos terão 
que ser violentos.
No nosso mundo atual, esses con­
frontos são cada vez maiores e mais fre­
qüentes. Os milhares de palestinos es­
magados no Líbano, os cinqüenta salva­
dorenhos assassinados por dia na san­
grenta guerra civil que se trava hoje, os 
posseiros assassinados no norte do Bra­
sil pelos latifundiários, as manifestações 
e greves violentamente reprimidas: to­
dos estes quadros nos contam da socie­
dadeem que vivemos.
O inicio do século m arcou o início 
também dc um a nova era na história da 
humanidade. As conquistas se sucedem, 
após o marco inicial dc 1917. O mundo 
começa, gradual e violentamente, a ca­
m inhar para uma sociedade sem pro­
priedade privada, sem classes, sem 
opressão, onde a violência fatalmente 
deixará de ser a marca registrada das re­
lações sociais para se tornar uma peça 
de museu, uma mancha escura na me­
mória do homem.
A red aç ão 77 tem com o va lo r a fu n d a m e n ta ­
ção consistente de um a posição n it idam ente ideo­
lógica. E m b o ra essa posição não seja in te iram en ­
te original, o p r o d u to r do tex to se m o s t ra segu­
ro de suas idéias e as defende com convicção. O
102
le itor pode não se convencer da explicação m a r ­
xista p a ra os conflitos sociais, não p rec isa p a s ­
sa r a c re r na m a rc h a mundial p a ra o socialismo, 
mas tem que reconhecer nesse texto um a a rg u ­
m entação conduzida com clareza c lógica, apo ia­
da no conhecim ento da História, cm le ituras e re­
flexões sobre as questões políticas, sociais e eco­
nôm icas que p re o cu p a m o nosso tem po (a r e d a ­
ção foi feita em janeiro dc 1983, época em que 
não se podia se q u e r cogitar do adven to da peres- 
troika, em b o ra já tivesse sc in ic iado o p rocesso 
de ap rox im ação en tre a China c o Ocidente, mais 
ta rde in te rro m p id o pelos episódios da P raça da 
Paz Celestial de tnaio-junho dc 1989).
De início, o texto mcnciona três ver ten tes de 
explicações p a ra a violência (uma filosófica, o u ­
tra relig iosa e a terceira , psicanalít ica) e as d es ­
c a r ta sob a alegação de que buscam no indivíduo 
as cau sas de um fenômeno social. E m b o ra as re­
ferências não sejam muito precisas (sobretudo no 
p r im e iro caso), elas são feitas dc m a n e ira a p e r ­
m it i r que o le itor reconheça dc que o a u to r e s tá 
falando.
Dando p rossegu im ento ao raciocínio, o tex­
to contrapõe a essas explicações a teoria marxista 
da lu ta de classes, considerando-a m ais ad e q u a ­
da p o rq u e s i tu a na e s t ru tu ra social a raiz da vio­
lência. Vem em seguida um p a rá g ra fo de exem ­
plos variados de m anifestações de violência ex­
plicáveis pelo conflito de interesses de classes an ­
tagônicas.
A conclusão , otimista, ap o s ta no fim da vio­
lência, com base na convicção dc que o m undo 
cam in h a p a ra o socialismo, reg im e cm que, não
103
havendo propriedade privada, não haverá m oti­
vo para confrontos sociais nem, portanto , lugar 
para a violência.
Embora se reconheça aí a voz de um d iscur­
so com unista ortodoxo e, hoje, até m esm o u l tra ­
passado, tem-se que adm itir a boa configuração 
deste texto.
A coerência in te rna da redação é impecável. 
Há continuidade e progressão, as idéias não se 
contradizem e estão bem articuladas. Pode-se con­
testar sua com patibilidade co m a realidade e x ­
terna: a explicação psicanalítica para a violência 
hum ana teria m esm o sucum bido? seria mesmo 
tão insatisfatória quanto o texto sugere? a Revo­
lução Russa de 1917 teria mesmo inaugurado 
uma nova era na história da hum anidade? o m un­
do es taria mesmo caminhando para um a socie­
dade sem propriedade privada? Entre tan to , tem- 
se que reconhecer aí um ponto de vista defendi­
do e respeitado por muitos (o que, aliás, torna o 
texto relativamente previsível).
Mesmo não expressando um a m aneira de 
pensar inteiramente original, a redação apresenta 
m arcas de pessoal idade que lhe a tr ibuem grau 
aceitável de informatividade: são as teorias que 
busca, os exemplos que lembra, os conhecim en­
tos a que recorre e, principalmente, a es tra tégia 
dc fazer alusões não explícitas e completas a con­
ceitos e fatos, de modo a provocar a participação 
e o envolvimento do leitor. Trechos como Édipo 
ou a primeira infância e o marco inicial de 1917 
não são dc processam ento autom ático e exigem 
do leitor o recurso a conhecimentos externos à 
redação.
104
Os m e c a n ism o s de coesão são b e m e m p re g a ­
dos no texto. Veja-se, p o r exem plo , a re c o r rê n c ia 
lexical a n a tó r ic a e m m ú lt ip la s teorias/todas estas 
teorias (1? p a rág ra fo ) e e m seus confrontos/esses 
confrontos (2? e 3? parágrafos); a substitu ição ana- 
fò r ica em pensadores/a lguns, outros, alguns/estes 
senhores (1 ? parágrafo ); o fu n c io n a m en to coesivo 
de ex p re ssõ es c o m o esse s is tem a (2? p a rág ra fo ) e 
todos estes q u a d ro s (3? parágrafo) , q u e un if icam 
sob u m m esm o ró tu lo os e lem entos das passagens 
an te r io res . A red a ç ão flui n a tu ra lm e n te e com n a ­
tu ra l id a d e p r e e n c h e o m o ld e can ô n ico — tem co­
m eço, meio e f im . N ão há os a r t ic u la d o re s p rev i­
síveis pa ra m a r c a r o início e a função de cada p a r ­
te, m a s o l im ite e o e n c a d e a m e n to e n t r e cias são 
n í t id o s e c o n s t i tu íd o s no p lano conce itua i . A e s ­
t r u t u r a te m á t ic a se m an ifes ta , no p lano form al, 
pe la sinalização c la ra do tópico de cad a passagem: 
no p r im e iro parágrafo , pensadores; no segundo pa- 
. rág ra fo , a es tru tu ra de u m a soc iedade ; no te rce i­
ro parágrafo , n o nosso m u n d o atual', no ú ltim o pa­
rág ra fo , o in íc io do século /nova era.
Além de tu d o , o tex to é p e r f e i t a m e n te corre - 
to. N ão há um des lize na grafia , ou n a pon tuação , 
ou no e m p re g o d o d ia le to p a d rã o .
E s te é u m te x to q u e a te n d e p le n a m e n te aos 
requ is i to s de tex tua l idade , configurando-se com o 
u m a p r o d u ç ã o l in g ü ís t ic a de b o a q u a l id ad e .
redaçAo NV 10
Vida ou Violência
Um deputado federal dos mais vo­
tados em Minas propôs que se distri-
105
buise armas a todos os cidadãos como 
lorma de combater a violência
Seria brilhante sc o ao invcs de pro­
por armas ao povo, o nosso representan­
te na câmara sugerise que se estudase 
uma maneira de se dar casa, trabalho, 
saúde e bem estar às pessoas. “Violên­
cia gera violência’', ninguém comtesta 
c no caso da violência social poder-se- 
ia dizer que ela e o retrato desta nossa 
época, onde a propia vida e confundida 
com violência
O cidadão hoje prá conseguir sobre­
viver ele tem que ser violento a toda ho­
ra e em lodp lugar: Ele tem que invadir 
um terreno; ele tem que furar as filas e 
tem que passar por cima dos outros 
As causas da violênçia social são fa- 
çeis de descobrir as soluções no momen­
to e que parecem distantes, pois enquan­
to os nossos políticos, que tem a missão 
de resolver os problemas sociais estive­
rem no nível do deputado das armas, 
ainda vai haver muita violência e menos 
vida.
Essa redação foge do padrão conceituai que 
vigorou no corpus. Não identifica a violência com 
assaltos e estupros, não a considera decorrente 
do êxodo rural, da marginalização e do desem­
prego, nem propõe como solução a conscientiza­
ção c o am or ao próximo.
A introdução, incisiva, se m ostra ap ta a sus­
citar no recebcdor a vontade de prosseguir na lei­
tura. Desde o início o produtor do texto se reve­
la bem informado c atento às questões sociais e 
políticas. No desenvolvimento, deixa t ranspare ­
cer senso crítico e, mesmo, um certo senso de hu­
mor, na medida em que, por exemplo, utiliza com
106
iron ia o velho clichê: “ violência gera violência". 
A conclusão é compatível com o raciocínio expos­
to e m an tém o tom irônico que p erpassa toda a 
composição.
É in te ressan te o b se rv a r as relações en tre o 
texto e seu título, que não reproduz simplesmenteo tem a dado, m as se adequa com m uita pert inên­
cia à a rgum en tação desenvolvida. O vcstibulan- 
do propõe vida (casa, trabalho, saúde e bem-estar), 
o deputado das arm as propõe violência. Por 
contra-sensos desse t ipo é que nesta nossa época 
(...) a própria vida é confundida com violência. E, 
se p reva lece r a opin ião do deputado, inevitavel­
m en te ainda vai haver m uita violência e m enos 
vida.
Esse é o u tro texto que flui com n a tu ra l id a ­
de. Sua boa e s t ru tu ra ç ã o não se p rende ao m o­
delo prescrito nas au las de d issertação (anunciar 
t rê s pontos na in trodução; t r a ta r dc cada u m em 
um parágrafo do desenvolvimento; co m eça r a 
conc lusão com a r t ic u lad o r típico explícito). As 
idéias se distribuem adequadam ente nos parágra­
fos, obedecendo a um a organização particu lar: a 
in tro d u ção a p re se n ta u m a p ro p o s ta instigante; 
os dois parág ra fos do desenvolvim ento tecem 
cons iderações cm to rn o dessa p roposta , b uscan ­
do d e m o n s t ra r o q u an to ela rep resen ta um a po­
sição equivocada; a conclusão, com o m esm o in­
tu i to do desenvolvimento, en ce r ra o assun to 
ap o n tan d o as conseqüências nefas tas que a ado ­
ção de tal p roposta t ra r ia .
Além da na tu ra l idade , o texto é m arcado pe­
la coloquialidade, manifesta, por exemplo, no tom 
irôn ico e nas generalizações h iperbólicas do ler-
107
ceiro parágrafo, expressas num período cuja sin­
taxe é tipica de língua oral (cf. a topicalização dc 
o cidadão e a re tom ada desse termo pelo anafó- 
rico ele, repetido trcs vezes):
O cidadão hoje prá conseguir sobreviver ele 
lern que ser violento a ioda hora e em todo lugar: 
Ele tem que invadir um terreno, ele tem que fu ­
rar as filas e tem que passar por cima dos outros.
Essas afirmações constituem, evidentemen­
te, exageros. Não podem ser tomadas ao pc da le­
tra, mas devem ser entendidas como força de ex­
pressão. É o tom descontraído do texto (apesar 
do poder-se-ia) que me faz avaliar esses exageros 
como recurso dc argum entação e não como fa­
lha quanto à exigência de não-contradição com 
o mundo real.
Essa redação, inegavelmente de bom padrão 
de textual idade, coerente, coesa e, sobretudo, com 
bom índice de informatividade, apresenta erros 
de ortografia e pontuação que costum am assus­
tar os professores. Esse contraste merece um a re­
flexão. A ortografia e a pontuação nada tem a ver 
com a essência, a substância do texto, com o tex­
to em si. Têm a ver apenas com a m aneira de 
representá-lo através do código escrito. Se o tex­
to fosse lido cm voz alta, o ouvinte não percebe­
ria nele qualquer defeito. No entanto, esses as­
pectos, com freqüência, sc colocam como barre i­
ra intransponível para o professor avaliador. 
Diante de uma grafia em desacordo com as re­
gras, o professor não percebe mais nada, se re­
cusa a pene tra r no texto. Essa inversão no julga­
mento — a supcrvalorização da aparência c o des­
prezo à substância — vai encontrar seu corres­
108
pondente do lado da produção. O a luno acaba por 
en te n d e r que, p a ra a escola, o m ais proveitoso é 
faze r um a redação certinha, a inda que frágil de 
conteúdo.
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CAPITULO 6
U M A V I S À O G L O B A L D O C O R P U S
Insp irando-m e na escala de três ordens p ro ­
posta por B eaugrande e D ress le r (1983: 144-146) 
p a ra o ju lgam ento da informatividade, avaliei as 
cem redações do corpus seguindo um a escala ta m ­
bém triádica. Classifiquei as redações como tex­
tos dc bom, m édio ou baixo padrão, ana lisando 
a realização dos fatores de textualidade aqui con­
siderados, segundo os cr ité r ios expostos.
A fim de es tabe lece r um para le lo e n t re a 
m inha p roposta dc avaliação da tex tualidade 
e os p a râm e tro s usua lm ente de mais peso na 
a tr ibu ição de no tas escolares, elaborei um a t a ­
bela dc que constam , além dos fa to res com que 
trabalhei, a e s t ru tu ra ç ã o formal, em term os de 
d is tr ibu ição física dos parágrafos , e a correção 
g ram atical.
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Quanto à distribuição dos parágrafos, obser­
vei se os textos apresentavam, como par tes cons­
titutivas, um a introdução, um desenvolvimento 
e uma conclusão, já que era essa a exigência do 
program a do vestibular. Classifiquei com o de 
bom padrão aqueles que exibiam essa o rganiza­
ção formal; como de padrão mediano, aqueles em 
que se podem reconhecer essas três partes no ní­
vel conceituai, ap esa r de elas não se m ostra rem 
separadas no plano gráfico; como de baixo padrão 
aqueles cuja paragrafação não se m ostra com pa­
tível nem com o modelo u&ial nem com o conteú­
do semântico do próprio texto.
No que tange à correção gramatical, utilizei- 
me das notas, relativas a esse quesito ob tidas pe­
las redações. No vestibular, foram reservados se­
te pontos p a ra a avaliação desse aspecto:
a) dois para a es tru tu ração de períodos (sendo pe­
nalizada a falta de oração principal e de o r a ­
ção subordinada necessária, a falta e o uso ina­
dequado de palavras de transição e de referên­
cia en tre parágrafos e orações, a falta de pa­
ralelismo s in tá tico ou semântico);
b) dois pa ra a morfo-sintaxe (penalizados os ca­
sos de concordância , regência, colocação pre- 
nominal e emprego das formas verbais que não 
correspondessem à norm a padrão);
c) u m para a pontuação (penalizados o em prego 
e a falta de vírgula e dois-pontos em desaco r­
do com as regras mais usuais, bem como a au ­
sência de pontuação em final de período);
d) dois para a o r tografia e a acen tuação (penali­
zadas as desobediências às regras oficiais).
Como a análise da correção gram atical dos
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textos não se incluía en tre as m etas deste t r a b a ­
lho, não vi p roblem a em reco rre r às notas a t r i ­
bu ídas por exam inadores tre inados na obediên­
cia de cr i té r ios p reviam ente estabelecidos p a ra 
a apuração de falhas objetivamente mensuráveis. 
Assim, classifiquei com o de bom pad rão as reda­
ções que som aram de 5 a 7 pontos; de padrão me­
diano, as que obtiveram 3 ou 4 pontos; de baixo 
padrão, as que ganharam de 0 a 2 pontos.
Foi a seguinte a tabela resu ltan te dos proce­
d im entos dc classificação descritos:
TABELA 3 
AVALIAÇÃO GLOBAL 0 0 CORPUS
Fatores 
dc avaliação
D istribuição dos textos analisados
% de textos de 
boin padrão
% dc textos dc 
padrão m ediano
*o dc textos dc 
baixo padrão
Coerência 14 62 24
Coesão 25 65 10
Inform atividade 11 16 73
E stru tu ração
form al 90 3 7
Correção
gram atical 44 41 15
No que respeita à coerência, componente de­
cisivo da textualidade, encontrei apenas 14 reda­
ções dc bom nível. A maioria ficou na faixa in­
te rm ediár ia e quase um quarto da am ostra exi­
biu a lgum a fa lha grave com relação a esse fator.
113
No caso da coesão, a distribuição, nos extre­
mos, se inverte. A m aior parte (65%) se localiza 
também na faixa mediana, mas 25% das redações 
não trazem problema com prom etedor 1 1 0 uso dos 
recursos cocsivos, ao passo que só em 10% o em­
prego dos mecanismos de coesão se m ostra insa­
tisfatório.
Quanto à informatividade, conform e se viu 
no estudo quantitativo, há um deslocam ento da 
concentração de textos para o p a tam ar mais bai­
xo da escala: 73% tem poder informativo insatis­
fatório, 16% se mostram não mais que aceitáveis 
e apenas I I % exibem boa qualidade quan to a es­
se aspecto.
A es tru turação formal foi, dos fatores incluí­
dos nessa tabela, o q u e apresentou mais a lta fre­
qüência de redações na faixa superio r (85%) e 
mais baixa na faixa inferior (7%).
Sob o aspecto da correção gramatical, as re­
dações se concentram,com dis tr ibu ição quase 
equivalente, nos patam ares mais altos (44% e 
41%); apenas 15% dos textos ocupam a posição 
inferior.
Que inferências sc podem t i ra r dessa tabela?
A maioria dos textos tem padrão mediano de 
coerência e coesão. Quanto a esses fatores, 
tomando-se os percentuais relativos aos textos de 
funcionamento médio e bom, tem-se 76% para a 
coerência e 90% para a coesão. Entretanto, o mes­
mo cálculo resulta em apenas 27% para a infor- 
matividade. Já para a estruturação formal obtem- 
se 93% e, para a correção gramatical, 85%.
Esses resultados indicam, em primeiro lugar, 
que os aspectos formais foram os que alcançaram
114
m e lh o r rea lização nas redações. São e levados os 
índices de textos em que a coesão (concernente 
à e s t ru tu r a dc superfície), a p a rag ra façã o e a cor- 
reção g ra m a t ic a l têm p a d rã o aceitável ou bom. 
Isso significa que a m a io r ia das red açõ es é do ti­
po certinho c a rrum ad inho , feito p a ra a te s ta r que 
o p rod u to r dom ina a língua padrão formal escrita 
c sabe o rgan iza r as idéias confo rm e o m odelo ca ­
nônico de d isse r tação . Ou seja, naqu ilo que d e ­
pendia do t re inam en to escolar, a m aio ria dos ves­
ti bu landos se sa iu bem.
Em c o n t ra p a r t id a , a in fo rm ativ idade tem 
funcionam ento insatisfa tório num a porcentagem 
alta de redações (73%). A su b m issã o ao t re in a ­
m en to te ria o cu p ad o o espaço da o r ig ina l idade 
e do con tro le efetivo do explíc ito c do implícito 
no texto?
A prev is ib il idade é g rande . Como já m ostre i 
no cap ítu lo an te r io r , 45% dos textos são p ra t ic a ­
m ente iguais. O índice de re co r rê n c ia dos a rg u ­
m en tos tam b ém é alto. Por exemplo, 33% das re ­
dações d ec la ra m que a v io lência c a ún ica fo rm a 
de sobrev ivência do pobre , obrigado a roubar e 
a m a ta r para comer, 31% m en c io n am o d esem ­
prego com o cau sa da violência, sendo que 16% 
afirm am ou sugerem que todo desem pregado aca­
ba se to rn an d o assa l tan te ; 53% a t r ib u e m a vio­
lência à fa lta dc am or, à ganância , à am bição , ao 
egoísmo, enfim , à m a ld ad e hum ana; 19% reco­
m en d am com o so lução que os hom ens parem pa­
ra pensar e se consc ien tizem , ao passo que 22%, 
em ú lt im a instância , co n s id e ram que só o a m o r 
constrói.
115
O problema corrc la to à freqüência dc idéias 
anônimas e desgastadas, de estereótipos e clichês, 
é o que chamei dc insuficiência dc dados. É com­
preensível que quem reproduz idéias alheias e 
muito difundidas não veja a necessidade de 
explicá-las ou discuti-las. Daí a grande incidên­
cia dc conceitos vagos c noções im precisas nas 
redações (89% delas sequer esclarecem o que en- 
tedem por violência social, tema sobre o qual dis­
correm). É na tura l que quem se contenta em re­
petir o que apenas ouviu dizer não tenha outro 
recurso senão aludir superficialmente a fatos que 
não conhece d ire ito e que não pode identificar. 
Daí as referências nebulosas de que as terras e 
guerras da redação 85 são exemplo típico.
A coerência merece considerações mais demo­
radas. 76% dos textos a realizam num padrão me­
diano ou bom. Na verdade, nenhum a redação se 
m ostra absolutam ente incoerente, nenhum a de­
las poderia ser considerada não-texto, apesar de 
24% apresen tarem falhas que mc levaram a julgá- 
las com um nível insatisfatório de coerência.
Para melhor compreensão do fenômeno, é in­
teressante re tom ar com entários feitos a propó­
sito da Tabela 1. Constatou-se ali que três aspec­
tos relativos à organização conceituai interna do 
texto (continuidade, progressão e não-contradição 
interna) se m o s tra ram problemáticos num per­
centual relativamente baixo de redações (em tor­
no de 30%), ao contrário dos aspectos concernen­
tes às relações en tre texto e realidade, que se 
apresentaram falhos em mais da metade das com­
posições analisadas (64% para a condição de não- 
contradição externa e 56% para a de pertinência
116
da a r t icu lação es tabelecida en tre fatos e concei­
tos). Quanto à organização interna, só o requisi­
to de p resença de art icu lação se m ostrou falho 
em percentual elevado de redações (56%, coinci­
dentemente).
É preciso, ainda, lem b ra r a lguns resultados 
da Tabela 2. As falhas mais freqüentes quanto ao 
em p reg o de recursos coesivos foram a incom pa­
tibilidade léxico-semântica (43%) c a inadequa­
ção no uso de m ecanism os de junção (36%). Não 
interessa, no momento, cons ide ra r o percen tua l 
de 32% relativo ao em prego de pronom es anafó- 
ricos e que diz respeito, na m aioria dos casos, à 
d iscordância en tre pronom e e antecedente.
A associação de todos os elem entos aqui 
apon tados conduz a um diagnóstico. A com posi­
ção in terna do texto não foi o m aior problema en ­
co n trad o no corpus. A g rande dificuldade de tec­
tada se localiza no âm bito das relações en tre o 
texto e a realidade. Falando com mais precisão: 
a m a io r par le das redações, enquan to produções 
isoladas, ap resen tou qualidade razoável, ou se­
ja, t inha correção g ram atical, observava a para- 
g ra fação cons iderada adequada, exibia bom ín­
dice de coesão e, p rincipalm ente, e s tru tu rava-se 
sem ofensas m aiores à lógica, no plano concei­
tuai interno. E n tre tan to , a maioria dessas red a ­
ções m ostrava falhas com prom etedoras , que de­
gradavam sua textual idade, quando se confron­
tavam suas af irm ações com a realidade c i rcu n ­
dante: a) ou porque contrad iz iam o que se reco­
nhece como verdade nessa realidade; b) ou p o r­
que relacionavam fatos e conceitos de m aneira 
incompatível com as relações que eles norm al­
I 17
mente assumem no mundo real; ou porque não 
ultrapassavam as informações mais óbvias e re­
dundantes sobre essa realidade, não se m ostran­
do capazes de acrescentar conhecimentos ou tra­
zer interesse ao leitor.
Resumindo, as redações, em sua maioria, 
apresentam um arcabouço formal e conceituai 
aceitável. Configuram-se como todos completos, 
dotados dc continuidade e progressão. Mantêm 
certa lógica interna e se organizam conforme o 
modelo previsto para dissertações, além dc exi­
birem nível satisfatório dfe correção gramatical. 
Entretanto, a impressão que se tem após sua lei­
tura é que sc tra ta dc maus textos, pobres, sim­
plistas, insípidos, quase todos iguais, muitos de­
les eivados de impropriedades. São textos que não 
agradam, não convencem, não entusiasmam.
Essa avaliação que a mera intuição sugere, 
a pesquisa confirmou e precisou: o grande pro­
blema da maioria das redações não se localiza na 
superfície textual, nem mesmo nos aspectos 
lógico-semânticos da es tru tu ra subjacente, mas 
sim nos aspectos cognitivos que integram a ma- 
croestrutura e pesam na eficiência pragmática do 
discurso.
As condições de textualidade que com maior 
freqüência tiveram realização insatisfatória no 
corpus foram aquelas mais d iretam ente relacio­
nadas com o conhecimento de mundo. A não- 
contradição externa externa e a pertinência da 
articulação entre fatos e conceitos denotados de­
pendem dc o estoque de conhecimentos apresen­
tados no texto ser compatível com aquilo que o 
recebedor reconhece como verdadeiro e pertinen­
118
te no m undo real. Por sua vez, a imprevisibilida­
de e a suficiência de dados dependem de conhe­
cim entos ex tra texto do p ro d u to r porque são eles 
que vão lhe possibilitar medir e equilibrar no tex­
to o original e o previsível, bem com o o implíci­
to e o explícito.
Até no p lano de coesão os recursos cujo em ­
prego se m ostrou falho num percentual m aior de 
redações têm a ver com a com patib ilidadeen tre 
conhecim entos do p ro d u to r e do recebedor. A 
contradição léxico-semântica não se restringe aos 
limites da expressão lingüística de superfície, tem 
a ver com a m a c ro e s t ru tu ra conceituai. O mes­
mo o co rre com o em prego indevido de m ecanis­
mos de ju n ç ão e de a r t icu lado res , que es tabele­
ce re lações inaceitáveis en tre fatos e conceitos. 
Ê bom insis t ir aqui quan to à ponderação de que 
essas ocorrências se configuram com o falhas em 
função d as espccificidades do tipo textual. Num 
texto dissertativo escrito e fo rm al a precisão vo­
ca b u la r e a adequação na expressão dc relações 
ê exigência cabível; num o u tro tipo dc texto, po­
de não (i ser.
As redações analisadas, na medida em que 
não ag radam o recebedor, podem ser considera­
das textos de fraca eficiência pragmática. São pro­
duções que logram se sa fa r da dificuldade de, de 
improviso, d isco rre r em 120 pa lav ras sobre um 
tema não escolhido, para um in terlocutor não de­
sejado, dem onstrando capacidade de organização 
das idéias e domínio aceitável da m odalidade es­
c r i ta da língua padrão. C um prem suas obr iga­
ções. Mas são todas m uito parec idas, não pos­
suem altas virtudes nem graves defeitos. Atendem
119
razoavelmente às exigências do programa do con­
curso, dc modo a não inviabilizar a aprovação do 
candidato — a nota da maioria delas é seis, a me­
tade dos pontos reservados para a redação, con­
forme se viu no capítulo 3. Entretanto, se não há 
como reprová-las, não há também como gostar 
delas.
Ê verdade que, se o objetivo do produtor de 
cada uma delas não ia além da pretensão de não 
ser desclassificado no vestibular, esse intuito foi 
plenamente alcançado. As circunstâncias adver­
sas da situação de produção foram satisfatoria­
mente controladas e a aceitabilidade do recebc- 
dor desconhecido e compulsório, nos limites pre­
tendidos, loi alcançada. O problema é que não se 
tem aí o produto de uma verdadeira intenção co­
municativa, não se tem aí, como diria Pécora 
(1983), um texto capaz de instaurar uma legítima 
relação intersubjetiva dc significação.
120
CONCLUSÃO
Através da pesquisa relatada, constatei, por 
um lado, que as deficiências responsáveis pela de­
gradação do nível de textualidade das cem reda­
ções analisadas se situam na e s tru tu ra lógico- 
semântico-cognitiva subjacente. As falhas que sc 
m ostraram mais relevantes, dos pontos de vista 
quantitativo e qualitativo, dizem respeito espe­
cificamente à informatividade c a dois requisitos 
de coerência (a não-contradição externa e a a r t i ­
culação) c tem a ver, mais propriamente, com os 
aspectos cognitivos da m acroestru tu ra .
Por ou tro lado, verifiquei que, no plano da 
superfície textual, foi satisfatório o desempenho 
dos integrantes da amostra. As redações, em ge­
ral, exibiram bom nível de coesão. Só tiveram fre­
qüência relativamente considerável as falhas re ­
ferentes à adequação vocabular (43%), ao em pre­
go de mecanismos de junção e de articuladores 
(36%) e ao uso de pronomes anafóricos (32%), so­
bretudo no que sc refere à concordância entre o 
pronome e seu antecedente.
121
Alem disso, o exame de dois aspectos ex ter­
nos à substância do texto — a distribuição dos pa­
rágrafos e a correção gram atical — me levou a 
cons ta ta r que: a) a quase totalidade (90%) das re­
dações obedeceu ao modelo precstabelecido, 
compondo-se das três parles tradicionais previs­
tas para a dissertação; b) a grande maioria dos tex­
tos (85%) apresentou-se com nível mediano (41%) 
ou bom (44%) quan to à adequação gramatical. A 
leitura minuciosa de cada texto e a análise das no­
tas concernentes à correção id iom ática das reda­
ções deixaram claro que os problem as nessa área 
são irrelevantes, tanto em term os de quantidade 
quanto cm relação aos prejuízos que possam acar­
re ta r para a qualidade das produções. Essas re­
dações, se corrigidas ou passadas a limpo sem er­
ros gramaticais, não se to rn a r iam textos melho­
res, mais convincentes ou mais interessantes, não 
teriam o seu g rau de textual idade elevado.
Em síntese, posso afirm ar que o desempenho 
dos vestibulandos cu jas redações estudei revela 
razoável sucesso na aprendizagem dos aspectos 
envolvidos na p rodução de texto que dependem 
de instrução e treinamento. Esse sucesso me pa­
rece mais relevante quando se considera que os 
integrantes da am ostra , em sua maioria, não se 
subm eteram à p reparação intensiva dos cursi- 
nhos nem puderam , à época do vestibular, dedi­
car seu tempo in te iram ente aos estudos, porque 
trabalhavam e contribuíam para a renda familiar 
(cf. capítulo 3). É significativo que estudantes que, 
em sua maioria, passaram apenas pelo ensino re­
gular, sem receber um tre inam ento especializa­
do, tenham dem onstrado domínio satisfatório da
122 x
língua padrão escrita e do modelo formal usual­
mente adotado para textos dissertativos. A esco­
la ensinou e eles aprenderam a expor seu pensa­
mento em linguagem correia e organizado segun­
do um padrão convencional.
Entretanto, apesar disso, as redações, em sua 
maioria, não constituem o que se pode chamar 
de bons textos. São peças que não agradam nem 
convencem, em razão de suas deficiências quan­
to à informatividade e à coerência. Neste ponto 
é interessante voltar os olhos para a composição 
da amostra novamente. Os produtores das reda­
ções tinham o 2? grau completo e já haviam pas­
sado por uma seleção no vestibular, pois tinham 
sido aprovados na primeira etapa, eliminatória, 
e estavam fazendo as provas da segunda etapa, 
classilicatória. É. significativo que sequer esse 
grupo selecionado tenha sido capaz de produzir 
textos de boa qualidade na hora do vestibular.
Cabe, agora, indagar porque, nas redações 
analisadas, à boa utilização dos recursos formais 
não correspondeu uma configuração conceituai 
condizente.
A contingência de escrever de improviso, so­
bre um tema imposto, para um recebedor temi­
do e desconhecido, pode explicar o baixo teor in­
formativo e a fragilidade da cocrcncia externa das 
redações.
Sua alta previsibilidade tem a ver com o que 
Pêcheux (1969: 16) chama de “ invariantes 
semântico-retóricas” resultantes das condições 
de produção. O próprio tema proposto era pre­
visível e decorrente do contexto histórico-político; 
o contexto imediato — prova de vestibular — de
123
maneira alguma favorecia uma reflexão persona­
lizada que possibilitasse fugir do lugar-comum. 
A tensão e o nervosismo bloqueiam o surgimen­
to de idéias e, então, o melhor a fazer é trabalhar 
com as que primeiro vêm à cabeça, exatamente 
aquelas que estão na boca de todo mundo.
Interferem ainda no processo de produção 
elementos anteriores ao seu desencadeamento, 
mas de peso marcante no seu desenrolar. Refiro- 
me à ação da família e da escola na história pes­
soal e na preparação específica do vestibulando. 
A ideologia dominante qifer fazer crer que há 
sempre um jeito certo de fazer as coisas: um jei­
to certo de enxergar e interpretar a realidade, um 
jeito certo de pensar. A partir daí buscam-se as 
receitas, as fórmulas, as fôrmas.
Paralelamente, vem o medo de arriscar qual­
quer coisa diferente, fora do normal. Por várias 
vezes colhi o depoimento de calouros da Univer­
sidade, de áreas diversas (Letras, Engenharia, 
Computação) sobre a orientação recebida em co­
légios e cursinhos quanto à redação do vestibu­
lar. A recomendação é não dizer nada que possa 
comprometer, não ousar formular nenhuma opi­
nião individual que fuja do padrão; é mostrar-se 
neutro e comedido. Teme-se que a subjetividade 
na abordagem do tema seja considerada incapa­
cidade de dar tratamento racional e isento a uma 
questão, por isso recomenda-se a absoluta impes­
soalidade.Essa receita, como se viu, dá bons re­
sultados, em termos de aprovação no concurso. 
Enseja uma longa série de redações iguais, de no­
ta média e textual idade mediana... Não há saída: 
como ser interessante e convincente falando coi­
124 '
sas que não vem de dentro, defendendo posições 
em que não se acredita?
A alta incidência de falhas quan to á condição 
de suficiência de dados tam bém encon tra expli­
cação nas c ircunstâncias em que as redações fo­
ram elaboradas. Por mais previsível que fosse o 
tema, não havia possibilidade de u m a preparação 
efetiva p a ra escrever sobre ele na hora em que foi 
conhecido. Não havia como colher e analisar in­
formações específicas sobre o assunto . Não era 
possível trocar idéias com a pessoa do lado — um 
concorrente. Não havia tempo, nem tranqüilida­
de psicológica, para ap ro fundar a reflexão ou pa­
ra tentar recobrar dados perdidos na memória. Pe­
lo contrário , era preciso t ran s fo rm ar im ediata­
mente o material cognitivo disponível cm um a re­
dação cuja e s t ru tu ra formal estava previam ente 
determ inada, num exercício quase que au tom áti­
co de preenchimento de esquem as16. Essa limita­
ção e essa prcmência, típicas da s ituação de p ro­
va e freqüentes nas c ircunstâncias usuais de ela­
boração de redações escolares, não condi/em com 
o processo natural de produção de texto. Quem 
escreve, por gosto ou por profissão, escolhe seu 
assun to c sobre ele se informa, discute, pensa c 
repensa. Tem meios de am pliar e ap ro fu n d a r sua 
compreensão, tem tempo dc am ad u rece r suas 
idéias. No vestibular (c, geralmente, na escola) na­
da disso pode acontecer. Assim, a superficialida­
de dc conhecimentos, as alusões a fatos não ca­
racterizados, a imprecisão dc alguns conceitos c 
o recurso a “noções confusas", ca ren tes dc "es­
pecificidade semântica" (cf. Pécora, 1983: 76-77), 
enfim, os problem as identificados como insufi­
ciência de dados, que dctcctci nas redações, po-
125
dcm ter sua origem num literal e legitimo não ter 
o que dizer naquele momento.
No âmbito da coerência, as falhas mais sig­
nificativas encontradas podem ser atribuídas, 
principalmente, à associação dos fatores aponta­
dos para explicar os problemas relativos à infor­
matividade. Muitos textos apresentaram interpre­
tações sobre a questão da violência social que me 
pareceram impertinentes ou incompatíveis com 
a realidade. A tensão psicológica e a pressa em 
compor um a opinião p a ra p reencher a folha dc 
prova certam ente a tuaram no sentido de dificul­
tar uma análise mais deticía e mais consistente. 
Além disso, se a recomendação explícita de pro­
fessores e manuais de redação é .ser objetivo e evi­
ta r vivências e posições pessoais, a solução é re­
correr aos estereótipos mais facilmente disponí­
veis, sem atinar para o quanto eles são preconcei­
tuosos e falseadores da realidade17.
A essa orientação, reiterada duran te o perío­
do escolar, se alia a artificialidade das condições 
mais freqüentes de produção dc redação (escre­
ver sem se preparar, sobre um tem a imposto, pa­
ra um recebedor indesejado que não será leitor, 
mas juiz, dentro de um prazo cu r to c predeterm i­
nado, sem possibilidade de revisão e reelaboração 
do próprio texto). 0 resultado é uma concepção 
errônea, inadequada, do p róprio ato de escrcvcr. 
Produzir um texto, especificamente, um texto dis­
ser tativo, requer, antes do trabalho braçal dc en­
cher folhas dc papel, a construção dc uma opinião 
personalizada sobre o tema a s e r tratado. O pro­
cesso natural dc produção começa, na verdade, 
com a escolha pessoal do lema (escrevo sobre um 
assunto a respeito do qual tenho algo a dizer) e
126 -
inclui a busca de informações, a discussão com 
pessoas interessadas, o debruçar-se sobre os da­
dos a fim de compor um a análise m adura e con­
sistente. O ato mecânico de escrever ê uma etapa 
posterior, embora não seja a ultima. Depois de es­
crever, vem o rever, o repensar, o reescrever, até 
que se considere o texto finalmente pronto.
Evidentemente, isso não é possível numa pro­
va de vestibular. Mais im portan te do que ques­
tionar a validade da prova de redação no vesti­
bular, no entanto, é questionar o treinamento de­
senvolvido na escola com vistas a superação dessa 
prova. O perigo é que o superd im ensionam ento 
da im portância desse exam e acabe direcionando 
o ensino a te de I? grau. São em geral reproduzi­
das em sala de aula as m esm as condições inade­
quadas de e laboração que se têm duran te um a 
prova de concurso. Em geral não se enseja ao alu­
no a possibilidade de c o n s tru i r seus textos num 
processo natural , que lhe renda a familiaridade 
com a produção escrita , a descoberta dos p ró ­
prios m étodos de cr iação e, enfim, o desenvolvi­
m ento da p rópria com petência textual intuitiva. 
Ao contrário , em geral, impõe-sc-lhe um ad e s tra ­
m ento em pobreccdor que o leva a ac red ita r que 
escrever (ou, pelo menos, escrever para a escola) 
se reduz ao exercício enfadonho de preencher “30 
linhas em 50 minutos", como diz Sami Mesera- 
ni, no único esforço de e n q u a d ra r num modelo 
prévio palavras e idéias que têm chance de ag ra ­
d a r ao professor.
Para m im , as redações ana lisadas neste t r a ­
balho, em sua maioria certinhas e arrumaclinhas, 
mas desinteressantes e inconsistentes, são o fruto
127
inevitável das condições de produção a que foram 
su b m e tid o s seus au to res , não só na h o ra do ves­
tibu lar , mas, provavelm ente , na m a io r ia das ve­
zes em que e sc rev e ram na escola.
Assim, o que essa análise sugere é que é hora 
de m u d a r a rota, cs tabclecer novos objetivos para 
o ensino da língua materna. No campo da redação, 
a asp iração não pode se res tr ing ir a poss ib il i ta r 
aos es tudan tes o dom ínio da m odalidade escrita 
d a língua culta e a fornecer-lhes modelos fixos dos 
d iferen tes tipos de discurso. Essas m etas vêm 
sendo perseguidas há tempds c esta pesquisa reve­
lou que, no caso da am o s tra analisada, tal missão 
foi cu m p rid a com sucesso. Mas, por o u t ro lado, a 
pesquisa dem onstrou tam bém algo que o simples 
bom senso já fazia prever: a correção id iom ática e 
a organização segundo um modelo não são sul i- 
c ientes para g a ra n t i r boa qualidade a u m texto. O 
g rau de textualidade de um a produção lingüística 
é decisivamente determ inado por sua coerência. O 
fator que tem peso p reponderan te em sua eficiên­
cia pragm ática é a informatividade. Esses com po­
nentes (como os defini neste trabalho) se localizam 
no plano lógico-semántico-cognitivo, e não no 
formal, que tem m erec ido a tenção p redom inan te 
n a escola. É hora, pois, dc a s su m ir nova á rea de 
trabalho, p a ra d a r con ta da globalidade do fenô­
m eno da interação com unicativa, considerando o 
texto em suas três d im ensões básicas: a formal, 
a conceituai e a pragm ática .
T ra b a lh a r n e s sa á rea é, sim, ta re fa espec íf i­
c a do p rofesso r de po r tuguês , pos to q u e é bus­
c a r o desenvolvim ento pleno da co m p e tên c ia co ­
m unicativa n a tu ra l do aluno.
128
NOTAS
1. Este liv ro é o resumo de dissertação apresentada ao 
curso de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFMG 
para obtenção do grau de mestre em Língua Portuguesa.
2. Cf. Halliday e Hasan (1978: 1-2).
3. O conceito de texto aqui formulado segue, em linhas 
gerais, o pensamento de Schmidt (1978: 163-187).
4. Cf. Widdowson (1981: 56).
5. Cf. Pcchcux (1969: 16-23).
6. Cf. Gnerre (1985: 22).
7. Cf. Schmidt (1978: 60).
8. Cf. Mira Mateus ct alii (1983: 186).
9. Ci. Lang (1973) apud Conte (1977: 104-105).
10. Apud Beaugrandc c Dresslcr (1983: 118-123).
11. Maingueneau(1976: }9), apud Koch (1986: 40).
12. Para maior aprofundamento, ver Koch (1986) e Gui­
marães (1986).
13. Para maior aprofundamento, ver Liberato (1980).
14. A transcrição é integral e ipsis litteria. As redações 
são identificadas pela numeração, de I a 100.
15. Seria particularmente interessante um estudo da 
inlerlextualidade nesta redação.
16. A propósito, ver Lemos (1977).
17. A propósito, ver Almeida (1986).
129
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Hatier-Crédif, 1981, cap. 2, pp. 32-68.
133
Títulos d a co leção
Elementos de p e d a g o g ia da leitura
E zcquid T tia Silva
A redação na escola
Ej»lè Fr.mclu
A rgum entação e d iscurso politico
Haquira Osakahe
O espaço d a ora lidade na sa la de a u la
Jânia M Ramos
O processo de a lfa b e tização
Claudia Maria M endes Gontijo
Problem as de redação
Alcir Pecon»
O ap ren d iza d o d a leitura
M an Kato
A produção d ia ló gica do texto escrito
Incz Sautchuk
Educação: as falas dos sujeitos sociais
Nadia Gaiofatto G onçalves
V o ze s e silêncios de m eninos de rua
Rosa Helena Blanco M achado
Recontando histórias na escola
Sandoval Nonato Gomes-Santos
Portos de p assage m
Jo ão W anderley ( leraldí
Educação literária com o m etáfora social
Cyana l.c*ahy-I)ios
Introdução à lingüística textual
Ingcdore G runfeld Villaça Koch
O m odo heterogêneo de constituição 
da escrita
M anoel Luiz Gonçalves Corrêa
Interações nas práticas de letram ento
Maria do Socorro Macedo
A lingüística textual, desenvolvida sobretudo na Europa, 
a partir do final dos anos 60, se dedica a estudar os 
princípios constitutivos do texto e os fatores envolvidos 
em sua produção e recepção.
Este livro procura condensar noções relevantes dessa teoria 
e aplicá-las à análise de redações de vestibular, na tentativa 
de estabelecer um diagnóstico e levantar sugestões para o 
trabalho com a expressão escrita na escola.
Mano da Graça Costa Vai 
Formada em Letras e com doutorado em Educação pela 
Universidade Federal de Minas Gerais, atualmente 
é professora pesquisadora da mesma universidade.
martins
Martins Fontes

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