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<p>1</p><p>UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO</p><p>DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA</p><p>Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião</p><p>HELENA RAQUEL DE FRANÇA COSTA</p><p>EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO, A “MULHER DO ALGODÃO”:</p><p>SUA PERFORMANCE RELIGIOSA, SEU UNIVERSO SIMBÓLICO</p><p>SUBJACENTE E A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA</p><p>SÃO BERNARDO DO CAMPO</p><p>2019</p><p>2</p><p>UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO</p><p>DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA</p><p>Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião</p><p>HELENA RAQUEL DE FRANÇA COSTA</p><p>EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO, A “MULHER DO ALGODÃO”:</p><p>SUA PERFORMANCE RELIGIOSA, SEU UNIVERSO SIMBÓLICO</p><p>SUBJACENTE E A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA</p><p>Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa</p><p>de Pós-Graduação em Ciências da Religião da</p><p>Universidade Metodista de São Paulo sob a</p><p>orientação do Prof. Dr. Helmut Renders.</p><p>SÃO BERNARDO DO CAMPO</p><p>2019</p><p>3</p><p>FICHA CATALOGRÁFICA</p><p>C823e Costa, Helena Raquel de França</p><p>Edelarzil Munhoz Cardoso, a “mulher do algodão”: sua</p><p>performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a</p><p>religiosidade popular brasileira / Helena Raquel de França Costa -- São</p><p>Bernardo do Campo, 2019.</p><p>197 f.</p><p>Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --</p><p>Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação</p><p>em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São</p><p>Bernardo do Campo.</p><p>Bibliografia</p><p>Orientação de: Helmut Renders.</p><p>1. Cardoso, Edelarzil Munhoz – Estudo de caso 2.</p><p>Curandeiros 3. Religiosidade popular – Brasil 4. Imaginário religioso</p><p>I. Título</p><p>CDD 248.290981</p><p>4</p><p>A dissertação de mestrado intitulada: “Edelarzil Munhoz Cardoso, a ́ mulher do algodão´:</p><p>sua performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a religiosidade popular</p><p>brasileira”, elaborada por Helena Raquel de França Costa foi apresentada no dia 10 de</p><p>abril de 2019, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Helmut Renders</p><p>(Presidente/UMESP), Prof. Dr. Vitor Chaves de Souza, (Titular UMESP), Prof. Dr. Ênio</p><p>Brito Pinto (Titular PUC-SP).</p><p>Prof. Dr. Helmut Renders</p><p>Orientador e Presidente da Banca Examinadora</p><p>Prof. Dr. Helmut Renders</p><p>Coordenador do Programa de Pós-Graduação</p><p>Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião</p><p>Área de Concentração: Linguagens da Religião</p><p>Linha de Pesquisa: Teologias das Religiões e Cultura</p><p>5</p><p>Dedico essa dissertação de mestrado, primeiramente</p><p>à Trindade Santa, centro e fonte de tudo em minha</p><p>fé. Aos meus pais, Pedro P. Costa e Marilena B. F.</p><p>Costa, cuja dedicação e amor foram essenciais</p><p>e fecundos para a minha formação humana.</p><p>A eles todo meu respeito, admiração,</p><p>reconhecimento e amor.</p><p>Me orgulho deles.</p><p>Também</p><p>dedico</p><p>à Santa</p><p>Mãe de</p><p>Deus, Maria</p><p>Santíssima, à Beata</p><p>Elena Guerra e a São João Paulo II,</p><p>aos quais consagrei toda essa pesquisa.</p><p>6</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>Agradeço, em primeiro lugar, a oportunidade que tenho como graça divina, de</p><p>participar da história deste PPG em Ciências da Religião, a todos os professores e colegas</p><p>de mestrado, com quais tive a honra de conviver, dividir experiências e trocar</p><p>conhecimentos. Assim como a solicitude de todos os funcionários do PPG e da</p><p>Universidade Metodista de São Paulo. Aliás, sou grata à UMESP.</p><p>Em especial, agradeço ao meu orientador, Professor Helmut Renders, que desde o</p><p>começo de meu mestrado e em todos os momentos, me acompanhou, conduziu e, por</p><p>vezes, desafiou, mas sempre com sua maneira sábia, gentil e competente. Não há palavras</p><p>para agradecer a compreensão e paciência de Professor Helmut.</p><p>Sou grata a todos os professores que passaram por minha vida e deixaram um pouco</p><p>de seus preciosos conhecimentos. Em particular, agradeço a Professora Marília Brizola,</p><p>minha primeira professora. Ela não apenas alfabetizou-me, como também soube enxergar</p><p>minha paixão pela leitura, me emprestando livros da escola, me desafiando a escrever</p><p>histórias e aguçando ainda mais minha curiosidade pelo universo encantado das letras.</p><p>Agradeço ao CNPQ, cujo financiamento foi fundamental nesta caminhada de dois</p><p>anos. Agradeço ao suporte da Casa do IEPG (Instituto Ecumênico de Pós Graduação em</p><p>Ciências da Religião), onde residi neste tempo, a todos os meus colegas moradores da</p><p>casa, a toda direção e em particular à Ana Maria Fonseca, secretária administrativa do</p><p>instituto, uma querida amiga, sempre dedicada a fazer sempre o melhor para todos os</p><p>moradores da casa, mesmo tendo tantos compromissos cabidos à sua função. Grata!</p><p>Agradeço a todos que de alguma forma me foram suporte, meus amigos do Grupo</p><p>de Oração “Presença de Deus” de Sete Barras, Nilson C. de Oliveira, Robson de Sá Leite,</p><p>Dalma C. Pauluk, Cezário T. de Jesus. Agradeço ao presidente Estadual do Movimento</p><p>da Renovação Carismática Católica de São Paulo, Marcelo Marangon, que antes de o</p><p>poder chamar de coordenador, pude chamá-lo de amigo, ser acolhida e amada pelo meu</p><p>Movimento através dele.</p><p>7</p><p>Agradeço ao meu amigo, Padre Adelson Rosa de Souza e ao Diácono Hélio Paulo</p><p>da Cruz, que em momentos muito específicos, me ouviram e ajudaram com sábios</p><p>conselhos.</p><p>Agradeço a minha amiga Rita de Cássia Golim, que sempre esteve presente, mesmo</p><p>longe, em meus momentos de conflito pessoal, me ouvindo e orando comigo.</p><p>Agradeço ao meu amigo Altierez Sebastião dos Santos – também pesquisador e</p><p>cientista da religião – um amigo muito querido que esteve presente durante todo o meu</p><p>percurso de mestrado, me apoiando sempre, sendo como só um verdadeiro amigo</p><p>consegue ser, uma presença incondicional e um esteio em minha fé. Também agradeço</p><p>por suas contribuições na revisão de minha dissertação e apontamentos históricos</p><p>preciosos, enquanto historiador, enriquecendo as fontes de minhas pesquisas.</p><p>Amigos verdadeiros para as quais não existem palavras para descrever a</p><p>importância em minha vida. Muitas são as pessoas que nos conhecem, porém, poucas têm</p><p>o dom de atravessar o nosso íntimo e saber como realmente somos. Só me resta a gratidão</p><p>mais sincera pelo apoio desses meus queridos.</p><p>Gratidão.</p><p>8</p><p>“Quando você estiver com a sua vida toda bloqueada, às</p><p>vezes com problemas de saúde... profissionais,</p><p>financeiros, desempregos, sentimentais, imóveis para</p><p>vender ou dinheiro para receber e não consegue... não se</p><p>desespere, falando que tua vida é uma desgraça. Porque</p><p>sem chamar ela já vem e se você chamou ela aposenta com</p><p>você. Então quando a gente está com tudo bloqueado na</p><p>vida da gente, a gente tem que pedir a Deus: Dai-me força,</p><p>Senhor, pra mim suportar a minha cruz. Todos nós temos</p><p>a nossa. “Dai-me paciência! Ei de vencer todos os</p><p>obstáculos da minha vida, porque Deus está comigo.</p><p>Quem é que vai poder me destruir?”. Se você tiver fé, você</p><p>pode ter caído, você levanta e começa tudo de novo, isto</p><p>é certeza, mas pela fé. Porque, eu tenho muita fé, eu faço</p><p>a minha parte e cada um faz a sua”.</p><p>Edelarzil M. Cardoso “A Mulher do Algodão”</p><p>9</p><p>COSTA, Helena Raquel de França. Edelarzil Munhoz Cardoso, a “mulher do algodão”:</p><p>sua performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a religiosidade popular</p><p>brasileira. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião) - Programa de Pós-</p><p>Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo</p><p>do Campo, SP, 2019.</p><p>RESUMO</p><p>Esta pesquisa tematiza a performance mediúnica, ritual, simbólica e visual de Edelarzil</p><p>Munhoz Cardoso, mais conhecida como a “Mulher do Algodão” ou “Médium do</p><p>Algodão”, sobre a qual se alega ter o dom de realizar curas físicas e espirituais de forças</p><p>negativas mediante a materialização de objetos no</p><p>Essa herança africana, associada às crenças indígenas,</p><p>resultou nessa singular fisionomia cultural brasileira (SANTOS, 2016,</p><p>p. 219).</p><p>Com a troca simbólica, muitos santos católicos foram ressignificados sendo</p><p>remetidos aos orixás, conforme as características comparativas. Assim, africanos</p><p>continuavam seus cultos de forma clandestina, uma vez que eram proibidos, pois tais</p><p>entidades para os colonizadores,eram demônios. Maquilando seus orixás como santos</p><p>católicos, os africanos foram dando forma aos seus ritos, que mais tarde dariam início à</p><p>umbanda e ao candomblé. “Orixás guerreiros, como Ogum, ganharam destaque aqui,</p><p>diferente dos de cunho agrícola mais cultuados na África, como Onilé” (MACEDO, 2008,</p><p>p. 3). Segundo suas crenças todo indivíduo é regido por um orixá que reflete alguma força</p><p>da natureza e influencia na harmonia, qualidades e comportamentos. “Na África são</p><p>cultuados mais de quatrocentos orixás. Aqui no Brasil são mais de vinte” (SANTOS,</p><p>2016, p. 225). Abaixo, na tabela, alguns orixás e seus correspondentes no sincretismo.</p><p>Tabela 1: Relação de orixás com o sincretismo</p><p>Orixá</p><p>Sincretismo/ Correspondência</p><p>Entidade católica Vodum Jeje Inquice Banto</p><p>Exu (chamado Barano</p><p>no batuque do RS)</p><p>Diabo Elegbara/Bara/Eleguá Bombogira Aluviá</p><p>Ogum</p><p>Santo Antônio</p><p>São Jorge</p><p>Gun Doçu Incáci Roximucumbe</p><p>Oxóssi ou Odé</p><p>São Jorge</p><p>São Sebastião</p><p>Azacá Gongobira Mutacalombo</p><p>Ossaim Santo Onofre Agué Catendê</p><p>Oxumarê São Bartolomeu Dã Bessém Angorô</p><p>35</p><p>Obaluaiê ou</p><p>Omulu</p><p>São Lázaro São</p><p>Roque</p><p>Acóssisapatá Xapanã Cafunã Cavungo</p><p>Xangô</p><p>São Jerônimo</p><p>São João</p><p>Badé Queviosô Zázi</p><p>Oiá ou Iansã Santa Bárbara Sobô Matamba Bumburucema</p><p>Obá Santa Joana D'Arc</p><p>Oxum</p><p>Nossa Senhora das</p><p>Candeias</p><p>Aziritobosse Navê</p><p>Navezuarina</p><p>Samba Quissambo</p><p>Logun-edé São Miguel Arcanjo Bosso jara</p><p>Euá Santa Lúcia Euá</p><p>Iemanjá</p><p>Nossa Senhora da</p><p>Conceição</p><p>Abê Dandalunda Quissembe</p><p>Nanã Santana Nanã</p><p>Oxaguiã (oxalá jovem) Jesus (menino)</p><p>Oxalufã (oxalá velho)</p><p>Jesus (crucificado ou</p><p>redentor)</p><p>Liçá Zambi</p><p>Fonte: apud ALMEIDA et al, 2016, pp. 8-9</p><p>Porém, o sincretismo foi uma via de dois sentidos e algumas coisas dos orixás</p><p>acabaram sendo absorvidos dentro dos cultos católicos. A arte africana influenciou a arte</p><p>brasileira, ao mesmo tempo que os artefatos religiosos católicos influenciaram nos</p><p>terreiros.</p><p>Na arte religiosa dos terreiros o continuum é mais amplo, pois os objetos</p><p>litúrgicos (presentes, por exemplo, em altares como os pejís dos</p><p>candomblés ou os congás da umbanda) podem derivar de uma</p><p>influência da herança africana (como as esculturas em madeira de</p><p>orixás, peças de barro, ferramentas de ferro forjado, vestimentas</p><p>litúrgicas, etc, tal como encontramos, sobretudo no modelo do</p><p>candomblé) ou da tradição católica (imagens de santos, crucifixos etc,</p><p>ao lado de imagens de orixás, tal como encontramos, sobretudo na</p><p>umbanda) (ALMEIDA et al., 2016, p.13).</p><p>O povo africano deixou e permanece mantendo muito de sua cultura em território</p><p>brasileiro e suas contribuições como a música, a gastronomia, os contornos da alegria</p><p>brasileira são contribuições permanentes reconhecidas universalmente. Principalmente</p><p>no que diz respeito à religião. Segundo Santos (2016), apesar de tantas contribuições</p><p>culturais, apenas recentemente, a partir do século XX, é que cultura africana começou a</p><p>ser reconhecida em seu papel na construção cultural no cenário brasileiro e sua</p><p>religiosidade, melhor conhecida.</p><p>36</p><p>1.1.4 A Matriz Espírita</p><p>Sob o pseudônimo de “Allan Kardec”, Hippolyte-Leon Denizard Rivail, um</p><p>revisor de gramática francesa, publica sua obra Le livre des Esprites (1857) ou “O Livro</p><p>dos Espíritos” na versão em português. A pretensão era criar uma tríplice doutrina: uma</p><p>religião científica e filosófica. Os princípios do espiritismo de Kardek se centravam na</p><p>imortalidade da alma, na possibilidade de comunicação com os espíritos e a reencarnação</p><p>dos espíritos.</p><p>O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação</p><p>e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas</p><p>relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como</p><p>filosofia, compreende todas as consequências morais que</p><p>dimanam dessas mesmas relações.</p><p>[...] O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem</p><p>e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o</p><p>mundo corporal (KARDEC, 2013, p. 40).</p><p>O princípio do espiritismo, segundo Fernandes (2008), tem em sua raiz o interesse</p><p>de Kardec pelo fenômeno das “mesas girantes ou dançantes” que aconteciam nos salões</p><p>da burguesia parisiense. No princípio de sua pesquisa em 1854, acreditava se tratar de um</p><p>fenômeno do magnetismo ainda não esclarecido pela física, porém, “Essas mesas, ainda</p><p>segundo relatos, geralmente, executavam ordens dadas” (p. 9) como bater as pernas um</p><p>determinado número de vezes para indicar uma letra ou dando voltas em tordo de si. Isso</p><p>levou Kardec a crer que estava diante de um fenômeno sobrenatural, e por conseguinte a</p><p>fundamentar a doutrina espírita. Fernandes também sublinha a ausência da palavra</p><p>religião no começo do espiritismo que só passou a ser usada após 1863.</p><p>O primeiro contato do Brasil com o espiritualismo teria sido por volta de 1853,</p><p>com as notícias das “mesas dançantes”, pouco antes de Kardec conhecer e consolidar a</p><p>doutrina espírita. Chegando a ser notícia a possibilidade da evocação dos espíritos através</p><p>das mesmas (MENEZES, 2012). “No dia 12 de Agosto desse ano, Dr. Cesário, eminente</p><p>personalidade da época, assina um artigo no Jornal do Comércio onde afirma ter</p><p>conseguido respostas inteligentes das mesas” (FERNANDES, 2008, p. 82). Quando o</p><p>espiritismo de Kardec finalmente chegou ao Brasil em meados do século XIX, mais</p><p>especificamente na Bahia, ocorreu o fenômeno de ser ressaltado mais o lado religioso do</p><p>espiritismo do que sua doutrina filosófica e científica, ganhando novos contornos. Em um</p><p>cenário diferente da qual o espiritismo tinha encontrado resistência em sua terra de</p><p>origem, a França, no Brasil foi o espiritismo que teve que apresentar certa resistência para</p><p>37</p><p>com a apropriação e aculturação da doutrina espírita pelos brasileiros. Pois aqui já havia</p><p>um ambiente favorecido, o brasileiro já estava habituado a conviver com as culturas mais</p><p>diferentes. Em nossa formação cultural, e aqui vale relembrar, que as culturas indígena,</p><p>lusitana e africana, não tinham quaisquer problemas de aceitação para com o sobrenatural.</p><p>A formação básica brasileira era dada ao misticismo e foi um berço propício para a</p><p>instauração da doutrina espírita. Também, segundo Fernandes (2008), a instabilidade</p><p>social e a Guerra do Paraguai também foram fatores que estimularam a busca do povo</p><p>pelas consultas místicas.</p><p>Praticamente todos os aspectos culturais e sociais responderam de</p><p>alguma maneira à entrada do espiritismo no Brasil. A nossa</p><p>intelligentsia, nossos magistrados, o Imperador D. Pedro II e a princesa</p><p>Isabel, a população, o clero, os jornais, enfim, todo mundo queria saber</p><p>ou algo falar dessa doutrina que aqui chegava com pretensões de ficar</p><p>e de também mudar o trato brasileiro com a religião, pois vale ressaltar</p><p>que, apesar de ter sofrido fortes influências, o espiritismo também</p><p>buscava influenciar a nossa cultura. Todavia, fato é que aqui chegou e</p><p>aqui ficou, tanto que hoje, podemos dizer, quando falamos de</p><p>espiritismo, seja em qualquer lugar do mundo, o nome Brasil surge</p><p>como a “sede maior” dessa doutrina (FERNANDES, 2008, p. 77).</p><p>O espiritismo que era até então uma doutrina para os intelectuais da burguesia, e</p><p>entretenimento para curiosos, se espalhou popularmente, com a fundação de centros</p><p>espíritas. O primeiro a ser fundado, foi o Grupo Familiar do Espiritismo (1866), em</p><p>Salvador.</p><p>Na mesma proporção da aceitação, começaram os combates pastorais por parte da</p><p>Igreja Católica,</p><p>pois a doutrina espírita contraria os princípios do cristianismo da</p><p>ressurreição dos mortos. Houve também o combate por parte da imprensa baiana. Tal</p><p>polêmica colocou o espiritismo em evidência, atraindo mais adeptos e ganhando força no</p><p>Rio de Janeiro. Coincidindo com as reinvindicações republicanas da época, muitos</p><p>“simpatizantes” estavam inseridos no manifesto.</p><p>[...] o espiritismo foi simpático a muitas causas “progressistas” do país,</p><p>como a abolição e a república. No caso da abolição, porque a escravidão</p><p>feria os preceitos cristãos do espiritismo6, que manda amar o próximo</p><p>como a si mesmo, e também pela orientação liberal da doutrina que</p><p>conjugava igualdade e liberdade, princípio que não era praticado à</p><p>época (FERNANDES, 2008, p. 87, grifos nossos).</p><p>6 Interessante essa fala “princípios cristãos do espiritismo”, demonstra a rapidez que esse se cristianizou-</p><p>se.</p><p>38</p><p>Após trinta anos do espiritismo de Kardec chegar em terras brasileiras, a doutrina</p><p>já tinha ganhado uma força tamanha colocando o Brasil como um dos países com maior</p><p>aceitação de adeptos no mundo. Sobreviveu o espiritismo “místico” e como a homeopatia</p><p>ainda não era consolidada, sua ligação com o espiritismo era tida como feitiçaria na recém</p><p>nascida república. Foi o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti que acabou por ser</p><p>determinante para a estabilização do espiritismo brasileiro como uma religião,</p><p>estipulando a “Orientação pelo Evangelho”. Sendo as terras brasileiras, solo fecundo para</p><p>a proliferação da diversidade, logo, além do espiritismo propriamente dito, houveram</p><p>muitas apropriações de elementos espíritas. Como exemplo disso, “o pajé e o pai-de-santo</p><p>tornar-se-iam médiuns espíritas, agora dotados de um poder maior [...], porque agora</p><p>conheciam as artes e o segredo daquela doutrina que era até então um privilégio dos ricos”</p><p>(FERNANDES, 2008, p. 93). E assim ocorreu popularmente nas mais diversas</p><p>manifestações religiosas como na cartomancia e provavelmente entre os curandeiros e</p><p>benzedeiras.</p><p>Apesar do espiritismo negar que existam diversos espiritismos no Brasil, não</p><p>podemos deixar de citar as contribuições de líderes espíritas citadas por Stoll (2004),</p><p>como Chico Xavier falecido em 2002, psicógrafo que no começo de sua carreira como</p><p>médium foi considerado por muitos uma farsa, após tentar materializar espíritos em</p><p>fotografias, assim como tantos médiuns de sua época e depois tornou-se uma referência</p><p>da psicografia espírita. A médium Cacilda que incorporava, supostamente, o espírito do</p><p>Exu Seu Sete da Lira, as contribuições literárias no meio espírita por Zíbia Gasparetto e</p><p>Antônio Gasparetto, psicólogo, que teria o dom mediúnico da psicopictografia, pintando</p><p>quadros que seriam de artistas famosos como Vangog, Manet, Renoir, Picasso, dentre</p><p>outros, ganhando fama internacional e mais tarde se tornando adepto das novas terapias</p><p>decorrentes da onda “Nova Era”, enfatizando em suas palestras o discurso da auto-ajuda.</p><p>Sendo assim, o espiritismo brasileiro, que ao se instalar no Brasil, assumiu o “estilo</p><p>católico” e sofreu as transformações decorrentes das influências matriciais, como a</p><p>“umbandização”, numa linguagem muito acessível e clara, pode ser percebido com seus</p><p>contornos particulares em cada uma das personalidades citadas.</p><p>1.2 Catolicismo popular brasileiro</p><p>Como mencionado no início deste capítulo, até o golpe de Estado republicano em</p><p>fins do século XIX, o catolicismo era a única religião permitida no Brasil, o que não</p><p>39</p><p>significa que as religiosidades indígena e africana tenham deixado de ser praticadas. Elas</p><p>se amalgamaram ao catolicismo lusitano e sobreviveram em meio às práticas populares,</p><p>tendo como contribuintes diversos fatores culturais. O resultado foi a obtenção de uma</p><p>expressão um tanto distanciada do catolicismo romano.</p><p>O catolicismo que os portugueses trouxeram foi o catolicismo mágico das práticas</p><p>devocionais aos santos e apego às representações dos mesmos por imagens e figuras, das</p><p>romarias, das festas populares e ênfases rituais “que marcariam profundamente a cultura</p><p>brasileira nos seus insistentes apelos emotivos e piedosos, manifestados nas esculturas de</p><p>Aleijadinho do século XVII mineiro” (MACEDO, 2008, p. 4). Nessa época, a Igreja</p><p>Católica estava vivendo um período de reestruturação interna que se processava desde o</p><p>Concílio de Trento (1545 a 1563), devido aos embates teológicos com a Reforma</p><p>Protestante. Índios e africanos continuaram suas práticas, os indígenas teriam</p><p>desenvolvido movimentos “messiânicos” de libertação dos brancos e os africanos,</p><p>camuflando seus orixás em santos católicos, evitando confrontos diante das proibições de</p><p>seus cultos. Recorriam à magia como forma de resistência a opressão e a utilizando</p><p>também para curas físicas. Os quilombolas acabaram aderindo ao culto católico</p><p>sincrético, mesclado com elementos indígenas e africanos, tendo mais familiaridade com</p><p>os santos católicos do que com os orixás. Outro fator que contribui para a opção pelo</p><p>catolicismo seria que, no quilombo se reuniam diversos povos africanos e a única religião</p><p>que conseguiria agregar a todos seria o sincretismo católico. Assim, o sincretismo que se</p><p>estabeleceu foi uma solução para problemas culturais e como demonstração da resistência</p><p>religiosa indígena e africana, que subsistia à imposição (BITTENCOURT FILHO, 2003).</p><p>Para Espín (2000), a experiência da religiosidade popular é a experiência de quem quer</p><p>tocar Deus esperando uma revelação diferente, que se identifica com o Jesus sofrido,</p><p>tendo na ressurreição uma esperança. Essa experiência não pode ser diminuída como algo</p><p>irracional ou tida como expressão da ignorância, como tendenciosamente são</p><p>interpretadas ao nível popular. Ela é real, dá sentido, até mesmo é central na vida daquele</p><p>ser humano ou grupo. Porém, sendo inacessível aos não praticantes.</p><p>O povo sofrido da época de Jesus se identificou com Jesus em sua “derrota”, não</p><p>se tinha sobre ele, o entendimento que a religião cristã assimila nos dias de hoje. A</p><p>experiência daquele povo com a pessoa de Jesus, é a do homem tido como insignificante</p><p>pelas autoridades, que se imbuiu de uma solidariedade tamanha para com o sofrimento</p><p>alheio, que acabou incomodando e sendo morto. Para o povo, Jesus, antes da imagem</p><p>divina, era o homem altruísta, digno de ser imitado. Com o tempo, conforme o</p><p>40</p><p>cristianismo foi ganhando força e prestígio no mundo romano, mais foi sendo enterrada</p><p>a imagem do Jesus derrotado em meio de símbolos de vitória “desse modo silenciando a</p><p>necessidade social e eclesial de ver, experimentar e tocar as histórias contínuas que</p><p>prolongam a analogia de Deus por meio de outras vidas humanas partidas” (ESPÍN, 2000,</p><p>p. 57). Segundo Espín, o catolicismo popular não deve ser tratado como algo paralelo ao</p><p>catolicismo normativo, de forma pejorativa e supersticiosa. A expressão de fé do povo</p><p>deveria ser estudo e considerado, tal qual a Igreja Católica observa e sacraliza o que</p><p>chama de “Sagrada Tradição”, que consiste na vivência dos apóstolos e primeiros</p><p>cristãos. Para ele, o catolicismo expresso pelo povo é o Sensus Fidelium. A maneira como</p><p>o povo interpreta e expressa a religião em sua vivência, também deveria ser considerada</p><p>como revelação, uma vez que a Igreja entende que Cristo se revela à toda a igreja e o</p><p>povo que vive e testemunha a fé, corresponde a grande maior parcela da Igreja.</p><p>O Sensus fidelium seria a intuição de fé do povo. Sendo que a maneira de expressar</p><p>a mesma fé é variável, compreendendo que a religião se insere em culturas de povos</p><p>diferentes. Não que o autor considere que tudo é aceitável, no entanto, propõe que os</p><p>teólogos não ignorem estudar essas expressões que compõe a religião popular e que, para</p><p>que haja tal compreensão, é exigido</p><p>consciência da cultura e a realidade econômica e política e também a</p><p>consciência de</p><p>seus preconceitos e interesses ocultos (mas presente,</p><p>com certeza) de classe e etnoculturais, que podem cegá-lo para</p><p>dimensões da revelação presentes precisamente nas intuições cheias de</p><p>fé que são objeto de estudo” (ESPÍN, 2000, p.124).</p><p>Transportando isso para o catolicismo do povo brasileiro, se faz necessário</p><p>retomar a história desde sua fundação, contextualizando com os acontecimentos ao longo</p><p>de seu tempo, para que se possa compreender os efeitos encontrados em sua configuração</p><p>nos dias de hoje. Quando se fala em experiência sagrada, Espín denota não haver</p><p>possibilidade de uma relação religiosa acultural. Para o pesquisador, toda experiência é</p><p>“inculturada”. Pois O encontro com o divino acontece segundo o que é compreensível ao</p><p>ser humano, naquilo que sua cultura o possibilita experimentar.</p><p>Se a experiência com o divino só acontece na cultura [...]. O “lugar” de</p><p>um indivíduo ou grupo na sociedade também molda a linguagem, os</p><p>símbolos etc., usados (por esse indivíduo ou grupo) no processo de</p><p>interpretação da experiência religiosa e, desse modo, expressa como</p><p>“religiosa” a experiência em si e, como “divina(s)” “a(s) imagem(ns)</p><p>daquele que é encontrado. Assim, não só a cultura, mas também o</p><p>“lugar social” possibilitam as diversas interpretações das experiências</p><p>religiosas da humanidade (ESPÍN, 2000, p.156).</p><p>41</p><p>Até o golpe político em 1889, a Igreja Católica era subordinada ao poder estatal,</p><p>resultando em inúmeros conflitos entre Igreja e Estado, que tinha autoridade de intervir</p><p>nas decisões da Igreja e de punir a mesma, diante de enfrentamentos. Neste período, a</p><p>Igreja mantinha um restrito número de bispos em suas poucas circunscrições eclesiásticas</p><p>no Brasil e evitava criar novas. Era uma forma de resistir a essas intervenções</p><p>(AZEVEDO, 2002, p. 34). Porém, a Igreja estava longe de contornar os inúmeros</p><p>problemas que se estabeleciam em relação à Igreja oficial com a praticada popularmente.</p><p>O catolicismo português, menos agressivo, legou ao povo “certa brandura, tolerância e</p><p>maleabilidade que a exaltada, turbulenta e dura religiosidade espanhola conheceu”</p><p>(AZEVEDO, 2002, p. 36). Os jesuítas, sendo a ordem mais intelectualizada dentre as</p><p>ordens da Igreja, atuavam sem submissão à coroa e tinham como missão difundir a</p><p>religião aos moldes de Roma e de submissão ao papa, eles lançaram bases para a formação</p><p>intelectual cristã no Brasil, fundando colégios e escolas “voltando-se para o estudo da</p><p>filosofia, teologia e latim” (MACEDO, 2008, p. 10). Porém, no ano de 1759, foram</p><p>expulsos pelo Marquês de Pombal e a evangelização ficou sob cuidados de um clero</p><p>despreparado e com poucos bispos para orientar a igreja segundo os ensinamentos</p><p>tradicionais. Essa falta de preparo do clero afetou a disciplina e ensinamentos morais</p><p>cristãos.</p><p>Os poderes que a monarquia portuguesa tinha na escolha e designação</p><p>de bispos e vigários, a falta de controle dos bispos sobre os clérigos</p><p>irregulares (sic) que entravam no país sob a proteção da legislação civil,</p><p>a falta de seminários durante muitos anos, a procura, por outro lado, da</p><p>vida clerical por muitos como proteção contra o serviço civil e militar,</p><p>a frouxidão de costumes reinantes durante grande parte da vida</p><p>nacional, especialmente no período da escravidão, o isolamento dos</p><p>padres em paróquias distantes, assim como nos engenhos e fazendas</p><p>Durante o período colonial e o Império muitos procuravam a vida</p><p>eclesiástica porque esse era um dos poucos meios para obter uma</p><p>educação superior, para ter acesso a posições políticas ou para subir</p><p>socialmente (AZEVEDO, 2002, p. 46).</p><p>Os clérigos brasileiros, não gozavam de prestígio como o clero da América</p><p>Hispânica e assemelhavam suas práticas às práticas seculares, distanciando da moralidade</p><p>cristã, como por exemplo, a prática do concubinato, relacionamentos que gerou muitos</p><p>filhos, além de atuar com uma religiosidade popular e sincrética. Muitos do clero eram</p><p>intelectualmente ignorantes e mal tinham o conhecimento da língua portuguesa, menos</p><p>ainda do latim. A situação dos clérigos se aproximava da miséria, podendo a Igreja</p><p>expandir suas paróquias desde que as mantivessem. Não havendo essas condições,</p><p>existiam poucas paróquias e os padres que exerciam funções de “capelães” em capelas</p><p>42</p><p>rurais, tiveram que submeter-se, via de regra, à aristocracia. Normalmente os senhores de</p><p>engenho tinham capelas em seus territórios e se utilizavam da religião para manter sob</p><p>controle os seus escravos. Os capelães que muitas vezes residiam nas fazendas ficavam a</p><p>seu serviço e distanciado das ordens do alto clero. A esses curas cabia:</p><p>[...] dizer missa na capela nos domingos e dias santos, explicar a</p><p>doutrina cristã, alertar sobre a magnitude do pecado mortal e das penas,</p><p>ouvir em confissão aos seus aplicados, atalhar discórdias, honrar a Deus</p><p>e à Virgem, cantando-lhes aos sábados as ladainhas e o terço do rosário,</p><p>não receber noivos, nem batizar sem licença in scriptis do vigário,</p><p>morar fora da casa do senhor, benzer o engenho somente se o senhor</p><p>não convidar o vigário, ensinar aos filhos do senhor (apud JURKEVICS</p><p>, 2004, p. 28).</p><p>Como consequência da subordinação da Igreja ao Estado, o clero pouco se</p><p>envolvia na assistência dos fiéis em suas necessidades e sofrimentos, resultando na</p><p>movimentação leiga e criação de irmandades7 que procuravam praticar a caridade entre</p><p>si, além de organizar os festejos. Com isso, o catolicismo colonial ficou centrado sob o</p><p>poder leigo. Segundo Jurkevics (2004), no Novo Mundo, onde predominava o catolicismo</p><p>das festas, das romarias, das novenas e devoções santorais, das capelas domésticas,</p><p>distanciada, pouco se entendia acerca da liturgia paroquial ou se entendia do rito da missa.</p><p>O aprendizado catequético era deveras superficial e acabavam se tornando ensinamentos</p><p>decorados que se esvaiam da memória ao longo do tempo. Era uma fé de pouca</p><p>introspecção, que valorizava muito os elementos exteriores e carregados de elementos</p><p>pagãos. A frequência aos templos não era o mais relevante. As novenas, promessas e</p><p>sacrifícios praticados, eram dedicadas fervorosamente aos santos favoritos, com o intuito</p><p>da obtenção de graças. Os santos, eram por vezes castigados, estando representados por</p><p>suas imagens, a fim de serem obrigados a dar o que lhes foram requeridos ou por esses</p><p>não terem atendido às suplicas. Esse culto, que segundo Jurkevics, com exageros em</p><p>termos espirituais, podem ser comparados às práticas mágicas dos indígenas que</p><p>habitavam no país e ainda habitam, em números muito reduzidos.</p><p>[...] prevaleceu uma vivência religiosa autônoma, bem pouco</p><p>identificada com a hierarquia eclesial. Portugueses, nativos e africanos,</p><p>podiam expressar livremente as suas tradições religiosas, praticamente</p><p>sem nenhum controle, como por exemplo, as danças e os fogos nos</p><p>festejos de São João, as imagens de santos domésticos e, até mesmo</p><p>evocar, no caso dos escravos, suas divindades africanas, ainda que sob</p><p>nomes católicos (JURKEVICS, 2004, p. 30).</p><p>7 Cf. Fritz, 2007.</p><p>43</p><p>Se enfatizava a igreja doméstica, centralizada no chefe de família. Os senhores de</p><p>engenho tinham o hábito de pedir a aspersão do alicerce de seu engenho, pois a religião</p><p>estava estreitamente ligada ao cotidiano das famílias. Porém em comunidades isoladas,</p><p>cada qual contribuindo aos diversos contornos que o catolicismo brasileiro recebeu. Em</p><p>alguns lugares, a presença do sacerdote era algo raro e por causa da escassez de padres</p><p>era comum o batismo de crianças em suas casas. “O batismo em casa era o primeiro ritual</p><p>do qual participava o recém-nascido. Fazia-se uso de água corrente, depois devolvida à</p><p>natureza, e orações como Pai-Nosso e Creio, dirigidas pelos pais e padrinhos”</p><p>(MARQUETTI; LOPES DA SILVA, 2015, p. 118). Depois quando era possível, assim</p><p>que conseguissem a presença de um padre, a criança recebia o batismo oficial</p><p>da Igreja.</p><p>Segundo Cristiano Araújo (2015), algumas das características da expressão religiosa, são</p><p>os simbolismos da cruz, que acompanha tanto como marca da religião católica, tanto</p><p>como estandarte de conquista, assumida pelo povo para se fazer notar a presença das</p><p>comunidades cristãs; os oratórios que demarcavam o espaço sagrados dos lares, aludindo</p><p>às capelas, contendo os santos de devoção, assim como as ermidas. As irmandades, onde</p><p>os leigos se integravam com finalidade religiosa e social. Diferiam-se entre irmandades</p><p>brancas e negras, devido à discriminação que o povo negro sofria. Os santuários, cujo</p><p>quais, muitos eram construídos a partir de territórios, antes demarcados por cruzes ou</p><p>ermidas; as romarias em honra aos santos de devoção; as procissões, devoções, festas,</p><p>cultos, benzeções etc.</p><p>Os festejos religiosos, denota Jurkevics (2004), eram um dos poucos alívios na</p><p>vida do povo sofrido, que era escravo, que eram explorados, era onde acontecia a troca</p><p>cultural. Um catolicismo colorido por elementos indígenas, africanos e português.</p><p>Também, como em tantas outras sociedades, os festejos também funcionavam como uma</p><p>válvula de escape para se manter o controle social. Outro apontamento da autora é a</p><p>prática das mortificações e a autoflagelação como complementação da vida de oração,</p><p>como uma interpretação de que a fé sem obras é morta. As sepulturas dos mortos se</p><p>encontravam frequentemente em capelas na extensão das casas, assim, os mortos</p><p>continuavam a permanecer devotamente lembrados pelos vivos. Nos altares domésticos,</p><p>fotos de entes falecidos em meios das imagens dos santos de devoção, assim como mechas</p><p>de cabelo guardados como verdadeiras relíquias. Aliás “as relíquias também marcaram,</p><p>de forma efetiva o imaginário colonial, assim como se constatou uma verdadeira obsessão</p><p>com as almas pias” (JURKEVICS, 2004, p. 32). A função da imagem se confundia com</p><p>seu significado, e o relacionamento da pessoa para com o objeto era estreitamente afetivo.</p><p>44</p><p>A multiplicidade de devoções</p><p>constituiu um forte elemento da</p><p>expressão religiosa colonial. Cada devoto montava seu próprio panteão,</p><p>nos oratórios domésticos ou quarto dos santos, começando com o Nosso</p><p>Senhor e a Virgem Maria, com suas várias invocações e</p><p>complementados depois com seu anjo da guarda, além de seus santos</p><p>protetores. Nesse sentido, vários estudos apontam que nas casas-</p><p>grandes prevalecia o culto à Nossa Senhora da Conceição, enquanto nas</p><p>senzalas a maior devoção cabia à Nossa Senhora do Rosário. Atribuía-</p><p>se à Santana o cuidado com os pequenos, enquanto Nossa Senhora do</p><p>Bom Parto, também chamada de Nossa Senhora do Ó, recebia especial</p><p>devoção das mulheres grávidas (JURKEVICS, 2004, p. 33).</p><p>A partir do Concílio Vaticano I (1869-1870), liderado por Pio IX, a Igreja do</p><p>Brasil começou um processo de romanização, a fim de reconfigurar o catolicismo</p><p>brasileiro aos moldes do catolicismo tridentino/ultramontano em substituição do</p><p>catolicismo tradicional/colonial que se mantinha por 300 anos no território brasileiro. O</p><p>clero assumiria, então, o papel central na Igreja, controlando as festas religiosas,</p><p>procissões e tudo o que até então havia ficado sob os domínios populares.</p><p>Essas novas associações, sob controle clerical, além da devoção ao</p><p>santo instituído pela Igreja romanizada, eram responsáveis pelas festas</p><p>religiosas que perderam o seu caráter tradicional, festivo, onde o</p><p>profano e o sagrado se confundiam e passaram a ser, dirigidas pelos</p><p>vigários e, aos poucos, foi acabando com seu caráter de reunião social,</p><p>esvaziando assim o próprio sentido das irmandades e confrarias</p><p>(JURKEVICS, 2004, p. 43-44).</p><p>Essa Reforma foi melhor aceita pelas igrejas urbanas e teve maior resistência por</p><p>parte das comunidades rurais, até porque as capelas existentes nesse meio eram</p><p>costumeiramente construídas por membros da população local.</p><p>Em 1891, a igreja a Igreja Católica deixou de ser a religião oficial com o decreto</p><p>constitucional da liberdade religiosa, porém, a separação Estado/ Igreja fez com que a</p><p>mesma ganhasse a liberdade, podendo retomar seus princípios, no entanto, houve uma</p><p>diminuição do número de sacerdotes e com o laicismo, um certo clericalismo. A falta de</p><p>controle da Igreja no período imperial, implicou à imagem sacerdotal um certo descrédito</p><p>com relação aos seus votos, em especial o da castidade. Mais tarde o Estado retoma o</p><p>conteúdo moral da Igreja para fins de “reespiritualizar a cultura” brasileira, sob a</p><p>presidência de Getúlio Vargas, como “a proibição do divórcio e a educação religiosa nas</p><p>escolas” (AZEVEDO, 2002, p. 37). A igreja reagiu diante da falta de sacerdotes, falta de</p><p>instrução leiga, lembrando que, também no século XX houve o avanço das religiões</p><p>protestantes e espíritas. Em 1935 A ação católica fez um grande esforço para a animação</p><p>das comunidades, como congressos eucarísticos e ênfase na participação leiga na vivência</p><p>da igreja. Porém, embora venham fazendo oposição a tal confusão, há muitos decênios,</p><p>45</p><p>as autoridades eclesiásticas têm tido muito pouco êxito nesse esforço e pode-se afirmar,</p><p>sem muito risco de erro, que aqueles cultos estão, por diversas razões, numa fase de</p><p>ressurgimento e de expansão em todo o país (AZEVEDO, 2002).</p><p>Diante do quadro apresentado é possível compreender a diversidade de</p><p>“catolicismos”, assim escrito no plural, pois o catolicismo brasileiro abre um leque de</p><p>expressões que pode ser notado em seu amplo território. Nuances que mudam conforme</p><p>a Região, o Estado ou até mesmo províncias, em meio às culturas diversas, assim,</p><p>Azevedo enfatiza que “na sua imensa maioria, a população brasileira é católica “sem</p><p>Igreja”, escapa à Igreja. De forma lapidar: muito santo pouco sacramento, muita reza</p><p>pouca missa, muita devoção pouco pecado, muita capela pouca igreja” (2002, p. 13). A</p><p>percepção de morte/vida eterna, e o princípio da Comunhão dos Santos do catolicismo,</p><p>da possibilidade da intercessão dos santos – aqueles cujos méritos em vida os elevou após</p><p>a morte para diante de Deus, segundo o catolicismo oficial –, por vezes, no catolicismo</p><p>popular se mescla com as propostas doutrinárias do espiritismo. Devido à boa aceitação</p><p>do espiritismo no Brasil. Há a consolação “meu ente querido foi para o céu” ao mesmo</p><p>tempo, crê-se nas almas penadas, “assombrações”, espíritos “obsessores” e maus</p><p>presságios.</p><p>A participação na comunidade não é contemplada como algo tão essencial quanto</p><p>à devoção aos santos padroeiros. No sistema das trocas populares, a fidelidade ao santo é</p><p>que garante a obtenção das graças. Como podemos analisar nesse trecho abaixo de uma</p><p>pessoa entrevistada por Brandão:</p><p>Mal eu não faço pra ninguém e você pode perguntar pra qualquer um</p><p>por aqui. Sou devoto dos Três Reis Santos, que é um santo muito</p><p>milagroso. Aqui por São Paulo tem pouca devoção com eles, mas lá pra</p><p>onde eu nasci é demais. Todos anos que eu posso volto na minha cidade</p><p>em Minas e cumpro as minhas obrigações. Saio com a Folia e dou seis</p><p>dias no ano pra devoção. Mas precisei, é só pedir que a graça vem. O</p><p>santo atende sempre (BRANDÃO, 2007, p. 192).</p><p>O pouco interesse institucional e maior ligação às representações devocionais</p><p>são um desafio constante para a Igreja Católica Romana Tradicional no Brasil,</p><p>consequência de longos períodos sem maiores intervenções por parte da mesma, no</p><p>período colonial. Mesmo tendo ganhado autonomia com o nascimento da República,</p><p>ainda predomina no meio popular a relação homem-sagrado de forma direta “e não</p><p>mediadas pelo corpo sacerdotal da Igreja e pelas escrituras sagradas” (MARQUETTI;</p><p>LOPES DA SILVA, 2015, p. 118), mesclado com elementos oriundos de diversas</p><p>culturas que aqui se instalaram. Um catolicismo que se distancia do tradicional</p><p>46</p><p>catolicismo romano, emotivo, mágico, disforme, possibilitando a efervescência de</p><p>práticas populares como a das benzedeiras ou rezadeiras, grupo ao qual é pertinente</p><p>que</p><p>façamos uma breve introdução para melhor conhecermos Edelarzil Munhoz Cardozo, a</p><p>“Mulher do Algodão”, cuja performance e universo simbólico são o nosso objeto de</p><p>estudo.</p><p>1.3 As benzedeiras: o protagonismo feminino no meio popular</p><p>A benzeção ou benzedura é uma prática que nasceu no período colonial,</p><p>proveniente dos conhecimentos populares, não sendo formada exclusivamente por</p><p>mulheres, mas tendo nelas a sua maioria, os homens, por sua vez, sendo chamados</p><p>normalmente de curandeiros. Essa antiga prática possibilitou às mulheres um certo</p><p>protagonismo na religião e na medicina natural, dando-lhes reconhecimento social, como</p><p>místicas do sagrado. Sobre isso, Espín resume que:</p><p>Para existir, o catolicismo popular latino, depende fundamentalmente</p><p>de “toda a comunidade”, das famílias e da comunidade e, especialmente</p><p>das “mulheres mais velhas” das famílias. Os ministros[as] do</p><p>catolicismo latino são principalmente as mulheres mais velhas,</p><p>consideradas mais sábias e, em geral, possuidoras de mais sagacidade</p><p>pessoal e espiritual que os homens. As mulheres são o centro e o esteio</p><p>das famílias e o catolicismo popular latino dá a elas definitivamente</p><p>maior ênfase. Não é exagero afirmar que as mulheres mais velhas são</p><p>as hermeneutas culturais e religiosas de nosso povo. São ministros[as]</p><p>e portadoras de nossa identidade” (ESPÍN, 2000, p. 31-32).</p><p>Apesar da importância do homem como chefe de família, na vivência comunitária</p><p>e prática popular da fé católica, a mulher possuía e, pode-se afirmar, que ela ainda possui,</p><p>maior liberdade de ação, enquanto que o catolicismo oficial, deveras patriarcal, tende a</p><p>limitar o poder dado a elas. Um exemplo dessa atuação são a das mulheres mamelucas,</p><p>que segundo Darcy Ribeiro (2015) procuraram na Igreja um espaço para dar sentido para</p><p>suas existências, num ambiente em que não eram aceitas nem como brancas e nem como</p><p>índias, sendo as implantadoras do catolicismo popular santeiro no Brasil. Na carta “Aos</p><p>padres e irmãos de Coimbra, Pernambuco” no dia 13 de setembro de 1155, Nóbrega</p><p>enfatiza sobre essas mulheres:</p><p>As índias forras, que há muito que andam com os cristãos em pecado,</p><p>trabalhamos por remediar por não se irem ao sertão já que são cristãs, e</p><p>lhes ordenamos uma casa à custa dos que as tinham para não as recolher</p><p>e dali casarão com alguns homens trabalhadores pouco a pouco. Todas</p><p>andam com grande fervor e querem emendar-se de seus pecados e se</p><p>confessam já as mais entendidas e sabem-se muito bem acusar. Com se</p><p>ganharem estas se ganha muito, porque são mais de quarenta só nesta</p><p>47</p><p>povoação, afora muitas outras que estão pelas outras povoações e</p><p>acarretam outras do sertão assim já cristãs como ainda gentias. Algumas</p><p>destas mais antigas pregam às outras. Temos feito delas meirinha, a qual</p><p>é tão diligente em chamar à doutrina, que é para louvar a N. Senhor</p><p>(Apud RIBEIRO, 2015, p. 70).</p><p>Especialmente nas zonas rurais, muitas mulheres ocuparam os espaços que se lhes</p><p>iam apresentando e, à medida que atuavam, iam se sobressaindo como sábias da</p><p>comunidade, conhecedoras das ervas e rituais de cura, sob o título de rezadeiras ou</p><p>benzedeiras. Algumas atuavam até mesmo como parteiras. Mecenas e Santos (2009), em</p><p>sua pesquisa sobre as rezadeiras da cidade de Itabaiana no Estado do Sergipe, aponta que</p><p>a função da parteira está praticamente extinta nos dias de hoje.</p><p>Segundo Araujo, “A benzeção é um conjunto de representações e práticas rituais</p><p>que tem por fim produzir curas. Ela se aplica a pessoas e a animais, sendo assim a</p><p>manifestação mágica da religiosidade do catolicismo popular através da solução para</p><p>enfermidades e maus olhados” (2015, p. 77). A prática da benzeção ou benzedura, surgiu</p><p>como alternativa medicinal para as regiões distantes dos centros urbanos, sem acesso à</p><p>medicina convencional e utilizadas tanto para o tratamento de doenças como para os</p><p>males da alma. Santos (2009), afirma que práticas semelhantes foram encontradas por</p><p>pesquisadores em Baixo Alentejo – Portugal, tendo orações similares e nome de “doença</p><p>de benzedeira” em comum, como o “cobreiro”. Na Idade Média portuguesa, era comum</p><p>que as orações de súplicas fossem conduzidas por mulheres consideradas piedosas nas</p><p>comunidades. Tratava-se de orações que apelavam às orações populares como a das</p><p>Chagas de Cristo, por exemplo, assim, a figura feminina ganhava um papel de</p><p>protagonista sendo ligadas ao ofício da reza comunitária.</p><p>No Brasil colônia, a prática popular portuguesa das rezas uniu-se aos</p><p>conhecimentos dos indígenas acerca das propriedades medicinais encontradas na natureza</p><p>e o uso de talismãs e amuletos trazidos pelos africanos, tecendo a mística da benzedeira</p><p>brasileira.</p><p>No século XIX, com os avanços da medicina convencional, houve a crença de que</p><p>a medicina popular se extinguiria, no entanto, essas práticas populares sobreviveram,</p><p>tendo que os médicos do século XX conviverem com elas. Nesse mesmo século, quando</p><p>foi criado o Sistema Único de Saúde – SUS, previu-se novamente o desaparecimento das</p><p>práticas da benzeção. Só que a cultura popular demonstrou ser mais forte do que</p><p>imaginaram os cientistas sociais, atravessando o século XX e chegando, ainda que em</p><p>menor número, no século XXI, espalhadas em regiões afastadas, no interior e até mesmo</p><p>nas periferias das grandes cidades (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015). Apesar da</p><p>48</p><p>prática ter nascido e desenvolvido no âmbito católico e tendo sido por muito tempo uma</p><p>prerrogativa do catolicismo popular, o “trânsito religioso envolvendo as religiões ditas</p><p>“evangélicas” e de matrizes afro-descendestes” (SANTOS, 2009, p. 15) possibilitou o</p><p>surgimento de benzedeiras e rezadeiras nesses seguimentos também. Contudo, mesmo se</p><p>denominando evangélicas, essas profissionais populares da cura teriam mantido uma</p><p>certa devoção aos santos.</p><p>É observável que não há uma fórmula, um método específico para se realizar a</p><p>benzedura ou benzeção, o ofício apresentado por pesquisadores de diferentes localizações</p><p>do território brasileiro, mostram uma variedade de rituais, crenças, sendo que a localidade</p><p>possui um papel determinante na expressão, como Quintana (1999) nota em sua pesquisa,</p><p>no Rio Grande do Sul, diferenças entre as benzedeiras rurais e as urbanas, também</p><p>podemos perceber características regionais, comparando as pesquisas. Sendo que as</p><p>benzedeiras urbanas têm de dividir o espaço com outras práticas, enquanto as rurais</p><p>gozam de uma popularidade maior. Outra característica é a negação do título de</p><p>"benzedeira” em algumas regiões, pelas praticantes rurais, devido a essas estarem muito</p><p>ligadas às práticas católicas e possuir a autorização do padre para rezarem pelas pessoas.</p><p>O título “benzedeira” não é bem visto pela igreja, sendo considerada um tipo de feitiçaria</p><p>ou prática supersticiosa.</p><p>A superstição é um desvio do sentimento religioso e das práticas que</p><p>ele impõe. Também pode afectar o culto que prestamos ao verdadeiro</p><p>Deus: por exemplo, quando atribuímos uma importância de algum</p><p>modo mágica a certas práticas, aliás legítimas ou necessárias. Atribuir</p><p>só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a respectiva</p><p>eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem, é</p><p>cair na superstição (CIC, 2000, § 2111).</p><p>A benzeção é até mesmo citada em orações populares de renúncia, juntamente</p><p>com outras práticas consideradas de ocultismo: “...eu renuncio a todo espírito de magia</p><p>negra e bruxaria; de espiritismo e umbanda; de macumba e sarava; de xangô e mesa</p><p>branca; de candomblé e conga; de curandeiro e benzedeira! (REIS, 1999, p. 92, grifo</p><p>nosso). Já a religiosidade em meio as benzedeiras urbanas não é uma regra, “Pode-se</p><p>observar que quanto às pessoas identificadas com a religião católica, nota-se uma relação</p><p>de antagonismo com os representantes oficiais da Igreja” (QUINTANA, 1999, p. 52). Em</p><p>Os Deuses do Povo, Brandão relata sobre as curandeiras e sobretudo as benzedeiras</p><p>católicas de Itapira, Minas Gerais. Nesse local, normalmente os curandeiros ou feiticeiros</p><p>se preparam fora de suas próprias terras, migram para algum lugar onde aprendem o ofício</p><p>recebendo instruções de diversas maneiras. “Dois dirigentes de cultos do saravá e duas</p><p>49</p><p>das curandeiras da “macumba” aprenderam fora do município os seus ofícios. Os dois</p><p>homens e uma das mulheres vieram do Sul de Minas. A que nasceu em Itapira formou-se</p><p>“no Rio de Janeiro, na umbanda e na quimbanda” (BRANDÃO, 2007, p. 39). Já as</p><p>benzedeiras católicas, aprenderam seu ofício da cultura local, bebendo do catolicismo</p><p>popular. Ele registrou inúmeros “profissionais da cura”, sortilégios, benzedores e</p><p>possessão. Esses agentes autônomos seguem uma lógica religiosa que ao mesmo tempo</p><p>se aproxima, se afasta de sua profissão de fé religiosa, ficam à margem. Não há uma</p><p>resolução que efetive seu trabalho dentro do catolicismo oficial, ao mesmo tempo que,</p><p>nem pelo lado da medicina, se fazendo valer unicamente pelo oferecimento de seus</p><p>variados serviços oferecidos à comunidade e resistindo ao tempo.</p><p>[...] as benzedeiras católicas fazem confissão de ortodoxia religiosa</p><p>conservando-se alheias à vida paroquial. Os agentes de possessão</p><p>procedem da mesma forma com relação ao espiritismo kardecista, de</p><p>cujos princípios podem afirmar sincreticamente seguidores, mas de cuja</p><p>religião jamais se apresentam como representantes (BRANDÃO,</p><p>20017, p. 54-55).</p><p>Apesar de não ser uma prática uniforme, há pontos em comum que caracterizam</p><p>o ofício da benzeção, permitindo distingui-las mesmo sem que a pessoa não se identifique</p><p>com o nome “benzedeira”. Comecemos por destacar o processo que leva uma pessoa ao</p><p>ofício. Há aquelas que, segundo Quintana (1999), se tornam benzedeiras por imitação e</p><p>aquelas que atribuem a um chamado misterioso de Deus. As benzedeiras que aprendem</p><p>por imitação, podem aprender por meio de livros, familiares, conhecidos. Algumas que</p><p>observando o adulto praticante da benzeção, reproduziu em brincadeiras e foi fazendo um</p><p>processo de aprendizagem até começar a atuar na vida adulta. A família observa a</p><p>brincadeira e a identifica como uma predisposição ao dom. Normalmente isso acontece</p><p>tendo um mestre em quem se espelhar. Sendo assim, um dom transmitido que será</p><p>somente reconhecido numa idade mais madura, tendo a idade como um requisito que, no</p><p>imaginário social, remete à sabedoria. Santos, constata em sua pesquisa, que algumas</p><p>mulheres se tornaram benzedeiras para utilizar a prática em casa com os filhos “e não</p><p>mais incomodar as outras rezadeiras” (2009, p. 16). Outras, empregando a escrita como</p><p>ferramenta de aprendizagem, tomavam notas de algumas orações.</p><p>As benzedeiras que atribuem o dom à experiência com o divino são mais</p><p>reconhecidas pela sociedade e tendem a ter um número significativo de procura, algumas</p><p>relatam a experiência de serem curadas e que a partir dessa experiência teria recebido o</p><p>dom para realizar curas nos outros, “os conhecimentos tanto das orações como dos chás,</p><p>pomadas, unguentos etc são atribuídos à informação de alguma entidade sobrenatural,</p><p>50</p><p>como anjos ou guias, principalmente” (QUINTANA, 1999, p. 55). Seja por imitação ou</p><p>por experiência sobrenatural, a benzedura é tida como um dom, não bastando o</p><p>aprendizado, processo por quais todas necessitam passar, o “dom da cura” é fundamental</p><p>para o ofício. Para que a cura seja efetivada é necessário que a benzedeira ou rezadeira</p><p>esteja crente na eficácia da cura, assim como o paciente deve ter fé de que será curado,</p><p>senão a cura e a benção não podem ser alcançadas.</p><p>De forma geral, as benzedeiras falam de si mesmas como “instrumentos da força</p><p>divina (Deus, Jesus, os santos, etc)” (SANTOS, 2009, p. 17), sendo assim, a fé seria a</p><p>condição fundamental nesse discurso, para a realização das graças tendo Deus como</p><p>aquele que realiza a cura e a benzedeira ou rezadeira atuando como uma intermediária da</p><p>cura. Há uma conciliação entre paciente e benzedeira, de que o poder de curar provém de</p><p>Deus, em todas as pesquisas aqui mencionadas elas jamais se colocam como detentoras</p><p>do poder, mas sempre atribuindo a cura à manifestação de Deus. Porém, ela possuiria um</p><p>dom, uma capacidade dada por Deus para a realização de curas, bênçãos e reestabelecer</p><p>o equilíbrio perdido.</p><p>De fato, esse ponto nos coloca uma diferença. Poder-se- ia dizer que a</p><p>bênção é um tipo de prece na qual: 1) aquele que a realiza procura</p><p>influenciar os favores das forças sagradas em benefício de uma outra</p><p>pessoa; 2) essa prece tem por objetivo implícito também influenciar</p><p>tanto as forças sagradas quanto o beneficiário (QUINTANA, 1999, p.</p><p>94).</p><p>Outro ponto em comum entre as benzedeiras é o sentido de obrigação perante o</p><p>dom recebido. Para a praticante da benzeção ou o praticante, o dom recebido a obriga aos</p><p>exercícios da prática. Algumas delas garantem terem obtido o dom após serem elas</p><p>mesmas curadas de algum mal. “É como se, passar por esse tipo de situação, a tornasse</p><p>apta para desenvolver o ofício” (SANTOS, 2009, p. 20). Portanto, o dom da benzedura</p><p>exige uma resposta que é ajudar as pessoas sem cobrar nada por isso. Muitas dedicam</p><p>suas vidas integralmente, sem tempo para trabalhar em outras funções e mesmo atendendo</p><p>gratuitamente como a fé as obriga, elas podem receber doações. A eficácia da oração da</p><p>benzedeira e que a destaca como pessoa escolhida por Deus, é o ato sacrificial. O</p><p>sacrifício é algo cotidiano para elas, é o que a aproxima das pessoas e dá poder para sua</p><p>oração. A figura da benzedeira é daquela pessoa que é marcada pela bondade, pelo</p><p>espírito de sacrifício, a pessoa que dedica boa parte de seu tempo para socorrer as pessoas</p><p>em suas angústias, pessoa sagrada, escolhida pelo divino. Através desse sacrifício tido</p><p>como agradável aos deuses, é retribuída as orações da mulher, tida como santa. Ela, por</p><p>51</p><p>meio do sacrifício de sua vida teria um acesso ao sagrado em favor daqueles por quem</p><p>ora.</p><p>Quintana (1999), em sua pesquisa fala sobre as benzedeiras, encaixando-as dentre</p><p>os procedimentos terapêuticos não reconhecidos, considerados mágicos, mas que ao</p><p>mesmo tempo desperta a curiosidade. Procedimentos que são desprezados pela falta do</p><p>caráter científico, mas que conhecemos através de alguém ou em algum momento</p><p>buscamos como uma alternativa para aliviar os problemas. A crença na mágica parte do</p><p>desejo de que haja algo que ajude a ter controle sobre as situações que escapam do alcance</p><p>do ser humano e neste “universo” que elas se situam, como a doença, a morte. “O homem</p><p>percebe essa morte, mas ao mesmo tempo a recusa, pois ela rasga, separa, abre uma</p><p>brecha até a dilaceração, e deve ser preenchida com os mitos e os ritos de sobrevivência”</p><p>(MORIN apud QUINTANA, 1999, p. 31). Há um sistema de trocas simbólicas que atende</p><p>as ações boas ou más do ser humano e a lógica da vontade de Deus repercute em</p><p>resignação mediante catástrofes, doenças e morte.</p><p>Esta aparente religião-magia de barganhas não serve só aos interesses</p><p>materiais de uma classe, não é percebida pelos seguidores como um</p><p>empório de poderes e de ajudas. Ela responde de modo eficaz às</p><p>condições materiais da vida subalterna da classe [...] (BRANDÃO,</p><p>2007, p. 184).</p><p>Nesse meio o bem e o mal estão em constante batalha pelas almas e os seres</p><p>humanos sempre ameaçados pelo maligno. No entanto, Deus sempre vencerá, ele é o</p><p>poder supremo. Nesse meio, o ser humano não é passivo, ele é agente direto e suas ações</p><p>determinam quem vence a batalha. São vitórias provisórias que dependem das ações boas</p><p>ou más do ser humano, o fazendo merecedor da graça ou da desordem. É nesse momento</p><p>que se recorre a um agente mediador.</p><p>O agente mediador, ou no caso de nosso estudo, as benzedeiras, são os que</p><p>recorrerão por meio de artifícios diretos de “magia”, nas palavras de Brandão (2007). Elas</p><p>são as agentes merecedoras e medianeiras para a quebra dos males.</p><p>Cabe ao homem fazer por sua conta o diagnóstico da aflição, determinar</p><p>a estratégia de resistência, produzir os rituais de mediação sobrenatural,</p><p>proclamar o tipo de resultado obtido e, finalmente, promover os atos de</p><p>recompensa ou, até mesmo de castigo do santo – pagar a promessa por</p><p>um voto valido, reforçar atos devocionais de fidelidade ou de discórdia,</p><p>colocar de cabeça para baixo a imagem do padroeiro, escondê-la no</p><p>meio de um poço, pendurada por uma corda; ou interromper uma</p><p>relação de trocas de serviços preferenciais com um santo (BRANDÃO,</p><p>2007, p. 193).</p><p>52</p><p>Assim, acredita-se no meio popular que através dos esforços pessoais e</p><p>manipulações mágicas é capaz das situações serem revertidas ao seu favor. A doença é</p><p>tomada como uma desordem, uma quebra de equilíbrio que precisa ser reordenado. Faz-</p><p>se necessário encontrar um sentido para a dor e sofrimento, uma explicação. Uma</p><p>explicação que só pode ser dada por uma pessoa reconhecida pela sociedade, e de maneira</p><p>que possa ser compreendida pelo paciente.</p><p>[...] o processo terapêutico é uma encenação através da qual se estaria</p><p>ressignificando uma determinada perturbação, por isto é tão importante</p><p>aquilo que se receita como o processo através do qual tal receita é dada.</p><p>Dito de outro modo, tanto as rezas como os chás somente adquirem um</p><p>sentido, e, portanto, se tornam eficazes, quando inseridos no contexto</p><p>ritual. Fora dele, perdem todo seu poder, pois deixam de ser</p><p>significantes e, então, não vão poder operar mudanças no discurso do</p><p>paciente (QUINTANA, 1999, p. 55).</p><p>Assim como o médico é validado pelo diploma que recebe, a benzedeira é</p><p>reconhecida pela quantidade de pessoas que a procuram e orações atendidas pelo seu</p><p>intermédio. Tendo o reconhecimento não só do paciente, mas também de uma sociedade</p><p>que reforça suas crenças diante da eficácia de seus procedimentos e significados</p><p>estabelecidos. Hoffmann-Horochovski (2015), relata que uma de suas entrevistadas</p><p>afirmou que a experiência ajuda a diagnosticar quando o seu processo não dará conta da</p><p>doença, aconselhando os pacientes a procurarem um médico e que outras vezes o médico</p><p>recomenda a procurar uma benzedeira. Percebemos que a prática da benzeção e</p><p>tratamentos naturais indicados pela benzedeira, não anula os conhecimentos da medicina</p><p>convencional. Antes, a benzedeira percebe a sua limitação, por sua vez, há médicos que</p><p>reconhecem e alguns até procuram pelas orações das benzedeiras, fazendo pensar sobre</p><p>o alcance e influência que a cultura popular pode ter em meio a contemporaneidade.</p><p>Os significados dados para a origem dos problemas fogem de uma explicação</p><p>racional, elas encontram significados para as coisas de forma que não seriam notadas no</p><p>cotidiano, significados esses que só fazem sentido dentro do processo ritual de cura e de</p><p>benzeção. Cada situação é diagnosticada, sendo necessário para a cura o conhecimento</p><p>do problema que é relatado pela pessoa e cada problema requer um tratamento específico</p><p>e recebe um significado de acordo com seu contexto, levando-se em consideração a</p><p>totalidade da pessoa, o corpo e o espírito como uma harmonia (SANTOS, 2009). Como</p><p>exemplo de um acontecimento simples que acaba ganhando uma significação é a da</p><p>benzedeira Dona Helena, citada por Quintana durante sua benzeção com brasa, “as brasas</p><p>do fogão à lenha começam a estalar, soltando faiscas, e a cliente pergunta: Cliente: E que</p><p>53</p><p>as brasas tenham estralado, significa alguma coisa? Dona Helena: Estralar é bom, é</p><p>muito dinheiro, muita saúde” (QUINTANA, 1999, p. 109).</p><p>As benzedeiras também diagnosticam doenças e as nomeiam de acordo com o</p><p>próprio entendimento. Alguns nomes de “doenças de benzedeiras” ou “rezadeiras”</p><p>especificada por Santos:</p><p>[...] olhado; quebrante; vento caído ou vento virado; espinhela caída;</p><p>carne triada; isipa, fogo selvagem e mal-de-monte e cobreiro. Algumas</p><p>rezadeiras orgulham-se ao afirmar serem detentoras de uma prática que</p><p>os médicos não sabem diagnosticar. “Eu só deixo de rezar quando</p><p>morrer. Doutor nenhum dá jeito a olhado. Quem dá jeito é a reza de</p><p>Deus”. (Informação verbal, Dona M. J. B., abr. 2006) (SANTOS, 2009,</p><p>p. 21).</p><p>O ritual da benzeção varia entre as praticantes, apesar de haver muitos elementos</p><p>comuns. Algumas se utilizam de garrafadas, velas, receitas de chás; outras, da costura,</p><p>imposição das mãos tendo em posse o rosário, água benta, oração com brasa, rito com</p><p>pena de galinha preta mergulhada em óleo, são inúmeras as fórmulas praticadas por elas.</p><p>Hoffmann-Horochovski, em sua pesquisa sobre as benzedeiras do Paraná que praticam a</p><p>benzedura por costura, relata que as mesmas se utilizam de um tecido no qual costuram</p><p>em formato de cruz enquanto recitam uma oração que possui uma dinâmica de interação</p><p>com o paciente.</p><p>Em pé, mas agora segurando um pano que costura com uma agulha com</p><p>fio branco, pergunta: “O que é que eu coso?”. O paciente responde:</p><p>“Carne rasgada, Nervos torcidos, Coluna, Quadril, Torcicolos, Pescoço,</p><p>Ombros, Peito aberto, Espinhela caída, Os braços, Os fêmur, Os</p><p>joelhos, As pernas e os pés. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito</p><p>Santo, Amém!” (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015, p. 10).</p><p>Ou o ritual com ramos verdes e gestos em cruz, como relata Santos: “Jesus quando</p><p>andava no mundo tudo que achou levantou. Levante o vento caído de fulano com o vosso</p><p>divino amor”. (Informação verbal, Dona M. P., maio 2006) (SANTOS, 2009, p. 23).</p><p>Oração que ela recita três vezes. O sinal da cruz, o número três, os galhos de plantas, são</p><p>alguns dos símbolos mais frequentemente utilizados por elas. Quintana (2009) percebe</p><p>quatro áreas de atuação das benzedeiras: o de controlar acontecimentos que ainda não</p><p>ocorreram, quando os pacientes a procuram com o intuito de conseguir um bem futuro</p><p>como o de passar num concurso público, um namorado, emprego, etc, crentes da</p><p>capacidade de intervenção da benzedeira; identificar as dificuldades que se impõe além</p><p>das que os pacientes coloca, como se tendo o poder de enxergar a causa do mal; agir</p><p>contra os males decorrentes do mau-olhado de alguém sobre a pessoa; curar através de</p><p>54</p><p>seus conhecimentos das ervas medicinais. Havendo entre essas orações, algumas com</p><p>propósitos de agradecimento e até mesmo para se ter conhecimento do dia da inevitável</p><p>morte e assim obter a graça do tempo de arrependimento e assim evitar a perdição eterna.</p><p>Minha Virgem Senhora, minha Virgem Sagrada, que deste mundo foste</p><p>rodeada de anjos, do sol, das estrelas e da lua, por aquele carreirinho</p><p>acima, que tem um cordeirinho amado, leve tudo, leve meu Jesus</p><p>crucificado. Três dias antes que eu morra, que a minha Virgem me</p><p>apareça, dizendo: “Filho(a), filhinho(a), vamos nós se confessar, tua</p><p>alma será salva e há de ir para um bom lugar. Quem é aquele que lá</p><p>vem? Quem é o cálice da hóstia? Não é o cálice nem a hóstia, é o</p><p>menino Jesus que lá vem”. Quem souber essa oração, reza um ano</p><p>continuado, que tira uma alma da pena e a sua dos pecados</p><p>(MARQUETTI; LOPES DA SILVA, 2015, p. 119).</p><p>O imaginário das benzedeiras é dotado de simbolismos que visam reconstituir o</p><p>equilíbrio sobre a vida das pessoas, que acreditam ter sido prejudicado por influências</p><p>negativas. Essas construções simbólicas nascem para se unir aos outros simbolismos que</p><p>são construídos no cotidiano, tidos como reais, mas que não conseguem satisfazer por</p><p>completo as necessidades da pessoa.</p><p>1.4 A trajetória de Edelarzil Munhoz Cardoso: “A Mulher do Algodão”</p><p>1.4.1 A história de Edelarzil Munhoz Cardoso</p><p>Figura 1: Edelarzil, a “Benzedeira do Algodão”</p><p>55</p><p>Edelarzil Munhoz Cardoso (Figura 1), conhecida como a “Mulher do Algodão”,</p><p>“Benzedeira do Algodão” ou, ainda, “Médium do Algodão”, nasceu numa família</p><p>humilde na cidade de Nova Granada situada no interior de São Paulo no dia 27 de agosto</p><p>de 1946 às 20h00. Sua família é de ascendência espanhola, seus pais, Antônia Martins</p><p>Munhoz e José Munhoz8, transmitiram-lhe</p><p>a fé católica e, segundo ela, desde a infância,</p><p>manifestou intensa inclinação religiosa. Aos sete anos aprendeu a rezar a oração do terço</p><p>como prática devocional. Era uma criança desenvolta e comunicativa, tendo como</p><p>brincadeiras favoritas procurar magia enterrada e montar altares para a oração. Aos três</p><p>meses de idade, Edelarzil, conta que adoeceu gravemente, ficando desenganada pelos</p><p>médicos. Seus pais, convictos de que a morte da filha seria inevitável, colocaram uma</p><p>vela em sua mão. Foi então, que a mãe dela recorreu a Santo Antônio de Pádua e às</p><p>novenas em honra do mesmo, fazendo-lhe promessas para que sua filha sobrevivesse, o</p><p>que, de fato, aconteceu. Edelarzil atribui sua cura à intercessão</p><p>8 Faleceu no dia 22 de agosto de 1990 (SANTOS, 1997, p. 15).</p><p>Capa de sua biografia</p><p>56</p><p>do santo que ela denomina como “guia de transporte”. “Com a decisão tomada, dona</p><p>Edelarzil recebe e desenvolve os dons de materialização e transporte através de seu guia</p><p>espiritual, Santo Antônio” (SANTOS, 1997, p. 10; CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 10).</p><p>Mais tarde, aos quatro anos de idade, adoeceu novamente e foi curada da mesma maneira.</p><p>O ato da benzeção (ou benzedura), assim como a orientação de seus guias</p><p>espirituais, teriam começado a manifestar-se em meio das dinâmicas infantis, em que</p><p>benzia as bonecas das amigas e receitava remédios para curar vermes, remédios esses,</p><p>orientados pelos “guias”, que acabavam demonstrando eficácia. “Desde três anos eu</p><p>tenho vidência. Meu pai falava que eu era louca e eu achava que não era normal, então eu</p><p>achava que todo mundo que tava não via, só eu via, então, a louca era eu” (TRV 3).</p><p>Em 1951, aos cinco anos de idade, mudou-se para Parisi, antes conhecida como</p><p>Distrito de Votuporanga, na região de São José do Rio Preto – SP. Teria começado a viver</p><p>experiências mediúnicas, recebendo a aparição de santos como Santo Antônio de Pádua,</p><p>o Arcanjo São Gabriel, Nossa Senhora do Rosário e, depois, de outros santos, assim como,</p><p>a visão de espíritos de luz e espíritos das trevas, confrontando-a a fazer uma opção.</p><p>Edelarzil, optou por escolher a luz. Ainda nessa idade, numa das supostas aparições de</p><p>Nossa Senhora do Rosário, ela teria recebido da santa recomendações e um pedido, para</p><p>que quando ela completasse treze anos de idade, passasse a dedicar a sua vida às pessoas</p><p>que a procurariam para a resolução de problemas graves de doenças físicas e espirituais.</p><p>Existem duas narrativas que divergem um pouco entre si, em relação a idade de</p><p>Edelarzil ao receber o dom. A narrativa de Edelarzil Munhoz em frente às câmeras na</p><p>década de 1990, que coincide com sua narrativa no livro editado por Santos (1997), num</p><p>capítulo onde ela conta brevemente sua vida. Nessa narrativa ela teria recebido o dom de</p><p>materializar objetos, de Santo Antônio de Pádua, aos nove anos de idade. No mesmo livro,</p><p>Santos9 escreveu que Edelarzil teria recebido o dom após uma doença muito grave aos</p><p>dezessete anos de idade, versão que é mantida no livro atual emitido pela Estância Casa</p><p>Caminho e Luz, que começou a ser distribuído sem data em 2018. No entanto, cremos ter</p><p>sido feito por volta do fim de 2017 ou mesmo logo no início de 2018. A história contada</p><p>por Edelarzil, não consta nessa nova versão.</p><p>9 Adriano B. Santos – não há quaisquer informações sobre o autor além de seu nome. O livro “Edelarzil:</p><p>A história de um dos maiores fenômenos espirituais do Brasil”, foi lançado por meio de gráfica comum</p><p>contendo 58 páginas. Achamos um único exemplar na web em um sebo em Sorocaba. No livro, há promessa</p><p>de que haveria uma nova edição, porém, não sabemos se houve essa outra edição.</p><p>57</p><p>Aos nove anos, decidiu a contragosto do pai, ajudá-lo no trabalho da lavoura do</p><p>algodão, onde, no terceiro dia teria tido uma visão de Nossa Senhora do Rosário. Por</p><p>causa disso, recebeu inúmeras visitas em sua casa, de pessoas que queriam conhecê-la,</p><p>pois a consideravam abençoada com o dom de curar. Situação essa, que a teria feito passar</p><p>por louca, o que a fez se esquivar das pessoas e incomodado muito o pai dela. “Desde os</p><p>cinco anos que eu faço orações pedindo ajuda ao próximo e com nove anos de idade já</p><p>atendia milhares de pessoas de todo o Brasil” (SANTOS, 1997, p. 16). O dom de</p><p>“transporte e materialização” ela atribui a Santo Antônio de Pádua, um dos santos que</p><p>tem como seu guia protetor, esse é conhecido no meio popular por ajudar a encontrar</p><p>objetos perdidos e ajudar as moças solteiras a encontrar um marido. A médium relatou</p><p>que, nessa época, pessoas teriam chegado a raspar as paredes de madeira de sua casa para</p><p>fazer chá, pois acreditavam que assim ficariam livres de seus males. Situação que teria</p><p>perdurado até seus dezessete anos.</p><p>Dos nove aos dezessete anos, segundo seus relatos, teria trabalhado muito nas</p><p>materializações e ficado gravemente doente, foi aí que sua consagração definitiva teria</p><p>acontecido. Ela, então, se viu diante de uma proposta de Nossa Senhora do Rosário,</p><p>“Viver para ajudar seus semelhantes, se preciso com sofrimento, ou na morte” (CASA</p><p>CAMINHO E LUZ, s.d., p.10). Decidida a seguir seu caminho, o que ela diz ter sido</p><p>simples, aceitando dedicar sua vida a ajudar as pessoas. A partir daquele momento, teria</p><p>recebido de seu guia protetor, Santo Antônio de Pádua, e desenvolvido o dom de</p><p>materializar e transportar objetos para o algodão. Fenômeno central, em torno do qual,</p><p>giram os aspectos fundamentais desta pesquisa.</p><p>58</p><p>Em 1964, com dezoito anos, casou-se com Natalino Alves Cardoso, com quem</p><p>teve seis filhos (três homens e três mulheres), a mais velha chama-se Elizabete Rosângela,</p><p>depois nasceu Eliane Aparecida, em sequência nasceram, Marco Antônio, Carlos, Ivan</p><p>Roberto e depois a caçula, Ellen Flávia. Durante sete anos atendeu várias pessoas por</p><p>carta, para melhor se dedicar à família. O marido, contou em entrevista para o “Globo</p><p>Repórter” (Rede Globo de Televisão), que teve que se acostumar com os mistérios que</p><p>cercavam sua esposa “Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei muito</p><p>amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto” (TRV 3). Ele queria uma vida mais</p><p>tranquila com a esposa, o que não era possível com a demanda de pessoas que a</p><p>procuravam diariamente. “Já sofri muito para criar meus filhos e, também, meu esposo</p><p>que não aceita meus trabalhos espirituais” (SANTOS, 1997, p. 16), desabafou a médium.</p><p>Natalino acreditava ter conseguido controlar por algum tempo a situação, enquanto isso</p><p>Edelarzil atendia as pessoas às escondidas. Foi assim, até um homem rico lhe oferecer</p><p>um carro, se permitisse que em troca, deixasse a mulher voltar a atender a todos que a</p><p>procurassem, conseguindo de Natalino o consentimento que Edelarzil queria.</p><p>Edelarzil, voltou a adoecer em 1972, emagreceu, ficando muito debilitada e, em</p><p>1973, decidiu retomar os atendimentos de materialização pessoalmente.</p><p>Figura 2: Natalino Cardoso: Marido de Edelarzil</p><p>Fonte: https://www.youtube.com (02m25s)</p><p>59</p><p>Figura 3: Casa de Edelarzil no sítio em Parisi após seu casamento</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 10</p><p>O fenômeno consiste na crença de que são materializadas as influências negativas</p><p>presente na vida das pessoas, como consequências de trabalho de magia negra, olhares de</p><p>inveja, espíritos obsessores ou, até mesmo os próprios pecados e negativismos contraídos</p><p>pela própria pessoa em questão. Os objetos são materializados e transportados para o</p><p>algodão: velas coloridas com diversos formatos, flores de plástico, ossos de animais e até</p><p>mesmo ossos humanos, larvas vivas, cacos de vidro, entre outros materiais. Existe uma</p><p>lista de significações sugeridas pela própria Edelarzil, que cataloga 126 objetos10, porém,</p><p>cada pessoa interpreta, além dessas sugestões, segundo suas próprias necessidades e</p><p>vivências. No entanto, muitas</p><p>dessas figuras simbólicas que são materializadas no</p><p>algodão, não constam nessa lista, como, por exemplo, partes de animais em</p><p>decomposição.</p><p>Segundo seus relatos, até 1980, ela atendia as pessoas de maneira informal,</p><p>conforme lhe procuravam e apresentavam suas necessidades de cura e resoluções de</p><p>problemas. No entanto, a partir daquela década, ela, já morando numa fazenda na cidade</p><p>de Parisi onde o marido era empregado, passou a atender regularmente. O número de</p><p>pessoas, desde então, aumentou cada vez mais e transformou-se numa grande romaria, de</p><p>milhares de pessoas. Com isso, o fazendeiro, patrão de seu marido, cedeu-lhe outra casa</p><p>para dedicar-se aos atendimentos que cada vez mais eram reconhecidos pelas pessoas,</p><p>que passaram a realizar doações para ela. Foi nessa casa que ela abriu o seu primeiro</p><p>10 Ver catálogo na página 191.</p><p>60</p><p>centro em Parisi, o centro Nossa Senhora do Rosário. Dessas doações, Edelarzil montava</p><p>em torno de cem cestas básicas para doar para pessoas carentes.</p><p>Ela conta que, até o início dos anos 80, as materializações caiam como uma chuva</p><p>em cima das pessoas que a procuravam, “Quando eu trabalhava, não usava algodão. Eu</p><p>mentalizava e caiam direto sobre as pessoas, mas machucava, sujava... caco de vidro</p><p>cortava, ossos... machucava e as pessoas saíam sujas e com medo. Quando começava a</p><p>cair, já todo mundo queria correr” (TRV 2). “Os objetos se materializavam em cima das</p><p>pessoas, aí caía coisas cortantes, caía..., machucava. Caía igual uma chuva, então a gente</p><p>não sabia de quem era...de quem nada... sabia que estava recebendo a limpeza espiritual”</p><p>(TRV 3). Preocupada, recorreu ao auxílio de seus guias espirituais, para que lhe dessem</p><p>uma solução para que o fenômeno não assustasse e nem machucasse as pessoas, isto</p><p>posto, indicaram para ela, o uso do algodão.</p><p>Edelarzil fundou o centro “Nossa Senhora do Rosário” em Parisi, onde trabalhava</p><p>com materializações três vezes por semana e teria chegado a atender até 5.000 pessoas,</p><p>num só dia. As pessoas procuravam-na de carro ou fretamento de ônibus, ela começava a</p><p>trabalhar às 08h00, não tendo horário para terminar, sendo que, muitas vezes encerrava o</p><p>trabalho por volta das 02h00 do dia seguinte. Além do trabalho durante a semana, ela</p><p>relata que dez anos da sua vida foram dedicados a visitação de outras cidades pelo Brasil</p><p>inteiro durante os fins de semana, onde a chamavam para materializar.11</p><p>Em 1997, Edelarzil mudou-se de Parisi para uma chácara em Votuporanga, cidade</p><p>situada na mesma região paulista. Um médico, cujo nome não tivemos acesso, foi quem</p><p>doou o sítio onde a médium fundou sua nova casa de atendimento, intitulada Estância</p><p>Casa Caminho e Luz, onde permanece até os dias de hoje. Um local bem organizado, com</p><p>casas de acolhimento para os visitantes passarem a noite, uma casa para atendimento de</p><p>Tarô, um espaço reservado para as materializações (com escritório, capela e área de</p><p>espera) e um restaurante. Atualmente, ela trabalha com o auxílio dos filhos e da nora.</p><p>Na década de 90, a “Mulher do Algodão” chamou a atenção da imprensa, devido</p><p>à sua popularidade e grande massa atraída pelo fenômeno. Edelarzil, a Benzedeira do</p><p>Algodão, já foi alvo de várias reportagens, nos mais diversos jornais, rádios e emissoras</p><p>de televisão, inclusive no Fantástico e Globo Repórter12 da TV Globo, Mistério13 da</p><p>Manchete e programa Eli Corrêa” da Rádio Capital (CARDOSO, s.d., p. 11). Com o</p><p>11 Essas viagens pelo Brasil ocorreram na década de 1990, década em que ela era constantemente foco das</p><p>diversas mídias.</p><p>12 Globo repórter: entrevistada pelo repórter Domingos Meirelles em 23 de agosto de 1991 e em 11 de</p><p>outubro de 1991 com a presença do padre Oscar G. Quevedo.</p><p>13 Programa presentado por Walter Avancini em 1997. Ela foi entrevistada pelo repórter Raul Silvestre.</p><p>61</p><p>passar dos anos, Edelarzil foi limitando cada vez mais a quantidade de pessoas, na época</p><p>em que foi entrevistada pelos programas, Fantástico, Globo Repórter e Mistério, ela já</p><p>tinha reduzido de uma média de 1.500, para 300 pessoas. Nos tempos atuais, ela restringiu</p><p>as visitas a uma média de 50 a 100, que em sua maioria, a visitam através de alguns líderes</p><p>de caravana autorizados por ela e com data marcada. Outros que a procuram por conta</p><p>própria, não deixam de ser atendidos, porém, desde que respeitem o horário de</p><p>preparação, todos devem chegar antes das 11h00, as materializações começam por volta</p><p>das 13h00. Ela afirma pretender diminuir ainda mais os atendimentos, pois está em idade</p><p>avançada e cansada.</p><p>Algumas personalidades famosas, também a teriam visitado.</p><p>Edelarzil é muito conhecida, e já foi visitada por inúmeras</p><p>personalidades do meio artístico, comercial, industrial e políticos,</p><p>dentre eles, a dupla Chitãozinho e Xororó, o ator global Raul Cortez, a</p><p>cantora Nalva Aguiar, os irmãos Roberto e Mineirinho, além da atriz</p><p>Shirley Maclaine, entre outros (CASA CAMINHO E LUZ, s. d., p. 11).</p><p>Na internet consta o interesse de alguns pesquisadores em estudar o fenômeno do</p><p>algodão realizado por Edelarzil. Entramos em contato com um deles o Dr. Wellington</p><p>Zangari, psicólogo da religião e psicólogo social, porém, nos informou que visitou</p><p>Edelarzil com outros colegas da USP, mas apenas para observar, não resultando algum</p><p>artigo sobre. Até este momento (2019), não encontramos quaisquer pesquisas acadêmicas</p><p>sobre ela. Somente notícias em revistas e jornais online.</p><p>1.4.2 A atuação de Natalino Alves Cardoso na trajetória religiosa de Edelarzil</p><p>Natalino Alves Cardoso, nasceu em 25 de dezembro de 1943, comerciante, casado</p><p>com Edelarzil Munhoz Cardoso desde 1964. Sobre a atuação de Natalino na vida</p><p>mediúnica da esposa, ele aparece como uma figura discreta e necessitamos de muitas</p><p>horas de pesquisa para obtermos alguma informação sobre ele. As poucas falas sobre seu</p><p>pensamento a respeito do trabalho de Edelarzil foram aquelas que registramos em</p><p>transcrição ipsis litteris anexado a este trabalho. Em entrevista para o “Globo Repórter”</p><p>da Rede Globo de Televisão ele falou brevemente:</p><p>Senhor Natalino, o marido, diz que, logo depois do casamento, teve que</p><p>se acostumar com os mistérios que testemunhava dentro de casa.</p><p>Natalino: Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei</p><p>muito amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto... (de medo,</p><p>diz Edelarzil) (TRV, 3).</p><p>62</p><p>Em outra entrevista, em 1997, para o programa “Mistério” da extinta TV</p><p>Manchete ele lamenta:</p><p>Eu queria uma vida mais tranquila e eu achava que aquele povo todo</p><p>me atrapalhava, assim. Eu queria ela mais junto de mim e quando vinha</p><p>aquele povo eu...sempre arrodiado dela, e aquilo tudo pra mim, não</p><p>parecia tão importante. Aí não teve como segurar, a pessoa chegou aqui</p><p>e ela começou a atender essa pessoa escondida e era uma pessoa de</p><p>bens... ela chegou aqui e disse: “Porque você não deixa ela atender?”.</p><p>E eu disse “Não aceito!” – aí ele falou: “Mas eu vou te dar um presente</p><p>e se eu te der esse presente, você deixa? [...] Eu vou te dar um carro pra</p><p>você e daí você deixa atender todo mundo” e ele trouxe, colocou aí, eu</p><p>aceitei aquilo e, por aceitar aquilo, eu perdi toda a liberdade que eu tinha</p><p>com a minha esposa (TRV 2).</p><p>Fora isso, não há mais pronunciamentos dele. O que transparece nas breves falas</p><p>de Natalino, é que, para ele, o trabalho de Edelarzil não fazia sentido, ele queria sua esposa</p><p>próxima dele e a multidão fazia com que isso não fosse possível, chegando a “proibi-la”</p><p>de realizar os atendimentos. Vemos aqui que, na verdade, Natalino esperava que seu</p><p>casamento não fosse perturbado pelo fenômeno envolvendo a pessoa de sua esposa. Para</p><p>Natalino, provavelmente, essa quebra de sistema deve ter sido difícil e confuso.</p><p>Percebemos também, que não foi fácil para Edelarzil driblar a situação. Porém, ela não</p><p>parece ter</p><p>se submetido à proibição e continuou atendendo às escondidas. Natalino, por</p><p>sua vez, parece sentir por ter concedido “permitir” que Edelarzil atuasse em troca de um</p><p>presente oferecido, um carro, por um de seus clientes, o que segundo ele, fez com que</p><p>perdesse a liberdade em relação à esposa.</p><p>Aqui não temos a pretensão de fazer uma análise da vida familiar de Edelarzil e</p><p>Natalino, mas a atuação e influência do esposo sobre a carreira da mulher. No dia da</p><p>visita, percebemos a presença dos filhos e de uma das noras, porém, não notamos a</p><p>presença de Natalino e mais à frente, em nosso texto, cremos que voltaremos a essa</p><p>questão. Mas até aqui, não parece que o mesmo tenha tido maiores influências sobre o</p><p>trabalho de Edelarzil ou na construção de seu imaginário místico. Mas levantamos a</p><p>hipótese de que talvez pudesse ter ocorrido algo um pouco ao contrário, talvez Edelarzil</p><p>tenha influenciado a carreira política do marido.</p><p>Observamos em nossas pesquisas, que Natalino foi um cidadão atuante na política,</p><p>tanto na cidade de Parisi como na cidade de Votuporanga. Parisi se emancipou no ano de</p><p>1991, até esse tempo, ela era distrito de Votuporanga na região de São José do Rio Preto.</p><p>No Memorial da cidade, publicado na internet, consta os nomes dos primeiros cidadãos</p><p>parisienses a serem eleitos para representar o povo:</p><p>63</p><p>Os Primeiros representantes eleitos em 1992. Prefeito Municipal:</p><p>Alzimiro Brantis, casado com Walkiria Carlos da Silva. Vice- Prefeito:</p><p>Antônio Prette. Câmara Municipal: Vereadores – Esmeraldo Fedoce,</p><p>Aparecido Carrasco Pereira, Aparecido da Silva, Ivair Gonçalves dos</p><p>Santos, Natalino Alves Cardoso, Genésio Francisco dos Santos, José</p><p>Luiz Parisi, João Èlio Ventura e Nivaldo Hernandes (MEMORIAL DE</p><p>PARISI, grifos nossos).14</p><p>Natalino foi um dos primeiros vereadores da cidade de Parisi, numa época em que</p><p>Edelarzil já era famosa e promovida em entrevistas em jornais e televisão. Mais tarde, já</p><p>residindo em Votuporanga, Natalino se candidatou ao cargo de vereador, sob o apelido</p><p>de Bico Doce (Figura 4). Em 2015, Natalino e Edelarzil, receberam uma homenagem da</p><p>Revista Conexão (Figura 5), como os melhores de 2014, pelos serviços prestados ao</p><p>município de Votuporanga. No quadro da homenagem, o nome “Natalino Alves Cardoso</p><p>– Bico Doce (apelido de Natalino) – ex vice-prefeito de Parisi” e em seguida o nome de</p><p>Edelarzil, embora com grafia incorreta, identificada como médium. Não encontramos</p><p>informações sobre Natalino ter sido eleito ou não, vereador de Votuporanga em 2004. No</p><p>entanto, o quadro no qual ambos, tanto Natalino como Edelarzil são homenageados por</p><p>serviços prestados, pode ser que realmente ele tenha sido eleito naquele ano ou mesmo</p><p>numa outra eleição. O fato é que apesar de ser uma figura discreta ao lado da esposa,</p><p>Natalino parece ter sido bem-sucedido na política.</p><p>14 Disponível em < http://www.memorialdosmunicipios.com.br/listaprod/memorial/historico-</p><p>categoria,189,H.html> Acesso em 01 jan. 2019.</p><p>Figura 4: Candidatura de Natalino em 2004</p><p>Fonte: https://www.eleicoesepolitica.net/vereador2004/SP</p><p>64</p><p>Figura 5: Homenagem à Natalino e Edelarzil</p><p>Fonte: httpswww.facebo.comphoto.</p><p>Em 2016, Edelarzil gravou uma de suas palestras a pedido de seu marido.</p><p>Hoje eu estou aqui gravando... Eu quase não gosto de gravações, mas</p><p>pelo pedido do meu esposo, ele quer guardar por recordação de tantos</p><p>tempos de trabalho e de luta. Então estou gravando, pra passar</p><p>mensagem pra todos: de fé, de amor, de paciência e de humildade. Que</p><p>Deus ilumine a todos e que Deus os acompanhe! (TRV 1).</p><p>Figura 6: Edelarzil e Natalino</p><p>Fonte: http://3.bp.blogspot.com</p><p>65</p><p>Ao longo desta dissertação ficará cada vez mais clara sobre qual seria a atuação</p><p>da família de Edelarzil em seu trabalho, no desenvolvimento do seu imaginário e nos</p><p>serviços oferecidos em seu espaço Estância Caminho e Luz. Não percebemos a presença</p><p>de seu marido no dia da visita, no entanto os filhos estavam lá. Através da fala da médium</p><p>descrita acima, dá-se a entender que Natalino, mesmo que talvez não concordando</p><p>completamente com o trabalho da esposa, esteve a acompanhando de alguma forma, além</p><p>de trilhar o caminho da política e do comércio.</p><p>Considerações intermediárias</p><p>Como podemos observar neste capítulo, não há como compreender o cenário</p><p>religioso brasileiro e suas pluralidades sob uma ótica meramente contemporânea. É</p><p>preciso aproximar as “lentes” deste tempo àquele tempo, para analisá-lo a partir da</p><p>gênese cultural, levando em consideração o tempo, a mentalidade e os costumes, assim</p><p>como suas mudanças ao longo dos anos. Ou seja, as coisas não se fizeram hoje, foram</p><p>feitas, são consequências de séculos de construção. Como nos disse Espín, o ser humano</p><p>é um ser aculturado, somos produtos do meio em que vivemos e até mesmo a</p><p>religiosidade se constrói em meio à cultura.</p><p>O cenário brasileiro, receptáculo de diversas culturas que se amalgamaram às que</p><p>já habitavam aqui, tornou possível uma eclosão de religiões “mágicas” e emotivas. Sendo</p><p>assim, não haveria o por que esperar que o brasileiro não fosse dado ao místico e à</p><p>subjetividade. Durante séculos a religiosidade católica foi predominante, porém, não</p><p>uniforme, popular e menos romanizada, por mais tempo, organizada pelo povo do que</p><p>pelo clero. Em vista disso, falou mais alto a necessidade do povo e a devoção aos santos</p><p>do que a própria instituição e os sacramentos.</p><p>O protagonismo do povo na religiosidade brasileira deu abertura e promoveu as</p><p>mulheres “piedosas” da comunidade, conhecedoras das forças da natureza, dos amuletos</p><p>e das orações “eficazes”, que, como portadoras da sensibilidade feminina e, portanto,</p><p>mais ligadas ao divino, dentro deste imaginário, são as escolhidas intermediárias entre</p><p>Deus e os homens. Mulheres santas, carregando consigo um encargo sagrado, elas se</p><p>resignam perante “a vontade de Deus” e cumprem seu papel dentro da comunidade, com</p><p>sacrifício e gratuidade. Esse é o arquétipo construído em torno das rezadeiras e</p><p>benzedeiras brasileiras dentre as quais, Edelarzil Munhoz Cardoso é representante dentro</p><p>da nossa pesquisa, ou assim cremos ser, ou ela se identifica ser. No entanto, não nos</p><p>66</p><p>apegaremos ao arquétipo para estudá-la, mas estudaremos o seu espaço religioso e sua</p><p>performance para buscar uma identificação de Edelarzil dentro da religiosidade popular</p><p>brasileira e seu protagonismo individual a fim de apreciar as proximidades e seus</p><p>distanciamentos com sua classe. E assim, desapegados, estarmos preparados para as</p><p>eventuais surpresas que essa personalidade possa nos proporcionar no decorrer do texto.</p><p>67</p><p>CAPÍTULO 2</p><p>A CULTURA MATERIAL DA ESTÂNCIA CASA</p><p>CAMINHO E LUZ: INDICADORES DE RAIZES E</p><p>RELAÇÕES RELIGIOSAS</p><p>Introdução</p><p>Neste capítulo expomos de maneira descritiva, sob o modelo de análise</p><p>iconográfica de Panofsky, a cultura material da Estância Casa Caminho e Luz, o lugar</p><p>onde Edelarzil Munhoz Cardoso, a “Mulher do Algodão”, recebeu as caravanas e visitas</p><p>individuais, onde as pessoas são hospedadas, alimentadas e onde Edelarzil, então, pratica</p><p>seus ritos de materialização. Trata-se de uma primeira aproximação ao complexo</p><p>imaginário da “Benzedeira do Algodão”, que ao longo do tempo, foi agregando símbolos</p><p>e moldando sua performance ritual. Nesse primeiro momento, vamos investigar o espaço</p><p>da celebração e seus arredores, vamos registrar as suas funções e a sua ornamentação, os</p><p>artefatos que se encontram nele e vamos tentar identificar as suas relações com as diversas</p><p>“matrizes” que identificamos no primeiro capítulo como possíveis fontes formativas para</p><p>a performance religiosa de Edelarzil Munhoz Cardoso. O que o espaço nos conta e o que</p><p>o espaço conta a quem visita esse lugar em busca de atendimento? Com isso, buscamos</p><p>algodão. Especificamente nos atemos</p><p>à sua performance religiosa e universo simbólico. Partimos da teoria da Matriz Cultural</p><p>Religiosa e apresentamos sua trajetória de vida. Na perspectiva da Cultura Visual e</p><p>Material, documentamos imagens que puderam nos dar pistas sobre seu universo</p><p>simbólico e finalmente analisamos seu imaginário, permeado em seu espaço, seu rito e</p><p>sua performance a fim de compreender seu papel dentro da religiosidade popular</p><p>brasileira. Utilizamos como referencial teórico-metodológico as reflexões sobre Matriz</p><p>Cultural Religiosa Brasileira de Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; as teorias</p><p>de Hoffmann-Horochovski e Quintana sobre as benzedeiras. Panofsky, Renders e Eliade</p><p>para os estudos acerca da Cultura Material e Visual e dos espaços. Os estudos de Vilhena,</p><p>Gennep, Turner para analisarmos os ritos Schechner para as reflexões acerca da</p><p>performance de Edelarzil Munhoz Cardoso. Além da documentação de imagens, também</p><p>utilizamos da interpretação de performance por meio de arquivos de mídia. Toda nossa</p><p>pesquisa levou-nos a uma melhor aproximação do imaginário religioso da “Mulher do</p><p>Algodão” nos mostrando que essa tem muito mais a revelar por meio de pesquisas quanto</p><p>a sua originalidade e hibridismo religioso dentro da religiosidade brasileira.</p><p>PALAVRAS CHAVES: Mulher do Algodão. Benzedeiras. Imaginário. Universo</p><p>Simbólico. Religiosidade e Matriz Cultural Religiosa Brasileira. Cultura Visual e</p><p>Material.</p><p>10</p><p>COSTA, Helena Raquel de. F. Edelarzil Munhoz Cardos, la "Mujer del Algodón": su</p><p>performance religiosa, su universo simbólico subyacente y la religiosidad popular</p><p>brasileña. Disertación de Maestría en Ciencias de la Religión. São Bernardo do Campo:</p><p>Universidad Metodista de São Paulo, 2019.</p><p>RESUMEN</p><p>Esta investigación enfoca la actuación mediúmnica, ritual, simbólica y visual de Edelarzil</p><p>Munhoz Cardoso, más conocida como la "Mujer del Algodón" o "Médium del Algodón",</p><p>sobre la que se alega tener el don de realizar curas físicas y espirituales de fuerzas</p><p>negativas mediante la materialización de objetos en el algodón. Específicamente nos</p><p>atemos a su desempeño religioso y universo simbólico. Partimos de la teoría de la Matriz</p><p>Cultural Religiosa y presentamos su trayectoria de vida. En la perspectiva de la Cultura</p><p>Visual y Material, documentamos imágenes que pudieron darnos pistas sobre su universo</p><p>simbólico y finalmente analizamos su imaginario, permeado en su espacio, su rito y su</p><p>performance a fin de comprender su papel dentro de la religiosidad popular brasileña.</p><p>Utilizamos como referencial teórico-metodológico las reflexiones sobre Matriz Cultural</p><p>Religiosa Brasileña de Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; las teorías de</p><p>Hoffmann-Horochovski y Quintana sobre las bendecidoras. Panofsky, Renders y Eliade</p><p>para los estudios acerca de la Cultura Material y Visual y de los espacios. Los estudios</p><p>de Vilhena, Gennep, Turner para analizar los ritos Schechner para las reflexiones acerca</p><p>del desempeño de Edelarzil Munhoz Cardoso. Además de la documentación de imágenes,</p><p>también utilizamos la interpretación de rendimiento por medio de archivos de medios.</p><p>Toda nuestra investigación nos llevó a una mejor aproximación del imaginario religioso</p><p>de la "Mujer del Algodón" nos muestra que esa tiene mucho más que revelar por medio</p><p>de investigaciones en cuanto a su originalidad e hibridismo religioso dentro de la</p><p>religiosidad brasileña.</p><p>PALABRAS CLAVES: Mujer del Algodón. Sanadores. Imaginaria. Universo Simbólico.</p><p>Y en el caso de la Iglesia. Cultura Visual y Material.</p><p>11</p><p>COSTA, Helena Raquel de França. Edelarzil Munhoz Cardoso, the "Cotton Woman": her</p><p>religious performance, her underlying symbolic universe, and Brazilian popular</p><p>religiosity. Master Degree in Religious Science. Graduate Program for the Study of</p><p>Religion of the Methodist University in São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2019.</p><p>ABSTRACT</p><p>This research focuses on the mediumistic, ritualistic, symbolic and visual performance of</p><p>Edelarzil Munhoz Cardoso, better known as the "Cotton Woman" or "Cotton Medium",</p><p>who is alleged to have the gift of performing physical and spiritual healing of negative</p><p>forces through the materialization of objects in cotton. Specifically we hold to its religious</p><p>performance and symbolic universe. We start from the theory of the Religious Cultural</p><p>Matrix and present its life trajectory. In the perspective of Visual Culture and Material,</p><p>we document images that could give us clues about its symbolic universe and finally</p><p>analyze its imaginary, permeated in its space, its rite and its performance in order to</p><p>understand its role within the Brazilian popular religiosity. We use as theoretical-</p><p>methodological reference the reflections on Brazilian Religious Cultural Matrix of</p><p>Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; the theories of Hoffmann-Horochovski and</p><p>Quintana on the benzedeiras. Panofsky, Renders and Eliade for studies on Material and</p><p>Visual Culture and spaces. The studies of Vilhena, Gennep, Turner to analyze the</p><p>Schechner rites for the reflections on the performance of Edelarzil Munhoz Cardoso. In</p><p>addition to image documentation, we also use performance interpretation through media</p><p>files. All our research has led us to a better approximation of the religious imagery of the</p><p>"Cotton Woman" showing us that this has much more to reveal through research as to its</p><p>originality and religious hybridism within Brazilian religiosity.</p><p>KEYWORDS: Cotton Woman. Wound heels. Imaginary. Symbolic Universe. Religiosity</p><p>and Brazilian Religious Cultural Matrix. Visual Culture and Material.</p><p>12</p><p>SUMÁRIO</p><p>AGRADECIMENTOS .......................................................................................... 6</p><p>RESUMO ............................................................................................................... 9</p><p>FIGURAS ............................................................................................................ 16</p><p>INTRODUÇÃO ................................................................................................... 18</p><p>CAPÍTULO 1 A RELIGIOSIDADE</p><p>POPULAR BRASILEIRA E FENÔMENO DE EDELARZIL, A “MULHER DO</p><p>ALGODÃO” ........................................................................................................ 24</p><p>Introdução ................................................................................................................. 24</p><p>1.2 Matriz religiosa brasileira ................................................................................... 25</p><p>1.1.1 A matriz indígena ............................................................................................ 26</p><p>1.1.2 Matriz católica lusitana .................................................................................... 29</p><p>1.1.3 A matriz Africana ............................................................................................ 31</p><p>1.1.4 A Matriz Espírita ....................................................................................... 36</p><p>1.2 Catolicismo popular brasileiro ........................................................................... 38</p><p>1.3 As benzedeiras: o protagonismo feminino no meio popular .............................. 46</p><p>1.4 A trajetória de Edelarzil Munhoz Cardoso: “A Mulher do Algodão” ............... 54</p><p>1.4.1 A história de Edelarzil Munhoz Cardoso ........................................................ 54</p><p>1.4.2 A atuação de Natalino Alves Cardoso na trajetória religiosa de Edelarzil 61</p><p>Considerações intermediárias ................................................................................... 65</p><p>CAPÍTULO 2 ....................................................................................................... 67</p><p>A CULTURA MATERIAL DA ESTÂNCIA CASA CAMINHO E LUZ:</p><p>INDICADORES DE RAIZES E RELAÇÕES RELIGIOSAS ...........................</p><p>um caminho adicional e até então incomum nos estudos da religião, não tão incomum,</p><p>porém, aos estudos etnológicos, antropológicos: o da história da arte. Abordaremos,</p><p>então, em seguida, a importância da Cultura Visual e Material para os estudos e</p><p>compreensão da religiosidade brasileira, em termos gerais, e das práticas religiosas de</p><p>Edelarzil Munhoz Cardoso, em especial. Para isso, identificaremos e descreveremos sua</p><p>cultura visual e material, como ela se apresenta mediante a estrutura de seu centro</p><p>religioso, a Estância Casa Caminho e Luz, fundada por ela na zona rural de Votuporanga,</p><p>São Paulo. Após isso, apresentaremos a composição do espaço cúltico, as referências</p><p>simbólicas religiosas ali empregadas e por ela utilizadas como elementos da narrativa de</p><p>seu ritual. Em todo ambiente religioso criado por Edelarzil Munhoz, procuramos nos</p><p>68</p><p>atentar às pistas que podem nos auxiliar a compreender o imaginário e a cosmogonia que</p><p>ela foi construindo e significando em seu espaço, em alguns momentos de nossas</p><p>descrições iconográficas, devido ao contexto do nosso estudo, ultrapassaremos o Tempo</p><p>Primário da análise para o Tempo Secundário, com algumas identificações hagiográficas,</p><p>no entanto, guardaremos nosso estudo iconológico (Significado intrínseco) para ser</p><p>melhor apresentado no próximo capítulo.</p><p>Guardamos por um momento, que Edelarzil Munhoz, assumia para si mesma nos</p><p>seus pronunciamentos ser uma benzedeira de profissão de fé católica. Espera-se, então,</p><p>que elementos do imaginário católico sejam encontrados naturalmente não somente em</p><p>sua performance, suas referências simbólicas e imagens discursivas, mas, também no</p><p>próprio espaço da realização dos ritos. Portanto, queremos ficar atentos no decorrer de</p><p>nossa pesquisa se poderemos apreciar a presença de elementos de outras expressões</p><p>religiosas que, ultrapassando as fronteiras do catolicismo, dialogam em sua performance</p><p>e em seu rito, como as religiosidades africanas, indígenas, espíritas entre outras.</p><p>2.1 A importância da cultura visual e material para os estudos da religião</p><p>Quando falamos de cultura visual, devemos nos ater à constatação de que o ser</p><p>humano se utiliza de muitas linguagens para se comunicar e comunicar sua religiosidade,</p><p>por imagens, ritos, textos, músicas, dentre outros. Segundo Renders (2015), a construção</p><p>da religiosidade brasileira, pressupostamente, teria sido formada muito mais pelas</p><p>linguagens das imagens, artefatos e ritos do que por meios de textos, isso por causa da</p><p>amalgamação de muitas culturas. No período em curso, permanecemos ligados a essa raiz</p><p>imagética de nossa cultura, como pode-se perceber na comunicação da sociedade: um</p><p>grande predomínio da comunicação visual. Enquanto a importância da cultura visual na</p><p>história não tenha o mesmo reconhecimento em todas as religiões e todas as vertentes do</p><p>cristianismo, por exemplo, no protestantismo brasileiro e, especialmente, no</p><p>pentecostalismo, há em nosso tempo atual, uma nova sensibilidade para o assunto: pode-</p><p>se afirmar que hoje habitamos em uma cultura da visualidade. Isso se constata, por</p><p>exemplo, no predomínio imagético na internet. Não se recorre a textos, mas aos memes,</p><p>logotipos e símbolos visuais. “Em resposta a essa situação acreditados que seja</p><p>fundamental interpretar as religiões brasileiras considerando as suas interfaces com as</p><p>respectivas culturas materiais e visuais, às quais elas pertencem e que elas representam e</p><p>constroem” (RENDERS, 2015, p. 64). Essa percepção da importância atual da cultura</p><p>69</p><p>visual, inclusive no campo religioso, despertou também um novo interesse na relação</p><p>entre a história da religião e a sua cultura visual e perguntou-se: o fenômeno atual da</p><p>ampla aceitação da cultura visual nas religiões chega como novidade, inclusive no mundo</p><p>evangélico, ou revela mais continuidade do que se imaginava antes? Partes dessas</p><p>perguntas não se aplicam a nossa pesquisa já que o aspecto “evangélico” ou “protestante”</p><p>de Edelarzil Munhoz Cardoso nos parece, no mínimo por enquanto, remoto. Por outro</p><p>lado, são as suas materializações como indicadores de problemas ou males algo único,</p><p>que também se explica facilmente com a matriz do catolicismo popular. Os espaços e os</p><p>artefatos encontrados neles nos contam algo mais sobre isso.</p><p>Para “ler” os espaços, seus respectivos artefatos e as imagens, recorremos a uma</p><p>percepção articulada por Mircea Eliade, um historiador da religião, e um método proposto</p><p>por Erwin Panofsky (1892-1968), historiador de arte. A referência de Eliade nos é</p><p>importante para compreender a distinção entre os espaços sagrados e profanos, segundo</p><p>suas pesquisas, já que a Estância Caminho e Luz é um espaço maior com zoneamentos</p><p>específicos. Para Eliade, “centros do mundo” ou espaços sagrados muitas vezes são</p><p>considerados lugares de hierofanias, lugares do aparecimento do divino. Por causa disso,</p><p>entendem diversos povos que, por exemplo, fontes de água sejam lugares sagrados, como</p><p>interfaces entre o sagrado e o profano. Mas, Eliade também reconhece que lugares</p><p>sagrados podem ser construídos. Assim, em “Imagem e símbolo”, onde ele dedica um</p><p>subcapitulo inteiro ao tema da “Construção do centro” (ELIADE, 1991). Interpretamos,</p><p>em seguida, a “Estância Caminho e Luz” como um centro construído no sentido de um</p><p>espaço construído por e, ao mesmo tempo, para ritos sagrados praticados. Trata-se de uma</p><p>“construção ritual do espaço” (ELIADE, 1992) onde a repetição do rito da materialização</p><p>de objetos transforma o lugar em um lugar da hierofania. Dentro dessa perspectiva,</p><p>distinguimos, então, os espaços encontrados na “Estância Caminho e Luz” segundo as</p><p>suas funções: “A `Estância Casa Caminho e Luz´, como terreno acolhedor: descrição</p><p>detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico dos/as</p><p>visitantes”; “A `Estância Casa Caminho e Luz´ como espaço sagrado: descrição</p><p>detalhada dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao</p><p>ritual da materialização e “A `Estância Casa Caminho e Luz´ e seu espaço mais sagrado:</p><p>descrição detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da</p><p>materialização”.</p><p>Além da questão do lugar da realização do rito, essa organização se reflete ainda</p><p>na concentração de diversos artefatos, figuras, imagens e pinturas nos espaços distintos.</p><p>70</p><p>A nossa referência para a interpretação dessa dimensão segue a percepção iconográfica e</p><p>iconológica de Panofsky, apresentada por ele, é necessário resistir à nossa tendência de</p><p>aplicar a qualquer artefato ou imagem um significado, geralmente, contemporâneo. Pois</p><p>a forma, segundo o mesmo, se opõe ao significado contemporâneo. Uma imagem vem do</p><p>passado para o nosso presente. Ele nos conta de tempos passados, de raízes, não</p><p>necessariamente conhecidos às novas gerações.</p><p>Quando, na rua, um conhecido me cumprimenta tirando o chapéu, o que</p><p>vejo, de um ponto de vista formal, é apenas a mudança de alguns</p><p>detalhes dentro da configuração que faz parte do padrão geral de cores,</p><p>linhas e volumes que constitui o mundo da minha visão. Ao identificar,</p><p>o que faço automaticamente, essa configuração como um objeto</p><p>(cavalheiro) é a mudança de detalhe como um acontecimento (tirar o</p><p>chapéu), ultrapasso os limites da percepção puramente formal e penetro</p><p>na primeira esfera do tema ou mensagem. O significado assim</p><p>percebido é de natureza elementar e facilmente compreensível e</p><p>passaremos a chamá-lo de significado fatual; é apreendido pela simples</p><p>identificação de certas formas visíveis com certos objetos que já</p><p>conheço por experiência prática e pela identificação da mudança de</p><p>suas relações com certas ações ou fatos (PANOFSKY, 1986, pp. 48-</p><p>49).</p><p>Sendo assim, uma imagem reconhecida em sua forma, numa primeira percepção</p><p>é o que Panofsky chama de Tema Primário, quando a pessoa consegue distinguir um</p><p>homem, uma montanha, uma árvore. Num segundo momento,</p><p>chamado de Tema</p><p>Secundário, acontece com uma leitura pouco mais definida, trata-se de observação e</p><p>identificação. Ou seja, ao olhar para um conjunto de imagens, pode-se identificar pessoas</p><p>por suas características, ações em comum ou ainda identificar um determinado santo pelas</p><p>representações hagiográficas a ele ou a ela remetidos.</p><p>Há ainda um terceiro momento, o Significado intrínseco ao conteúdo, que possui</p><p>um caráter mais revelador, como a época em que aquela determinada arte (ou ainda sua</p><p>escola artística) ou fotografia ocorreu, certos contextos históricos contidos e no que diz</p><p>respeito aos gestos manifestos em todo conjunto visual. Isso na arte, isso, no cotidiano e</p><p>também na religião. Assim, um conjunto de imagens pode revelar o caráter intrínseco</p><p>contido, não somente numa pintura, mas em gestos e expressões do cotidiano, como</p><p>decifrar o outro que me cumprimenta e me aparenta seu estado de humor, e assim</p><p>podemos transferir essa análise para a religião e compreender a série de manifestações</p><p>visuais dentro de um rito, numa performance religiosa e seu conjunto de símbolos.</p><p>A descoberta e interpretação desses valores “simbólicos” (que, muitas</p><p>vezes, são desconhecidos pelo próprio artista e podem, até, diferir</p><p>enfaticamente do que ele conscientemente tentou expressar) é o objeto</p><p>71</p><p>do que se poderia designar por “iconologia” em oposição a</p><p>“iconografia” (PANOFSKY, 1986, p. 53).</p><p>Segundo Renders (2015), é necessário ter um olhar a partir da cultura visual</p><p>material para compreender a complexidade do sujeito religioso que é impactado pela</p><p>mesma, construindo e desconstruindo essas culturas. Portanto há a importância de se</p><p>incluir nos programas de Teologia e Ciências da religião o enfoque da cultura visual, uma</p><p>vez que a religiosidade brasileira estruturou-se e privilegia a linguagem imagética como</p><p>veículo, alguns fenômenos só podem ser explicados sob a perspectiva de uma Cultura</p><p>Visual e Material. Uma análise que vai além da arte e do autor, até porque a arte brasileira</p><p>fazia parte de um projeto religioso, sem considerar o autor. Com isso, o autor pretende</p><p>pontuar e articular agentes centrais na visualidade religiosa brasileira e focar as</p><p>performances iconoclastas, iconólatras e, segundo ele, iconófilas.</p><p>A proposta da Cultura Visual não é de apenas estudar a imagem em si, mas seu</p><p>contexto, pois são produzidas por uma realidade social, “consistem em perguntar como</p><p>imagens, bem como os rituais, epistemologias, gostos, sensibilidades e estruturas</p><p>cognitivas que informam a experiência visual, ajudam a construir o mundo no qual as</p><p>pessoas vivem e do qual elas cuidam” (apud RENDERS, 2015, p. 70). Além mais, ele</p><p>também aponta aspectos sobre o “poder” da imagem e a relação afetiva que se pode ter</p><p>em torno dela.</p><p>A importância da questão do poder em relação a artefatos religiosos é</p><p>extremamente relevante no estudo das linguagens da religião e</p><p>evidencia-se imediatamente por tantas dinâmicas iconoclastas e</p><p>iconólatras (ou idólatras) em reação às imagens e aos artefatos</p><p>religiosos (dos[as] outros[as]). Com outras palavras: a atualíssima</p><p>discussão sobre os chamados fundamentalismos, sejam eles cientistas</p><p>ou religiosos, é diretamente vinculado com questões da cultura visual</p><p>religiosa e as dinâmicas criadas ao redor dos artefatos envolvidos</p><p>(RENDERS, 2015, p. 76).</p><p>A análise de artefatos, imagens, logotipos e expressões imagéticas em geral, tem</p><p>muito a contribuir, não somente com a religião, mas em áreas como a antropologia.</p><p>Campos (2012, p. 21), acredita que muito se tem a ganhar nos estudos antropológicos,</p><p>com o estreitamento dos laços entre Cultura Visual e Antropologia. Abrindo campo para</p><p>um olhar mais pluridisciplinar, pode-se colher os benefícios de uma melhor compreensão</p><p>do ser humano na realidade social em que está inserido.</p><p>Por cultura visual, muitos entendem uma área de investigação</p><p>relativamente recente, forjada a partir de múltiplos contributos</p><p>disciplinares e agendas académicas. Assim, mais que uma disciplina</p><p>institucionalizada, esta parece ser uma grande área de estudo de</p><p>72</p><p>tendência transdisciplinar, acolhendo investigadores provenientes de</p><p>ramos científicos, artísticos e humanísticos que buscam, grosso modo,</p><p>algo comum: entender a imagem, o olhar e a visualidade enquanto</p><p>construções humanas, social e historicamente situadas.</p><p>O que se pode analisar sobre os efeitos da relação humana para com as imagens e</p><p>artefatos religiosos que pode ser de desenvolvimento por empatia e simpatia, ou seja, o</p><p>poder dessa relação afetiva com a imagem. De acordo com Renders (2015), não se trata</p><p>necessariamente de um “poder” contido na mesma, magicamente, mas cedido. Para</p><p>compreender essa relação se faz necessário um aprofundamento, ou uma “virada</p><p>pictorial”, entender a representação da imagem ou artefato, a intenção da autoria.</p><p>Também considerando Campos (2012), no que diz respeito sobre este tempo</p><p>marcado por uma cultura cada vez mais definida pelas imagens, a visão oferecida pela</p><p>Cultura Visual e material é indispensável para compreensão dos processos de</p><p>complementação simbólica nos espaços do tecido cultural. Por fim, a importância do</p><p>estudo da Cultura Visual e Material brasileira, uma vez que a mesma desde seu princípio</p><p>comunica sua cultura por uma linguagem visual, é fundamental.</p><p>2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como conjunto: o terreno e a distribuição</p><p>de prédios com distinção das suas funções</p><p>A Estância Casa Caminho e Luz, localiza-se na Rodovia Euclides da Cunha, à</p><p>altura do quilômetro 513, zona rural de Votuporanga, Estado de São Paulo. Edelarzil não</p><p>reside no sítio, mas em outro local da cidade, sobre o qual não tivemos informação acerca</p><p>da localização. Portanto o sítio, que teria sido doado por um médico em sinal de gratidão</p><p>à médium, é exclusivamente destinado à finalidade de ser seu local de trabalho. A seguir,</p><p>fizemos um mapeamento do local, a fim de situar o leitor quanto à estrutura de prédios</p><p>presentes no espaço. Pertencem às instalações os seguintes prédios: (da entrada da</p><p>propriedade para cima) o Restaurante, a Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios, a</p><p>Capela com o Espaço de Espera e a Cobertura para a Análise e Descarte dos Objetos; ao</p><p>lado esquerdo da Capela, a Ermida de Nossa Senhora do Rosário e a Fonte de Água Benta</p><p>e ao seu lado direito, três prédios da Pousada Gratuita. Em seguida, mostramos a</p><p>distribuição dos diferentes prédios no terreno da Estância Casa Caminho e Luz (figura</p><p>7).</p><p>73</p><p>Figura 7: Mapeamento do “Espaço Estância Casa Caminho e Luz” – os prédios principais</p><p>Fonte: Ilustração da autora</p><p>Figura 8: Entrada da Estância Casa Caminho e Luz</p><p>Fonte: http://bvespirita.com</p><p>No geral, o ambiente atende então aos padrões de um sítio comum: chão rústico,</p><p>com alguns espaços gramados, árvores e, o que reforça a ideia de um sítio, a presença de</p><p>animais como porcos, cabras, gansos e galinhas, no entanto, em locais isolados dos</p><p>clientes.</p><p>74</p><p>2.2.1 A Estância Casa Caminho e Luz como terreno acolhedor: descrição</p><p>detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico</p><p>dos/as visitantes</p><p>Figura 9: Restaurante Comida Caseira</p><p>Fonte: httpsstatic.wixstatic</p><p>O restaurante self service (figuras 7 e 9), está localizado ao lado esquerdo da</p><p>entrada do sítio, de frente para a rodovia. É um lugar de passagem, de chegada ou de</p><p>retorno, focado nas necessidades físicas, não em necessidades espirituais ou religiosas</p><p>específicas especialmente atendidas nessa estância. Este espaço também não se destaca</p><p>por uma ornamentação especificamente religiosa que ia indicar uma função religiosa</p><p>distinta.</p><p>As casas de hospedagem, sua vez, são abrigos compostos por um só quarto de</p><p>aproximadamente dez metros de comprimento por dez metros de largura, com banheiro</p><p>Figura 10: Dormitórios Coletivos Gratuitos</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>75</p><p>coletivo e</p><p>uma varanda (figuras 7 e 10). Os quartos contêm camas de solteiros e algumas</p><p>de casal. Seus móveis não são novos. Ouvimos que teriam sido doações, assim como os</p><p>colchões, os travesseiros e alguns dos cobertores. O quarto também possui ventiladores</p><p>de parede, um de cada lado. Há três quartos como esse, mantendo uma pequena distância</p><p>uns dos outros. Mais uma vez faltam ornamentações específicas no sentido de instalações</p><p>sistemáticas e repetitivamente aplicadas para marcar os três lugares de uma forma clara e</p><p>única.</p><p>2.2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como espaço sagrado: descrição detalhada</p><p>dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao</p><p>ritual da materialização</p><p>O caráter basicamente funcional, muda, porém, com o próximo prédio, que fica</p><p>perto do restaurante e entre o restaurante e a sala da espera. Trata-se de uma casa exclusiva</p><p>para atendimentos particulares, a Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios (figura 7</p><p>e 11). Trata-se de uma primeira casa com função exclusiva religiosa, uma função,</p><p>entretanto, que não requer muito preparo do espaço físico. Infelizmente não tivemos</p><p>acesso ao interior da Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios.</p><p>Figura 11: Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Acima do espaço denominado Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios, há o</p><p>lugar mais antigo de atendimento, o espaço construído para os ritos da materialização</p><p>(destacado em pontilhado na figura 7). Trata-se da Capela (figuras 22 e 23) que sua vez</p><p>é ainda cercado pelo Espaço de Espera (figura 15) e o Escritório. Próximo desta há um</p><p>corredor que leva para fora, onde encontra-se a Cobertura para Análise e Descarte dos</p><p>76</p><p>objetos. Entretanto, antes de tratar desse complexo do espaço central com mais espaços</p><p>auxiliares ao seu redor, descrevemos mais um outro espaço auxiliar, porém, com função</p><p>religiosa específica.</p><p>Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta</p><p>Seguindo por uma trilha estreita à esquerda do local do atendimento, chega-se a</p><p>uma ermida de Nossa Senhora do Rosário (Figura 12) e onde também há uma fonte de</p><p>água que dispõe de duas pias formando um “V”, contendo várias torneiras. Trata-se de</p><p>um dos locais de meditação e oração oferecidos pela Estância Casa Caminho e Luz. No</p><p>centro podemos ver o oratório onde fica depositada a imagem para veneração. À frente</p><p>da imagem uma caixa (Figura 13).</p><p>Figura 12: Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>77</p><p>Figura 13: Detalhe da Ermida – Caixa para orações e doações</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Acima da caixa, ao lado com a abertura para as doações, está escrito o nome</p><p>“Edelarzil Munhoz Cardoso” e, na sua frente: “Coloque seus pedidos e doação para as</p><p>velas da corrente de orações. Deus te proteja”. A caixa, aliás, é protegida por um cadeado</p><p>o que faz nos imaginar que nem todas as pessoas que chegam neste lugar se aproximam</p><p>Figura 14: Imagem do Cristo Redentor em meio ao Jardim</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>78</p><p>com boas intenções ou “intenções puras e santas”. Pela localização da “Ermida de Nossa</p><p>Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta” no terreno como tudo, deve se tratar do</p><p>último espaço que se alcança depois ter participação no ritual da materialização e deixado</p><p>os objetos materializados no lugar reservados para isso. Trata-se então, de um lugar</p><p>sagrado de despedida, de contemplação individual, onde se faz os seus pedidos, se</p><p>ascende uma vela e vai embora. Anota-se aqui uma inversão. A água benta teria numa</p><p>igreja católica a função de purificação para depois entrar no espaço sagrado. Aqui, parece</p><p>ser vinculado com um tipo de benção de viagem.</p><p>Em síntese, quem se movimenta do portal para o centro reservado ao rito da</p><p>materialização encontra até então, no seu caminho particular na direção à luz, uma</p><p>primeira referência religiosa, uma figura do “Cristo Redentor” (Figura 14) que sua vez</p><p>remete a devoção do sagrado coração de Jesus, uma devoção introduzida oficialmente no</p><p>Brasil na fase da romanização da Igreja Católica.</p><p>2.2.3 A Estância Casa Caminho e Luz e seu espaço mais sagrado: descrição</p><p>detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da materialização</p><p>A seguir, descreveremos as dependências onde são praticados os ritos da</p><p>materialização. Podemos dividir o local em quatro partes principais: Espaço de Espera,</p><p>Escritório, Capela e Cobertura para a Análise e Descarte dos objetos materializados.</p><p>Espaço de espera: o lugar da preparação pessoal para o ritual</p><p>O maior cômodo do espaço do rito é o Espaço de Espera. Nele há bancos de</p><p>madeira – com ou sem encosto –, espalhados pelo pátio, assim como algumas cadeiras e</p><p>sofás. Vários cartazes contendo os contatos dos organizadores de caravanas, ou com</p><p>anúncios de hotel (figuras 15 e 18) e alguns quadros contendo mensagens e avisos. Assim</p><p>caracteriza-se como um espaço de comunicação com foco no ritual onde se procura</p><p>também induzir uma atitude necessária para participar no ritual ou que envolve também</p><p>atitudes que favorecem os demais participantes, já que o atendimento não é individual,</p><p>mas, coletivo. Como exemplo disso, na figura 16 lê-se a seguinte mensagem “Para quem</p><p>não crê, nenhuma explicação é possível. Para quem crê, nenhuma explicação é</p><p>necessária”, de autoria atribuída ao Padre Donizeti. Na figura 17, reproduzimos um</p><p>quadro que cita a lei 208 do Código Penal referente ao comportamento em espaços</p><p>religiosos:</p><p>79</p><p>Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença</p><p>ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto</p><p>religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:</p><p>Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.</p><p>Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de</p><p>um terço, sem prejuízo da correspondente à violência (JUSBRASIL,</p><p>1940).</p><p>Figura 16: Mensagem Próxima à Capela</p><p>Figura 17: Lei de proteção ao culto</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Figura 15: Local de espera</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>80</p><p>E, além dessas mensagens de preparação interior, há ainda informações para</p><p>ajudar aquelas na organização dos detalhes da sua estadia, que não conseguiram se</p><p>hospedar numa das casas de hospedagem da estância. Assim, devidamente</p><p>subsidiado em detalhe, pode-se então dedicar a participação no ritual.</p><p>Figura 18: Propaganda de Hotel</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>No espaço de preparação encontra-se uma estante (figura 19) com algumas</p><p>revistas, jornais e livros à disposição dos clientes. Destaque para um DVD intitulado</p><p>Palestras de Orientações Espirituais, livros de conteúdo espiritualista como Kundalini</p><p>(Gopi Krishna), Retornando ao Silêncio (Dainin Katagiri), O Caminho do Discipulado</p><p>(Annie Besant), Sobrevivência e Comunicação dos Espíritos (Osvaldo Melo), A Morte</p><p>Não é o Fim (Assis Azevedo), A Vida em Família (Rodolfo Calligaris), O Sistema, Ascese</p><p>Mística, A Nova Civilização do Terceiro Milênio e Problemas Atuais (os quatro, escritos</p><p>por Pietro Ubaldi, espiritualista italiano), o romance espiritualista Laços Eternos (Zibia</p><p>Gasparetto), e outros livros como A Moreninha (João Manoel Macedo), Lucíola (José de</p><p>Alencar) e Realengo Meu Bem Querer/ Terras Realengas (Carlos Alberto da Cruz</p><p>Wenceslau; José Nazareth de Souza Fróes).</p><p>81</p><p>Figura 19: Estante de livros disposta no pátio</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Podemos classificar os livros em uma tabela da seguinte forma:</p><p>Tabela 2: Classificação dos Livros de Edelarzil</p><p>Vinculo religioso ou</p><p>ênfase temática</p><p>Títulos dos livros</p><p>Espírita</p><p>1. Sobrevivência e Comunicação dos Espíritos 15– 2. A Morte</p><p>Não é o Fim 16– 3. A Vida em Família17 – 4. O Sistema – 5.</p><p>Ascese Mística – 6. A Nova Civilização</p><p>do Terceiro Milênio –</p><p>7. Problemas Atuais18.</p><p>Esotérica 1. Kundalini19 – 2. Retornando ao Silêncio20 – 3. O Caminho do</p><p>Discipulado21.</p><p>Romance Espírita 1. Laços Eternos.22</p><p>15 Escrito por Osvaldo de Melo (1893-2015), lançado pela FEB, editora da Federação Espírita Brasileira.</p><p>O livro relata supostas experiências de comunicação com os espíritos, do próprio autor e de outras pessoas</p><p>na região de Santa Catarina.</p><p>16 Assis Azevedo (1947- vive), médium e psicógrafo, o espírito de um padre chamado João Maria é quem</p><p>seria, segundo ele, quem lhe dita seus livros.</p><p>17 Rodolfo Calligaris (1913-1975), nascido na cidade de Americana (SP), em 30 de outubro de 1913, tornou-</p><p>se espírita aos 21 anos de idade, foi um dos fundadores do Lar Espírita Espiridião Prado, em 1964.</p><p>18 Pietro Ubaldi (1886-1972), filósofo espiritualista italiano que escreveu diversos livros, muitos de seus</p><p>pensamentos são controversos ao espiritismo de Kardec.</p><p>19 Gopi Krishna (1903-1984) foi um chefe de família indiano comum que experimentou o despertar da força</p><p>espiritual conhecida como kundalini aos trinta e quatro anos de idade. Ele posteriormente tornou-se o</p><p>escritor inspirado de inúmeros livros em que ele compartilhou suas ideias com os outros.</p><p>20 Dainin Katagiri (1928-1990), budista, fundador do Minnesota Zen Meditation Center.</p><p>21 Annie Besant (1847-1935), militante feminista, ocultista e mística que escreveu diversos livros sobre</p><p>teosofia.</p><p>22 Zíbia Gasparetto (falecida em 2018 aos 92 anos), médium que supostamente era possuída por espíritos</p><p>que a levavam a compor romances, mãe do pintor Antônio Gasparetto, também médium.</p><p>82</p><p>Literatura Brasileira 1. A Moreninha23 – 2. Lucíola24.</p><p>História 1. Realengo Meu Bem Querer/ Terras Realengas25.</p><p>Fonte: tabelamento da autora</p><p>Esse conjunto de títulos introduz, primeiro, em sua grande maioria autores</p><p>brasileiros. Segundo, trata-se predominantemente de literatura espírita e kardecista. Aqui</p><p>a cultura material encontrada no lugar diverge, bastante daqueles elementos mais comuns</p><p>ao catolicismo popular ou ao mundo das benzedeiras católicas.</p><p>A “capela”: o lugar para celebrar o ritual</p><p>A capela tem duas entradas, uma da parte do escritório, espaço reservado à</p><p>administração, e uma da parte da sala de espera. Entre a parede que separa o escritório e</p><p>a capela, há um relógio de Boas-vindas (figura 20).</p><p>Figura 20: Relógio de Boas Vindas</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>23 Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), Embora formado em medicina, Joaquim Manuel de Macedo</p><p>não exerceu a profissão. Seduzido pelo magistério, foi professor de História no Colégio Pedro II, e preceptor</p><p>dos netos do Imperador Pedro II. Foi membro do Conselho Diretor da Instrução Pública, fundador e orador</p><p>oficial do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Envolvido na política, foi deputado em várias</p><p>legislaturas. <https://www.ebiografia.com/joaquim_manuel_de_macedo/></p><p>24 José de Alencar (1829-1877), romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político brasileiro. Foi um</p><p>dos maiores representantes da corrente literária indianista. < https://www.ebiografia.com/jose_alencar/>.</p><p>25 Carlos Alberto da Cruz Wenceslau; José Nazareth de Souza Fróes.</p><p>< https://ihgb.org.br/pesquisa/biblioteca/item/19799-terras-realengas-jos%C3%A9-nazareth-de-souza-</p><p>fr%C3%B3es.html></p><p>83</p><p>Esse relógio é decorado manualmente com uma foto de Edelarzil e um texto de</p><p>escrita cursiva com as palavras “Todos sejam bem vindos”.</p><p>Figura 21: Cruz na porta de entrada da capela</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Acima da porta da entrada principal da capela (figura 21), há uma cruz</p><p>contendo a imagem de Jesus crucificado (e um quadro pedindo aos e às visitantes que</p><p>assinem o livro de visitas) com um aviso em relação ao número máximo que a capela</p><p>comporta (placa verde).</p><p>84</p><p>Figura 22: Visão geral da Capela</p><p>Fonte: http://2.bp.blogspot.com</p><p>Na fotografia da sala principal ou a “capela”, tomada da entrada olhando para o</p><p>espaço do altar, podemos identificar quarenta cadeiras em oito filas de cinco cadeiras</p><p>cada, e nas paredes, pinturas, fotografias ou litografias e figuras que se concentram no</p><p>fundo, ou seja, nas paredes mais próximas do altar ou do lugar onde ocorrem os ritos de</p><p>materialização. Ao lado esquerdo da fotografia nota-se a existência de um corredor que</p><p>leva a uma segunda saída.</p><p>Para uma melhor orientação, mapeamos, em seguida, o interior da Capela (figura</p><p>23). Numeramos suas paredes e conteúdo, dispondo em seguida numa tabela para facilitar</p><p>a localização do leitor.</p><p>85</p><p>Figura 23: Visão espacial da capela ritual</p><p>Fonte: Ilustração da autora26</p><p>DISPOSIÇÕES DA CAPELA</p><p>1 – PLE: Parede lateral esquerda 8 – Degrau do “altar”</p><p>2 – PLD: Parede lateral direita 9 – Tanque/mesa</p><p>3 – PF: Parede frontal 10 – Depósito de água</p><p>4 – PDC: Parede direita do corredor 11 – Oratório</p><p>5 – PEC: Parede esquerda do corredor 12 – Mesa/ tabuleiro</p><p>6 – PFC: Parede frontal do corredor 13 – Oratório</p><p>7 – Cobertura para análise dos objetos 14 – Assentos</p><p>A “capela” construída para o ritual possui em suas paredes uma variedade de</p><p>quadros, alguns dos quais, sendo pinturas. Também há uma variedade de imagens em</p><p>26 O desenho tem como objetivo localizar os espaços indicados, sem preocupação com medidas exatas.</p><p>86</p><p>altares embutidos ou em mesas. Conseguimos identificar a maioria delas, o que</p><p>descreveremos em sequência.</p><p>Logo na entrada, na parede lateral esquerda, uma pintura de um homem branco,</p><p>uma representação de Jesus Cristo (figura 24), vestido com uma túnica branca e manto</p><p>vermelho. Ao lado, na mesma parede, um quadro escrito “Sagrada Família” (figura 25),</p><p>no qual é representado Jesus menino, tendo atrás de si uma cruz, com Nossa Senhora ao</p><p>seu lado direito, São José ao seu lado esquerdo e, acima, a representação da Corte Celeste:</p><p>nuvens, uma pomba como ícone do Espírito Santo e Deus Pai de braços abertos, cercados</p><p>por anjos.</p><p>Figura 26: Quadro (PLD) Figura 27: Quadro (PLD)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Figura 24: Pintura: PLE Figura 25: Quadro: PLE</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>87</p><p>Ao lado, são quadros dispostos na parede lateral direita, a figura 26, uma mulher</p><p>vestida com armaduras de guerra, identificamos como sendo Santa Joana D’Arc e a figura</p><p>27, um homem também com armaduras, São Jorge, na cena em que mata um dragão.</p><p>Figura 28: Quadros (PEC)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Na parede esquerda do corredor (figura 28), temos: 1. Quadro da Sagrada Face de</p><p>Jesus; a representação de dois ciganos: 2. Sara (Sara Kali, provavelmente) e 3. Cigano</p><p>identificado como Ogoló ou Igolé; 4. Quadros de Nossa Senhora de Fátima; 5. Quadro</p><p>contendo uma bíblia e uma pomba; 6. Pintura do quadro do Sagrado Coração de Jesus e</p><p>logo abaixo, 7. Perfil mariano; 8. Perfil de Jesus coroado de espinhos, esculpido na</p><p>madeira; 8. Imagem de Jesus, intitulada Jesus Misericordioso.</p><p>Figura 29: Quadros (PDC)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>88</p><p>Na parede direita do corredor temos (figura 29): 1. Pintura representativa de Jesus</p><p>Orante; 2. Quadro “Aparição de Maria em Lourdes a Santa Bernadete”; 3. Diploma de</p><p>honra por excelência em dons de materialização, concedido pela Ordem Melquisedeque</p><p>em sete de setembro de 2010; 4. Santa Catarina de Alexandria (santa católica, padroeira</p><p>dos estudantes); 5. Recorte de jornal local, datado de 1994, com o título “Benzedeira de</p><p>Parisi cura os males do mundo”; 6. Título de cidadã parisiense emitido pela Câmara</p><p>Municipal de Parisi em onze de maio de 1997; 7. O significado do nome de Edelarzil; 8.</p><p>Pintura da médium alguns anos mais jovem; 9. Relógio de madeira com a</p><p>representação</p><p>de São Jorge; 10. Representação da Ascenção de Jesus; 11. Esse quadro não é muito claro,</p><p>porém, o que parece, em meio ao faixo de luz, no chão uma mulher, mais acima pode ser</p><p>um homem e no ápice, em meio aos raios de luz, também parece haver uma silhueta.</p><p>Muitas cores, temos o vermelho e o azul separando as duas silhuetas que se encontram</p><p>no faixo de luz.27</p><p>Logo abaixo (figura 30), trata-se de uma mesa que fica ao lado do espaço cúltico,</p><p>encostada na parede lateral direita: 1. Nossa Senhora do Rosário; 2. Nossa Senhora das</p><p>Graças; 3. Santa Teresinha do Menino Jesus ou de Lisieux; 4. Santa Rita de Cássia; 5.</p><p>Santo Antônio de Pádua; 6. Nossa Senhora Rosa Mística; 7. Santa Paulina; 8. São Judas</p><p>Tadeu; 9. São Sebastião (há também um quadro de São Sebastião pendurado na parede);</p><p>Figura 30: Oratório (PLD)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>27 Talvez uma imagem da Assunção de Maria ou elevação da alma numa tradução esotérica (Grande</p><p>Fraternidade Branca)?</p><p>89</p><p>10. Nossa Senhora de Fátima; 11. Nossa Senhora da Conceição Aparecida; 12. Santa</p><p>Catarina Labouré; 13. Nossa Senhora da Conceição; 14. São José; 15. Anjo; 16. Nossa</p><p>Senhora da Guia. A caixa azul, abaixo das imagens 3 e 5 é reservada para pedidos de</p><p>oração.</p><p>Próximo da porta de saída, na parede frontal do corredor, há duas mesas, numa</p><p>delas estava exposta uma espécie de tabuleiro (Figura 31) contendo palavras alinhadas de</p><p>forma paralela: Espiritual/ Material, Presente Atual/ Futuro Presente, Inconsciente/</p><p>Consciente. Por cima desse tabuleiro, cristais coloridos e em formatos ovais, estrela de</p><p>cinco pontas e a lua em posição de quarto crescente. No centro uma estrela de cinco pontas</p><p>contendo alguns cristais.</p><p>Figura 32: Oratório PFC</p><p>Figura 33: Oratório PFC</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>No mesmo local, vemos uma concentração de artefatos como imagens em</p><p>miniaturas e um pouco maiores, (figura 32) da esquerda para a direita – as imagens</p><p>Figura 31: Tabuleiro com cristais (PFC)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>90</p><p>maiores, Santo Antônio de Pádua, uma imagem de Jesus Cristo Ressuscitado (uma</p><p>representação da Ascensão) e Imaculado Coração de Maria. Abaixo em miniatura,</p><p>também da esquerda para a direita, Santo Expedito, São Lazaro, Santa Edwiges e uma</p><p>imagem de Santo Antônio, já deteriorada.</p><p>Em seguida temos (figura 33), novamente, um quadro de Santo Antônio de Pádua,</p><p>um oratório confeccionado em madeira, um baú, acima dele, um quadro de Nossa Senhora</p><p>de Fátima, outras miniaturas de esculturas da Sagrada Família, flores artificiais, presépio</p><p>e até mesmo uma pequena estátua de um elefante. Em torno do oratório e das imagens</p><p>presentes em torno deste oratório, muitas fotos, rosários e bilhetes.</p><p>Finalmente temos o espaço cúltico principal (figuras 23 e 34) onde acontece o</p><p>ápice do ritual com a materialização de objetos. Vemos nele a presença de mais imagens:</p><p>na parede frontal, à esquerda, duas representações de Nossa Senhora do Rosário – uma</p><p>pintura e uma escultura; à direita, duas de Santo Antônio de Pádua – uma pintura e uma</p><p>escultura. Ao centro, outra representação iconográfica mariana, uma pintura em quadro,</p><p>onde Maria aparece com os cabelos louros e manto azul, uma provável representação de</p><p>Maria sob o título de Mãe de Deus. Do lado dessa imagem temos um par de quadros –</p><p>Sagrado Coração de Jesus e Imaculado Coração de Maria – um de cada lado.</p><p>Tal espaço cúltico é elevado por um degrau (Figura 23) e possui duas partes, uma</p><p>mesa de cimento, plana e um tanque redondo acoplado a ela. Checamos o tanque onde se</p><p>coloca a peneira com o algodão, possui uma pequena saída de água dentro dele e uma</p><p>torneira embutida na lateral; abaixo, um “tambor” de água quase medindo a mesma altura</p><p>do altar e um canecão para molhar o algodão. Na foto, o algodão, já desfiado pelos</p><p>Figura 34: Espaço Cúltico Principal (PF)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>91</p><p>clientes, sobre a peneira, mais algumas peneiras e sacos contendo algodão desfiado.</p><p>Observa-se no canto direito do referido espaço, dois carrinhos de supermercado,</p><p>conforme registrado na imagem acima. Mais tarde explicaremos sua utilização.</p><p>Figura 35: Placa PF Figura 36: Placa PF</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Figura 37: Placa PLD</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Há no ambiente também algumas placas com recomendações, próximas ao altar e</p><p>aos pés das imagens. Uma dizendo: “Silêncio! Você está numa casa de oração” (figura</p><p>35); outra, “Tenha um firme pensamento. Concentre sua mente no objetivo” (figura 36)</p><p>e uma terceira “Exalte o bem. Entretanto, não destaque o mal” (figura 37).</p><p>De certo modo, lembra o espaço da capela, pelo número e pela diversidade de</p><p>objetos, pinturas e imagens ou quadros encontrados, da ornamentação rica e diversificada</p><p>de uma capela barroca, apesar da sua característica aparentemente mais multireligiosa.</p><p>2.3 O rito celebrado na “Estância, casa caminho da luz”: os passos da</p><p>preparação, da recepção e da materialização</p><p>Todo o ritual de Edelarzil se direciona para um único objetivo: a purificação</p><p>espiritual através do Rito da Materialização dos objetos. Após a exposição de sua cultura</p><p>visual e material, percorreremos os passos de seu ritual e identificaremos os principais</p><p>elementos simbólicos que compõe o mesmo. Como condição prévia para o ritual, veremos</p><p>92</p><p>que sua preparação começa com ao menos treze dias de antecedência, com uma trezena</p><p>em honra a Santo Antônio, sendo que os líderes de caravana possuem o papel de</p><p>condutores, não somente no sentido de guiar as pessoas até o local, mas também de</p><p>orientá-los religiosamente. Em segundo lugar ocupa especial atenção a recepção das</p><p>pessoas no local, com a acolhida e orientações, orações e preparação para o grande rito</p><p>das materializações. Finalmente, o momento mais esperado é o do rito da materialização</p><p>propriamente dito.</p><p>2.3.1 As caravanas como parte do preparo para o ritual</p><p>As primeiras orientações ao entrar em contato com um dos organizadores é o valor</p><p>da passagem e para que o viajante não leve algodão de casa, mas que esse seja comprado</p><p>no sítio de Edelarzil. As visitas são pré agendadas pelos responsáveis pelas caravanas que</p><p>precisam estar antes das 09h00 para pegar a senha para seus caravaneiros e conduzi-los à</p><p>recepção, para comprar o algodão e se prepararem para o ritual. Portanto, dependendo da</p><p>distância, é necessário viajar pela madrugada ou à noite. Os viajantes podem se hospedar</p><p>num hotel pré-reservado em Votuporanga ou optar por se hospedarem, gratuitamente, no</p><p>sítio da Médium, nesse caso, devendo levar lenções e toalhas.</p><p>Após o descanso, as pessoas se preparam vestindo roupas claras, como o</p><p>recomendado, o café passa a ser servido no restaurante.</p><p>Para a realização de caravanas, apenas algumas pessoas estão autorizadas a fazê-</p><p>las. Uma das pessoas que possui tal autorização, devido à antiga amizade e parceria com</p><p>Edelarzil, é a senhora Márcia J. Gonçalves, da cidade de São Paulo. Na verdade, antes</p><p>dela, sua mãe é quem realizava caravanas e também era muito amiga de Edelarzil, Márcia,</p><p>portanto, conhece Edelarzil desde muito nova e as caravanas o que parece, tornou-se meio</p><p>que uma herança. O privilégio, restrito a poucas pessoas que possuem o número de</p><p>telefone pessoal da médium é dado a pouquíssimas colaboradoras, e mesmo assim, após</p><p>extenso empenho no mister de colocar pessoas em contato com Edelarzil.</p><p>Para acessar o foco desta pesquisa, entramos em contato com a senhora Márcia</p><p>após exaustiva busca em diversos meios de informação. Após quase desistir da procura,</p><p>conseguimos encontrá-la por meio de outras pessoas. Entrando em contato com ela,</p><p>fomos bem acolhidas e logo iniciou-se o trato no qual ela explicava a necessidade</p><p>de</p><p>oração, de preparação para o que poderíamos ver quando visitássemos a médium e que</p><p>não nos assustássemos. No dia da viagem, estando todos os peregrinos já acomodados</p><p>nos assentos do ônibus, a coordenadora de caravana faz a verificação da presença dos</p><p>93</p><p>viajantes para dar início à viagem. Nesse primeiro momento, ela dá os recados e as</p><p>orientações de participação no ritual do Fenômeno do Algodão, como:</p><p> O uso preferencial de roupas brancas ou claras.</p><p> Pode ser comprado um chumaço de algodão por pessoa, no entanto o ideal é que</p><p>sejam pelo menos três por pessoa, para si mesmo ou para quantas pessoas</p><p>desejarem fazer a limpeza espiritual, sem um número limitado de pessoas ou</p><p>situações (processos: trabalhistas, judiciários etc; casas para vender ou alugar,</p><p>animais: cachorro, gato, passarinho etc; placas de carro; endereço da casa:</p><p>residência; pessoas falecidas até a quarta geração28). É explicado que treze seria</p><p>um número ainda melhor, com a justificativa de ser o número favorito de</p><p>Edelarzil, número de Santo Antônio de Pádua.</p><p> Ao ser chamado para a materialização, não esquecer de mencionar o nome,</p><p>situação ou coisa para qual deseja a limpeza.</p><p> Não esquecer de perguntar à médium quantas vezes seria preciso voltar e de</p><p>quantas materializações precisará.</p><p> Em hipótese alguma, guardar quaisquer objetos materializados para serem levados</p><p>para casa, pois, segundo a mesma, tratam-se de impurezas, maldições, magias</p><p>extraídas da vida do indivíduo, podendo, portanto, ocasionar algum malefício para</p><p>a pessoa e até mesmo acidentes no retorno. Devem ser deixados para serem</p><p>encaminhados ao lixão da cidade.</p><p>Em seguida, ela distribui panfletos entre os peregrinos contendo as orações da</p><p>trezena de Santo Antônio que são recomendadas por Edelarzil, para serem feitas em</p><p>preparação para a viagem em questão e encerra com a Ave-Maria e o Pai Nosso.</p><p>2.3.2 A recepção e o preparo final no terreno</p><p>Tendo chegadas as caravanas com os peregrinos, costumeiramente pela manhã,</p><p>isto é, a partir das cinco horas, ou até mesmo na véspera, eles se acomodam conforme já</p><p>elucidado. Às nove horas os clientes se dirigem para o local do ritual e formam fila para</p><p>a compra do algodão e assinar presença no livro ata. Uma a uma das pessoas entram no</p><p>escritório e são atendidos pelos filhos da médium, recebem orientações, compram quantos</p><p>chumaços de algodão quiserem. 29Um deles recebe o dinheiro e o outro etiqueta as</p><p>28 Texto extraído do site de viagens: < http://mulherdoalgodao.com.br/?page_id=41> acesso em 03 nov.</p><p>2018</p><p>29 Cada chumaço de algodão custavam R$30,00 em 2018.</p><p>94</p><p>sacolas. As sacolas são individuais e etiquetadas conforme os nomes das pessoas, coisas,</p><p>ou situações para quais serão materializados os objetos. Vemos várias pessoas saírem com</p><p>mais de dez sacolas como essas.</p><p>Uma vez comprados os algodões, cada um dirige-se para sentar-se em um dos</p><p>bancos ou poltronas no pátio da recepção ou outros lugares em volta do sítio onde possam</p><p>desfiar seu algodão e meditar. Cada um recebe uma caixa para isso. Também são</p><p>distribuídos livretos contendo uma breve biografia de Edelarzil, algumas orações,</p><p>simpatias e um catálogo contendo os possíveis objetos a serem materializados com suas</p><p>respectivas sugestões de significados.30</p><p>A orientação é que se mentalize o que deseja obter como graça enquanto se desfia</p><p>o algodão para si ou para outra pessoa ou causa. Primeiramente deve-se desfiar e</p><p>mentalizar para si mesmo e depois por pessoas ou coisas como: causas especiais, carros,</p><p>casas, dívidas etc. Depois do desfio, o cliente entra na capela para depositar o algodão</p><p>sobre a peneira posta sobre o tanque ou as que estão em torno. Há sacos grandes de lixo</p><p>que são deixados, estrategicamente, nas laterais também para essa finalidade.</p><p>2.3.3 O ritual de materialização</p><p>Quando de nossa experiência como peregrina, Edelarzil chegou por volta das</p><p>14h30, com sua roupa e sapatos brancos, óculos escuros, seus adornos dourados (brincos,</p><p>pulseiras e colares) e batom vermelho. Ela chegou cumprimentando a todos.</p><p>Uma fila é organizada por ordem de senha (figura 38) e verificada por um dos</p><p>filhos de Edelarzil. Inicia-se uma procissão para adentrar a capela. Não há cantos ou</p><p>acompanhamento instrumental, tudo acontece enquanto ela recita, em voz alta e</p><p>impostada, as orações de Santo Antônio de Pádua e Nossa Senhora do Rosário. Alguns</p><p>acompanham a oração, que se segue a esse momento. A oração segue ininterruptamente</p><p>até o término da procissão, algumas pessoas optam pelo silêncio. Durante a oração, os</p><p>clientes aproximam-se do altar, onde a médium benze a todos, um a um. Ela pega um</p><p>pequeno chumaço de algodão, esfrega na testa, nos pulsos e joga em cima da peneira,</p><p>fazendo isso sucessivamente com todos. As pessoas se sentam, também por ordem de</p><p>senha para serem atendidas. Depois dessa recepção, Edelarzil pega o microfone e faz uma</p><p>palestra breve (ou pregação) que pode durar vinte ou trinta minutos. Durante a palestra,</p><p>Edelarzil instrui sobre o ritual da materialização, exorta e adverte seus “pacientes” ao</p><p>30 Mais tarde, pode-se ouvir a discussão entre os filhos de Edelarzil dentro do escritório. Ao que consta, os</p><p>livretos não seriam para distribuição gratuita, mas deveria ter sido cobrado uma taxa por eles. Porém, já</p><p>havia sido distribuído e decidiram não cobrar.</p><p>95</p><p>mesmo tempo que brinca humoradamente enfatizando os sacrifícios de sua vida, seu</p><p>cansaço e sua missão. Palestra, cujo detalhes merecem ser melhor expostos e analisados</p><p>no próximo capítulo, proporcional às ricas pistas que nos dão sobre a personalidade e</p><p>construção imaginária da “Mulher do Algodão”.</p><p>Figura 38: Formação da procissão de entrada</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Após esse momento, a médium dirige-se ao tanque onde encontra-se a peneira</p><p>pilhada com algodão (figuras 39 e 40). A partir desse momento é feito absoluto silêncio.</p><p>Com a ajuda dos filhos (um deles molha o algodão, enquanto o outro embrulha os objetos</p><p>materializados num jornal e coloca na sacola do cliente), o algodão é molhado com água</p><p>e álcool. A primeira pessoa se aproxima e diz o nome para quem os objetos deverão ser</p><p>materializados, não demorando muito até que Edelarzil extraia os primeiros objetos a</p><p>serem embrulhados e colocados na sacola. Nesse momento a pessoa pode recolher as</p><p>materializações referentes ao número de sacolas de algodão que comprou, sendo que deve</p><p>extrair primeiro para si e depois os demais nomes de pessoas31, coisas ou situações, um a</p><p>um. No final, ela pergunta a Edelarzil se precisa voltar e quantas vezes deve “tirar”</p><p>materializações.</p><p>31 Como dissemos anteriormente, as sacolas são nomeadas para facilitar a identificação de, para quem os</p><p>objetos foram extraídos, e assim, analisar seus significados.</p><p>96</p><p>Figura 39: Edelarzil efetuando materialização</p><p>Fonte: https://www.youtube.com (05m50s)32</p><p>Figura 40: Edelarzil Materializando</p><p>https://1.bp.blogspot.com33</p><p>32 Essa foto é um print de uma imagem de um dos vídeos publicados sobre Edelarzil, em sua entrevista para</p><p>o programa mistério da extinta Rede Manchete na década de 1990.</p><p>33 Foto mais atual, já na casa em Votuporanga.</p><p>97</p><p>Como a maioria se apresenta com mais de uma sacola, o ritual torna-se demorado.</p><p>Algumas pessoas chegam a levar para diante dela mais de vinte sacolas, tendo que sair da</p><p>capela do ritual carregando as materializações nos carrinhos de supermercado que ficam</p><p>disponíveis – há dois carrinhos de supermercado na lateral do altar para essa função</p><p>(figura 34). Após receberem suas materializações, os clientes dirigem-se para fora, por</p><p>uma porta na lateral esquerda que dá para uma pequena e rústica cobertura acoplada à</p><p>estrutura</p><p>da capela (Figuras 41 e 42). A cobertura possui mesas para as pessoas exporem</p><p>seus objetos e analisarem seus significados. Algumas anotam em cadernetas ou folhas de</p><p>papel, tiram fotos e em seguida, como recomendado, descartam os objetos em uma mesa</p><p>ao lado Os objetos extraídos podem ser pequenos como um laço de fita ou grandes como</p><p>ossos ou partes de animais e as pessoas acompanham, algumas já acostumadas, como</p><p>algo normal e outras com curiosidade. Alguns cochichos de dúvida ou espanto são</p><p>ouvidos. Uma senhora ao lado, cogitou várias teorias de onde poderiam estar vindo os</p><p>objetos. A primeira delas foi quando um dos filhos de Edelarzil a auxiliava a molhar o</p><p>algodão fazendo uso de um jarro de metal, pouco antes dela começar com as</p><p>materializações.</p><p>Figura 41: Cobert. para análise (fora</p><p>Figura 42: Cobert. para Análise (dentro)</p><p>Fonte: http3.bp.blogspot.com Fonte: httpsqueromochilar.com</p><p>Ela disse: “Creio que os objetos são jogados através daquele jarro, junto com a</p><p>água”. Outra teoria: “Talvez eles coloquem os objetos ali dentro quando não estávamos</p><p>aqui”. Ou ainda: “Será que não são os mesmos objetos todos os dias? Será que realmente</p><p>os jogam fora?”. Entre essas e outras exclamações, no decorrer do processo das supostas</p><p>materializações, ela ficava cada vez mais impressionada com a quantidade e o tamanho</p><p>98</p><p>dos objetos extraídos. Pouco a pouco a peneira vai se esvaziando e ficando praticamente</p><p>sem algodão, então ela é trocada e o procedimento reiniciado.</p><p>2.3.4 As materializações</p><p>Como mencionado em sua biografia, o ritual consiste na crença da possibilidade</p><p>de transferir os males para objetos e assim livrar as pessoas de um destino ruim. Ao todo</p><p>são catalogados como sugestão para significação 126 objetos. Tratam-se de sugestões,</p><p>pois a interpretação pode variar de acordo com o contexto do indivíduo. São</p><p>materializados desde velas coloridas com formatos variados – o que muda totalmente o</p><p>significado de uma vela para outra, flores de plásticos, animais pequenos como moscas,</p><p>assim como sapos e rãs, ossos de animais, grandes e pequenos e até mesmo de humanos,</p><p>peças de roupas e há pessoas que garante que tenha saído um colar que havia perdido há</p><p>muito tempo ou seu nome escrito em uma vela ou em algum outro objeto</p><p>Figura 43: Objetos extraídos do algodão durante o ritual de materialização</p><p>http://2.bp.blogspot.com/</p><p>Nesta imagem (Figura 43) estão presentes, alguns exemplos de objetos</p><p>supostamente materializados pela médium, nota-se que há muita sujeira em meio a eles,</p><p>a sujeira tem um sentido de impureza neste ritual, ossos e pedras, também são comuns.</p><p>Os objetos mais incomuns são restos de animais já em decomposição.</p><p>99</p><p>Considerações intermediárias</p><p>Neste capítulo, tratamos de registrar a cultura visual e material de Edelarzil</p><p>Munhoz Cardoso, seu espaço Estância Casa Caminho e Luz, seus principais prédios de</p><p>apoio, assim como seus prédios de designação religiosa. Como podemos notar, seu centro</p><p>possui o que podemos chamar de “uma boa estrutura”, é organizado, tanto o espaço físico</p><p>como administrativo, com envolvimento familiar. Nota-se que também, recebe um</p><p>número razoável de pessoas.</p><p>Nosso primeiro pensamento era visitar o sítio da médium e conseguir uma</p><p>entrevista com ela, no entanto, não houve essa possibilidade. Já sabíamos das restrições</p><p>de Edelarzil para com pesquisadores, porém, até mesmo o público que frequenta com</p><p>assiduidade também tem contato restrito, considerando que a mesma atende na Casa,</p><p>Cartomancia e Búzios e desce para o espaço principal apenas no horário de iniciar o ritual</p><p>de materialização. Porém, ela cumprimentou os que estavam por perto e recepcionou a</p><p>todos com um sorriso.</p><p>Sobre as imagens que compõe o seu espaço, identificamos alguns traços de</p><p>hibridismo religioso, muitas dessas imagens se encaixam em mais de uma categoria</p><p>religiosa, o que nos impediu de criarmos uma tabela que pudesse subdividi-las, segundo</p><p>nossa proposta da matriz cultural religiosa brasileira. Porém, não consideramos isso algo</p><p>que esteriliza a nossa pesquisa, ao contrário, para nós significa a possibilidade de um</p><p>cenário religioso mais unido em suas fronteiras do que imaginávamos. No próximo</p><p>capítulo, poderemos discutir melhor sobre isso e com melhores detalhes.</p><p>100</p><p>GALERIA</p><p>Foto 1: Mapa para o centro “Nossa Senhora do Rosário” 1997</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 53</p><p>101</p><p>Foto 2: Mapa Estância Casa Caminho e Luz</p><p>CASA CAMINHO E LUZ, s/d, contra capa</p><p>102</p><p>Foto 4: Livro 1997- tragédias na vida</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 25</p><p>103</p><p>Foto3: Livro 1997- A vida para mim</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 23</p><p>104</p><p>Foto 5: Livro 1997- Amor e pureza</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 28</p><p>105</p><p>Foto-6 : Edelarzil 1997</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 7</p><p>106</p><p>Foto: 7 Edelaril 1997</p><p>Fonte: SANTOS, 1997, p. 14</p><p>107</p><p>Foto: Edelarzil 2018</p><p>Fonte: CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 12</p><p>108</p><p>Print: Veronica Parallax - het onderzoek 1990</p><p>Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=LBGbgQL_1s8&t=223s 24m42s</p><p>Print: Globo Repórter 1994</p><p>Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yrhmqH5ZnO8&t=47s 10M46S</p><p>109</p><p>CAPÍTULO 3</p><p>ANÁLISE DO IMAGINÁRIO DE EDELARZIL</p><p>MUNHOZ CARDOSO</p><p>“A MULHER DO ALGODÃO”</p><p>Introdução</p><p>Quando começamos nossos estudos sobre Edelarzil Munhoz Cardoso,</p><p>supúnhamos, à primeira vista, que suas práticas alegadamente paranormais tratavam-se,</p><p>na verdade de um simples atendimento de uma benzedeira com alguma intervenção</p><p>cênica ou dramatização, sendo o fenômeno da materialização de objetos no algodão uma</p><p>performance diferencial de seu rito. No entanto, essas primeiras impressões dissiparam-</p><p>se completamente, dando lugar à surpresa e mesmo espanto ao nos depararmos com um</p><p>ambiente bem estruturado fisicamente, conforme vimos no mapeamento no capítulo</p><p>anterior, dos principais prédios de atendimento ao público, situado em seu centro a</p><p>Estância Casa Caminho e Luz (figuras 6 e 7). Demo-nos conta de que haveria muito mais</p><p>peculiaridades do que imaginávamos.</p><p>No capítulo anterior trabalhamos com a descrição de todo o espaço Estância Casa</p><p>Caminho e Luz, pontuamos detalhes que cremos serem relevantes para nossa pesquisa e</p><p>descrevemos os procedimentos de seu ritual. Na verdade, na perspectiva da Cultura</p><p>Visual e Material, onde as imagens “falam”, não só as imagens em si, mas os artefatos e</p><p>tudo o que potencialmente pode ser considerado imagem em caráter material ou</p><p>metafísico. Neste capítulo mesclaremos a análise iconográfica e a análise iconológica à</p><p>descrição dos elementos visuais e simbólicos, o que nos fará retomar alguns elementos já</p><p>mencionados com a finalidade de melhor expor as ideias. A partir daqui nos ateremos às</p><p>minúcias do universo simbólico de Edelarzil Munhoz e o que a sua visualidade tem a nos</p><p>revelar quanto à sua originalidade no cenário religioso brasileiro. Começaremos</p><p>110</p><p>distinguindo imaginário e imaginação e depois faremos uma análise dos espaços,</p><p>principalmente no seu local cúltico principal, onde ocorrem os ritos de materialização.</p><p>Em seguida analisaremos seu rito e sua performance religiosa. No decorrer do nosso texto</p><p>nos ateremos ao seu imaginário simbólico. Utilizamos para esse capítulo os</p><p>conhecimentos de Durand acerca do imaginário; de Geneep, Turner e Vilhena a respeito</p><p>do Rito; dos estudos de Schechner sobre a performance e de Renders, Albuquerque e</p><p>Santos para análise dos espaços.</p><p>Normalmente as benzedeiras desenvolvem seus trabalhos em suas próprias casas,</p><p>como aconteceu nos primeiros anos de Edelarzil Munhoz no exercício de sua função. À</p><p>medida que a médium tornou-se conhecida e reconhecida, naturalmente seu espaço foi se</p><p>expandindo e tornando-se cada vez mais complexo. O sítio teria sido uma doação de um</p><p>de seus frequentadores. Mais adiante poderemos analisar melhor esse desenvolvimento</p><p>que está além do espaço, mas em todo o seu rito e em sua performance enquanto “agente</p><p>especial”, mediadora entre os homens e o sobrenatural. A trajetória em que Edelarzil</p><p>Munhoz atravessa o limen34 do profano para construir sua história sagrada e se tornar a</p><p>“Mulher do Algodão”.</p><p>3.1 Imaginário, imaginação</p><p>A primeira coisa que pensamos quando ouvimos a palavra imagem, é a imagem</p><p>concreta, aquilo que nossos olhos são capazes de perceber. Porém, o conceito de imagem</p><p>para a ciência não é exclusivamente concreto, porque o ser humano é capaz de produzir</p><p>imagens mentais. “O conjunto dessas imagens compõe aquilo que chamamos imaginário.</p><p>Não se trata de um universo reduzido à ficção, até porque as imagens produzidas pelo</p><p>homem acabam por refazer o próprio homem” (KLEIN, 2006, p. 39). Segundo Antônio</p><p>Damásio em O Mistério da Consciência, a “imagem designa um padrão mental em</p><p>qualquer modalidade sensorial, como por exemplo, uma imagem sonora, uma imagem</p><p>tátil, a imagem de um bem estar” (DAMASIO, 2000, p. 26). Podemos citar ainda a</p><p>capacidade do subconsciente humano enquanto dorme, que abre caminho para diversas</p><p>realidades oníricas, muitas delas contendo cenas absurdas, porém, até mesmo sob vigília</p><p>e conscientemente o ser humano possui essa capacidade. Criar imagens mentais é algo</p><p>34 Limen (Limear ou peitoril), trata-se de uma faixa que liga um espaço ao outro numa construção. É o que</p><p>está entre. No teatro, fora muito utilizado para delimitar a passagem entre o real e o lúdico. Nos estudos da</p><p>religião tornou-se um conceito, a liminaridade, utilizado por Arnold Van Gennep para designar um espaço</p><p>de tempo ou passagem, rito de passagem.</p><p>111</p><p>incessante para o ser humano. “É por isso que Edgar Morin coloca o imaginário como</p><p>uma “estrutura” antagonista e complementar daquilo que chamamos real, e sem a qual,</p><p>sem dúvida, não haveria real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana”</p><p>(KLEIN, 2016, p. 39). Para Durand (1968), há diferentes graus de imagens e houve muita</p><p>confusão no que diz respeito ao imaginário, que por muito tempo fora reduzido a mera</p><p>fantasia humana. O período do iconoclasmo ocidental considerava o imaginário como</p><p>uma “condutora de erros”, somente validando as experiências concretas. Desenvolveu-se</p><p>uma semiologia na qual se expressavam os pensamentos positivistas, onde não cabia a</p><p>subjetividade ontológica da imaginação simbólica. Este desprezo resultou numa</p><p>eliminação gradual da função essencial da imagem simbólica. Segundo ele, a consciência</p><p>dispõe de duas maneiras de representação da realidade: uma direta, pela percepção</p><p>simples e sensível e indireta, quando o objeto está ausente, uma recordação, uma</p><p>paisagem que criamos de outro planeta, por exemplo. Ou seja, a imagem num sentido</p><p>amplo.</p><p>Durante séculos, a imagem foi subentendida como apenas ornamentação, e a</p><p>imaginação simbólica somente foi redescoberta neste tempo pelas ciências da psicanálise</p><p>e a antropologia. Porém, segundo Durand (1968), esses, ainda reduzindo a experiência</p><p>simbólica aos esquemas conceituais e teóricos, a chamada hermenêutica reducionista.</p><p>Durand, por sua vez, apresenta hermenêuticas instauradoras, que são caracterizadas pela</p><p>afirmação de que a imaginação simbólica atuaria com a função de mediadora, unindo a</p><p>realidade em nosso ser. Ele destaca a fenomenologia de Ernst Cassirer, que abarca toda a</p><p>metade do século XX, e que indo além da investigação sociológica e psicológica, dedicou</p><p>parte de seu trabalho ao mito, à magia e à religião. Dialogando também com os estudos</p><p>de Jung e Bachelard, que comporem uma pluralidade de fenomenologias capazes de</p><p>captar as atividades subjetivas da imaginação simbólica. “En primer lugar, la función de</p><p>la imaginación aparece como equilibramiento biológico, psíquico y sociológico”</p><p>(DURAND, 1968, p. 132).</p><p>3.2 Análise do espaço profano</p><p>Como podemos observar no capítulo anterior, a Estância Casa Caminho e Luz</p><p>não se trata de um ambiente suntuoso, mas é notável que a médium se atentou a</p><p>disponibilizar ao seu público o mínimo de conforto, como: onde dormir, se alimentar,</p><p>descansar e obter água. A Estância localiza-se distante da cidade, não havendo provisões</p><p>112</p><p>por perto além daquela que é oferecida pelo restaurante (figura 9) que pertence à sua</p><p>família e está sob os cuidados de sua nora. O mesmo oferece café da manhã, almoço e</p><p>lanches para os peregrinos, por um preço razoável, atendendo também a viajantes que</p><p>passam pela região. Os Dormitórios Coletivos Gratuitos (figura 10) são construídos</p><p>rusticamente. Piso de cimento, Telhado sem forro, acabamentos simples, móveis velhos</p><p>e desiguais – tivemos a informação que muitas coisas do sítio seriam doações. Os quartos</p><p>possuem um ventilador de parede de cada lado, para amenizar o calor da região de</p><p>Votuporanga que chega a altas temperaturas no verão. Os banheiros são pequenos, um</p><p>por quarto. Os quartos foram construídos com certa distância uns dos outros a fim de</p><p>manter a privacidade de homens e mulheres. Todos possuem uma pequena área de</p><p>cobertura na frente de suas portas. Esses dois tipos de prédios, com caráter auxiliar no</p><p>espaço, não são exatamente espaços sagrados, funcionam como espaços intermediários</p><p>que atendem as necessidades humanas, ou seja, são ambientes “comuns”, “profanos”</p><p>apesar de estarem dentro da Estância. Porém, eles atendem de certa forma o propósito</p><p>religioso. Em cada quarto há uma imagem de Maria e no restaurante, é oferecida a venda</p><p>de temperos caseiros, sabonetes e géis feitos com ervas, cada um possuindo propriedades</p><p>terapêuticas e de limpeza espiritual acompanhados das instruções de uso para maior</p><p>eficácia.</p><p>3.3 Análise dos espaços sagrados</p><p>Há dois tipos de espaços sagrados dentro da Estância, que aqui vamos diferenciar</p><p>sob os nomes de Espaço Sagrado e Espaço do Santo dos Santos. Podemos destacar quatro</p><p>espaços sagrados que são destinados ao atendimento exclusivamente religioso: Casa de</p><p>Atendimento Cartomancia e Búzios (Figura 11), Ermida de Nossa Senhora do Rosário e</p><p>Fonte de Água Benta (Figura 12), Jardim com o Cristo Redentor (Figura 14) e Espaço de</p><p>Espera (Figura 15). O Santo dos santos é a Capela, o principal motivo de tudo o mais ser</p><p>construído. Identificamos que, quanto mais próximo do Local Central, mais</p><p>representações do sagrado foram encontradas.</p><p>3.3.1 Casa Cartomancia e Búzios</p><p>Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios. É um prédio com aparência mais</p><p>nova, de melhor aparência que as demais e com proporções avantajadas. Nele, a médium</p><p>recebe particularmente seus clientes para ler as cartas e jogar búzios. Essa informação</p><p>113</p><p>obtivemos no local, no dia da visita. Na internet o foco dos atendimentos da médium está</p><p>no ritual da materialização dos objetos. Somente depois da visita e de muita procura,</p><p>encontramos algumas poucas referências da médium enquanto cartomante. Em 2018,</p><p>pagava-se em torno de R$250,00 por esse atendimento, já incluindo três materializações.</p><p>Edelarzil recebe seus clientes particulares, das 09h00 ao 12h00, havendo a necessidade</p><p>de pré-agendamento, pois o número de clientes é limitado a fim de não interferir no ritual</p><p>de materialização de objetos no algodão que acontece após as 13h00.</p><p>3.3.2 Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta</p><p>Segundo Edelarzil, após uma das supostas aparições de Nossa Senhora do Rosário</p><p>a ela, teria brotado uma fonte de água no exato local. Então foi erguida uma ermida</p><p>(pequena capela), dedicada a Nossa Senhora do Rosário, onde foi entronizada sua imagem</p><p>e construídas pias com diversas torneiras para que as pessoas se servissem da água, que</p><p>foi considerada benta.</p><p>O local é constantemente visitado pelos turistas, que param diante da ermida</p><p>pedindo a intercessão da santa, colocam seus pedidos de oração e também suas doações</p><p>para compra de velas para o centro numa caixa em frente</p><p>à imagem de Nossa Senhora do</p><p>Rosário (figura 13). A frase na caixa destinada a esse fim indica que, provavelmente</p><p>durante a semana, Edelarzil se dispõe a acender essas velas pelos pedidos ali colocados.</p><p>Além de rezarem ante a Ermida, os clientes enchem suas garrafas com água. Eles creem</p><p>que ela seja milagrosa e dissipadora de males, bebem e levam para seus familiares doentes</p><p>ou para aspergirem suas casas. Fontes como essas são comuns em santuários católicos.</p><p>Podemos citar como exemplo, a fonte na casa em que cresceu Santo Antônio de Santana</p><p>Galvão (Santo Frei Galvão) em Guaratinguetá e a fonte na Basílica de Aparecida, ambos</p><p>no Estado de São Paulo ou a fonte próxima da Igreja dedicada a Nossa Senhora de</p><p>Lourdes em Nova Trento, Santa Catarina, cidade onde Santa Paulina viveu. O mesmo</p><p>acontecendo no famoso santuário de Lourdes, na França, onde a adolescente Santa</p><p>Bernardete Soubirous recebeu mensagens de Nossa Senhora em 25 de fevereiro de 1858.</p><p>Iconograficamente, porém, e apesar do discurso da própria criadora, domina esse espaço</p><p>a caixa para doções e não a figura da Santa que fica parcialmente escondida ou empurrado</p><p>ao fundo. Não se sabe se se tratar de falta de habilidade para ornamentação, composição</p><p>de espaço ou decoração ou simplesmente uma negação parcial do discurso oficial.</p><p>114</p><p>3.3.3 O jardim e a imagem do Cristo Redentor</p><p>Trata-se de um lugar disposto em frente ao espaço central da Estância Casa</p><p>Caminho e Luz, (Figura 14), com função semelhante ao da Ermida de Nossa Senhora do</p><p>Rosário, porém, o que é notável é que apesar de ser um local destinado à contemplação,</p><p>o mesmo possui pouco destaque, sendo muito discreto quase imperceptível em meio ao</p><p>jardim. Pouco a pouco vamos percebendo a figura de Maria e sua centralidade no</p><p>imaginário da “Mulher do Algodão”.</p><p>3.3.4 Espaço de Espera</p><p>Em dias que há um maior número de pessoas, não cabendo na capela, o Espaço</p><p>de Espera (figura 15), torna-se local para a realização das palestras e orações</p><p>costumeiramente administradas por Edelarzil ao iniciar seu ritual. Nele, ficam</p><p>posicionadas duas caixas acústicas pequenas na parede frontal, para esse fim. Somente</p><p>após esse momento é que os clientes entram na capela para o rito que costuma acontecer</p><p>por longas horas. Estávamos em um dia atípico, segundo a coordenadora de caravana,</p><p>com poucas pessoas para serem atendidas – cerca de cinquenta – mesmo assim, do início</p><p>do rito até finalmente sermos atendidos, levou cerca de duas horas, havendo mais da</p><p>metade de pessoas para serem atendidas ainda.</p><p>Esse local serve também para o descanso de seus clientes, considerando que as</p><p>pessoas permanecem praticamente o dia todo nas dependências do sítio. O ambiente</p><p>também propicia que os mesmos possam dialogar e partilhar experiências</p><p>“familiarmente”. Nas paredes estão distribuídos alguns cartazes com nomes e contatos</p><p>dos organizadores de caravana. Como mencionamos, um restrito número de pessoas</p><p>recebeu a autorização de Edelarzil para a promoção de caravanas ao seu centro. Uma</p><p>forma de controlar o fluxo de pessoas que, teria chegado a várias centenas por dia na</p><p>década de 1990. Mesmo assim, Edelarzil não nega atendimento àqueles que a procuram</p><p>por própria conta, além dos ônibus de caravanas, algumas pessoas frequentam em carros</p><p>pequenos.</p><p>Também encontramos colado na janela do escritório, um cartaz (figura 18) com a</p><p>indicação de um hotel na cidade. Será um possível patrocinador? Não obtivemos essa</p><p>resposta, no entanto, não seria estranho, considerando a necessidade de manutenção do</p><p>sítio. Sobre isso falaremos melhor no decorrer do texto.</p><p>Alguns quadros contendo mensagens e avisos estão espalhados pelo local como o</p><p>quadro (apresentado na figura 16) no qual está escrito “Para quem não crê, nenhuma</p><p>115</p><p>explicação é possível. Para quem crê, nenhuma explicação é necessária” de autoria</p><p>atribuída ao Padre Donizete Tavares de Lima, que foi um padre brasileiro, natural de</p><p>Cássia, MG (1882-1961). Em processo de beatificação desde 1992 no Vaticano, foi</p><p>declarado venerável em 2017. Assumido na religiosidade popular como grande santo,</p><p>Padre Donizete é considerado um dos maiores taumaturgos brasileiros e a cidade de</p><p>Tambaú, no interior do Estado de São Paulo abriga um santuário dedicado a Nossa</p><p>Senhora Aparecida, que é o maior centro de peregrinação em memória do venerável.</p><p>Outro quadro pequeno que nos chamou atenção, mas não fotografamos por estar</p><p>um pouco acima da parede, num local de baixa visualidade, o que não nos daria uma boa</p><p>qualidade de imagem, porém, registramos devido à sua importância. Nele havia a</p><p>inscrição: “Nenhuma contribuição com a casa é obrigatória. Mas precisa ser avisado com</p><p>antecedência. Obrigada pela compreensão. Edelarzil”, o que nos revela uma preocupação</p><p>particular da médium quanto ao exercício de sua função. Toda benzedeira, como</p><p>esclarecemos no primeiro capítulo dessa dissertação, tem como preceito dedicar sua vida</p><p>gratuitamente e sem negar, podendo, apenas, receber doações. Uma vez que se dedicam</p><p>integralmente, essas mulheres necessitam de uma renda. Algumas conseguem manter</p><p>empregos ao mesmo tempo em que dedicam algumas horas ou fins de semana para o</p><p>atendimento ao público. No entanto, Edelarzil é uma das que se dedicam integralmente.</p><p>Ou seja, Edelarzil tem um problema. Ela precisa manter o seu centro, mas não pode cobrar</p><p>pelo ritual. Claro que são perceptíveis outras fontes de renda, como a cartomancia e o</p><p>jogo de búzios, o restaurante, também as vendas de produtos artesanais (temperos,</p><p>sabonetes e géis com intenção ritual) e há criação de animais no sítio. Mesmo assim, ela</p><p>ainda teria problemas financeiros, segundo ela, chegando a ter dificuldades em pagar os</p><p>impostos à Prefeitura de Votuporanga.</p><p>Muitos falam “Bem de vida”, porque não está no lugar. Não sabe as</p><p>despesas que tem. Que agora... graças a Deus ainda a prefeitura parou</p><p>de me cobrar, neh! Porque é pra que mais pesava e mandava a</p><p>promissória e nota pra minha cidade [?]35 cobra 800 e agora aumentava</p><p>mais e enfim, fica no vermelho. Mas era até empréstimo pra pagar pra</p><p>ter... Agora quer dizer que vai fazer quatro meses que ele não vem, é</p><p>onde tô conseguindo pagar eles mesmo. Porque depois que fiz a dívida,</p><p>vai ter que pagar, não é? Só que agora eu não pago mais. Só que agora</p><p>tenho que recuperar aquilo que eu fiquei no prejuízo. É dinheiro pra [?],</p><p>é dinheiro pra banco. A dívida está lá no banco. Tem gente que diz:</p><p>“Nossa! Ela cobra! Não, eu não como eu não bebo... quer dizer... “eu</p><p>35 [?] O áudio não estava claro.</p><p>116</p><p>vivo de ar”. Porque todos nós pagamos pra nascer, pra viver e pra</p><p>morrer (YOUTUBE,08m20s36).</p><p>Cobrar pelo algodão talvez tenha sido uma saída encontrada para sua absolvição.</p><p>Seria como se dissesse “Cobro pelo algodão, não pela “benzeção”, mesmo assim não é</p><p>obrigatório caso a pessoa peça”. Então “paz de consciência”, é a nossa hipótese. Apesar</p><p>de não ser o foco entrar nesse mérito, a venda do algodão nos pareceu ser mais uma taxa</p><p>para a manutenção do que uma cobrança por um lucro abusivo. Podemos estar enganados,</p><p>porém, necessitaria de um aprofundamento que não vem ao caso.</p><p>A presença de um quadro contendo a lei 208 (figura 17) para se proteger de</p><p>possíveis ataques ao seu recinto, por suas práticas religiosas, foi algo que notamos. Aqui</p><p>vale a lembrança de que Edelarzil não aceitou mais ser entrevistada por quaisquer meios</p><p>televisivos, após uma tensa visita do parapsicólogo Padre Quevedo num episódio do</p><p>programa Fantástico da Rede Globo de televisão, onde o padre alegou que se tratava de</p><p>uma farsa. Como se trata de um diálogo importante para a compreensão da rejeição de</p><p>Edelarzil em relação a pesquisadores, colocamos abaixo uma parte da reportagem onde</p><p>há um conflito entre a médium e o padre especialista em parapsicologia:</p><p>PE. QUEVEDO: Eu repito, que o que ela afirma, que</p><p>com regularidade,</p><p>vários aportes continuamente...certamente truque.</p><p>Dona Edelarzil, realiza o trabalho sob os olhos atentos do padre, mas</p><p>não consegue nenhuma materialização. Ela interrompe a sessão para</p><p>rezar novamente por quase duas horas invocando a presença dos</p><p>espíritos. Ao não conseguir realizar a materialização, entra em</p><p>desespero, recorrendo a Deus e em seguida pede para que o padre reze</p><p>de mãos dadas com ela.</p><p>REPÓRTER: Agora dona Edelarzil, vai tentar o trabalho de</p><p>materialização, pela segunda vez. Ela disse que não conseguiu da</p><p>primeira vez, porque estava muito nervosa, magoada e até mesmo</p><p>ressentida com algumas críticas que o padre Quevedo tinha feito em</p><p>relação ao trabalho dela no programa anterior. Ela explicou que aqui na</p><p>sala haviam muitas influências negativas, que cortavam a corrente e</p><p>impediam a concentração dela.</p><p>Retorna a sessão sob o olhar do padre, e acontecem a primeira</p><p>materialização, uma rosa de plástico vermelha que surge cheia de barro,</p><p>no meio do algodão e uma vela. Padre Quevedo observa ser um objeto</p><p>muito pequeno. Ela explica que não pode determinar o tamanho dos</p><p>objetos, não depende dela. Logo em seguida, materializa um pedaço de</p><p>osso, maior que a rosa e mais um pedaço de vela. Ele fica convencido</p><p>de que se trata de um truque.</p><p>REPÓRTER: Em que momento o senhor acha que ocorreu esse truque,</p><p>se o tempo todo a equipe ficou dentro da sala, junto com o senhor?</p><p>36 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MbqIs70DB3k&t=1002s> acesso em: 12</p><p>dez.2018</p><p>117</p><p>PE: O truque aconteceu no momento em que (não dá para entender) e</p><p>ela ficou aqui de joelhos (atrás do tanque) tampada pelo algodão.</p><p>Primeiro levantou as duas mãos, o que se chama mágica de mis direcion</p><p>depois só a mão direita e a esquerda estava oculta, poderia tirar qualquer</p><p>coisa dentre as pernas, do ânus e de qualquer lugar e um movimento</p><p>mínimo, é só colocar, depois fingiu “Senhor Jesus, tem que tirar alguma</p><p>coisa e bateu nos algodões e daí poderia ter colocado e revirou para lá.</p><p>Eu disse, vulgarmente, um truque pequeníssimo.</p><p>EDELARZIL (para o repórter): Eu costumo usar, saia e blusa. Hoje eu</p><p>pus calça comprida, para a pessoa ver que estava de calça comprida,</p><p>que se pões saia diz que esconde por debaixo da saia. Então eu fiz</p><p>tudo...aquele diz que você veio eu estava de saia calça. Hoje pus calça</p><p>apertada, porque se tiver alguma coisa...</p><p>REPORTER: Você está satisfeita com o resultado das sessões de hoje?</p><p>E: Eu não fiquei satisfeita, porque não realizou o que está acostumado.</p><p>PE: A ciência não é a favor e nem contra. Neste caso, o que vi, foi um</p><p>truque vulgaríssimo (TRV 4).</p><p>No livro escrito por Adriano B. Santos (1997), ele acentua o seguinte:</p><p>Com relação ao Padre Quevedo, o famoso “pega-falsários”, já causou</p><p>várias polêmicas com Dona Edelarzil, sem conseguir chegar a uma</p><p>explicação lógica.</p><p>Numa de suas visitas ao Centro Nossa Senhora do Rosário, tentou de</p><p>todas as formas tirar a concentração de Dona Edelarzil, mas não</p><p>conseguiu provar que suas materializações são falsas ou preparadas (p.</p><p>12).</p><p>Outro padre especialista em fenômenos paranormais, Juarez Farias visitou</p><p>Edelarzil em 31 de abril de 2002 e segundo ele “Pode ser que no passado tenha</p><p>manifestado alguns fenômenos. Atualmente, essa hipótese é descartada” (SILVA,</p><p>2002)37. Segundo o mesmo, os fenômenos paranormais não podem ser controlados desta</p><p>forma.</p><p>Sobre o pequeno acervo de livros disposto na estante do Espaço de Espera (figura</p><p>19), queremos fazer dois apontamentos, a predominância de livros com conteúdo espírita</p><p>e a ausência de livros com conteúdo católico. Ao todo são 13 livros, dos quais 8 são de</p><p>origens espíritas contando com o Romance de Zíbia Gasparetto, e 3 de procedência</p><p>esotérica. Havia algumas revistas populares na prateleira de baixo, mas de fato, os livros</p><p>podem ter algo mais a revelar sobre a formação de Edelarzil enquanto “agente religiosa”.</p><p>Próximo da porta da Capela ritual, destacamos um relógio (figura 20), decorado</p><p>manualmente com uma foto de Edelarzil e uma frase de “Boas Vindas”, foi o primeiro</p><p>indício que encontramos de uma representação da imagem de Edelarzil, dentro outras</p><p>representações mais importantes.</p><p>37 Jornal da Região. Disponível em: < https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/cidades/padre-diz-</p><p>que-m%C3%A9dium-faz-truque-com-algod%C3%A3o-1.614380.html>.</p><p>118</p><p>3.4 Análise do Santo dos Santos: A Capela Ritual</p><p>No segundo capítulo, cuidamos para descrever com o máximo de detalhes</p><p>possível, toda a cultura visual e material contida na capela ritual de Edelarzil, a mapeamos</p><p>e dispomos de uma foto geral (figuras 22 e 23), a fim de o leitor pudesse “caminhar” pela</p><p>mesma.</p><p>Acima da porta da capela, um crucifixo (figura 21) indica que daquela porta para</p><p>dentro não se trata de um lugar comum, mas um espaço sagrado. Pois a porta representa</p><p>o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam, onde se pode</p><p>efetuar a passagem do mundo profano para o mundo sagrado. [...] O</p><p>limiar, a porta, mostra de uma maneira imediata e concreta a solução de</p><p>continuidade do espaço; daí a sua grande importância religiosa, porque</p><p>se trata de um símbolo e, ao mesmo tempo, de um veículo de passagem.</p><p>(ELIADE 1992, P.19)</p><p>Nota-se uma variada representação imagética de santos católicos, desde a entrada,</p><p>onde logo se nota uma pintura de Jesus Cristo, maior que a estatura de uma pessoa média</p><p>(figura 24). Encontram-se diversas pinturas em paredes ou quadros e estátuas, em um</p><p>número considerável, comuns a um local de oração de uma benzedeira e a centros</p><p>espíritas umbandistas e kardecistas. Normalmente os altares de benzedeiras costumam ser</p><p>representadas desta forma, até porque, há o costume dos “pacientes” agradecidos,</p><p>presentearem a benzedeira com alguma imagem, adereço ou foto. Vale mencionar que é</p><p>comum a profusão de imagens em casas de famílias católicas do interior. Ainda mantém-</p><p>se no meio popular uma alta afeição pelos santos, diversidade de quadros, oratórios com</p><p>vários santos e bíblia, calendários contendo essas imagens, terços e as famosas fitas</p><p>coloridas da festa do padroeiro. Essa característica, aliás, é compartilhada com os terreiros</p><p>de candomblé: profusão de estátuas de santos e santas. Agora faremos uma análise sobre</p><p>as principais pinturas, quadros ou estátuas que fazem parte do seu universo simbólico e</p><p>mais nos comunicam a respeito do imaginário de Edelarzil Munhoz Cardoso. Serão</p><p>fundamentais para situá-la dentro da religiosidade popular brasileira. Começando pela</p><p>Imagem de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Antônio, considerados por ela, seus</p><p>“espíritos guias”.</p><p>Nossa Senhora do Rosário</p><p>119</p><p>No Brasil essa devoção foi propagada por meio das ordens religiosas, sobretudo</p><p>as ordens dominicanas e assumida principalmente pela comunidade negra, pois muitos</p><p>dos africanos que vieram para o Brasil já estavam familiarizados com ela. Surgiram</p><p>muitas Irmandades dedicadas a Nossa Senhora do Rosário de brancos e de pretos, já que</p><p>os pretos não podiam frequentar a igreja dos brancos. Essas irmandades ao mesmo tempo</p><p>em que para a Igreja funcionavam como uma forma efetiva de cristianização do povo</p><p>negro era também uma forma dos mesmos expressarem de forma privilegiada sua</p><p>identidade de maneira que não podiam expressar publicamente (PACHECO, 2008;</p><p>SIMÃO, 2010).</p><p>A devoção a Nossa Senhora do Rosário (Figura 44), remonta dos primórdios do</p><p>catolicismo colonial. Com a proximidade do povo português do povo africano –</p><p>primeiramente por motivos comerciais e depois, mais tarde, por interesses de tráfico</p><p>humano para a escravidão – houve também o interesse de cristianização, o que ocorreu</p><p>através das devoções, principalmente a Nossa Senhora do Rosário. Essa devoção teria</p><p>originado, segundo a tradição católica, no Sul da França por volta do século XII.</p><p>Em seu artigo</p><p>67</p><p>Introdução ................................................................................................................. 67</p><p>2.1 A importância da cultura visual e material para os estudos da religião ............ 68</p><p>2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como conjunto: o terreno e a distribuição de</p><p>prédios com distinção das suas funções ................................................................... 72</p><p>2.2.1 A Estância Casa Caminho e Luz como terreno acolhedor: descrição</p><p>detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico</p><p>dos/as visitantes ...................................................................................................... 74</p><p>13</p><p>2.2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como espaço sagrado: descrição detalhada</p><p>dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao ritual</p><p>da materialização .................................................................................................... 75</p><p>2.2.3 A Estância Casa Caminho e Luz e seu espaço mais sagrado: descrição</p><p>detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da materialização .. 78</p><p>2.3 O rito celebrado na “Estância, casa caminho da luz”: os passos da preparação,</p><p>da recepção e da materialização ............................................................................... 91</p><p>2.3.1 As caravanas como parte do preparo para o ritual .......................................... 92</p><p>2.3.2 A recepção e o preparo final no terreno .................................................... 93</p><p>2.3.3 O ritual de materialização .......................................................................... 94</p><p>2.3.4 As materializações ..................................................................................... 98</p><p>Considerações intermediárias ................................................................................... 99</p><p>GALERIA .......................................................................................................... 100</p><p>Foto 1: Mapa para o centro “Nossa Senhora do Rosário” 1997 ............................. 100</p><p>Foto 2: Mapa Estância Casa Caminho e Luz ......................................................... 101</p><p>Foto3: Livro 1997- A vida para mim ..................................................................... 103</p><p>Foto 4: Livro 1997- tragédias na vida .................................................................... 102</p><p>Foto 5: Livro 1997- Amor e pureza ........................................................................ 104</p><p>Foto-6 : Edelarzil 1997 ........................................................................................... 105</p><p>Foto: 7 Edelaril 1997 .............................................................................................. 106</p><p>Foto: Edelarzil 2018 ............................................................................................... 107</p><p>Print: Veronica Parallax - het onderzoek 1990 ....................................................... 108</p><p>Print: Globo Repórter 1994 .................................................................................... 108</p><p>CAPÍTULO 3 ..................................................................................................... 109</p><p>ANÁLISE DO IMAGINÁRIO DE EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO ...... 109</p><p>“A MULHER DO ALGODÃO” ....................................................................... 109</p><p>Introdução ............................................................................................................... 109</p><p>3.1 Imaginário, imaginação ................................................................................... 110</p><p>3.2 Análise do espaço profano .............................................................................. 111</p><p>3.3 Análise dos espaços sagrados .......................................................................... 112</p><p>3.3.1 Casa Cartomancia e Búzios ..................................................................... 112</p><p>3.3.2 Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta ................ 113</p><p>3.3.3 O jardim e a imagem do Cristo Redentor ................................................ 114</p><p>3.3.4 Espaço de Espera ..................................................................................... 114</p><p>14</p><p>3.4 Análise do Santo dos Santos: A Capela Ritual ................................................ 118</p><p>3.5 O Altar da Benzedeira ..................................................................................... 125</p><p>3.6 Análise do imaginário simbólico de Edelarzil Munhoz Cardoso: aspectos</p><p>centrais .................................................................................................................... 126</p><p>3.6.1. O rito ........................................................................................................ 126</p><p>3.6.2. O rito transformação e espaço religioso como hierofania ....................... 129</p><p>3.6.3 o arquétipo da mulher sagrada ...................................................................... 133</p><p>3.6.4 Alguns símbolos utilizados por Edelarzil Munhoz Cardoso ................... 150</p><p>3.7 As materializações de Edelarzil Munhoz Cardoso .......................................... 153</p><p>3.7.1 A experiência estética mediante o abjeto no ritual de Edelarzil Munhoz153</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 159</p><p>REFERÊNCIAS ................................................................................................ 164</p><p>Referências bibliográficas ...................................................................................... 164</p><p>Sítios e vídeos consultados ..................................................................................... 171</p><p>Figuras .................................................................................................................... 173</p><p>ANEXOS ........................................................................................................... 175</p><p>TRANSCRIÇÃO DE VÍDEOS .............................................................................. 175</p><p>Ipsis Litteris ............................................................................................................ 175</p><p>Transcrição 1 .......................................................................................................... 175</p><p>Transcrição 2 .......................................................................................................... 183</p><p>Transcrição 3 .......................................................................................................... 186</p><p>Transcrição 4 .......................................................................................................... 189</p><p>CATÁLOGO DE SUGESTÕES DE SIGNIFICADO DE ALGUNS OBJETOS: 191</p><p>RECORTES DE JORNAL ..................................................................................... 194</p><p>Jornal Regional 1994 - Parte 1 ............................................................................... 194</p><p>Jornal Regional 1994 - Parte 2 ............................................................................... 195</p><p>Krantenbank Zeeland - 4 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa .. 196</p><p>Krantenbank Zeeland - 11 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa 197</p><p>15</p><p>ABREVIATURAS E SIGLAS</p><p>CIC Catecismo da Igreja Católica</p><p>FEB Federação Espírita Brasileira</p><p>TRV Transcrição de vídeo</p><p>PE Padre</p><p>16</p><p>FIGURAS</p><p>Figura 1: Edelarzil, a “Benzedeira do Algodão” ................................................ 54</p><p>Figura 2: Natalino Cardoso: Marido de Edelarzil ............................................... 58</p><p>Figura 3: Casa de Edelarzil no sítio em Parisi após seu casamento ................... 59</p><p>Figura 4: Candidatura de Natalino em 2004 ....................................................... 63</p><p>Figura 5: Homenagem à Natalino e Edelarzil</p><p>Tommasi, através de uma tradição católica, escreve que</p><p>nos antigos mosteiros católicos havia o costume de rezar os 150 salmos</p><p>bíblicos em diferentes horas do dia, porém alguns monges, por serem</p><p>Figura 44: Nossa Senhora do Rosário Pintura e estátua – PF</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>120</p><p>analfabetos, substituíram tais salmos por 150 ave-marias, dividindo-as</p><p>em três grupos de cinqüenta. Contavam as ave-marias por meio de nós</p><p>feitos em cordões como uma “coroa de rosas” oferecidas a Nossa</p><p>Senhora. No século XIII, a Igreja passou por momentos difíceis,</p><p>especialmente na luta contra as heresias. São Domingos, da ordem dos</p><p>pregadores, sofreu muito para conciliar o ataque aos heréticos com o</p><p>cristianismo. Nessa ocasião, Nossa Senhora lhe apareceu na Igreja de</p><p>Notre Dame de la Dreche, para consolá-lo dessa tristeza, dando-lhe a</p><p>oração do rosário como antídoto que o povo deveria usar contra a</p><p>heresia (PACHECO, 2008, p. 3)</p><p>A antiga devoção a Nossa Senhora do Rosário ainda permanece viva através de</p><p>muitas igrejas que levam o seu nome, como a tradicional Igreja de Nossa Senhora do</p><p>Rosário dos Homens Pretos no Largo do Paissandu, antigo Largo do Rosário, na cidade</p><p>de São Paulo, reformada em 1909.</p><p>Encontramos comemorações de sua festa, no dia 7 de setembro, em sites de</p><p>umbanda como o Oração Umbandista38, onde se fazia memória da história do rosário e</p><p>ensinava como rezar o rosário e a oração a Nossa Senhora do Rosário e o Genuína</p><p>Umbanda39, onde encontramos a Oração a Nossa Senhora do Rosário, a mesma utilizada</p><p>por Edelarzil em seu ritual.</p><p>A vós sois reverenciada por toda a Terra, recebei as minhas humildes</p><p>homenagens e vinde em nosso auxílio, no meio de vossos dias tão</p><p>gloriosos no céu.</p><p>Não esquecei, ó Virgem Mãe, as tristezas da Terra.</p><p>Lançai um olhar de bondade para os que estão no sofrimento e que</p><p>lutam contra as dificuldades e que não cessam de umedecer os lábios</p><p>nas amarguras desta vida.</p><p>Tenha piedade dos que choram, dos que oram e dos que temem. Dai a</p><p>todos a esperança e paz.</p><p>Assim seja (SANTOS, 1997, p. 37).</p><p>Teria sido através da Virgem do Rosário que Edelarzil recebeu o “mandato” do</p><p>serviço ao próximo, enquanto que de Santo Antônio de Pádua, ela teria recebido o dom</p><p>de materializar objetos.</p><p>38 Disponível em: <http://oracaoumbandista.blogspot.com/2013/10/hoje-e-dia-de-nossa-senhora-do-</p><p>rosario.html> Acesso em: 22 dez. 2018.</p><p>39 Disponível em:</p><p><http://www.genuinaumbanda.com.br/oracoes/oracao_a_nossa_senhora_do_rosario.htm> Acesso em: 22</p><p>dez. 2018.</p><p>121</p><p>Santo Antônio de Pádua</p><p>Santo Antônio é um dos santos católicos mais populares no mundo, tendo</p><p>predileção também no Brasil. Apesar de ser padroeiro dos pregadores, ele ficou</p><p>popularmente conhecido como santo casamenteiro, embora este papel seja</p><p>originalmente “de iuris” destinado a São José. Esse, acabava sendo castigado de várias</p><p>maneiras a fim de ser obrigado a atender a graça, por vezes lhe tiravam o menino Jesus</p><p>do colo, que só seria devolvido após a graça ser recebida. Outras vezes era colocado de</p><p>cabeça para baixo para encontrar objetos perdidos ou escravos fugitivos, no período da</p><p>escravidão (JURKEVICS, 2004). Aliás, Santo Antônio é famoso na Igreja Católica por</p><p>manifestações místicas, como dons espirituais: profecia, ciência, cura e milagres, há uma</p><p>série de relatos de bilocações (transporte e materialização), conta-se que em um de seus</p><p>momentos de êxtase espiritual, materializou-se em seus braços o menino Jesus, por isso</p><p>um de seus atributos é ter o menino Jesus no colo. O dom de transporte de materialização</p><p>de Santo Antônio é apreciado pelos espíritas no Brasil, tendo merecido um estudo de sua</p><p>vida por parte de Castro (1983) sob o título Antônio de Pádua, sendo a materialização um</p><p>dos focos principais. Também é venerado no sincretismo religioso, Santo Antônio</p><p>corresponde ao orixá Ogum na Umbanda da Bahia, que também tem como correspondente</p><p>São Jorge em outros locais do Brasil.</p><p>Figura 45: Santo Antônio de Pádua – Estátua e Pintura (PF)</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>122</p><p>Santa Joana D’Arc e São Jorge</p><p>Sobre Santa Joana D’Arc (representada na Figura 26), ela nasceu em fins do</p><p>Período Medieval, no ano 1412 em Domremy, França. Camponesa cristã, mística,</p><p>imbuída de uma fé cristocêntrica e mariana. Nesse período havia um papa e dois</p><p>antipapas, em meio a essa divisão, os cristãos da Europa guerreavam uns contra os outros</p><p>“entre as quais a mais dramática foi a interminável “Guerra dos cem anos”, entre França</p><p>e Inglaterra” (BENTO XVI, 2011). Após uma experiência mística com o Arcanjo Miguel,</p><p>ela sente o desejo de ser mais cristã e de fazer algo pelo seu povo. Mesmo sem saber ler</p><p>e nem escrever, Joana liderou as tropas francesas pela libertação de Orléans, vencendo os</p><p>ingleses. Também conquistou a coroação do Rei Carlos VII em Reims e continuou em</p><p>meio aos soldados, que a respeitavam e admiravam por sua coragem e destemor. Porém</p><p>ela acabou sendo presa por inimigos franceses, julgada e condenada aos 19 anos como</p><p>herege, foi queimada na fogueira em 30 de maio de 1430. Tendo sua sentença por heresia</p><p>anulada 25 anos mais tarde pelo papa Calisto III, foi declarada santa por Bento XV em</p><p>1920 (BENTO XVI, 2011).</p><p>São Jorge (Figura 26), conhecido como “grande mártir”, pouco se sabe sobre ele</p><p>além desse nascido na Capadócia e ter sido oficial do exército de Diocleciano. Por se</p><p>negar a combater os cristãos junto às tropas do imperador romano e negar a sua fé, foi</p><p>torturado e morto no ano de 303. Sua história consta na tradição e foi considerada apócrifa</p><p>por conter conteúdo mítico e a Igreja quase “cassou” o santo do martirológio40. Há muitos</p><p>teólogos que defendem a extinção deste santo por não existirem provas históricas de sua</p><p>vida. Sua festa é comemorada no dia 23 de abril. Quanto a sua iconografia ser</p><p>representada por um soldado matando um dragão, eis a lenda:</p><p>Num lugar existia um dragão que oprimia um povo. Ora eram dados</p><p>animais a esse dragão, e ora jovens. E a filha do rei foi sorteada. Nessa</p><p>hora apareceu Jorge, cristão, que se compadeceu e foi enfrentar aquele</p><p>dragão. Fez o sinal da cruz e ao combater o dragão, venceu-o com uma</p><p>lança. Recebeu muitos bens como recompensa, o qual distribuiu aos</p><p>pobres (CANÇÃO NOVA, 2019, online)41.</p><p>Entre os dois santos, São Jorge e Santa Joana D’Arc, São Jorge é o que possui</p><p>maior popularidade. No Brasil ele é um dos mais conhecidos santos católicos e é muito</p><p>venerado na Umbanda como orixá.</p><p>40 Lista dos mártires.</p><p>41 Disponível em: <https://santo.cancaonova.com/santo/sao-jorge-viveu-o-bom-combate-da-fe> Acesso</p><p>em 12 jan. 2019</p><p>123</p><p>O que chamou a atenção na capela de Edelarzil é o fato dessas duas imagens, Santa</p><p>Joana D’Arc e São Jorge estarem lado a lado na mesma parede, ambos santos guerreiros.</p><p>Ele mais popular no imaginário brasileiro, no entanto, fez-se questão de estarem ali, numa</p><p>parede de destaque. Ele como representação masculina e ela como representação</p><p>feminina, ambos imponentes, armados de lança e espada. A presença de Santa Joana</p><p>D’Arc poderia ser por uma questão de identificação feminina de força, proteção e também</p><p>por essa ser uma santa mística que foi perseguida devido às suas visões.</p><p>Sara Kali e Ogolé</p><p>Dentre os quadros que estavam na parede esquerda do corredor (figura 28),</p><p>destacamos essas duas imagens (figuras 46 e 47). A maioria das imagens que ornamentam</p><p>a capela trata-se de imagens de santos católicos romanos. O que nos chamou a atenção</p><p>nessas imagens, é que se trata de ícones ciganos.</p><p>Figura 46: Cigana Sara</p><p>Figura 47: Cigano Ogolé</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>A jovem identificada como “Sara”, nos faz pensar se tratar de uma representação</p><p>de Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos, ou ainda,</p><p>a “Rainha dos Ciganos”. Porém, uma</p><p>representação branca de Sara, já que Kali em romeno significa preto, ou seja, trata-se de</p><p>uma santa negra. Pode ser que se tenha confundido com a figura de alguma outra cigana,</p><p>apesar de que durante as pesquisas não encontramos nenhuma imagem semelhante. Trata-</p><p>se de uma pintura. O mais provável é que realmente seja uma representação branca de</p><p>124</p><p>Santa Sara Kali, devido à disposição da mesma num local sagrado. O que não seria</p><p>estranho, devido uma tendência brasileira ao embranquecimento das imagens, sendo</p><p>possível encontrar até mesmo imagens de Nossa Senhora da Conceição Aparecida branca,</p><p>também não seria inédito uma imagem branca de Santa Sara Kali.</p><p>A devoção a Santa Sara Kali é deveras controversa. Seu culto não é proibido,</p><p>apesar dela não ser canonizada oficialmente pela Igreja, está entre os santos que “caíram”</p><p>no gosto popular, principalmente em meio ao povo cigano que a assumiu como padroeira.</p><p>Porém, trata-se de um culto local da cidade francesa Saintes-Maries-de la Mer, cujo nome</p><p>remete à lenda das três Marias: Maria Jacobina (irmã de Maria de Nazaré), Maria Salomé</p><p>(mãe dos apóstolos Tiago e João) e Maria Madalena. A história de Sara Kali é incerta,</p><p>misturada a muitas lendas, como aconteceu com muitos santos antigos no decorrer do</p><p>tempo. No entanto, há até a possibilidade da santa ser, na verdade, uma ressignificação</p><p>cristã para a deusa hindu Kali.</p><p>O jovem cigano identificado como “Ogoló” ou “Igolé”, não encontramos fontes.</p><p>O mais próximo que encontramos dessa representação é a figura do Cigano Igor, que</p><p>possui várias lendas no meio popular cigano e na Umbanda, assim como Sara Kali.</p><p>Já mencionamos a ligação de Edelarzil Munhoz Cardoso a cartomancia, tendo</p><p>uma casa especialmente construída para os atendimentos (Figura 11). Em seu pequeno</p><p>acervo de livros expostos (Figura 19), alguns livros de origem espírita outros contendo</p><p>conhecimentos esotéricos. Destacamos também, uma espécie de tabuleiro (Figura 31),</p><p>contendo palavras alinhadas e disposta em paralelo como, Presente Atual/Futuro</p><p>Presente, Inconsciente/Consciente, Espiritual/Material. A informação que obtivemos é</p><p>que se trata de um presente dado pela mãe da nossa guia turística, Márcia, não se trata de</p><p>um jogo, apenas um carinho para “ordenar energias”. Não sabemos em qual momento a</p><p>médium interessou-se pelas práticas do esoterismo, mas de fato, hoje é algo que faz parte</p><p>de suas práticas espirituais e de atendimento ao público.</p><p>Também identificamos muitas imagens em pequenos oratórios em dois pontos da</p><p>capela (Figuras 32 e 3342), muitas dessas imagens são presentes, assim como os terços.</p><p>Porém, destacamos o oratório de madeira (figura 33), onde estão depositadas muitas fotos</p><p>e cartas de agradecimento, os chamados ex-votos, forma popular de testemunho e</p><p>agradecimento pelas graças recebidas em um santuário. Em ambos os oratórios, assim</p><p>como na Ermida, encontram-se caixas específicas para os visitantes colocarem seus</p><p>pedidos de orações e doações.</p><p>42 Ver também a figura 23, Visão espacial da capelal, [números 11 (PLD) e 13 (PEC) na ilustração].</p><p>125</p><p>3.5 O Altar da Benzedeira</p><p>O espaço cúltico principal da capela, toda a área que fica próxima da parede</p><p>frontal, é dedicada aos seus santos “guias”. A capela como um todo. Edelarzil foi criada</p><p>numa família católica e imprimiu em seu espaço cúltico as características similares e</p><p>outras que distanciam das que haveriam numa capela católica. Podemos observar nas</p><p>figuras 23 e 34 (ver no capítulo 2), que as paredes são cobertas por imagens em pinturas</p><p>ou estátuas, ela possui imagens por toda a capela, mas no altar, estão dispostos os santos</p><p>protetores de Edelarzil, cujas referências nacionais, foram por nós apresentadas neste</p><p>capítulo. Seu altar é elevado por um degrau. Nele estão dispostos o tanque onde Edelarzil</p><p>realiza as materializações e a mesa onde os objetos são devidamente colocados e</p><p>embrulhados para serem entregues aos fregueses.</p><p>Nota-se que ao centro da parede frontal onde, geralmente, nas Igrejas Católicas, é</p><p>centralizada uma cruz, há um quadro com uma representação em pintura de Maria sob a</p><p>intitulação Mãe de Deus. Aqui merece uma reflexão. Na capela de Edelarzil, a imagem</p><p>central é Maria. Claro que vemos algumas representações de Jesus, inclusive, uma</p><p>representando seu Sagrado Coração ao lado esquerdo dessa imagem central e do outro</p><p>lado uma representação do Imaculado Coração de Maria – normalmente essas duas</p><p>devoções caminham juntas. O fato é que temos uma cruz acima da porta, a porta ainda</p><p>não é o sagrado, ela está ali como indicadora do sagrado, mas quando chegamos ao altar,</p><p>a figura central é a mãe de Jesus. Segundo Renders e Albuquerque (2018), uma figura</p><p>pode desenvolver diversos sentidos, dependendo de sua localização numa Igreja. De um</p><p>simples logotipo na parte externa, a ornamento em um átrio, pode evoluir para as paredes</p><p>da nave como condutora para o mistério, porém, quanto mais próxima ao altar, mais</p><p>significativa se torna e quando se chega finalmente ao altar central, então já tornou-se um</p><p>símbolo central. No caso, em uma igreja cristã que tem como um dos principais símbolos,</p><p>a Cruz, na capela da médium, este perdera sua centralidade para a figura materna de</p><p>Maria.</p><p>126</p><p>3.6 Análise do imaginário simbólico de Edelarzil Munhoz Cardoso: aspectos</p><p>centrais</p><p>3.6.1. O rito</p><p>Os ritos precisam ser observados por diversos ângulos, segundo o estudioso da</p><p>performance Richard Schechner (2012): o espaço escolhido para o rito, quais as funções</p><p>dos participantes e em que cultura, o dinamismo e as mudanças ocorridas pelo mesmo, a</p><p>experiência do indivíduo dentro do rito. No Brasil, segundo Maria Agela Vilhena (2005),</p><p>para estudar e buscar compreender as diversidades rituais existentes, primeiramente deve-</p><p>se estar consciente dos fatores geográficos e históricos, pois, trata-se de uma nação</p><p>proveniente de muitas nações, com um legado cultural importante, tendo como base as</p><p>culturas indígenas, africanas e ibéricas, que geram uma diversidade de compreensões</p><p>acerca do sagrado e econômica, uma sociedade marcada pela desigualdade social. Mas é</p><p>oportuno ainda ressaltar que, fora essas matrizes que foram bases para nossa formação, o</p><p>Brasil é um país que agregou muitas outras culturas, principalmente a partir do século</p><p>XIX.</p><p>Os rituais são eficazes na medida em que trazem um sentimento de estabilidade,</p><p>mesmo que sejam novos, eles ordenam e trazem essa sensação e é uma via de acesso às</p><p>realidades invisíveis, na qual se expressa e visibiliza o imaginário religioso, sendo</p><p>impossível separar imaginário e ritual, visto que um depende do outro.</p><p>A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em</p><p>passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra.</p><p>Nos lugares em que as idades são separadas, e também as ocupações,</p><p>esta passagem é acompanhada por atos especiais, […]. Toda alteração</p><p>na situação de um indivíduo implica aí ações e reações entre o profano</p><p>e o sagrado [...], de tal modo que a vida individual consiste em uma</p><p>sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos da mesma</p><p>natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento,</p><p>paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte</p><p>(GENNEP, 1977, p. 26-27).</p><p>Arnold Van Gennep não resumiu todos os ritos em Ritos de Passagem, porém,</p><p>identificou que todos os ritos possuem “uma finalidade especial e atual, justapõe-se aos</p><p>ritos de passagem ou se combinam com estes” (GENNEP, 1978. p.32). Seguindo por essa</p><p>linha de pensamento, ele propôs a classificação dos ritos de passagem em: separação,</p><p>margem e agregação. Conceitos que serviram de base para muitos estudiosos acerca dos</p><p>ritos, como Victor Turner (2013) que os aprofundou classificando-os como ritos</p><p>preliminares, liminares e pós liminares. Os ritos</p><p>de separação são característicos dos ritos</p><p>127</p><p>funerários, os ritos de margem (limen ou liminar) são ritos intermediários que demarcam</p><p>mudanças na vida do indivíduo, que pode ser uma transformação de seu estado ou</p><p>agregando-o a uma nova realidade como por exemplo o casamento, onde duas pessoas</p><p>passam a pertencer à família um do outro ao mesmo tempo em que abandona o estado de</p><p>solteiro para ser casado ou o batismo cristão, onde a pessoa passa a fazer parte da</p><p>comunidade cristã e também torna-se um cristão.</p><p>Para Gennep (1978), o valor do sagrado não é algo fixo, mudando conforme a</p><p>posição ocupada pelas pessoas dentro das “sociedades especiais”, podendo uma situação</p><p>do profano passar ao sagrado, do sagrado ao profano, direcionando alguns ritos à</p><p>amenização dos efeitos nocivos dessas mudanças, o que ele denomina de rotação da</p><p>noção do sagrado da sociedade mágico-religiosa. Sendo assim, o rito é uma ação</p><p>simbólica, linguagem simbólica, podendo todo e qualquer rito ser vivido como mágico,</p><p>porque mesmo sem reconhecer, toda religião possui componentes mágicos. Mesmo que</p><p>o termo “mágico” não seja muito bem aceito, sendo frequentemente associado a práticas</p><p>do mal ou a irracionalidade, nas palavras de Vilhena, essa “velha senhora” – a magia –</p><p>“Está viva e muito atuante, mesmo em sociedades modernas, racionais e secularizadas,</p><p>sendo vivida diariamente em inúmeros rituais” (VILHENA, 2005. p. 62). Potencializando</p><p>a experiência religiosa com manifestações sentimentais. Para Turner, o mágico não</p><p>desmerece a cultura, o que parece estranho no ritual do outro trata-se apenas de formações</p><p>diferentes da qual o indivíduo está acostumado, sendo que, mesmo a estrutura religiosa</p><p>de povos com tecnologias mais simples, são tão complexas e ricas quanto em todas as</p><p>culturas. Para ele, nenhum fenômeno religioso pode ser invalidado, deve ser considerado</p><p>“a extrema importância das crenças e práticas religiosas para a manutenção e a</p><p>transformação radical das estruturas humanas, tanto sociais quanto psíquicas” (TURNER,</p><p>2013, 20-21). Turner propõe para estudo seu conceito de liminaridade elaborado a partir</p><p>de suas reflexões sobre ritos de passagem em estudos de Arnold Van Gennep, a</p><p>liminaridade proporciona ao ser humano a experiência do distanciamento do cotidiano,</p><p>dentro desse processo ele desenvolveu seus conceitos de communitas e antiestrutura. A</p><p>liminaridade é um estado em que o ser humano experimenta consciente ou</p><p>inconscientemente que está em dois níveis existenciais.</p><p>Rituais são mais que estruturas e funções; eles podem também ser</p><p>experiências poderosas que a vida tem a oferecer. Em um estado</p><p>liminar, as pessoas estão livres das demandas da vida diária. Elas</p><p>sentem o outro como um de seus camaradas e toda diferença pessoas e</p><p>social é apagada. Pessoas são elevadas, arrastadas para fora de si.</p><p>Turner chamou a liberação das pressões da vida de “antiestrutura” e a</p><p>128</p><p>experiência de camaradagem ritual de “communitas” (SCHECHER,</p><p>2012, p. 68).</p><p>Refletindo acerca do conceito de liminaridade, mas particularmente sobre a</p><p>“antiestrutura” e “communitas” de Turner, Schechner destaca a existência de dois tipos</p><p>de communitas, a normativa e a espontânea. A normativa que é imposta por um ritual</p><p>estabelecido e cria uma “communitas” nem sempre legítima, mas uma união imposta pelo</p><p>rito e a espontânea ocorre quando a comunidade entra em estado de êxtase o que pode</p><p>acontecer em meio a um rito religioso ou até mesmo no meio secular durante um jogo</p><p>importante àquele determinado grupo. Esse tipo de communitas acontece normalmente</p><p>em um espaço-tempo liminar e sagrado, é um despir-se simbólico diante dos outros. “A</p><p>communitas normativa normalmente reina, com momentos ocasionais de communitas</p><p>espontânea. Esses, no ritual, são tratados como iguais, reforçando um senso de nós</p><p>‘estamos juntos’” (SCHECHNER, 2012, p. 69).</p><p>Sobre o rito de materialização de Edelarzil, podemos atestar que esse se trata de</p><p>um rito de margem que visa uma transformação na vida das pessoas, porém da categoria</p><p>liminóide, tanto da parte das pessoas quanto para a médium. As pessoas estão buscando</p><p>43 Figura traduzida pela autora.</p><p>44 Texto traduzido por N. C. Castro e R. Rosenbusch.</p><p>Figura 48: Experiência Liminóide43</p><p>Uma “performance transportada” do ponto de vista do performer. O performer</p><p>deixa o mundo do seu dia a dia e, por meio da preparação e do aquecimento,</p><p>entra no performar. Quando a performance termina, o performer se “acalma”</p><p>(esfria) e entra novamente no seu cotidiano. Na maior parte do tempo, o</p><p>performer é jogado para fora de onde ele entrou. Ele foi “transportado”, levado</p><p>a algum lugar, não “transformado” ou permanentemente mudado.</p><p>Fonte: SCHECHNER, 2012, p. 71.44</p><p>129</p><p>limpeza espiritual, querem mudanças em suas vidas, no entanto o ritual de materialização</p><p>requer retorno, pois sempre haverá algo no que a pessoa necessite de uma “limpeza</p><p>espiritual”, não é uma transformação permanente. Podemos observar no ambiente da</p><p>Estância Casa Caminho e Luz, haviam pessoas das mais diversas classes sociais, pessoas</p><p>de status financeiros mais modestos até empresários bem sucedidos. Ou seja, os limites</p><p>sociais e pessoais são quebrados e todos naquele ambiente se vêm como iguais naquele</p><p>espaço tempo sagrado. Existe diálogo, trocas de experiências e solidariedade entre os</p><p>participantes, principalmente no que diz respeito a informações antes do ritual acontecer.</p><p>Elas sentam-se, conversam e contam os motivos que as levaram até ali, sem quaisquer</p><p>receios. Uma Mulher que aparentava um pouco mais de 40 anos, culta, empresária e com</p><p>boa situação financeira, contou-nos ser mulçumana por conversão, antes era católica.</p><p>Procurou Edelarzil a pedido da filha que estava com problemas, mas impedida pelo</p><p>trabalho de ir ao Centro. No caso quebram-se as barreiras religiosas. Conversamos com</p><p>diversas pessoas das mais diferentes categorias sociais, todas “unidas” mesmo que</p><p>provisoriamente, por um único sentido, receber libertação espiritual, uma cura, uma</p><p>resposta transcendente, numa communitas espontânea.</p><p>Ainda há a distinção entre os ritos liminares e os liminóides (ver figura 26), ambos</p><p>são ritos intermediários, porém, o primeiro leva o indivíduo a uma transformação</p><p>permanente, como num ritual de cincuncisão ou batismo, a pessoa nunca mais será vista</p><p>pela comunidade da mesma forma, ela passa por um rito de transformação. Um ritual de</p><p>passagem. Já nos rituais liminóides, as pessoas são transportadas por alguns instantes a</p><p>um estado de transformação temporária, num momento de communitas espontânea, como</p><p>em um transe ou incorporação ou num ritual de Candomblé, um momento de fervor na</p><p>igreja, mas após o rito elas voltam ao ritmo normal de seu cotidiano. No caso do ritual de</p><p>Edelarzil, ela segue o princípio da categoria liminóide, onde existe toda uma performance</p><p>de preparação espiritual, com procissão de entrada, benzeção, oração, palestra, para então</p><p>ocorrer as materializações. Acabando este momento, sua vida segue naturalmente. O que</p><p>Schechner (2012) compara, por alusão e não pejorativamente, ser semelhante ao que</p><p>acontece com atores quando assumem papéis em um teatro, estão num espaço liminar,</p><p>condicionados ao retorno.</p><p>3.6.2. O rito transformação e espaço religioso como hierofania</p><p>Há quatro fases cronológicas que podem ser destacadas no rito de materialização</p><p>de Edelarzil. O primeiro, no início das materializações aos 9 anos de idade, que ela atribui</p><p>130</p><p>ser um dom concedido por Santo Antônio de Pádua, segundo sua biografia oficial (1997).</p><p>O segundo marco aos seus 17 anos em 1963, ela teria ficado entre a vida e a morte ao</p><p>contrair uma grave doença, neste tempo ela teria sido questionada por Nossa Senhora do</p><p>Rosário, à decisão de aceitar a morte e descansar ou viver e cumprir sua missão até a</p><p>morte (SANTOS, 1997). Do período</p><p>de sua infância em 1955 (nove anos de idade) até o</p><p>começo dos anos 1980, ou seja, mais ou menos, 34 anos, os objetos eram materializados</p><p>e caíam como uma chuva sobre as pessoas que a procuravam, o que gerava medo e</p><p>ferimentos, pois havia, por vezes, objetos cortantes.</p><p>O terceiro marco de transformação teria ocorrido após a consulta aos “guias</p><p>protetores” no início da década de 1980, quando Edelarzil teria pedido um meio para</p><p>direcionar os objetos a fim de neutralizar consequências negativas dos objetos que caíam,</p><p>no que teria sido indicado o uso do algodão.</p><p>O quarto marco que podemos apontar como o mais importante para a sacralização</p><p>do ritual, foi a construção da Capela. Fica claro, através das gravações de reportagens na</p><p>década de 1990, que havia um pré-ritual de purificação do ambiente onde Edelarzil</p><p>realizava as materializações, aliás, ramos verdes e gestos em cruz é comum em rituais de</p><p>benzeção, como podemos ver na informação dada por Santos em sua pesquisa: “Para</p><p>compor este ritual de cura, as rezadeiras podem utilizar vários elementos acessórios,</p><p>dentre eles: ramos verdes, gestos em cruz feitos com a mão direita, agulha, linha e pano,</p><p>além do conjunto de rezas. Estas podem ser executadas na presença do cliente, ou à</p><p>distância.” (SANTOS, 2009, p.12-13). A seguir temos uma narrativa da transcrição da</p><p>matéria do Globo Repórter da Rede Globo de Televisão em meados de 1990:</p><p>Antes de começar o trabalho, a médium faz orações. Segundo ela, para</p><p>espantar os maus espíritos. Nas mãos, uma planta conhecida como</p><p>espada de são Jorge. Dona Edelarzil, diz que está amarrando os</p><p>espíritos, conhecidos como obsessores. Começamos a ouvir vozes</p><p>estranhas. Vozes dos espíritos ou seria apenas uma simulação?</p><p>Uma sequência de gemidos que duraram, segundo o repórter, quase</p><p>uma hora. Ela não poderia começar o trabalho, sem antes, dominar</p><p>todos os espíritos (TRV 3).</p><p>Essas gravações foram levadas na época para o psiquiatra Dr. Sérgio Felipe de</p><p>Oliveira, professor da Universidade de São Paulo que estudava sobre mediunidade havia</p><p>20 anos e também para Laboratório de Fonética Forense, da Universidade de Campinas</p><p>onde foram analisadas pelo Dr. Ricardo Molina, até então, perito em investigações</p><p>criminais. Ambos os especialistas concluíram que os sons emitidos eram guturais da</p><p>própria médium. Cogitada, pelo repórter, a hipótese de incorporação espiritual na</p><p>131</p><p>médium, o perito alegou que entrar em tal mérito não estaria ao alcance de suas</p><p>possibilidades. Ela realizou o mesmo ritual de purificação no dia da entrevista com Padre</p><p>Quevedo. Era algo que fazia parte de sua preparação.</p><p>Esse ritual de purificação local, antes da iniciação dos atendimentos,</p><p>provavelmente, foi extinto a partir da consolidação da capela no sítio que Edelarzil teria</p><p>ganhado para a estruturação da Estância Casa Caminho e Luz. Chegamos a esta conclusão</p><p>no dia da visita, ficou claro que não é feito mais. A médium chegou ao sítio e foi para o</p><p>atendimento Cartomancia e Búzios, depois desceu, somente no horário de começar o</p><p>ritual da materialização e transporte no algodão.</p><p>Aqui fazemos três apontamentos, o primeiro, de fato, foge do alcance de maiores</p><p>análises, pela falta de testemunhas da época que poderiam confirmar se, realmente, ela</p><p>começou as materializações ainda criança e se os objetos choviam sobre as pessoas</p><p>gerando algumas inconveniências. Mas nesse relato de Edelarzil, encontramos um caráter</p><p>motivador e explicativo para o segundo, a introdução do algodão em seu ritual.</p><p>Considerando que em sua biografia oficial, ela também conta que aos nove anos de idade</p><p>decidira ajudar o pai nos trabalhos na lavoura do algodão. O algodão, que veio a receber</p><p>esse papel neutralizador e direcionador para a materialização de objetos e que ao mesmo</p><p>tempo ganhou uma significação de pureza por sua brancura, já estaria presente na vida de</p><p>Edelarzil desde sua infância. Não obstante, seria o ambiente onde teria ocorrido uma das</p><p>supostas primeiras ou primeira aparição de Nossa Senhora do Rosário. “Com nove anos,</p><p>a contragosto do pai, trabalhar nas lavouras do algodão. No terceiro dia de trabalho, a</p><p>garotinha Edelarzil teve uma visão de Nossa Senhora do Rosário” (SANTOS, 1997, p.</p><p>9).</p><p>Em um dos relatos em programas de televisão ela chegou a mencionar sobre</p><p>materializações aos nove anos de idade, sem contudo pormenorizar esse detalhe da</p><p>lavoura do algodão, que só encontramos na biografia oficial, talvez para uma indicação</p><p>profética de como lhe viria a ser proficiente seu uso?</p><p>O terceiro fato, o da extinção do ritual de purificação do ambiente antes de dar</p><p>início aos atendimentos ao público, podemos encontrar explicação, no que se deve ao</p><p>fato, de que antigamente o ritual era realizado primeiramente na casa dela e depois em</p><p>um barracão – onde fundou seu primeiro centro em Parisi. A partir do momento em que</p><p>ela fundou em meio a sua estrutura física de atendimento, uma capela, ela elevou o</p><p>ambiente à condição de sagrado, não necessitando mais que tal ritual de purificação prévia</p><p>132</p><p>fosse realizado. Ao mesmo tempo em que sacralizou todo o seu território, o tornando um</p><p>centro de peregrinação em Votuporanga. Ela criou o seu Axis Mundi.</p><p>Segundo Terrin (2004), o uso simbólico dos gestos e da espacialidade dentro de</p><p>um rito, fala muito mais do que as palavras propriamente ditas. O espaço e os gestos</p><p>traduzem no ambiente aquilo que não se pode ser dito através de palavras. Portanto,</p><p>podemos afirmar que o espaço sagrado, a Capela, veio a substituir o gesto. Aliás, esse ato</p><p>de purificação, com folhas de “espada de São Jorge” elevadas em cruz para expulsar os</p><p>maus espíritos, nos remete as três matrizes, a matriz católica, indígena, africana e espírita,</p><p>amalgamadas neste gesto. Nota-se a crença nos espíritos obsessores que pairam os ares e</p><p>perturbam a paz do ser humano e intervindo em suas vidas de forma negativa, no</p><p>imaginário católico seriam os demônios, a linguagem “espíritos obsessores” vem do</p><p>espiritismo, o “espantar os maus espíritos” utilizando plantas e gestos é tipicamente</p><p>indígena.</p><p>Um lugar não é sagrado ou profano, até esse ser sacralizado e valorizado como</p><p>tal, ele é escolhido, separado, preparado e no caso de Edelarzil, providenciado por um</p><p>benfeitor, de certa forma escolhido, não por ela, mas dado por providência divina. O lugar</p><p>sagrado é um local especial, o lugar propício para organizar tudo o que se encontra “fora</p><p>do lugar” na vida do ser humano através de seu encontro com o divino ou transcendente.</p><p>Portanto a organização do espaço reflete o imaginário dessa reordenação, ali se encontram</p><p>símbolos comuns que “falam” diretamente com o indivíduo. O ritual pode ser</p><p>compreendido como “uma espacialidade que estrutura sintagmas de palavras (formulaic),</p><p>feita por grupos de pessoas que estão conscientes da natureza compulsiva da</p><p>espacialidade e que podem, ou não podem, dar ulteriormente forma a essa espacialidade</p><p>com palavras faladas” (apud TERRIN, 2004, p. 200).</p><p>Mircea Eliade (1991), em “O Sagrado e o Profano”, ao falar sobre a escolha e</p><p>consagração de um território para fixar o sagrado, afirma que, para o homem religioso,</p><p>consagrar um espaço é fundar um “mundo” que revela outra realidade que não faz parte</p><p>do cotidiano. Essa fundação, ele chama de Axis Mundi ou “centro da terra”, “centro do</p><p>mundo”, uma imagem arquetípica dos santuários encontrada sobretudo nas civilizações</p><p>paleorientais, as três dimensões cósmicas – Terra, Céu e Regiões inferiores - ligadas por</p><p>um eixo. Consagrar um lugar é replicar o Universo habitado pelos deuses ou Deus e</p><p>participar de suas obras. No espaço de Edelarzil Munhoz Cardoso, podemos observar que</p><p>essa parte estrutural de sua cosmologia está centralizada na devoção aos santos,</p><p>principalmente a devoção mariana à Virgem do Rosário e que ao mesmo tempo, seu</p><p>133</p><p>imaginário é permeado por elementos do espiritismo, porém, não o espiritismo</p><p>kardecista,</p><p>o espiritismo “cristianificado” ou “catolicizado” e brasileiro, com traços das religiões</p><p>afro-brasileiras (com muitos elementos da cultura indígena) e do esoterismo. Observamos</p><p>esses contrastes, não apenas em suas paredes e altares, de forma material, mas</p><p>visualmente e subjetivamente em seu rito. Como Terrin (2004), denota o espaço sagrado</p><p>ser ao mesmo tempo, Físico, Significativo e Virtual. O Espaço Físico se limita à matéria,</p><p>ao lugar, ao prédio construído para a realização do rito. O Espaço Significativo é o</p><p>conjunto que forma e dá significado ao rito, desde a projeção arquitetônica, disposições</p><p>de luzes e todas as palavras, símbolos e gestos, tudo o que facilita a comunicação e</p><p>envolvimento do ser humano dentro do espaço sagrado. Já o Espaço Virtual é a mística,</p><p>ele classifica como o bom êxito dos dois primeiros espaços, quando bem comunicados,</p><p>leva o ser humano a penetrar no rito e vive-lo de forma que é transportado e elevado ao</p><p>sagrado. Sendo assim, para Terrin, a palavra factual é a estrutura original que serve como</p><p>orientação, um script de “como fazer” o rito, a performance é o que dá vida ao rito. As</p><p>palavras, sendo as mesmas, porém, a execução da liberdade de variação de estilos</p><p>interpretativos. Mesmo os ritos mais formais não serão iguais de um lugar para o outro.</p><p>O espaço é lugar da hierofania como um todo, “delimita o tempo cósmico e torna possível</p><p>a comunicação do homem com a divindade. É como um mergulho do Templo para o</p><p>Tempo” (SANTOS, 2016, p. 74).</p><p>3.6.3 o arquétipo da mulher sagrada</p><p>A palavra arquétipo foi um termo utilizado por filósofos neoplatônicos para</p><p>nominar as formas idealizadas de todas as coisas. “Arquétipo” é um termo originado da</p><p>Grécia Antiga, da palavra ἀρχή – arché = princípio + τύπος – tipos = marca, impressão.</p><p>“Ou seja, é uma marca antiga, um elemento primordial que serve de referência, de ponto</p><p>de partida” (DINIZ, 2016, p. 5). Mais tarde sendo como base para os estudos de Carl</p><p>Gustav Jung, psiquiatra suíço, que conceituou o termo arquétipo como uma série de</p><p>imagens virtuais constituídas na psique humana por herança coletiva, o que ele chamou</p><p>de “inconsciente coletivo” Nesse inconsciente estaria um repositório ancestral da</p><p>sabedoria humana acumulada e disponível para todos os membros da humanidade</p><p>(SANTOS, 2016, p. 110). Construído de maneira universal, desde os primórdios da</p><p>humanidade.</p><p>134</p><p>[...] o arquétipo é um elemento vazio e formal em si, nada mais sendo</p><p>do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da</p><p>forma da sua representação. O que é herdado não são as ideias, mas as</p><p>formas, as quais sob esse aspecto particular correspondem aos instintos</p><p>igualmente determinados por sua forma (apud DINIZ, 2016, p. 6).</p><p>No que tange nossa atriz social, Edelarzil, em seu papel religioso – e aqui</p><p>utilizando o termo “atriz” conceitualizando suas ações performáticas às propostas de</p><p>Richard Schechner (2006; 2012; 2013 etc) acerca dos estudos da performance. É nessa</p><p>perspectiva que estudaremos a médium, em seu caráter representativo às pessoas que</p><p>estão em sua volta e a si mesma. Como as pessoas descrevem Edelarzil Munhoz Cardoso?</p><p>Como Edelarzil se apresenta e se vê em meio seu protagonismo religioso?</p><p>Para Durand, todo símbolo arquetípico é precedido por um mito basilar, que está</p><p>por trás de toda criação literária ou narrativas orais. Sobre o imaginário em torno das</p><p>mulheres ele explica que, essas possuem uma dupla natureza simbólica criadora de</p><p>sentido e receptáculo concreto. A figura feminina sempre foi colocada num papel de</p><p>mediadora, sendo passiva e ativa comparada ao simbolismo dos anjos. “Así, pues, la</p><p>Mujer es, como el Angel, el símbolo de los símbolos, tal como aparece en la mariología</p><p>ortodoxa en la figura de la Theotokos, o en la liturgia de las iglesias cristianas que</p><p>asimilan de buen grado, como mediadora suprema, a ‘La Esposa’” (DURAND, 1968, p.</p><p>41-42). Uma construção muito antiga, que remonta tempos em que, segundo Silva (2012),</p><p>as deusas eram dotadas de poderes mágicos, como a deusa Isthar (Babilônia) e Ísis</p><p>(Egito), que através dos empreendimentos marítimos atravessaram o portal helenístico,</p><p>ligando a feminilidade ao místico e mágico (tanto positivamente como negativamente, na</p><p>história), enquanto os homens ligaram-se ao simbolismo da racionalidade.</p><p>O arquétipo da mulher ideal, como ela deve agir, se apaixonar, pensar, ser mãe,</p><p>foi sendo forjado através de deusas como Afrodite, Atenas, Deméter etc. Inspirando a</p><p>imagem poética do feminino até os dias de hoje através de “labirintos da alma, no</p><p>inconsciente coletivo. Talvez por atingir esferas irracionais e obscuras, por se aproximar</p><p>mais do mistério, o Feminino está diretamente envolvido com as experiências religiosas”</p><p>(RIBEIRO, 2012, p. 73). A mulher sempre é representada como ênfase da emotividade e</p><p>solicitude, o arquétipo da mãe presente de alguma forma na maioria das religiões.</p><p>Consequentemente podemos estudar Edelarzil a partir dessa perspectiva, como</p><p>representante dessas mulheres místicas presentes na história, dotada de poderes de cura e</p><p>dispersadora de males.</p><p>Imagens de Edelarzil Munhoz Cardoso: Performance da mulher sagrada</p><p>135</p><p>Agora faremos uma análise em torno da imagem de Edelarzil enquanto “agente</p><p>mediadora” a forma como ela é apresentada em seu espaço e a forma como ela se</p><p>apresenta, ou seja, como é sua performance e como ela é compreendida. São duas</p><p>perspectivas reveladoras de sentido. A performance, segundo Schechner, é formada por</p><p>“comportamentos restaurados”, ou seja, ações que são experienciadas mais de duas vezes</p><p>pelas pessoas e treinadas. Segundo o pesquisador, passamos nossa infância ensaiando</p><p>papéis para obtermos sucesso, sendo que alguns aprendem melhor que outros. Mesmo</p><p>quando algo é “inédito”, se estudarmos suas partes, se revelarão como “comportamentos</p><p>restaurados”. Todos os comportamentos são recombinações de outros comportamentos já</p><p>vividos, sendo classificados como comportamentos marcados, enquadrados e separados.</p><p>Por isso que ao falar da religião, ele acha interessante estudá-la na perspectiva da ação e</p><p>do teatro, até porque existe a possibilidade dos primeiras performances terem sido de</p><p>apresentação ritual.</p><p>Recorro à antropologia não como uma ciência de resolução de</p><p>problemas, mas porque sinto que existe uma convergência de</p><p>paradigmas. Assim como o teatro tem se antropologizado, a</p><p>antropologia tem se teatralizado. Essa convergência é uma ocasião</p><p>histórica que proporciona todos os tipos de trocas. A convergência entre</p><p>a antropologia e o teatro faz parte de um movimento intelectual maior,</p><p>no qual a compreensão do comportamento humano está deixando de</p><p>lado as diferenças quantificáveis, entre causa e efeito, passado e</p><p>presente, forma e conteúdo etc. (assim como os modos lineares de</p><p>análise que explicam essa visão de mundo), e passando a enfatizar a</p><p>desconstrução/reconstrução de realidades (actualities): os processos de</p><p>enquadramento, edição e ensaio [...] (apud SCHECHNER, 2013, p. 25).</p><p>O antropólogo salienta que toda performance é ritualizada, são lembranças da</p><p>nossa maneira de “como agir”, como se tivéssemos um acervo de ações, sendo que nada</p><p>do que fizermos será algo novo, mas já feitas por outras pessoas ou por nós mesmos. Essa</p><p>repetição performática ensaiada, também é uma forma de lidar com as mudanças que</p><p>ocorrem, é a forma que o ser humano encontra para sobreviver em meio às</p><p>hierarquias e às mais diversas personalidades. Portanto, cada dia e hora diferentes,</p><p>os nossos “eus” se manifestam em diversos papéis sociais. O padre, não é o padre 24</p><p>horas do seu dia, assim como a enfermeira do hospital ou a educadora de uma escola</p><p>infantil, nem a rainha sorridente é apenas rainha ou tão somente sorridente, as pessoas</p><p>são pais, mães, avós, tios, filhos, sobrinhos, casados, solteiros e para cada uma dessas</p><p>coisas existe uma forma aprendida, que não</p><p>será igual de uma família para a outra. Existe</p><p>uma fórmula para se portar num restaurante requintado com desconhecidos, que</p><p>provavelmente, não será a mesma a ser usada numa lanchonete reunido com amigos. A</p><p>136</p><p>noiva usaria o seu vestido de casamento – com aquele véu e calda gigante – para ir à</p><p>padaria? Porque as pessoas se cumprimentam dando as palmas das mãos no ocidente?</p><p>Schechner aborda os jogos performáticos, onde para ele, é impossível que um ser humano</p><p>fique um único dia sem interpretar seus vários papéis (SCHECHNER, 2012).</p><p>Comentamos ainda acima, que a proximidade de uma imagem com o altar de local</p><p>sagrado revela o grau de sua importância no ambiente sagrado. Analisando a área do</p><p>corredor, observando e comparando as figuras 28 e 29 (ver segundo capítulo), na parede</p><p>direita do corredor, um pouco mais escondida, temos algumas imagens sacras, outras nem</p><p>tanto. Contamos cinco imagens representativas de Jesus e três de Maria, duas que estão</p><p>mais para o imaginário cigano. Já na parede direita do corredor, mais próxima ao altar, o</p><p>que podemos observar sobre uma perspectiva mais limiar, encontram-se expostos e pode</p><p>ser observado da porta (ver figura 22), alguns quadros que se referem diretamente à</p><p>pessoa de Edelarzil. Podemos observar essa parede logo na entrada da capela e nos</p><p>depararmos com o retrato da médium (figura 49).</p><p>A médium está retratada com um semblante sereno, roupas claras e em seu peito</p><p>um cordão contendo um pingente no formato de uma ferradura ornada com cristais45.</p><p>Além desta imagem, há um quadro (figura 50) contendo o significado de seu nome,</p><p>segundo esse, Edelarzil significa, “Nome de origem hebraica/ grega que significa</p><p>“ornamento/ rocha-luz”. Se arrisca tantas vezes quantas necessárias. Pessoa honrada,</p><p>sempre tenta fazer o bem. Goza de uma atração muito especial. Grande desportista, pensa</p><p>que sua independência é sua liberdade. Seu bom humor se reflete em seu olhar. Sabe usar</p><p>o tempo de ociosidade”, trata-se de uma definição que não encontramos em livros ou</p><p>mesmo na internet. Ao lançarmos seu nome na internet, o que aparecem são apenas</p><p>referências sobre ela, a médium. O que nos deixa a impressão de ser uma</p><p>45 Mais uma menção ao imaginário popular de exorcizar os males. A ferradura é considerada um símbolo</p><p>protetor no meio popular.</p><p>Figura 49: Retrato de Edelarzil (PCD)</p><p>137</p><p>interpretação esotérica de seu nome.</p><p>Figura 50: Significado do nome Edelarzil</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>138</p><p>Em seguida, uma matéria de jornal (Figura 51), “Jornal da Região” datado em 31</p><p>de Julho de 1994, onde a repórter fala sobre o fenômeno da materialização e como</p><p>Edelarzil acabou atraindo milhares de pessoas à Parisi, até mesmo artistas nacionais,</p><p>internacionais e programas de TVs nacionais e internacionais. Segundo essa matéria, ela</p><p>teria sido citada pelo autor Carlos Castañeda em um de seus livros de estudos</p><p>antropológicos e esotéricos.</p><p>Nos anos 90 do século XX, Edelarzil chegou ao auge da carreira como médium,</p><p>em comparação, até então, com um novo nível de atenção pública sempre apresentada</p><p>como grande fenômeno, saindo em artigos de jornais e revistas, participando de</p><p>programas de TV – inclusive foi tema de pelo menos dois episódios do documentário</p><p>Parallax sobre paranormalidade, para a TV holandesa Veronica em fins da década de</p><p>198046. Até mesmo a tensão causada por padre Oscar G. Quevedo em 1991, em meio às</p><p>gravações para o “Globo Repórter” da “Rede Globo de Televisão”, alavancou a carreira</p><p>da médium, elevando ainda mais o número de procura de seu ritual, pessoas sedentas de</p><p>cura, ou mesmo, de satisfazer a própria curiosidade em relação a ela. Outro quadro em</p><p>sua parede, uma homenagem da Câmara Municipal de Parisi em 1996 (Figura 54),</p><p>seguindo a ordem cronológica, temos um “Diploma de Honra por excelência em dons de</p><p>materialização”, concedido pela Ordem Melquisedeque47 em sete de setembro de 2010.</p><p>46 Um dos episódios pode ser acessado em</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=LBGbgQL_1s8&t=968s>./ Também pode ser observado dois</p><p>recortes de jornais em nossos anexos nas páginas 181-182.</p><p>47 Parece tratar-se de uma religião independente <https://www.facebook.com/Templomelquisedeque-</p><p>281364695614090/?fref=ts> ou < http://templomelquisedeque.blogspot.com/2017/02/a-ordem-de-</p><p>melquisedeque.html>.</p><p>139</p><p>Figura 51: Jornal Regional 31 jul 1994</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora48</p><p>48 Para uma melhor compreensão do texto contido na figura 53, transcrevemos aqui: BENZEDEIRA DE</p><p>PARISI CURA OS MALES DO MUNDO – Para o escritor e antropólogo norte-americano Carlos</p><p>Castañeda, ela é um fenômeno que ajuda os homens a entenderem o desconhecido. As milhares de pessoas</p><p>que perseguem seus segredos acham que é um misto de magia e esoterismo para curar o mal. Mas a</p><p>benzedeira Edelarzil Munhoz Cardoso, 47, acha que seu trabalho é apenas uma missão passada por Deus./</p><p>Por causa dessa “tarefa divina” passa quase doze horas longe dos seis filhos, fica a maior parte do tempo</p><p>em pé, retirando objetos que representam as energias negativas. Os iniciantes costumam ver seu trabalho</p><p>com ceticismo. Atentos, buscam uma explicação lógica para o surgimento de objetos tão diferentes do</p><p>algodão colocado sobre uma peneira. Desde os sete anos Edelarzil assusta os moradores da pequena cidade</p><p>de Parisi com seus dons sobrenaturais. Hoje impressiona./ Começou aos sete anos se comunicando com</p><p>Nossa Senhora de Fátima, depois com Santo Antônio, até iniciar a materialização há 36 anos./ Diz que</p><p>sempre foi católica e nunca trabalhou para o mal. Os objetos que materializa simbolizam energias negativas</p><p>desejadas ou criadas pelo homem./ A fama de Edelarzil já percorreu continentes. O escritor Castañeda faz</p><p>referência em um de seus livros sobre os caminhos do conhecimento./ O bispo do Instituto dos Apóstolos</p><p>Peregrinos de Jesus e Maria (Igreja Ortodóxica (sic) Romana), João Antônio Neto, costuma pedir ajuda à</p><p>benzedeira para curar os males de seus fiéis./ Edelarzil também foi tema da Série Parallax, transmitido pela</p><p>Televisão Veronica na Holanda, em 89. Desde então, a legião de estrangeiros que faz a via crucis atrás de</p><p>sua benção aumentou. No mês passado foi a vez da atriz norte-americana Shirley Maclaine conhecer o</p><p>poder de Edelarzil./ Os “clientes nacionais” costumam invadir Parisi todos os dias com seus carros zero</p><p>quilômetros e ônibus. Até uma linha ligando São Paulo à cidade de 4 mil habitantes foi criada para levar</p><p>semanalmente pessoas com problemas na vida./ A filha da atriz Ruth Escobar, Patrícia, procurou Edelarzil</p><p>para resolver problema matrimonial. Diz que a benzedeira trabalha com o fantástico que pacifica o coração</p><p>dos homens (Fátima Yamamot).</p><p>RITUAL DA CURA INCLUI ORAÇÕES DO CATOLICISMO: Antes de entrar na fila por um lugar na</p><p>sessão do dia, a pessoa recebe várias instruções./ Primeiro levar algodão. São cem gramas para o trabalho</p><p>simples. Também há cartazes pedindo um litro de álcool por família./ Há quatro anos Edelarzil cobra pelo</p><p>trabalho. Hoje o preço oscila entre R$ 2,00 E R$ 4,00. Diz que gostaria de atender menos pessoas para ter</p><p>tempo para se curar das dores nos rins e cólicas que ameniza tomando Buscopan. Mas as caravanas não</p><p>param./ Antes das sessões as pessoas devem desfiar o algodão. Os montes brancos são colocados sobre</p><p>140</p><p>Figura 52: Título de Cidadã Parisiana – 8 out. 1996</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>Diferente da imagem de Edelarzil colocada artesanalmente em um relógio</p><p>próximo da porta (Figura 20), o sentido destas outras cinco imagens apresentada neste</p><p>capítulo, expostas num local visível e mais próximo do altar entre outras imagens de</p><p>representações santorais, eleva a imagem da médium a certa sacralidade.</p><p>Essa “parede</p><p>especial”, vamos chama-la assim, pois se trata de um local de destaque contendo</p><p>representações e lembranças sobre Edelarzil, parece-nos um “auto memorial” em</p><p>construção, se compararmos com memoriais como o de São Frei Galvão49 em</p><p>Guaratinguetá – SP – ou de Santa Paulina50 em São Paulo - SP Se continuarmos a observar</p><p>pela ótica da pesquisa de Renders e Albuquerque sobre a imagem, é praticamente possível</p><p>considerarmos como “arte litúrgica”, como imagens que estão ao derredor como</p><p>condutoras de sentido, segundo os mesmos:</p><p>grandes peneiras./ Com um pedaço de algodão embebido em água benta, Edelarzil faz o sinal da cruz na</p><p>testa e nos pulsos de cada pessoa. O trabalho é acompanhado por orações./ Na primeira sessão, a benzedeira</p><p>retira tufos de algodão com sujeiras que representam doenças. Em seguida acontece a materialização dos</p><p>objetos que simbolizam as energias negativas. São retirados de caco de vidro até caixão./ Aós a sessão,</p><p>cada pessoa deve retirar seus embrulhos, examinar os conteúdos e verificar os seus significados. Velas e</p><p>objetos de cera devem ser quebrados e as fitas desamarradas. Depois tudo deve ser jogado em um rio (FY).</p><p>49 Memorial de São Frei Galvão: Disponível em: <http://www.casadefreigalvao.com.br/roteiros/9-</p><p>memorial-de-frei-galvao></p><p>50 Memorial de Santa Paulina. Disponível em: < https://www.centrosagradafamilia.com.br/memorial-santa-</p><p>paulina/>.</p><p>141</p><p>[...] a arte litúrgica se distingue do ornamento por sair do campo da</p><p>estética e entrar no mundo da organização espacial e ritual do sagrado,</p><p>e isso em distinção do símbolo religioso, portanto, sem chegar a um</p><p>ponto de se tornar um meio da graça ou assumir essa função religiosa.</p><p>A força da arte litúrgica não está num suposto efeito performativo, mas</p><p>na sua dinâmica orientadora e agregadora que está em sintonia com a</p><p>experiência da comunidade da fé. Portanto, a arte litúrgica representa</p><p>mais um avanço no passo do profano ao sagrado (RENDERS;</p><p>ALBUQUERQUE, 2018, p. 177).</p><p>Agora, convidamos o leitor a observar as três próximas imagens para</p><p>compreendermos melhor a forma como Edelarzil é representada pelas pessoas. No verso</p><p>do “Diploma de Honra por excelência em materialização” (Figura 54) e nas propagandas</p><p>de caravanas na internet (figuras 55 e 56), temos basicamente a seguinte representação.</p><p>Edelarzil fotografada em uma postura serena, com roupas brancas e em torno dela uma</p><p>aura. Na figura 56, ela ganha uma interpretação angelical em meio ao céu azul, nuvens</p><p>brancas e duas tochas, que na verdade, são pilares com características romanas,</p><p>demarcando uma entrada. Nesta interpretação, se reproduz a imagem de Edelarzil</p><p>enquanto “agente mediadora”. A frase contida no quadro, “A Mulher do Algodão: A mão</p><p>de Deus opera milagres em Votuporanga – SP” salienta essa condição. Ela é enaltecida</p><p>como uma medianeira de graças em meio à comunidade. Na figura 56, ela está em um</p><p>campo aberto, tendo ao fundo o sol em meio ao céu nublado e no fundo um ônibus. Já na</p><p>Figura 53:Diploma de Honra por excelência em dons de materialização”, concedido pela Ordem</p><p>Melquisedeque em sete de setembro de 2010</p><p>Fonte: fotografia do arquivo da autora</p><p>142</p><p>figura 55, acontece o contrário, ela está representada em meio a um fundo escuro preto,</p><p>logo acima dela, a lua. Ambas as imagens (Figuras 55 e 56) são significativas. Edelarzil</p><p>em meio ao campo aberto, céu, nuvens, sol, reforça o pensamento angelical sobre ela ou</p><p>de santa; Edelarzil em meio ao fundo escuro, tendo em torno de si uma luz iluminadora,</p><p>conduz a imaginação a pensar essa ser uma luz em meio à escuridão. A lua</p><p>simbolicamente é utilizada para representar os aspectos da feminilidade e fecundidade,</p><p>também não possui luz própria, é uma receptora da luz do sol, o que pode nos conduzir a</p><p>interpretação da mediunidade.</p><p>Sou conhecida no Brasil inteiro, graças a Deus, por ajudar a retirar o</p><p>mal e má influência das pessoas do Brasil e também do exterior. Meu</p><p>desejo é poder colocar no coração das pessoas, amor, fé, humildade e</p><p>compreensão, mas é difícil, porque o que mais existe, ódio, falta de fé,</p><p>de compreensão e de amor. É por isso que o mundo inteiro sofre</p><p>(SANTOS, 1997, p.18).</p><p>Figura 54: Verso do Diploma de Honra, 2010.</p><p>https://www.curaespiritual.com.br</p><p>143</p><p>Figura 55: Propaganda Excursão Cura</p><p>espiritual</p><p>Figura 56: Propaganda Excursão Espiritual</p><p>Fonte: https://www.curaespiritual.com.br Fonte: https://excursaoespiritual.com</p><p>A foto a seguir, foi retirada do site Casa Caminho e Luz (Figura 59), Edelarzil,</p><p>vestida com suas habituais roupas brancas para o ritual, orando, impondo as mãos sobre</p><p>a testa de uma pessoa e está com os olhos fechados e microfone em mãos. Uma imagem</p><p>que nos faz recordar as influências pentecostais, neopentecostais e midiáticas da</p><p>atualidade. Klein (2006) aborda essa questão e chama de “contaminação televisiva” do</p><p>ambiente sagrado onde o agente religioso se converte em imagem, nessa</p><p>contemporaneidade em que o ser humano se tornou um consumidor das imagens, onde</p><p>mesmo sem a presença das câmeras, o padre ou o pastor, e aqui em nossa pesquisa, a</p><p>benzedeira, assumem uma postura midiática. Assim ele denota a “problemática semiótica</p><p>na mediação das imagens na experiência religiosa” (KLEIN, 2006. p.22). Como no teatro,</p><p>estamos diante das mídias num constante faz de conta: filmes, novelas, redes sociais, no</p><p>discurso político ou na apresentação dos telejornais, com atuações cada vez mais</p><p>sofisticadas, desenhando o mundo conforme os interesses políticos e de poder. Segundo</p><p>Schechner (2012), essa crescente evolução dos meios de comunicação faz com que as</p><p>pessoas, cada vez mais saturadas, experenciem suas vidas em interpretações</p><p>performáticas, propiciando cada vez mais o surgimento de novos híbridos mediante a</p><p>Globalização.</p><p>144</p><p>Normalmente Edelarzil se apresenta muito bem ao público, é espontânea, ao</p><p>mesmo tempo em que apresenta um discurso repetitivo, como um roteiro, linguagem</p><p>simples, é bem humorada e sempre tira alguns risos de seus visitantes, características</p><p>comuns em lideranças carismáticas. Na internet, ou mesmo nos panfletos e livros</p><p>distribuídos em seu centro, há muitas orações e dicas de Edelarzil para se obter sucesso</p><p>financeiro, conquistar namorado (a) etc, extraímos da internet, do Jornal santista a</p><p>seguinte simpatia, como dicas de Edelarzil:</p><p>Proteção nos negócios, trabalho, emprego, financeiro e</p><p>sentimental: Oferecer durante 3 meses, em três segundas-feiras de</p><p>cada mês, cinco velas brancas colocando para queimá-las em cruz nessa</p><p>ordem: Rei Salomão (sabedoria e dinheiro), 13 Almas Benditas51</p><p>(abertura de negócios), Santo Antonio (firmeza dos negócios), Santa</p><p>Edwiges, na esquerda (sair das dívidas e receber dinheiro), na direita</p><p>Espírito Soberano de Santa Samaritana (para terem interesse em seus</p><p>negócios). Rezar 1 Pai Nosso, Ave Maria e Salve Rainha para cada vela</p><p>e fazer seus pedidos (JORNAL DA ORLA, 2007).52</p><p>A mídia se tornou algo comum no dia-a-dia de Edelarzil há muito tempo, mesmo</p><p>hoje, longe dos holofotes da televisão como esteve próxima na década de 1990 e</p><p>gradualmente delimitando o número de atendimentos inclusive, há palestras e gravações</p><p>51 As 13 almas benditas seria é uma lenda constada no livro de São Cipriano, que seria 13 almas nem tão</p><p>boas e nem tão más que ficariam vagando e ajudando as pessoas, não reconhecida pela Igreja. No Brasil, a</p><p>tragédia do edifício Joelma teria ressignificado a lenda, remetendo a 13 dos túmulos de pessoas não</p><p>identificadas, situadas uma do lado da outra.</p><p>52 Disponível em: <http://www.jornaldaorla.com.br/coluna8/10778.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2019.</p><p>Figura 57: Edelarzil orando com Imposição de Mãos</p><p>www.casacaminhoeluz.com</p><p>145</p><p>de vídeos onde ela transmite mensagens ao público. São muitos sites</p><p>esotéricos falando</p><p>sobre ela, sites que remetem a ela, filmagens no YouTube, redes sociais, e matérias em</p><p>sites internacionais, porém, segundo a médium, são todos de caráter voluntário, feitos por</p><p>pessoas simpatizantes de suas práticas ou dos condutores de caravanas. Claro que,</p><p>algumas postagens contendo críticas também.</p><p>Um dos depoimentos sobre Edelarzil, deixados no site Casa Caminho e Luz.</p><p>Nunca conheci alguém com dons semelhantes, fiquei sabendo de uma</p><p>história que dona Ederlazil resolveu, fui até o lugar para conhecer, após</p><p>ter certeza da veracidade dos fatos contatos resolvi escrever um livro,</p><p>53onde dona Ederlazil é uma personagem verídica enviada dos céus.</p><p>Impressionante (CASA CAMINHO E LUZ, online, grifos nossos).</p><p>Continuando a meditar sobre a questão da imagem de santidade, no depoimento</p><p>acima, vemos que a pessoa identifica Edelarzil como uma “enviada dos céus”. Os santos</p><p>são pessoas que foram apontadas como exemplos de vida na terra, são marcados pela</p><p>devoção e pelo sofrimento. Como os santos que Edelarzil aprendeu a admirar, Santa Joana</p><p>D’Arc, São Jorge, Santo Antônio, São Sebastião, dentre outros. Num processo de</p><p>beatificação, além da comprovação da busca de vivência pelo exemplo de Jesus Cristo,</p><p>os milagres a eles creditados após suas mortes são os fatores cruciais para a comprovação</p><p>de estado de graça mediante Deus, salvo sob comprovação de martírio. Para isso,</p><p>normalmente partindo da comoção popular que pede a intercessão por meio de orações,</p><p>em regra, no processo tende-se a ser divulgada uma oração oficial para a comunidade. No</p><p>livro distribuído pela Estância Casa Caminho e Luz há a seguinte oração intitulada “Prece</p><p>de Agradecimento”:</p><p>Senhor Deus Pai, todo poderoso, Criador do Céu da Terra. Vós que</p><p>governais seus filhos com amor, justiça e compaixão.</p><p>Com fé e humildade, agradeço a intercessão de Nossa Senhora do</p><p>Rosário que vossa serva e médium Edelarzil Munhoz Cardoso vos ama</p><p>e que contempla a vossa divina, cumprindo os desígnios de divinos de</p><p>cortar, desmanchar demandas, aliviando os sofrimentos dos irmãos que</p><p>oram e temem a Deus.</p><p>Iluminai, mãe, fluidificai nossa alma, mente e corpo, descarregai nossa</p><p>matéria de todas as impurezas astrais.</p><p>Nossa Senhora do Rosário, fortalecei vossa serva fiel, senhora</p><p>Edelarzil, com o vosso manto de proteção, luz, amor e verdade, que</p><p>pelo vosso merecimento, virtude e ardorosa fé em Nosso Senhor Jesus</p><p>Cristo, vos serve.</p><p>Ó divina Mãe, advogada dos que sofrem perseguições, proporcionando-</p><p>me os meios de vencer de modo que a fé, paz, saúde, proteção e</p><p>progresso desçam ao meu espírito e reine paz em nosso lar. Confiando</p><p>53 Não sabemos se tal livro foi escrito ou está em andamento. O fato é que não encontramos mais livros</p><p>falando sobre Edelarzil, além do de Santos (1997).</p><p>146</p><p>em vossos méritos, vossa caridade, agradeço por lançardes vosso olhar</p><p>e vossa complacência bênçãos sobre nós.</p><p>Minha gratidão, sou grata (o). Muito Obrigado (CASA CAMINHO E</p><p>LUZ, s/d, p. 30, grifos nossos).</p><p>Abaixo da oração, a seguinte informação: “Banho de ervas para fechar o corpo.</p><p>Três folhas de arruda, três folhas de guiné, três galhinhos de alecrim, palha de alho, sal”</p><p>(CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 30).</p><p>Repare se tratar de uma oração em que não é apenas uma oração de agradecimento,</p><p>mas também de súplica e pedido de proteção sobre a médium que é apresentada como</p><p>serva de Deus. Aqui o nome de Edelarzil é mencionado com certo crédito. Como um</p><p>reforço para o que, na verdade, é uma súplica pela intercessão de Nossa Senhora do</p><p>Rosário para vencer o mal. É como se dissesse: “Senhor Deus Pai, peço pelos méritos de</p><p>Nossa Senhora do Rosário, aliás, eu conheço vossa serva fiel, a Edelarzil Munhoz</p><p>Cardoso, aquela que te serve e faz tanto o bem na terra”. A própria Edelarzil em sua</p><p>performance narrativa, se apresenta como uma pessoa que só visa o bem. Alguém</p><p>intocada pelo mal.</p><p>Nunca vejo maldade nas pessoas, porque em mim não existe maldade,</p><p>não consigo pensar mal algum. Por isso já me usaram para caluniar,</p><p>para me colocar como mulher vulgar. Mas no meu pensamento, nunca</p><p>passa tais coisas. Sempre converso sem malícia, sempre querendo</p><p>ajudar, sempre fico querendo resolver problema e talvez alguém me</p><p>julga mal, mas não é esse meu pensamento. Tenho o coração puro e sem</p><p>maldades, sem pensar em usar alguém para desfrutar dos meus desejos.</p><p>Isto está longe de mim, só quero o bem e o amor sincero de irmã em</p><p>Cristo. Vejo todos com[o] se fossem meus irmãos e peço a Deus que</p><p>me conserve sempre assim, sem malícia e sem maldade, quero que</p><p>todos sejam humildes e puros de coração para não cair em tentação</p><p>(SANTOS, 1997, p. 20).</p><p>Pela perspectiva de que a palavra também é uma ação performática chamamos a</p><p>atenção para as palavras fluidificai e descarregai, que são palavras usuais no espiritismo</p><p>e religiões afros. Fechar o corpo, um ritual praticado pelo Candomblé e Umbanda. A</p><p>utilização das ervas nativas brasileiras pela Umbanda e pelo Candomblé, utilizadas para</p><p>a purificação dos corpos, vem do sincretismo da mesma com os conhecimentos dos</p><p>indígenas nativos que já utilizavam ervas em rituais de banhos a vapor, juntando</p><p>elementos do fogo e da água, elementos sagrados, para a purificação do espírito e curas</p><p>de doença54. Arruda e palha de alho significam proteção, o alecrim, clareza mental, a</p><p>54 No Vale do Ribeira, uma das principais áreas de mata Atlântica do país, e morada de dez tribos guaranis</p><p>dos subgrupos Mbya e Ñandeva situada no Estado de São Paulo, a técnica da defumação com ervas ainda</p><p>é muito utilizada para tratamentos de constipação e bronquite pela população, principalmente pela</p><p>população da área rural.</p><p>147</p><p>guiné (guiné-caboclo) significa proteção e força e o sal para a limpeza espiritual</p><p>(descarrego). Os banhos de purificação é herança africana e indígena. A arruda é uma</p><p>erva muito utilizada para rituais de purificação, afastar os chamados espíritos obsessores</p><p>e “maus-olhados”. Sendo uma planta muito utilizada por benzedeiras e curandeiros</p><p>também.</p><p>Arruda: Planta aromática usada nos rituais porque Exu a indica contra</p><p>maus fluidos e olho-grande. Suas folhas miúdas são aplicadas nos ebori,</p><p>banhos de limpeza ou descarrego, o que é fácil de perceber, pois se o</p><p>ambiente estiver realmente carregado a arruda morre. Ela é também</p><p>usada como amuleto para proteger do mau-olhado. Seu uso restringe-se</p><p>à Umbanda. Em seu uso caseiro é aplicada contra a verminose e</p><p>reumatismos, além de seu sumo curar feridas (VENTURA, 2011, p. 69).</p><p>Outro apontamento que fazemos é em relação ao seu nome. Nota-se que o título</p><p>“Benzedeira do Algodão”, apesar de ainda ser utilizado para se referir a ela, com o tempo</p><p>ficou um pouco esquecido e ela passou a ser mais conhecida como a “Médium do</p><p>Algodão” (um termo mais ligado ao espiritismo), ou ainda, “Mulher do Algodão”. Esses</p><p>últimos nomes pelos quais ela ficou mais conhecida nas últimas décadas possuem uma</p><p>narrativa espiritual. A distância do meio de seu grupo inicial, o das benzedeiras e produz</p><p>um “status” mais individual.</p><p>Outra característica que merece destaque, é que, no espaço como um todo, mesmo</p><p>dentro da capela onde está o seu “auto-memorial” não há nenhuma imagem de marido ou</p><p>filhos. Como abordamos no primeiro capítulo, Natalino não parece ter sido muito atuante</p><p>na trajetória religiosa da esposa. Ele menciona em um dos vídeos que aquilo tudo para</p><p>ele não fazia sentido, mesmo que recentemente Edelarzil, em uma de suas palestras, disse</p><p>ter gravado a pedido dele, para recordação, não achamos maiores evidências quanto à sua</p><p>participação. Ele seguiu uma carreira paralela, política e comercial. Os filhos de Edelarzil,</p><p>também aparecem como colaboradores no espaço administrativo, dando suporte, porém,</p><p>não encontramos destaque no espaço sagrado. Ou seja, o mundo sagrado é o mundo</p><p>sagrado</p><p>de Edelarzil.</p><p>Poderíamos citar muitos depoimentos referentes a Edelarzil como uma mulher de</p><p>“oração forte” ou “santa mulher”, alguns desses que ouvimos pessoalmente, de pessoas</p><p>que frequentam há muito tempo os rituais de Edelarzil e creem nos resultados.</p><p>Percebemos que existe um contraste que subdivide a maneira como Edelarzil se apresenta</p><p>publicamente, na condição de medianeira, jamais dizendo possuir um poder, mas sim um</p><p>dom e a forma como ela se apresenta em sua iconografia, em seu local de performance,</p><p>numa parede estratégico-especial, com memórias enaltecedoras de sua pessoa enquanto</p><p>148</p><p>médium. Essa “imagem” subjetiva transmitida através de seus quadros parece ser mais</p><p>coerente com a forma que as pessoas a enxergam, quase uma santa viva. Quanto aos</p><p>“contrastes” não significa que eles sejam provocados conscientemente, segundo</p><p>Schechner (2006), os comportamentos e atuações performáticas que vivenciamos</p><p>podemos simplesmente não percebê-los, elas têm vida própria. São inúmeros os “eus”</p><p>que existem dentro de cada pessoa e que se analisarmos estes “eus” pouco inventamos</p><p>sobre ele, ou ainda, posso experimentar ser “além do que eu sou. “Performance é um</p><p>modo de comportamento, um tipo de abordagem à experiência humana; performance é</p><p>exercício lúdico [...]” (SCHECHNER, 2012, p. 10, grifos nossos).</p><p>Em suas palestras, Edelarzil costuma sempre salientar os sofrimentos,</p><p>perseguições e sacrifícios que teve que fazer ao longo de sua vida para continuar sua</p><p>missão. Desde a década de 1990, enquanto ainda estava em Parisi, ela já mencionava a</p><p>possibilidade de parar com os trabalhos de materialização.</p><p>Agora estou lutando para parar de trabalhar com transporte e</p><p>materializações, não sei se vai ser definitivo, só Deus se encarregará da</p><p>minha missão. Mas não ficarei totalmente parada, porque minhas</p><p>orações e consultas terão continuidade, mesmo que não venham as</p><p>romarias a minha procura, mas sempre alguém aflito chegará, aonde</p><p>estiver não negarei ajuda. Peço a Deus que a recupere dos problemas</p><p>que enfrento por excessos de trabalho. Mas tenho fé que tudo dará certo</p><p>(SANTOS, 1997, p. 29).</p><p>No livro da Estância Casa Caminho e Luz entregue a nós no ano passado, ela</p><p>voltou a afirmar: “Eu trabalho na parte espiritual desde criança. Já lutei para parar de</p><p>atender, mas não consigo” (CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 6). Também voltou a</p><p>mencionar isso em uma de suas palestras na internet e quando fomos ao centro ela falou</p><p>que cada dia atrasa mais na esperança de que as pessoas se cansem e não apareçam,</p><p>porém, ela lamenta dizendo que “Nosso Senhor não quer”, o que traz alguns risos a sua</p><p>plateia.</p><p>Uma das características principais de uma benzedeira é a proximidade com o</p><p>sofrimento, elas são descritas como mulheres que sacrificam suas vidas pelo bem dos</p><p>outros e elas não costumam economizar palavras para relatar sobre os sacrifícios que</p><p>precisaram fazer na vida, é como se a eficácia da graça estivesse na medida de seu</p><p>sacrifício. O dom recebido é como se fosse um encargo que tem por obrigação levar pela</p><p>vida toda. “Desta forma, o ofício de benzedeira, semelhante ao ofício de médico, mais</p><p>que uma profissão, é visto como um sacerdócio, uma missão” (QUINTANA, 86).</p><p>149</p><p>EDELARZIL: A minha missão aqui é muito dura, porque a minha cruz</p><p>não é de madeira, não, é de ferro e aço. É difícil a pessoa que fala “eu</p><p>creio, sei que é verdade”, a maior parte diz “é magia”, “é truque”...</p><p>Essas coisas. Então eu venho sofrendo muito, muito sozinha na minha</p><p>vida. Então a traição, a calúnia e as falsidades, estão sempre em meu</p><p>caminho. Só que eu nunca perdi a fé em Deus e acho, assim, que estou</p><p>purificando a minha alma. Porque meu corpo é uma passagem aqui</p><p>(TRV 2).</p><p>Existindo também o receio de abandonar o ofício e ser “castigado (a)”, ou seja, é</p><p>uma imposição e não uma escolha da pessoa. Como podemos perceber na biografia de</p><p>Edelarzil, ela conta sua vida como uma vida marcada pelo sofrimento, tendo quase</p><p>morrido várias vezes na infância, adoecido muito por toda a sua vida, tendo perdas, sendo</p><p>perseguida por incrédulos e caluniadores, repreendida por sua família, por querer ajudar</p><p>as pessoas. Também identificamos uma visão apocalíptica em relação ao mundo. Ela, em</p><p>um de seus relatos, diz que teria tido muitas profecias enquanto ainda era criança,</p><p>entregue pelos seus “espíritos guias protetores”, mas ela não compreenderia enquanto não</p><p>crescesse. Nessas profecias, ela não deveria esperar nada de bom neste mundo, pois tudo</p><p>seria cada vez pior e chegaria um tempo em que a corrupção cresceria a tal ponto de uma</p><p>grande crise no país, onde empresários fechariam suas portas55. Sendo assim, em suas</p><p>palestras ela se mostra sempre com essa visão de mundo, não espera nada de bom e o ser</p><p>humano deve ser preparado para o pior, pois na sua concepção, encontramo-nos no “fim</p><p>dos tempos” e o ser humano só irá subsistir pela fé.</p><p>Além do poder e da força conferidos a essa pessoa, outros atributos</p><p>também lhe são designados, principalmente os de bondade e sacrifício.</p><p>Tais aspectos são, como veremos mais adiante, fundamentais para</p><p>construção das caraterísticas do atendimento. Constantemente, a</p><p>benzedura é colocada como um encargo a mais, além daquele de manter</p><p>a casa limpa, preparar a comida, lavar a roupa e cuidar do filho</p><p>deficiente (QUINTANA, 83).</p><p>Segundo Quintana, o sofrimento funciona como algo infalível no relacionamento</p><p>com o sagrado, pois dentro deste imaginário, o divino não poderia negar algo a uma alma</p><p>que se sacrifica tanto pelos outros, mais que uma oferenda a Deus, é um sistema de trocas</p><p>simbólicas, se submetendo ao sagrado elas passam a compartilhar de certa forma, do</p><p>poder divino.</p><p>55 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Xk1D-pTxWVo>. Acesso em: 21 fev. 2019.</p><p>150</p><p>3.6.4 Alguns símbolos utilizados por Edelarzil Munhoz Cardoso</p><p>Falaremos agora sobre alguns símbolos utilizados por Edelarzil e seus significados</p><p>em meio ao imaginário popular e em seu imaginário religioso subjacente.</p><p>O simbolismo da água</p><p>Não é segredo que a água é um dos elementos mais sacralizados pela maioria das</p><p>civilizações. Em diversas culturas podem ser encontradas relatos de águas milagrosas,</p><p>fontes com poderes mágicos de cura ou de juventude. Muitas águas curativas, até mesmo,</p><p>segundo suas propriedades minerais, acabaram sendo tidas como mágicas. “As águas são</p><p>simbolizadas, reverenciadas e consagradas desde os primórdios em todas as culturas,</p><p>teologias, crenças, mitos e religiões do planeta, com indícios que remontam ao Neolítico</p><p>(8000 a.C.)” (LAZZERINI; BONOTTO, 2016, p. 560). Há culturas e crenças religiosas</p><p>em que a água emitida pelas fontes, conectam o mundo exterior e o interior, “por onde</p><p>fluem deuses, espíritos e mesmo seus ancestrais” (LAZZERINI; BONOTTO, 2016, p.</p><p>560). Muitas nascentes foram consideradas locais de manifestação hierofânica e atraiam</p><p>e ainda atraem peregrinos em busca de contato com o divino e não é incomum que esses</p><p>muitos desses lugares tenham se tornado locais de culto e motivado a construção de</p><p>templos.</p><p>A água: Elemento que normalmente aparece na prática da benzedura,</p><p>remete às formas da natureza, ao mesmo tempo em que lembra as águas</p><p>purificadoras do batismo. “A mesma idéia da purificação do batismo</p><p>está contida nas benzeduras, feitas com água benta, características da</p><p>zona rural” (QUINTANA, 1999, p. 184).</p><p>No ritual de Edelarzil, a água é utilizada em dois momentos: para o ato do</p><p>benzimento, que acontece durante a procissão do ritual da materialização, onde ela</p><p>embebe o algodão na água e passa na testa e nos pulsos dos clientes e para molhar o</p><p>algodão já posta na peneira para materialização, para purificação ritual.</p><p>O algodão</p><p>Como dissemos anteriormente, o algodão tornou-se um elemento essencial para</p><p>os rituais de materialização de Edelarzil. Esse fora sacralizado como objeto neutralizador</p><p>e como receptor para a materialização dos objetos e legitimado através da consulta da</p><p>médium aos seus guias espirituais, em particular, Nossa Senhora do Rosário e Santo</p><p>Antônio de Pádua. Ao longo do tempo, ele foi ganhando certo ritmo dentro do ritual. No</p><p>início, as pessoas desfiavam seu próprio algodão a pedido de Edelarzil, para que se</p><p>151</p><p>dissipassem quaisquer suspeitas de fraude contra ela. No entanto, simbolicamente, o</p><p>desfiar o algodão tornou-se uma forma de “energização” do mesmo, tendo que as pessoas</p><p>mentalizarem coisas boas para si ou para quem o algodão está sendo desfiado e depois</p><p>colocados por elas mesmas em cima da peneira posta sobre o altar ou em sacos que ficam</p><p>em torno desse.</p><p>Durante a procissão de entrada, quando se dá início ao rito, Edelarzil benze as</p><p>pessoas com um chumaço de algodão molhado, passando-o na testa e nos pulsos enquanto</p><p>ora em voz alta e em seguida, o lança sobre a peneira. Outra forma, que pode ser entendida</p><p>simbolicamente, de colocar a pessoa sobre o altar?</p><p>O algodão não se trata de um elemento inédito em rituais, se faz presente em outras</p><p>profissões de fé como o Candomblé e Umbanda onde:</p><p>O algodão simboliza o branco, a pureza e o início da existência. É um</p><p>dos elementos primordiais que deram condições a o homem de produzir</p><p>suas vestimentas e de se proteger da s intempéries da natureza. O seu</p><p>uso representa o aquecimento vegetal. Pertence a um Orixalá muito</p><p>antigo, chamado Babá Rowu, um a divindade participante do início da</p><p>criação. Como o algodão está ligado aos orixás funfun é considerado</p><p>um elemento ambíguo, pois se conecta com duas polaridades, a vida e</p><p>a morte. Ele participa do nascimento, do início do iaô, mas também faz</p><p>parte do momento da morte, nos rituais de Axexê (BARROS (Org.),</p><p>2009, p. 227).</p><p>Na Umbanda são utilizadas as folhas e as sementes, para banhos e defumações</p><p>para invocar as forças do Orixá Oxalá, com energia de congregar e cristalizar. Também é</p><p>usado no meio popular para a realização de simpatias. Levantamos a hipótese de que a</p><p>assimilação simbólica não teria sido apenas através dos relatos de sua experiência na</p><p>lavoura do algodão. Por si só, o algodão é matéria, mas através dos valores simbólicos já</p><p>existentes no meio popular e que de alguma forma a médium teve acesso, assim, ela pode</p><p>integrá-lo mais tarde e ressignificá-lo dentro de seu ritual.</p><p>A procissão</p><p>Pode ser que, muitas pessoas que frequentam o centro de Edelarzil, percebam a</p><p>procissão que se forma para entrar na capela e dar início ao ritual, como uma simples fila</p><p>com o intuito organizacional. Meramente para manter a ordem das senhas. Porém, para</p><p>um católico que ali se coloca, imediatamente se invocam as significações do ato que</p><p>permeia seu imaginário. Sendo Edelarzil, declaradamente católica, não é estranha essa</p><p>forma de organização. A procissão de entrada é um hábito nos inícios de cultos e missas</p><p>católicas, aliás, a procissão é um ato praticado ativamente nas festas santorais, em dias de</p><p>152</p><p>louvor eucarístico e também penitencial. Normalmente essas, realizadas do lado de fora</p><p>da Igreja. A procissão de entrada no rito católico significa a lembrança da peregrinação</p><p>terrena. Segundo Dom Manuel Francisco:</p><p>Nos primórdios da Igreja, a procissão de entrada era muito solene. Era</p><p>feita, quase sempre, de uma igreja para outra. [...]. O sentido desta</p><p>procissão deve ser buscado no contexto mais amplo da caminhada que</p><p>as pessoas fazem de suas casas até a igreja. Ela lembra que somos</p><p>peregrinos neste mundo a caminho da casa de Pai (EVANGELIZAR É</p><p>PRECISO).56</p><p>Portanto, possivelmente, esse ato de integrar uma procissão inicial em seu rito,</p><p>trata-se de um acesso ao imaginário católico que ela recebeu de sua família e que traz</p><p>consigo em sua profissão de fé.</p><p>O número três</p><p>O número três também é de uso frequente no ato da benzeção, é o número ímpar</p><p>e o mínimo para obter eficácia. Invocar a Trindade, rezar três vezes a oração, usar três</p><p>folhas de cada erva terapêutica, passar três vezes pela benzeção. Edelarzil segue essa</p><p>lógica, o ideal é tirar três vezes no algodão e melhor ainda se for treze, porque é o número</p><p>de Santo Antônio, voltar três vezes para o ritual. Aqui o número 13 com conotação</p><p>positiva no sentido de mudança e boas “vibrações”.</p><p>Chauí (1991) observou que o três é visto em várias culturas como um</p><p>número perfeito, possuidor de harmonia, podendo conter poderes</p><p>mágicos, a autora comenta a reiterada presença desse número nos textos</p><p>religiosos: a Santíssima Trindade; nas vezes que Pedro negou Cristo;</p><p>nas virtudes cardeais (fé, esperança e caridade). Nas histórias infantis</p><p>encontramos uma situação semelhante: três são os pedidos ao gênio da</p><p>lâmpada, assim como também três vezes a madrasta vai à casa do anões</p><p>em “Branca de Neve”. Diversas são as histórias em que o número de</p><p>irmãos é três: “A gata borralheira”, “Três cisnes”, “Três plumas” etc</p><p>(QUINTANA, 1999, p. 183).</p><p>É um número com representatividade de equilíbrio, no imaginário popular até</p><p>mesmo para se ter filhos é considerado ideal ter até três filhos.</p><p>56 Disponível em: < https://www.padrereginaldomanzotti.org.br/artigo/procisso-de-entrada/>. Acesso em</p><p>11 fev.2019.</p><p>153</p><p>3.7 As materializações de Edelarzil Munhoz Cardoso</p><p>O hábito de transferir maldições, pecados e doenças para objetos, animais ou até</p><p>pessoas, é uma prática de purificação comum e antiga nas mais diversas civilizações. Isso</p><p>Frazer (1854-1941) aponta em sua pesquisa realizada em fins do século XIX. Transferir</p><p>males para objetos, em algumas culturas, muitas vezes funcionava apenas como um</p><p>veículo de permuta do mal para outra pessoa, sendo, por vezes, o objeto retirado de sua</p><p>presença. Ele identificou esse fenômeno em alguns países africanos, europeus, na Oceania</p><p>e na Índia. Segundo ele, a crença na transferência do mal “Se origina en una confusión</p><p>obvia entre lo físico y lo mental, entre lo material y lo inmaterial” (FRAZER, 1981, p.</p><p>608).</p><p>Na Europa, por exemplo, o receptáculo mais comum dos malefícios por</p><p>transferência, são as árvores e arbustos, tendo diversos rituais, como dar voltas ao redor</p><p>de uma árvore gritando: "La fiebre te hará temblar y El solme calentará" (FRAZER,</p><p>1981, p. 616) ou amarrar uma fita vermelha no pescoço do doente e na manhã seguinte o</p><p>amarrar a uma árvore com o intuito de transferir a doença, dentre tantos outros rituais.</p><p>3.7.1 A experiência estética mediante o abjeto no ritual de Edelarzil Munhoz</p><p>Ernst Cassirer diz que o ser humano é um ser compulsivamente simbólico, homo</p><p>simbólicus, sendo a função do símbolo dar significado ao homem e estruturá-lo com o</p><p>mundo (Símbolo, do grego syn-ballein = por junto). Esse, não sendo “um invólucro</p><p>fortuito do pensamento, e sim o seu órgão essencial e necessário” (2001, p.31). Então</p><p>desde que o ser humano tem consciência de mundo é um produtor de símbolos. Edelarzil</p><p>ressignificou muitos objetos dentro de seu ritual, cuja estética analisaremos. Quando</p><p>ouvimos a palavra estética, normalmente a imagem que subitamente mentalizamos, são</p><p>aqueles padrões alinhados, regulares e belos. Costumamos a associar a estética ao que é</p><p>agradável aos olhos e nos trazem sensação de prazer, se a ligarmos à religião,</p><p>imediatamente imaginaremos os belos quadros da renascença, dos templos bem</p><p>construídos e ornamentados que arrebatam a imaginação humana. Tendemos a sacralizar</p><p>a estética na religião, até por que:</p><p>A arte sacra, em união com a religiosidade, expressa a vida espiritual</p><p>do ser humano que, ao longo dos séculos, representou o seu anseio pela</p><p>experimentação e resguardo do sagrado, tido como forma ontológica e</p><p>existencial de provar uma dimensão peculiar que impele o “ser-no-</p><p>mundo” a sobrepujar a condição finita em que está encerrado. [...]. A</p><p>154</p><p>arte sacra, fruto dessa inquietação e da admiração do mistério</p><p>insondável da vida, é o produto cultural</p><p>..................................................... 64</p><p>Figura 6: Edelarzil e Natalino ............................................................................. 64</p><p>Figura 7: Mapeamento do “Espaço Estância Casa Caminho e Luz” – os prédios</p><p>principais ............................................................................................................. 73</p><p>Figura 8: Entrada da Estância Casa Caminho e Luz .......................................... 73</p><p>Figura 9: Restaurante Comida Caseira ............................................................... 74</p><p>Figura 10: Dormitórios Coletivos Gratuitos ....................................................... 74</p><p>Figura 11: Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios .................................... 75</p><p>Figura 12: Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta ......... 76</p><p>Figura 13: Detalhe da Ermida – Caixa para orações e doações .......................... 77</p><p>Figura 14: Imagem do Cristo Redentor em meio ao Jardim ............................... 77</p><p>Figura 15: Local de espera .................................................................................. 79</p><p>Figura 16: Mensagem Próxima à Capela ............................................................ 79</p><p>Figura 17: Lei de proteção ao culto .................................................................... 79</p><p>Figura 18: Propaganda de Hotel ......................................................................... 80</p><p>Figura 19: Estante de livros disposta no pátio .................................................... 81</p><p>Figura 20: Relógio de Boas Vindas .................................................................... 82</p><p>Figura 21: Cruz na porta de entrada da capela ................................................... 83</p><p>Figura 22: Visão geral da Capela ........................................................................ 84</p><p>Figura 23: Visão espacial da capela ritual .......................................................... 85</p><p>Figura 24: Pintura: PLE ...................................................................................... 86</p><p>Figura 25: Quadro: PLE ...................................................................................... 86</p><p>Figura 26: Quadro (PLD) .................................................................................... 86</p><p>Figura 27: Quadro (PLD) .................................................................................... 86</p><p>Figura 28: Quadros (PEC) .................................................................................. 87</p><p>Figura 29: Quadros (PDC) .................................................................................. 87</p><p>Figura 30: Oratório (PLD) .................................................................................. 88</p><p>17</p><p>Figura 31: Tabuleiro com cristais (PFC) ............................................................ 89</p><p>Figura 32: Oratório PFC ..................................................................................... 89</p><p>Figura 33: Oratório PFC ..................................................................................... 89</p><p>Figura 34: Espaço Cúltico Principal (PF) ........................................................... 90</p><p>Figura 35: Placa PF ............................................................................................. 91</p><p>Figura 36: Placa PF ............................................................................................. 91</p><p>Figura 37: Placa PLD .......................................................................................... 91</p><p>Figura 38: Formação da procissão de entrada .................................................... 95</p><p>Figura 39: Edelarzil efetuando materialização ................................................... 96</p><p>Figura 40: Edelarzil Materializando ................................................................... 96</p><p>Figura 41: Cobert. para análise (fora .................................................................. 97</p><p>Figura 42: Cobert. para Análise (dentro) ............................................................ 97</p><p>Figura 43: Objetos extraídos do algodão durante o ritual de materialização...... 98</p><p>Figura 44: Nossa Senhora do Rosário Pintura e estátua - PF ........................... 119</p><p>Figura 45: Santo Antônio de Pádua – Estátua e Pintura (PF) ........................... 121</p><p>Figura 46: Cigana Sara ..................................................................................... 123</p><p>Figura 47: Cigano Ogolé .................................................................................. 123</p><p>Figura 48: Experiência Liminóide .................................................................... 128</p><p>Figura 49: Retrato de Edelarzil (PCD) ............................................................. 136</p><p>Figura 50: Significado do nome Edelarzil ........................................................ 137</p><p>Figura 51: Jornal Regional 31 jul 1994 ............................................................ 139</p><p>Figura 52: Título de Cidadã Parisiana – 8 out. 1996 ........................................ 140</p><p>Figura 53:Diploma de Honra por excelência em dons de materialização”,</p><p>concedido pela Ordem Melquisedeque em sete de setembro de 2010 ............. 141</p><p>Figura 54: Verso do Diploma de Honra, 2010. ................................................ 142</p><p>Figura 55: Propaganda Excursão Cura espiritual .......................................... 143</p><p>Figura 56: Propaganda Excursão Espiritual ................................................... 143</p><p>Figura 57: Edelarzil orando com Imposição de Mãos ...................................... 144</p><p>Figura 58: Objetos extraídos para a autora no dia da visitação ........................ 157</p><p>18</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A cultura popular brasileira se formou desde o princípio a partir da mescla de</p><p>variadas culturas e religiosidades como a indígena, católica lusitana e africana,</p><p>comungantes de um fator em comum, o pensamento “mágico-religioso”. Após a</p><p>separação Igreja e Estado, com o golpe republicano, as terras brasileiras ganharam mais</p><p>autonomia religiosa permitindo que novas religiões aflorassem em seu território. Em</p><p>fins do século XIX chegou ao Brasil o espiritismo de Alan Kardec que foi bem acolhido</p><p>e ressignificado pela concepção católica de religião e pelo misticismo já arraigado na</p><p>cultura até então. Essa aproximação de religiões diferentes é o que teria sido um berço</p><p>propício para o nascimento de inúmeras expressões de fé de carácter distintos uma das</p><p>outras e também um dos quesitos responsáveis pelo surgimento de lideranças religiosas</p><p>carismáticas no cenário nacional. Algumas muito conhecidas como Chico Xavier, Edir</p><p>Macedo, Padre Marcelo Rossi, dentre outros, que têm em comum a capacidade de mover</p><p>um razoável número de pessoas, que buscam contato com os mistérios do mundo</p><p>espiritual. Em meio a esta efervescência da religiosidade popular brasileira, diversa e</p><p>criativa na construção do imaginário religioso, destacamos Edelarzil Munhoz Cardoso,</p><p>que ficou conhecida como a “Mulher do Algodão”, “Médium do Algodão” ou</p><p>“Benzedeira do Algodão” pela suposta capacidade de materializar objetos, figuras,</p><p>ossos, animais vivos ou partes deles no algodão. Ao longo de sua vida tem dedicado</p><p>mais de 60 anos dos seus 73 anos trabalhando com este ritual que ela denomina como</p><p>“transporte e materialização”. O ritual se baseia na possibilidade de materializar os</p><p>“fluídos” negativos que estão “amarrando” a vida das pessoas. Ela acredita que espíritos</p><p>obsessores vagueiam pelo mundo para atormentar a paz das almas, na força dos espíritos</p><p>demoníacos e magia negra, em influências negativas decorrentes de maus-olhados e de</p><p>inveja, também crê na lei do “olho por olho, dente por dente”, que “aqui se colhe o que</p><p>se planta”, ela crê que boa parte dos males que decaem sobre os seres humanos são</p><p>atraídos pelo próprio mal retido por elas mesmas. Segundo ela,</p><p>que atesta o movimento</p><p>antropológico de atribuir sentido a tudo o que se apresenta e remete ao</p><p>sobrenatural (VALVERDE; OLIVEIRA, 2005, p. 23).</p><p>Porém, a experiência estética por vezes pode se mostrar deveras desagradável,</p><p>dependendo do contexto em que se apresentam a arte ou artefato. A experiência estética,</p><p>não ocorre somente com o objeto em si, mas com todo o contexto que ele se encontra. Tal</p><p>objeto, isoladamente, seria compreendido mais objetivamente, mas o contexto em seu</p><p>derredor pode elevá-lo a níveis simbólicos, dependendo da ambientação em que ele se</p><p>encontra empregado. Esta situação particular que envolve o objeto é o que controla os</p><p>procedimentos específicos. Ao mesmo tempo, segundo Cardoso Filho, os poderes dado a</p><p>esses objetos não podem ser considerados inéditos, a experiência parte da experiência</p><p>prévia do indivíduo. De alguma maneira o despertar da experiência é uma releitura de</p><p>outras experiências agradáveis ou não. Sendo esse sentido transitório, podendo modificar</p><p>com o passar dos anos.</p><p>Como a experiência estética engloba o inesperado, a aventura e</p><p>surgimento de elementos que reconstroem, total ou parcialmente, a</p><p>experiência prévia é uma peculiaridade da perspectiva relacional da</p><p>Comunicação que permite compreender o que emerge do encontro da</p><p>criatura com o ambiente. Uma vez que pode haver qualidade estética</p><p>em qualquer experiência ordinária, o problema a ser compreendido é:</p><p>por quais motivos somente em algumas ocasiões essas qualidades</p><p>estéticas se tornam explícitas (CARDOSO FILHO, 2011, p. 44)?</p><p>Os objetos que Edelarzil Munhoz supostamente materializa no algodão em seu</p><p>ritual de benzeção, se apresentam numa linha contrária do que se é concebido como</p><p>esteticamente belo. A limpeza espiritual é promovida por meio da materialização de</p><p>objetos relacionados ao grotesco, bizarro, sendo marcadas pela sujidade, obscuridade e</p><p>relacionadas com a simbologia do mistério ou do mal, como: velas coloridas e com</p><p>diversos formatos, flores plásticas de cemitério ou até mesmo restos de animais e ossos,</p><p>acompanhados de água, terra, moscas e larvas. Ou seja, é uma experiência com a imagem</p><p>abjeta. No entanto, tais objetos extraídos têm um duplo impacto dentro do ritual, pois, ao</p><p>mesmo tempo em que podem causar estranheza ou nojo, eles são capazes de provocar</p><p>sentimento de alívio em seus “pacientes” ou “clientes”, mesmo tendo representatividade</p><p>simbólica negativa – os males extraídos, a materialização do mal –, significam a</p><p>libertação dos mesmos, recebimento de graças. Eles possuem uma linguagem própria,</p><p>que se comunicam com o interlocutor através de significados pré-sugestionados, porém,</p><p>ganham vida mediante o contexto e necessidade individuais.</p><p>155</p><p>Analisando alguns dos objetos catalogados por Edelarzil, com suas respectivas</p><p>interpretações57, podemos levantar algumas possíveis classificações:</p><p>Alguns elementos com significados já presentes no meio popular:</p><p>• Amendoim: Afetar a vida sexual da pessoa.</p><p>• Boneca (o): Para imobilizar a pessoa.</p><p>• Casca de ovo: Intriga, desavença, falsidade.</p><p>• Punhal: Traição.</p><p>Alguns elementos que revelam o imaginário negativo de Edelarzil em relação às</p><p>entidades do Candomblé e Umbanda.</p><p>• Cigarro: Trabalho de Pomba-Gira para perturbar a mente.</p><p>• Esmalte, Perfume, Batom: Trabalho para Pomba-Gira.</p><p>• Farinha Ou Farofa: Oferta para exu, para mexer com a vida.</p><p>• Vela Com Imagem/Exu/Caveira/Etc: Trabalho de alta magia.</p><p>Alguns elementos que normalmente refletem boas significações, na perspectiva</p><p>da materialização de Edelarzil, ganham significados negativos.</p><p>• Sementes: Iniciando um mau de saúde ou problemas em negócios.</p><p>• Fita Ou Vela Branca: Para tirar a paz.</p><p>• Incenso: Fechar os caminhos, não acreditar em mais nada.</p><p>Alguns apontamentos sobre esses objetos, não classificamos todos aqui devido à</p><p>extensão da lista, trata-se de um catálogo contendo 126 objetos58 identificados por</p><p>Edelarzil com seus correspondentes significados. Na primeira categoria, temos elementos</p><p>já presentes em meio popular, como por exemplo, o amendoim é conhecido por suas</p><p>propriedades consideradas afrodisíacas, então imediatamente ele fora ligado à</p><p>significação da sexualidade. Outro exemplo é a boneca, que pode nos fazer trazer à</p><p>lembrança os rituais envolvendo bonecos como os bonecos vodu, com objetivos de atingir</p><p>a pessoa a eles análogos. Já o ovo, normalmente é considerado um símbolo universal de</p><p>fertilidade e símbolo de vida, no ritual de Edelarzil, temos a impressão de seu significado</p><p>negativo vir do ditado popular “pisando em ovos”, remetendo à fragilidade da casca como</p><p>símbolo de desavença e o punhal que também consta no imaginário popular como símbolo</p><p>da traição “apunhalar pelas costas”.</p><p>A seguir temos outra categoria, os elementos que demonstram visão negativa em</p><p>relação às religiões de matriz africana, como o cigarro e objetos femininos remetidos ao</p><p>57 CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 21-24</p><p>58 Que podem ser melhor observados na tabela 4 em nossos anexos.</p><p>156</p><p>espírito da Pomba Gira59, farinha ou farofa, assim como velas com formas da entidade</p><p>Exú ou caveira, sendo analisados como trabalhos de alta magia. Ou seja, no imaginário</p><p>de Edelarzil, não apenas nos objetos, mas em seu discurso, as entidades do Candomblé e</p><p>Umbanda são de trato pejorativos ou mesmo, muitas vezes, remetidos de forma direta à</p><p>conhecida “macumba”, como são denominadas, a grosso modo, as oferendas dessas</p><p>religiões no meio popular.</p><p>São materializadas as influências negativas, de inveja, de ódio ou de</p><p>trabalhos de magia negra. Quer dizer que nem todas as pessoas podem</p><p>ter trabalhos de magia negra, [...]</p><p>Nem tudo são trabalhos de magia. Porque tem pessoas que vem aqui e</p><p>não entende...aí ele sai falando que todo mundo tem macumba.</p><p>Todo mundo tem influências negativas, isso é certeza. Tem muita coisa</p><p>pior do que trabalho de magia (TRV 3)</p><p>Para nós, uma das coisas que saiu no algodão foi um esmalte vermelho e uma vela</p><p>em formato de um casal, um de costas para o outro, então disseram se tratar de magia</p><p>negra feita à Pomba-Gira para a autora com a intenção de “separar casal” (a autora não é</p><p>casada até a presente data). O que esclarece mais ainda o imaginário do mal em torno das</p><p>religiões afro-brasileiras. O que só não é pior do que pensamentos negativos, inveja dentre</p><p>outras influências que Edelarzil considera pior do que “macumba”. Segundo o</p><p>pesquisador Altierez Sebastião dos Santos, essa distinção pejorativa em relação às</p><p>religiões afro-indígenas evidencia com a presença de outras doutrinas que não são</p><p>recebidas de outra forma.</p><p>Isso se torna claro quando outros grupos religiosos como as wiccaou</p><p>outros cultos neopagãos recém-chegados ao cenário brasileiro, via</p><p>classe média, não são estigmatizados. Percebe-se que a relação que</p><p>historicamente foi estabelecida entre europeus e africanos ou indígenas</p><p>no Brasil, de dominação, permanece com desdobramentos ainda hoje</p><p>presentes na cultura e mentalidade da sociedade. No esforço de dar à</p><p>dominação uma dimensão total, diversos aspectos do ethos afro-</p><p>indígena foram, como seus portadores, tachados como “inferiores”. A</p><p>nível cultural, as expressões – tanto materiais quanto imateriais – foram</p><p>consideradas como patrimônio desimportante, impuro, incivilizado e</p><p>por isso, passível de ser desmobilizado ou suprimido. Inclui-se aqui de</p><p>forma destacada toda a perseguição institucionalizada que se abateu</p><p>sobre as formas religiosas afro-brasileiras, vítimas de violência</p><p>simbólica (SANTOS, 2016, p. 126).</p><p>Por fim, uma característica do ritual de materialização de Edelarzil é que todos os</p><p>objetos, independente de significados são analisados em seus aspectos negativos. Não há</p><p>quaisquer significações boas relacionadas a eles. Como mencionamos no texto, eles são</p><p>59 Temos aqui também uma desvalorização de elementos femininos.</p><p>157</p><p>a materialização do mal, são sujos, de aspecto repugnante. Como exemplo temos os</p><p>símbolos da semente, que tem significação normalmente boa como, a semente do</p><p>Evangelho, a semente como sinal da abundância e da benção, a cor branca que</p><p>normalmente significa pureza, iluminação e paz ou ainda o incenso utilizado por tantas</p><p>religiões para a purificação ou elevação das preces (no catolicismo), todos aqui são</p><p>observados a partir de um ângulo negativo ou totalmente contrários ao seu significado.</p><p>Segundo Bittencourt Filho (2003), a religião é uma busca coletiva de sentido e o mito, o</p><p>rito e o interdito são necessários, no caso dos objetos de Edelarzil, os objetos são um dos</p><p>elementos interditos. A mediação simbólica na narrativa cumpre a função de</p><p>estruturadora da linguagem religiosa.</p><p>Figura 58: Objetos extraídos para a autora no dia da visitação</p><p>Fonte: Fotografia do arquivo da autora</p><p>Claro que aqui precisamos consideras a polissemia dos símbolos, podendo os</p><p>mesmos ter significações boas e más, o punhal mesmo, pode ser um símbolo de justiça.</p><p>Mas o que nos salta aos olhos é que absolutamente todos os objetos extraídos nas</p><p>materializações contém significações ruins. Essa característica é que faz a originalidade</p><p>ritual de Edelarzil. Porém, são desejados, pois a não materialização significa o não</p><p>merecimento da graça, então cabendo à materialização em si, ser bem ao representar a</p><p>limpeza espiritual e o mau ao representar a sujeira retirada, ou maus “fluidos”, é o</p><p>158</p><p>imaginário da libertação de forças negativas, dos espíritos vagantes ou espíritos</p><p>demoníacos.</p><p>159</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Retomemos em uma síntese, o que apresentamos nesta pesquisa. No primeiro</p><p>capítulo analisamos, primeiramente através da perspectiva teórica da Matriz Cultural</p><p>Religiosa Brasileira e pudemos perceber que o Brasil, desde seu “nascimento”, com as</p><p>religiosidades que já estavam aqui em meio aos povos indígenas se agregou a</p><p>religiosidade do povo luso-europeu e às religiões de matriz africana. Amalgamando não</p><p>apenas a religião, como diversos traços culturais que comporam e deram forma ao que</p><p>hoje é conhecida como cultura brasileira. Uma das características que mais contribuíram</p><p>para que o catolicismo no Brasil abraçasse essas religiões de forma sincrética, por</p><p>consequência, as religiões africanas e indígenas tenham sido sincretizadas nesse processo,</p><p>deve-se ao fato de que até em fins do século XIX, sobressaía o leigo como protagonista</p><p>da religião, não tendo um clero formado tanto em número como em formação intelectual</p><p>e eclesiástica. A religião católica trazida pelos portugueses era composta por uma vertente</p><p>religiosa mais afeita ao místico e às manifestações populares do que ao catolicismo</p><p>romano oficial, facilmente integrou-se ao imaginário indígena e africano que possuíam</p><p>características místicas similares em suas culturas. Com isso, mesmo o catolicismo sendo</p><p>a religião oficial do Estado, as religiões africanas e indígenas não deixaram de ser</p><p>praticadas à margem do sistema religioso.</p><p>As mulheres tiveram maior liberdade para agir dentro desse catolicismo leigo e</p><p>sincrético, muitas sendo aceitas como verdadeiras santas, que uniram as práticas da reza</p><p>católica, com os conhecimentos indígenas curativos da floresta e os amuletos africanos,</p><p>como alternativa medicinal numa época em que a presença de médicos era escassa e um</p><p>benefício para ricos. Essas mulheres que ficaram conhecidas como rezadeiras e</p><p>benzedeiras, ofício que sobreviveu aos séculos, ao avanço da medicina e descobertas da</p><p>biomedicina. O Brasil, a partir do século XIX, recebeu o espiritismo, mesmo a</p><p>contragosto da Igreja Católica, que estava vivendo um processo de romanização e</p><p>consolidação do clero em solo brasileiro. O espiritismo foi catolicizado rapidamente,</p><p>ganhando força e se somando ao imaginário místico popular, influenciando religiões</p><p>como a Umbanda e outras novas religiões que afloraram no século XX. Também</p><p>chegaram as comunidades evangélicas pentecostais e houve uma verdadeira “explosão</p><p>gospel” a partir de meados do século XX, e a aproximação das religiões com as diversas</p><p>160</p><p>mídias que contribuíram para a propagação de personalidades carismáticas com grande</p><p>capacidade de reunir massas. Com isso, muitas variações e novas “mutações religiosas”</p><p>aconteceram nas mais variadas expressões. Nessa perspectiva, podemos notar que</p><p>Edelarzil Munhoz Cardoso recebeu diversas influências na criação de seu imaginário</p><p>religioso. No começo de sua trajetória, ao lermos sua história, pouco ela se distancia do</p><p>trajeto de uma benzedeira “comum” ao seu grupo. Sim, ela já dizia materializar objetos,</p><p>mas devemos considerar que no Brasil há uma variedade de ritos entre as benzedeira,</p><p>como pudemos perceber no capítulo primeiro, as benzedeiras de garrafadas e costura no</p><p>Paraná, entrevistadas por Hoffmann-Horochovski ou as benzedeiras de benzedura com</p><p>brasa, pena de galinha preta embebida em óleo, costura, imposição das mãos tendo em</p><p>posse um terço, como as observadas por Quintana no Rio Grande do Sul. Claro que a</p><p>materialização é um rito diferenciado, mas considerando as prerrogativas guardadas em</p><p>seu meio, a escolha divina, a resignação e sofrimentos que sacrificam sua vida para a</p><p>purificação da alma, a gratuidade, os espíritos guias, a crença num mundo espiritual onde</p><p>espíritos atormentados podem prejudicar a vida, onde a benzeção aparece como meio de</p><p>libertação de influências negativas, e de afastar os espíritos maus etc, tudo o que permeia</p><p>o imaginário de uma benzedeira estava mais presente na vida de Edelarzil, inclusive o</p><p>atendimento em sua própria casa. Foi assim até a década de 1980. A partir desta época,</p><p>quando veio o “consentimento” de seu marido Natalino, o número de pessoas atraídas</p><p>pelo “fenômeno da materialização”, deveras original em seu grupo, levou a benzedeira</p><p>Edelarzil a conquistar um espaço religioso próprio, primeiro com a doação de um</p><p>barracão em Parisi e depois com um sítio em Votuporanga. Ainda em Parisi, na década</p><p>de 1990, a peregrinação ao centro “Nossa Senhora do Rosário” era tamanha que chamou</p><p>a atenção de diversas mídias de jornais, rádio e televisão. Quando mudou-se para</p><p>Votuporanga e construiu seu centro Estância Casa Caminho e Luz, percebemos maiores</p><p>modificações.</p><p>No segundo Capítulo, podemos notar em seu espaço uma similaridade modesta da</p><p>estrutura do espaço de Edelarzil com os espaços de peregrinações católicas, como</p><p>podemos observar na figura 7. Através do “nascimento de seu espaço sagrado” podemos</p><p>perceber as influências que permeiam o imaginário de Edelarzil, de como deve ser um</p><p>centro religioso. Podemos compará-las a estruturas como a da comunidade católica</p><p>Canção Nova, por exemplo, possui restaurante, pousada, um local para as palestras</p><p>religiosas, local para oração, uma estrutura administrativa para montagem de caravanas e</p><p>demais organizações. Por todo o seu espaço, sobressaem a presença de imagens católicas</p><p>161</p><p>de Jesus, dos santos e principalmente de Maria. A capela central remete à centralização</p><p>de imagens características dos excessos da arte barroca, presente no imaginário popular</p><p>dos oratórios de benzedeiras60. A presença dos ex-votos, os testemunhos de graças</p><p>alcançadas, assim como os presentes de agradecimento. Ao mesmo que notamos outras</p><p>imagens que fogem ao imaginário católico. Ao mesmo tempo que a médium é uma pessoa</p><p>que declara seu catolicismo desde o nascimento, podemos contemplar em suas imagens,</p><p>algumas de suas variações imaginárias. Como a presença de uma casa especial para</p><p>atendimento de cartas e búzios, imagens ciganas em sua capela, um tabuleiro contendo</p><p>palavras, cristais e simbologias para atrair boas energias, livros espíritas e esotéricos. Na</p><p>década de 1990, não encontramos quaisquer menções de Edelarzil como cartomante, o</p><p>que nos leva a crer tratar-se de um ofício mais recente.</p><p>Também notamos variações em</p><p>seu rito, a extinção do rito de purificação inicial com espada de São Jorge em cruz após</p><p>fixação de uma capela religiosa em seu espaço, aliás, rito utilizado por algumas</p><p>benzedeiras, Assim como a agregação de uma performance mais pendida para o midiático</p><p>pentecostal, com microfones e imposição das mãos nas pessoas enquanto se ora. Apesar</p><p>da imposição das mãos ser algo muito utilizado no ato das benzeção, a diferença está na</p><p>postura, no caminhar, no fechar dos olhos, na impostação da voz e no uso de tecnologia.</p><p>Sendo assim, percebemos que Edelarzil passou por um processo de modificação e</p><p>distanciamento do que seria comum ao rito de uma benzedeira, ganhando centralidade</p><p>em seu espaço religioso, tendo um espaço dedicado a si própria dentro da capela ritual,</p><p>onde estão fotos e homenagens, assim como uma exaltação do significado de seu nome,</p><p>que a revela como uma personalidade autônoma e forte. Essa centralidade condiz mais</p><p>com a forma como as pessoas a descrevem ou a representam imageticamente em fotos,</p><p>uma pessoa cercada pela luz, bondosa, pura, desprendida e capaz de sofrer pelos demais</p><p>a sua volta, uma “mulher santa”. Como um todo, observamos que Edelarzil, apesar de ter</p><p>se desenvolvido no, princípio de sua carreia, como uma benzedeira, com os anos</p><p>aconteceram muitas transformações através de agregações simbólicas de outros cultos</p><p>além dos símbolos católicos.</p><p>Nesse movimento relioso, permeado de hibridismo, a “Mulher do Algodão” é</p><p>apresentada como figura central. Durante o ritual, Edelarzil assume a sua performance de</p><p>médium, uma pessoa a quem é atribuída a dádiva miraculosa de transportar e materializar</p><p>os males através de objetos no algodão e tudo em seu centro gira em torno dessa</p><p>60 Podemos apontar aqui a ausência de imagens santorais negras, mesmo a santa negra Sara Kali, santificada</p><p>pelo povo cigano, aparece numa iconografia embranquecida.</p><p>162</p><p>expectativa. Sua presença é esperada, na verdade, cada vez mais esperada à medida em</p><p>que a mesma se atrasa para iniciar seu rito, mediante o discurso de que cada vez mais se</p><p>atrasará porque “quem sabe as pessoas desistam de procura-la”. Porém, a chegada</p><p>simpática e risos dos espectadores enquanto menciona essas palavras que remetem à</p><p>mediunidade o predicado de ser um fardo, nos fez brotar uma dúvida: seria o atraso uma</p><p>medida para realmente fazer as pessoas desistirem ou um método consciente ou não da</p><p>mesma fixar-se em seu potencial como médium? O fato é que as pessoas não desistem e</p><p>parecem cada vez mais curiosas ou àquelas que frequentam assiduamente o recinto</p><p>permanecem porque realmente acreditam e veem nela uma pessoa iluminada por Deus.</p><p>Edelarzil é a líder religiosa que se converte em imagem, segundo as reflexões de Klein</p><p>(2006). Seu Espaço Significativo propicia o trânsito de pessoas das diferentes profissões</p><p>de fé e de diferentes classes sociais, que se agregam por um curto período de tempo numa</p><p>communitas espontânea.</p><p>Edelarzil possui um discurso mesclado entre o discurso cristão católico sobre a</p><p>percepção de pecado e o dever de se fazer um exame de consciência com elementos do</p><p>espiritismo, como maus fluídos, desencarne, vidas passadas. O “fazer exame de</p><p>consciência” serve de método para diagnosticar erros que possam estar atraindo o mau.</p><p>Sua visão de mundo é pessimista, a narrativa de seu próprio mundo é permeado de</p><p>sofrimentos e sacrifícios, assim como suas previsões para o futuro se apresentam de forma</p><p>apocalíptica. Para ela, estamos vivendo o “final dos tempos” e que o ser humano não pode</p><p>esperar nada de bom nessa terra. Esse pessimismo se estende sobre a significação dos</p><p>objetos que ela alega extrair do algodão.</p><p>Outro ponto importante sobre Edelarzil é que, notavelmente, ao mesmo tempo em</p><p>que ela trata pejorativamente os elementos das religiões africanas, agrega elementos em</p><p>seu rito do imaginário da Umbanda e do Candomblé, como ervas específicas que são</p><p>designadas às energias dos orixás ou, até mesmo, a veneração de São Jorge que está mais</p><p>presente nessas religiões através de sua representação do orixá Ogum.</p><p>Sintetizando sobre a atuação de nossa “atriz social” em sua representação,</p><p>Edelarzil foi construindo seu imaginário religioso ao longo das décadas se tornando uma</p><p>personalidade autônoma e híbrida, podemos concluir isso analisando seu universo</p><p>simbólico, sua iconografia e comparando com seu discurso. Ela conquistou um público</p><p>razoável e das mais variadas religiões e status sociais e consolidou-se transmutando de</p><p>benzedeira à conhecida “Mulher do Algodão” ou “Médium do Algodão”. Arriscamos</p><p>163</p><p>dizer que, apesar de guardar características comuns a uma benzedeira, o termo médium</p><p>parece ser melhor condizente com sua performance religiosa nos dias atuais.</p><p>Enfim, para concluirmos esse trabalho que tecemos sob a metodologia da Cultura</p><p>Visual e Material, onde as imagens são reveladoras de sentido tanto em caráter espacial,</p><p>material e metafísico, apresentamos uma personalidade que pode bem representar essa</p><p>nova era das imagens numa teologia “imagofática”. A perspectiva da cultura visual e</p><p>material precisa ser ainda mais explorada pelos pesquisadores da religião no Brasil, sendo</p><p>esse um País profundamente imagético e visual.</p><p>164</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>Referências bibliográficas</p><p>ALBIERI, Vanda Cunha. “Rezas, Crenças, Simpatias e Benzeções: costumes e tradições</p><p>do ritual de cura pela fé”. Centro Universitário do Triângulo – Uberlândia/MG.</p><p>Disponível em</p><p><http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/1204153991938640841323478385299</p><p>96558992.pd> acesso em 10 dez. 2018.</p><p>ALMEIDA, Andreson. D. da S. et all. Santos e orixás: sincretismo, estética e arte afro-</p><p>brasileira na estatuária da Coleção Perseverança. Revista Crítica Histórica Ano VII,</p><p>nº 14, dezembro/2016.</p><p>ANAZ, Sílvio et all. “Noções do Imaginário: Perspectivas de Bachelard, Durand,</p><p>Maffesoli e Corbin”. In: Revista Nexi, PUCSP, n 3, p. 01-16, (2014). 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Disponível em: <//3.bp.blogspot.com/-</p><p>s1X4bNzbEG8/T4Ikiawg9eI/AAAAAAAAHPo/3O9OSIf4QHc/s1600/Ederlazil+</p><p>e+o+marido+apelidado+de+bico+doce.jpg> Acesso em: 22 jan. 2019.</p><p>Figura 8: Entrada da Estância Casa Caminho e Luz, Disponível em: <:</p><p>http://bvespirita.com> Acesso em: 13 jan. 2019.</p><p>Figura 9: Restaurante Comida Caseira. Disponível em: < httpsstatic.wixstatic> acesso</p><p>em: 12 jan. 2019.</p><p>Figura 22: Visão geral da Capela. Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-</p><p>kodluaok4n8/t4eihxnoihi/AAAAAAAAHUQ/gcmadngwyue/s1600/Ederlazil+Siti</p><p>o+de+Atendimento+11.JPG> acesso em: 22 dez. 2018.</p><p>174</p><p>Figura 39: Edelarzil efetuando materialização. Disponível em: <</p><p>https://www.youtube.com (05m50s)61>. Acesso em. 25 jan. 2019</p><p>Figura 40: Edelarzil Materializando. Disponível em: <https://1.bp.blogspot.com/-</p><p>pYJ06CEkVgE/WqGXXS18zoI/AAAAAAAACgw/dy5eh06cDYIAlFECHQvvO</p><p>9mhAbtZWkttACLcBGAs/s1600/edelarzil.jpg> acesso em: 22 dez. 2018.</p><p>Figura 41: Cobert. para análise (fora) Disponível em: <http3.bp.blogspot.com-</p><p>yut0swyobjmt43rhaldggiaaaaaaaahzqsa80y4qsqqws1600edelarzil+lugar+de+ver+</p><p>os+objetos+1.JPG</p><p>Figura 42: Cobert. para Análise (dentro). Disponível em:</p><p><httpsqueromochilar.com.brwp-contentuploads20180324-Quero-Mochilar-</p><p>Votuporanga.jpg > Acesso em: 24 dez. 2018.</p><p>Figura 43: Objetos extraídos do algodão durante o ritual de materialização. Disponível</p><p>em: < http://2.bp.blogspot.com/>. Acesso em: 23 jan. 2019.</p><p>Figura 54: Verso do Diploma de Honra. Disponível em:</p><p><https://www.curaespiritual.com.br/images/maos_de_deus_operando_milagres.jp</p><p>g?crc=3818697859> Acesso em: 22 dez. 2018.</p><p>Figura 55: Propaganda Excursão Cura espiritual. Disponível em:</p><p><<https://www.curaespiritual.com.br/images/m%C3%A9dium-do-</p><p>algod%C3%A3o-pr%C3%B3xima-excurs%C3%A3o-</p><p>norma.jpg?crc=407169844> acesso em 22 jan. 2018.</p><p>Figura 56: Propaganda Excursão Espiritual. Disponível em:</p><p><<https://excursaoespiritual.com.br/images/m%C3%A9dium-do-</p><p>algod%C3%A3o-pr%C3%B3xima-excurs%C3%A3o-</p><p>al%C3%AA300x419.jpg?crc=245461675>> Acesso em: 22 jan. 2019.</p><p>Figura 57: Edelarzil orando com Imposição de Mãos. Disponível em:</p><p><<https://www.casacaminhoeluz.comgaleria-de-fotos#ptdc0174-jpg>> Acesso</p><p>em: 22 jan. 2019.</p><p>175</p><p>ANEXOS</p><p>TRANSCRIÇÃO DE VÍDEOS</p><p>Ipsis Litteris</p><p>Transcrição 1</p><p>HDVIDEO MS. Materialização no algodão, (13m21s). Disponível em:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=McpAbwqMobE> Acesso em 05/11/2017.</p><p>Gravação para um canal do site You Tube. 2017</p><p>EDELARZIL - INTRODUÇÃO: Eu tô agradecendo a todos que estão aqui e</p><p>pedindo também que Deus os abençoe. Eu faço a minha parte, peço a Deus. Quer dizer</p><p>que não sou Deus, sou uma intermediária. E peço a Deus que todos que vêm até aqui,</p><p>recebam a graça. Mas vai depender de cada pessoa, da fé de cada pessoa. Porque tenho</p><p>fé, mas depende de cada um... E Deus disse assim: Faça a tua parte que eu te ajudarei.</p><p>Então eu vou fazer a minha parte e cada pessoa faz a sua. Então que Deus abençoe a</p><p>todos, que dê bastante saúde, paz, amor e prosperidade pra cada um. Que Deus abençoe,</p><p>que Deus ilumine todos os que estão procurando a graça e... que Deus vai abençoar cada</p><p>um deles e...quem tem fé eu tenho certeza que vai receber. Bom dia a todos! Que Deus</p><p>ilumine e que Deus os acompanhe!</p><p>Então hoje, eu estou... aqui gravando...quase não gosto de gravações, mas pelo</p><p>pedido do meu esposo, que ele quer guardar por recordação de tantos tempos de trabalho</p><p>e de luta, então eu estou gravando para passar mensagem pra todos, de amor, de fé, de</p><p>paciência, de humildade...e que Deus ilumine a todos e que Deus os acompanhe!</p><p>EDELARZIL: Boa tarde, para vocês! Que Deus ilumine vocês e que cada um</p><p>consiga alcançar a graça que vieram procurar. Tem pessoas pela primeira vez? Pouquinha</p><p>gente, muito pecado hoje.</p><p>As pessoas que estão aqui pela primeira vez e que não entendem o significado do</p><p>trabalho. O trabalho é de “transporte” e materialização. São materializadas as influências</p><p>negativas, de inveja, de ódio ou de trabalhos de magia negra. Quer dizer que nem todas</p><p>as pessoas podem ter trabalhos de magia negra..., mas influências negativas... não existe</p><p>quem não tenha. Muitas vezes as influências negativas são de uma pessoa sobre a outra.</p><p>176</p><p>Ou muitas vezes, de si próprio. Muitas vezes é a gente mesmo que atrai o mal, desde que</p><p>a gente tenha a mente negativa, desejando o mal ao próximo, tendo inveja, ódio ou</p><p>vingança. Então cada um de nós, temos o retorno que merecemos e o retorno é triste</p><p>porque vem com juros. A gente paga o dobro do que a gente a fez. Então quem está aqui</p><p>pela primeira vez..., deve ser feita a oração durante treze dias, pedindo a graça que quer</p><p>alcançar. E é pela oração, pela fé, pela penitência e pelo sacrifício, que cada pessoa</p><p>alcança a graça.</p><p>Mas antes de fazer a trezena, deve-se fazer, um exame de consciência, um exame</p><p>espiritual. Pra ver o que está acontecendo na vida de cada um de vocês...não seje de si</p><p>próprio, porque</p><p>muitas vezes é a gente que atrai o mal.</p><p>Faça o exame de consciência pra ver aonde errou ou aonde está errando, porque</p><p>todos nós erramos, todos nós pecamos. Perfeito, é só Deus! Então a gente deve reconhecer</p><p>os erros, pedindo perdão a Deus dos erros que todos os dias cometemos. Fazendo as</p><p>orações, penitências, os jejuns, e retirando da sua vida, durante os treze dias da oração, o</p><p>que você é mais habituado a fazer todos os dias. Então todos nós erramos, por isso é bom</p><p>fazer o exame de consciência, pra ver aonde errou ou aonde está errando. Pra não acusar</p><p>só o vizinho. Que muitas vezes a gente erra, mas a gente nunca enxerga o erro da gente.</p><p>É fácil acusar os outros. É fácil colocar a culpa em outra pessoa, então por isso tem que</p><p>fazer o exame de consciência. Nem tudo são trabalhos de magia. Porque tem pessoas que</p><p>vem aqui e não entende...aí ele sai falando que todo mundo tem macumba.</p><p>Todo mundo tem influências negativas, isso é certeza. Tem muita coisa pior do</p><p>que trabalho de magia. Porque magia é fácil ser desfeita, mas o que vem da mente, do</p><p>coração e da língua...é difícil. Quantas vezes a pessoa que atrapalha a vida da gente,</p><p>convive com a gente... no trabalho, no lazer ou, muitas vezes, amiga. Por isso a gente tem</p><p>que estar preparada espiritualmente. Porque tem tantas pessoas que têm a mente diabólica,</p><p>por inveja, por cobiça, por ódio, por vingança...e ela atrapalha a vida da outra. Nunca se</p><p>vingar..., também, porque tem pessoas que se vinga, se cada vez fica pior, porque a gente</p><p>tem que orar para que Deus ilumine a mente e o coração de quem nos atrapalha e que eles</p><p>consigam sair das trevas e que vocês consigam sair de seus problemas. É perdoando que</p><p>a gente é perdoada. Não adianta vingança. Deus deixou a lei do retorno. Quem planta</p><p>vento, colhe tempestade, então não se preocupe. Deus tarda, mas não falha. A gente tem</p><p>que sempre perdoar.</p><p>A gente veio para este mundo. não veio por acaso, a gente veio resgatar alguma</p><p>coisa. Muitas vezes, as pessoas falar, por.tô sofrendo, mas eu nunca fiz mal a ninguém.</p><p>177</p><p>Será?... Que nunca fez mal a ninguém? A gente não precisa fazer os atos, a gente faz pelo</p><p>pensamento. Quantas vezes, pensa mal de uma pessoa e aquela pessoa, e a aquela pessoa,</p><p>talvez, até é inocente e a gente tá julgando coisa errada. Então a gente tá prejudicando.</p><p>Por isso a gente tem: “orai e vigiai”, pra não ser atingido de tanta influências negativas.</p><p>Tem muitas pessoas, também, que vêm aqui...ela vem com o coração cheio de ódio e de</p><p>vingança. Ela vem com mágoa e isso faz mal. Quer dizer que a pessoa prejudica a si</p><p>próprio.</p><p>Tem muitas ...que não perdoam e para alcançar a graça... gente tem que perdoar.</p><p>Tem muitas pessoas que tem ódio da própria família e tudo que vem do sangue é bem</p><p>pior, porque se torna uma maldição na família. Por isso eu sempre peço, pra fazer a</p><p>trezena...não é que só tenha que ser feito treze dias de oração, a gente tem que fazer todos</p><p>os dias.</p><p>Os treze dias é pra fazer o exame de consciência e ver o que a gente está fazendo</p><p>de errado. Orar a gente tem que orar todos os dias, pelo menos o Pai Nosso. Na hora de</p><p>deitar, na hora de levantar. Não só pedindo, é agradecendo a vida que Ele nos deu e pela</p><p>oportunidade que Ele nos dá de reconhecer os nosso erros e recomeçar uma nova vida.</p><p>Agora tem pessoa que tem muita preguiça de orar. Tem gente que deita e nem se</p><p>lembra de Deus, Levanta e é a mesma coisa. Quer dizer que está aberto para todas as</p><p>influências negativas. Porque a gente orando já tem as perseguições...e se a gente não orar</p><p>então? Aí você deu uma abertura para as influências negativas.</p><p>Não fique preso ao passado, porque tem muita gente que vem aqui e coloca lá no</p><p>caderno de oração, dizendo: “Dona Edelarzil, eu perdi casa, carro, imóveis, dinheiro. Eu</p><p>quero tudo de volta”. É impossível! Querer tudo de volta. Quando a gente perde, já</p><p>perdeu. A gente tem que pedir pra Deus, saúde, que é a maior riqueza. Você tendo saúde,</p><p>você luta e recomeça tudo de novo. Não é pedir de volta. Muitas vezes, a gente entrega</p><p>em dívidas os bens que a gente tem. Antes não ter as coisas e não dever do que ter as</p><p>coisas devendo. Não é?</p><p>Outros dizem que querem sair dos problemas financeiros. Primeiro faça o exame</p><p>de consciência. Que, muitas vezes a pessoa ganha 3 e gasta 5, aí ele nunca vai sair dos</p><p>problemas financeiros. Ou ele vai e compra parcelado, uma casa, um carro, ele</p><p>compra...depois no fim, vai se enrolar. Porque nem sempre as coisas dão certo. Negócios,</p><p>daí você vai passar por problemas financeiros. Pensa: “Será que não vou fazer alguma</p><p>coisa errada. Se eu ganho 3, eu tenho que gastar 1500, não posso gastar os 3. Preciso ter</p><p>uma reserva pra quando ficar doente ou alguma coisa que aparece e a gente tem que pagar.</p><p>178</p><p>Então nem tudo são trabalhos de magia, muitas vezes é que a gente é ignorante mesmo, é</p><p>que a gente não pensa e pra gente fazer as coisas tem que pensar muitas vezes. Orai e</p><p>vigiai e antes de fazer qualquer negócio, pense muito antes. Pra não ter os problemas</p><p>depois de ter que acusar o vizinho, é a gente que errou e põe a culpa no outro. É fácil por</p><p>culpa nos outro, não é?</p><p>Tem pessoas também que erra a vida inteira e ela não percebe que são os próprios</p><p>erros dela que estão bloqueando a vida dela, porque tudo vai dando errado e ela continua</p><p>com os mesmos erros. Então faça o exame de consciência e vê o que é que você está</p><p>fazendo de errado e corrija, que a gente pode errar. Mas a gente erra até quando a gente</p><p>quer. Quando a gente percebe que são os próprios erros que estão bloqueando a vida, ou</p><p>você vai melhorar e fazer as coisas certas ou vai afundar, a escolha é de cada pessoa. Deus</p><p>não deseja o mal de ninguém, não quer mal a ninguém. Deus está sempre nos ajudando,</p><p>a gente que não percebe as ajudas que Ele dá pra gente. Antes de fazer qualquer negócio,</p><p>pede para Deus: “Me dá sabedoria, ilumina minha mente e meu coração. Não deixe que</p><p>eu dê um passo errado”. Então se a pessoa tem fé, fala com Deus. Agora tem pessoas que</p><p>só pensa nos bens materiais e Deus está distante desses pensamentos dele. Ele está só</p><p>pensando que vai conseguir tal coisa: “é que vou subir, é que eu vou fazer...”, mas Deus</p><p>nunca está presente no coração e na mente dele. E para as coisas espirituais dar certo é</p><p>preciso que as espirituais esteja bem. Não pode ter bloqueios espirituais para os materiais</p><p>dar certo. Porque se você não tiver preparação espiritual, nada na tua vida vai dar certo.</p><p>Primeiro, peça a Deus sabedoria. Se você tiver rancor de alguém ódio, peça</p><p>perdão. Tire da sua mente e do seu coração toda magoa, porque daí você vai ver que sua</p><p>vida vai mudar. Agora enquanto a pessoa tiver muito orgulho, nada vai dar certo, porque</p><p>tem pessoas que tem tanto orgulho que ela diz não precisar de ninguém. Será que existe</p><p>alguém que não precisa de ninguém? Não existe. Todos nós precisamos um dos doutros.</p><p>Você pode ser um empresário bem-sucedido, mas você precisa dos empregados pra</p><p>trabalhar pra você e seus empregados de você. É um pelo outro. Até depois que morre,</p><p>para levar para o cemitério e porque achar que não precisa de ninguém.</p><p>Tem pessoas que tem tanto orgulho. Se ele tem dinheiro, ele passa pisando nos</p><p>outros e nem vê. E para que tanto orgulho se nós todos temos podridão na vida. Você</p><p>pode ter uma roupa de marca, você pode tá bem arrumado, mas na barriga só tem</p><p>podridão... é merda e vermes mesmo. Não adianta ter orgulho, todos nós somos iguais: é</p><p>branco, preto, velho, novo...rico, pobre...não tem diferença. Depois que a gente</p><p>desencarna, todos nós viramos caveira. E depois que for caveira, se você olhar para aquele</p><p>179</p><p>monte de caveira...: “será que é de rico ou pobre?” - é tudo igual - “Será que essa caveira,</p><p>quando estava revestida de carne, deitou num travesseiro de plumas ou nas pedras da</p><p>estrada?”. Você não sabe. Por isso a gente tem que ter humildade, para poder então</p><p>conseguir vencer na vida e ter pelo menos para sobreviver. Agora...tem gente que quer</p><p>ganhar o mundo inteiro. Não adianta... ganhar o mundo inteiro, porque o dinheiro compra</p><p>tudo, mas a vida ele não compra. Quando chega a hora, você pode ser milionário, mas</p><p>você vai mesmo. Tudo fica, mas a gente vai. Por isso a gente tem que ser humilde e não</p><p>falar tanto da vida dos outros, porque tem pessoas que só fala mal da vida dos outros.</p><p>É como está escrito na bíblia: “aponta o cisco no olho do outro e no teu você tem</p><p>uma trave”. Por isso a gente tem que fazer um exame de consciência para ver porque a</p><p>gente está com tantos bloqueios. Orai e vigiai e na hora de fazer a oração, tire um tempo</p><p>para Deus. Não vai fazer oração assistindo novelas, assistindo televisão, porque você não</p><p>sabe nem o que quer. Assiste novela e faz oração..., diz que fez a trezena..., ela lê treze</p><p>dias, mas não fez a trezena. A trezena a gente tem que fazer, mas fechada num quarto,</p><p>sem ouvir conversas, você mentalizar certinho o que está acontecendo na sua vida. Então</p><p>antes de fazer a oração, faça o exame de consciência. E aí você fala com Deus: Será que</p><p>atrapalhei a vida de alguém? Você pensa bem..., que você encontra. Será que eu menti?</p><p>Ah! Mas vai achar tantas mentiras! Será que fiz intrigas, levantei falsos, tive inveja,</p><p>cobiça, me vinguei, tive ódio, traí? Você encontra tudo, porque traições não é só de</p><p>homem e mulher. Tem tantos tipos de traições... de negócios, tem tanto que dá rasteira</p><p>nos negócios, sabendo que está prejudicando a outra pessoa. Então está traindo. Tudo isso</p><p>são bloqueios espirituais. E Deus dá a oportunidade para todos nós, reconhecer os nossos</p><p>erros e recomeçar uma nova vida.</p><p>Quando você estiver com a sua vida toda bloqueada, as vezes com problemas de</p><p>saúde...profissionais, financeiros, desempregos, sentimentais, imóveis para vender ou</p><p>dinheiro para receber e não consegue... não se desespere, falando que tua vida é uma</p><p>desgraça. Porque sem chamar ela já vem e se você chamou ela aposenta com você. Então</p><p>quando a gente está com tudo bloqueado na vida da gente, a gente tem que pedir a Deus:</p><p>Dai-me força, Senhor, pra mim suportar a minha cruz. Todos nós temos a nossa. “Dai-me</p><p>paciência! Ei de vencer todos os obstáculos da minha vida, porque Deus está comigo.</p><p>Quem é que vai poder me destruir?”. Se você tiver fé, você pode ter caído, você levanta</p><p>e começa tudo de novo, isto é certeza, mas pela fé. Porque, eu tenho muita fé, eu faço a</p><p>minha parte e cada um faz a sua. Eu não sou deusa, sou uma intermediária. Eu tenho</p><p>muita fé e posso ver vários problemas numa pessoa, que a gente vê que ele tá lá no final</p><p>180</p><p>do túnel, mas eu faço minha oração e falo: “Para Deus, não existe nada impossível”.</p><p>Impossível é para as pessoas que não tem fé, mas para quem tem fé, tudo é impossível.</p><p>Agora, então, eu farei a oração em conjunto, pedindo a Deus e aos guias, para que</p><p>cada um consiga alcançar as graças que vieram procurar, mas neste momento quem tiver</p><p>peças de roupas, fotos, documentos, objetos para serem abençoados.</p><p>(Impostação de voz).</p><p>“Que seja abençoado, cada pessoa que está aqui presente, que sejam abençoados</p><p>os ausentes que vocês trouxeram, que sejam abençoados todos os objetos que você</p><p>trouxeram, que sejam abençoadas as casas de cada um de vocês. Que seja abençoada a</p><p>família de vocês. Que sejam abençoados os trabalhos de vocês. Que seja abençoadas as</p><p>viagens de você... (Pai Nosso!)</p><p>Eu vos saúdo, ó Virgem Gloriosa, estrela mais brilhante do que o Sol, mais branca</p><p>do que o lírio, mais elevada nos céus do que todos os santos.</p><p>Oração à Nossa Senhora do Rosário</p><p>A vós que sois reverenciada por toda a Terra, recebei as minhas humildes</p><p>homenagens e vinde em nosso auxílio, no meio de vossos dias tão gloriosos no céu.</p><p>Não esquecei, ó Virgem Mãe, as tristezas da Terra.</p><p>Lançai um olhar de bondade para os que estão no sofrimento e que lutam contra</p><p>as dificuldades e que não cessam de umedecer os lábios nas amarguras desta vida.</p><p>Tenha piedade dos que choram, dos que oram e dos que temem. Dai a todos a</p><p>esperança e paz.</p><p>Assim seja.</p><p>**************************************************************</p><p>ORAÇÃO DE SANTO ANTONIO</p><p>Santo Antônio reza a missa</p><p>Nossa Senhora se põe no altar</p><p>Vou pedir a Santo Antônio</p><p>Para meus passos guiar.</p><p>A ti Santo portentoso</p><p>Vimos tributar Louvor.</p><p>Invoco-te ó zeloso</p><p>E constante protetor.</p><p>O Senhor nos tem enchido</p><p>181</p><p>De seus verdadeiros bens.</p><p>Santo Antônio pai querido</p><p>Que poder nos Céus não tens?</p><p>Que poder Deus te concede</p><p>Fazei o perdido achar</p><p>E entre nós sempre intercede.</p><p>Não nos deixe transviar.</p><p>Nossa crença está em perigo</p><p>Ameaçada está a moral</p><p>Santo Antônio grande amigo</p><p>Entre nós extirpe o mal.</p><p>Milagrosos são teus passos</p><p>Admirável teu poder</p><p>Maravilhas em teus braços</p><p>Quis Jesus descanso Ter</p><p>Que possa nos dar virtudes,</p><p>Com fervor de imitar</p><p>Santo Antônio a beatitude</p><p>Faz a todos alcançar.</p><p>***************************************************</p><p>Eu, coberta com o manto de Nossa Senhora da Guia, andarei, não andarei, um</p><p>cruzeiro encontrarei. Foi o anjo Gabriel que encontrou a Virgem Santíssima e a saudou</p><p>rezando Ave Maria.</p><p>Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois entre as mulheres e</p><p>bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai pôr nós os</p><p>pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.</p><p>***************************************************</p><p>Que o braço do onipotente recaia sobre quem queira fazer o mal, que fique imóvel</p><p>como pedra, enquanto eu, pobre pecador, continue a serviço de Nosso Senhor. Amém.</p><p>Leva o que trouxestes.</p><p>Deus me benza com sua Santíssima Cruz.</p><p>Deus me defenda dos maus olhos, do mau olhado e de todo mal que me quiserem</p><p>fazer.</p><p>Quem faz o mal é o ferro e eu sou o aço.</p><p>182</p><p>Quem faz o mal é o demônio e eu sou o embaraço.</p><p>Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém</p><p>*****************************************************</p><p>Que Deus ilumine vocês e cada um consiga alcançar a graça que vieram procurar</p><p>e que a partir deste momento seja retirado o ódio do coração de cada um e colocado o</p><p>amor, porque só o amor constrói. Boa tarde e boa viagem! Que a partir de amanhã, vocês</p><p>tenham uma nova vida. Sem bloqueios de saúde, profissionais, financeiros, sentimentais,</p><p>sem bloqueios de imóveis para vender ou dinheiro para receber e não consegue, que Deus</p><p>ilumine e que Deus os acompanhe. Que Deus dê saúde, paz, amor e prosperidade para</p><p>cada um.</p><p>183</p><p>Transcrição 2</p><p>BRUNO MORAES. A Mulher do Algodão - [Parte 1 de 3] - Fenômeno do Algodão -</p><p>Super Paranormal - Autêntica – Verdade, [52m57s (00m00s-21m05s)]. Disponível em:</p><p><https://www.youtube.com/watch?v=mnTV-SQuc80>. Acesso em 31/05/2016.</p><p>Entrevista para o programa Mistério em 1997, Repórter Raul Silvestre.</p><p>Nesta entrevista, o repórter diz que Edelarzil descobriu o dom de materialização</p><p>desde os cincos anos.</p><p>EDELARZIL: Comecei a ver Santo Antônio, o anjo São Gabriel, Nossa Senhora</p><p>do Rosário e depois todos os santos, os guias de luz e de trevas também. Depois da</p><p>aparição de Nossa Senhora do Rosário, ela dizia assim, que, eu começasse a atender as</p><p>pessoas que tinham problemas de saúde, problemas graves e também problemas</p><p>espirituais e... que era para começar aos 13 anos.</p><p>REPÓRTER: Neste processo, os objetos são trazidos de outros locais e</p><p>materializados numa peneira coberta com algodão, embebida em água e álcool.</p><p>[...]</p><p>EDELARZIL: Sofri vários atentados de pessoas que vêm botar fogo em tudo,</p><p>...queimar. Quando morava na fazenda, teve uma vez que, pôs fogo lá, queimou tudo.</p><p>Achou que ia terminar meu dom, por causa do fogo, mas eu continuei a mesma coisa.</p><p>MARIDO: Eu queria uma vida mais tranquila e eu achava que aquele povo todo</p><p>me atrapalhava, assim. Eu queria ela mais junto de mim e quando vinha aquele povo</p><p>eu...sempre arrodiado dela, e aquilo</p><p>tudo pra mim, não parecia tão importante. Aí não</p><p>teve como segurar, a pessoa chegou aqui e ela começou a atender essa pessoa escondida</p><p>e era uma pessoa de bens... ela chegou aqui e disse: “Porque você não deixa ela atender?”.</p><p>E eu disse “Não aceito!” – aí ele falou: “Mas eu vou te dar um presente e se eu te der esse</p><p>presente, você deixa? [?] Eu vou te dar um carro pra você e daí você deixa atender todo</p><p>mundo” e ele trouxe, colocou aí, eu aceitei aquilo e, por aceitar aquilo, eu perdi toda a</p><p>liberdade que eu tinha com a minha esposa.</p><p>REPORTER: Na década de 80, Dona Edelarzil que, até então, atendia pessoas</p><p>informalmente, quando alguém vinha lhe pedir ajuda, passou a atender regularmente</p><p>aqueles que vinham procurar algum tipo de cura, isto provocou uma grande romaria na</p><p>casa onde ela morava, dentro da fazenda onde o marido era empregado. O fazendeiro</p><p>chegou a dar uma outra casa para ela, só para que as consultas fossem feitas, tal era a</p><p>quantidade de pessoas que iam até o local. O trabalho dela começou a ser reconhecido</p><p>184</p><p>e ela passou a receber doações. Dona Edelarzil, construiu em Parisi o centro “Nossa</p><p>Senhora do Rosário”. É lá que ela recebe, três vezes por semana, os milhares de fiéis que</p><p>buscam curas e paz. Antes de cada sessão, ela sempre realiza uma oração em conjunto,</p><p>para pedir equilíbrio e força.</p><p>Sequência de orações.</p><p>A equipe de reportagem acompanha todo o processo de materialização e sondam</p><p>o ambiente e os utensílios, a fim de verificar possível fraude. Não houve indícios</p><p>aparentes.</p><p>EDELARZIL: Quando eu trabalhava, não usava algodão. Eu mentalizava e caiam</p><p>direto sobre as pessoas, mas machucava, sujava... caco de vidro cortava, ossos...</p><p>Machucava e as pessoas saíam sujas e com medo. Quando começava a cair, já todo mundo</p><p>queria correr. A água é para purificar e o álcool é um desinfetante... Porque tem terra de</p><p>cemitério, restos de... Vermes, o álcool mata um pouco.</p><p>REPÓRTER: Segundo Dona Edelarzil, os resíduos que se materializão, foram</p><p>usados em trabalhos de magia para prejudicar alguém ou simplesmente o resultado de</p><p>pensamentos negativos das próprias pessoas.</p><p>Sequência de materializações, os objetos são recolhidos, embrulhados e</p><p>entregues para cada pessoa queimar. Testemunhos de curas – um homem garante que</p><p>foi curado da bacia depois que ela retirou do algodão, um osso de bacia – dentre outros.</p><p>REPÓRTER: Uma comissão, organizada por médicos, psicólogos, religiosos e</p><p>autoridades da região, fez uma detalhada investigação do caso.</p><p>Dr. VICENTE AIRES: Nós levamos tudo, ela queria água, algodão, álcool e só.</p><p>Foi tirado o algodão que nós levamos, entregamos... Tiramos o algodão lá da bacia, abriu-</p><p>se os litros de álcool, molhou aquilo (o algodão) e depois jogou água e fez o fenômeno.</p><p>REPORTER: E o que a comissão decidiu?</p><p>Dr. VICENTE: A comissão diz o seguinte: que é um fenômeno paranormal de</p><p>materialização e “transformação” de objeto. Inclusive osso, muito osso, animais mortos,</p><p>sapo.</p><p>PE. SILVIO ROBERTO: Cientificamente, há uma resposta para isso, porque ela</p><p>é uma paranormal.</p><p>REPORTER: O senhor acha que é autêntico o fenômeno que acontece com ela?</p><p>PE. SILVIO ROBERTO: Creio que sim. Religiosamente eu questiono, mas como</p><p>resposta científica sim.</p><p>185</p><p>EDELARZIL: A minha missão aqui é muito dura, porque a minha cruz não é de</p><p>madeira, não, é de ferro e aço. É difícil a pessoa que fala “eu creio, sei que é verdade”, a</p><p>maior parte diz “é magia”, “é truque”... Essas coisas. Então eu venho sofrendo muito,</p><p>muito sozinha na minha vida. Então a traição, a calúnia e as falsidades, estão sempre em</p><p>meu caminho. Só que eu nunca perdi a fé em Deus e acho, assim, que estou purificando</p><p>a minha alma. Porque meu corpo é uma passagem aqui.</p><p>186</p><p>Transcrição 3</p><p>GEORGE JORGE. Fenômeno do Algodão - Materialização através do algodão.</p><p>(13m21s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=28AknnoA1uc>.</p><p>Acesso em 31/05/2016.</p><p>Globo Repórter, repórter Domingos Meirelles em 23 de agosto de 1991.</p><p>EDELARZIL: os objetos se materializavam em cima das pessoas, aí caía coisas</p><p>cortantes, caía..., machucava. Caía igual uma chuva, então a gente não sabia de quem</p><p>era... de quem nada... Sabia que estava recebendo a limpeza espiritual.</p><p>Com nove anos comecei a materializar, mas antes disso os objetos da minha casa</p><p>começaram a sair voando... Voava tudo, pratos, vassoura... Eu via os espíritos, os outros</p><p>só viam os objetos voando.</p><p>REPÓRTER: Dona Edelarzil trabalha há mais de 30 anos, chega a atender mais</p><p>de 300 pessoas num só dia. A médium diz que recebeu essa missão, muito cedo.</p><p>EDELARZIL: Desde três anos eu tenho vidência. Meu pai falava que eu era louca</p><p>e eu achava que não era normal, então eu achava que todo mundo que tava não via, só eu</p><p>via, então a louca era eu.</p><p>RERPÓRTER: Um sítio no interior de São Paulo... Dona Edelarzil diz que passou</p><p>a trabalhar aqui, para limitar o assédio do público. Senhor Natalino, o marido, diz que,</p><p>logo depois do casamento, teve que se acostumar com os mistérios que testemunhava</p><p>dentro de casa.</p><p>MARIDO: Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei muito</p><p>amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto... (de medo, diz Edelarzil).</p><p>REPÓRTER: O trabalho da médium acontece dentro de um barracão. Não era</p><p>hora de atendimento ao público, quando a visitamos.</p><p>O repórter mostra o tanque onde Dona Edelarzil realiza o trabalho e ela explica</p><p>como ela realiza o trabalho. Pondo o algodão, em cima da peneira que vai para cima</p><p>do tanque de concreto. Ele analisa o algodão antes de colocar na peneira, para ver se</p><p>há algo escondido.</p><p>REPÓRTER: O algodão, que efeito que tem dona Edelarzil?</p><p>187</p><p>EDELARZIL: O algodão é para mostrar que... branco é pureza. Desde que os</p><p>guias passam pelas pessoas..., o algodão está sujo, se o algodão ficar limpo, a pessoa não</p><p>teve merecimento da graça.</p><p>REPÓRTER: Em nenhum momento, nossa equipe deixou a sala.</p><p>O repórter narra os acontecimentos enquanto, Edelarzil recita a oração de</p><p>Nossa Senhora do Rosário e molha o algodão.</p><p>REPÓRTER: Agora começa o trabalho de materialização. A médium retira</p><p>pedaços do algodão, parece não haver nada dentro. Dona Edelarzil, indica um ponto que</p><p>começa a esquentar. Os primeiros objetos surgem em seguida (vela vermelha, pregos e</p><p>cacos de vidro).</p><p>REPÓRTER: A senhora não se corta?</p><p>EDELARZIL: Às vezes corta, mas aí cicatriza na hora.</p><p>REPÓRTER: Os objetos aparecem continuamente (terra de cemitério. Ela</p><p>explica que caco de vidro significa bloqueio). Quando atende o público, a médium diz</p><p>que limpa caminhos ao desfazer as influências negativas na vida das pessoas.</p><p>Uma sequência de pessoas é entrevistada. Tinham acabado de receber a</p><p>materialização. Uma moça tinha seu nome escrito na vela, e a palavra “separação”, a</p><p>mesma diz que para ela teve relação com a vida dela.</p><p>REPÓRTER: Como explicar o que aconteceu aqui? Se não foi truque, a ciência</p><p>tem uma hipótese.</p><p>CIENTISTA: Isso é chamado, na física, de efeito de tunelamento. Do ponto de</p><p>vista laboratorial científico, é possível você reproduzir este efeito de tunelamento... quer</p><p>dizer, o objeto sair do local e passar por outra dimensão e depois cai outra vez nessa</p><p>dimensão, mas em outro local, com partículas sub atônicas. A gente fica pensando:</p><p>“Daqui a cem anos, cinquenta anos, talvez a ciência consiga fazer essa tele transportação</p><p>com objetos maiores”.</p><p>REPÓRTER: Dona Edelarzil, diz que toda a área em torno da peneira, fica</p><p>sujeito às energias negativas. Não é só no algodão que coisas estranhas aparecem.</p><p>Durante a reportagem, senti uma forte dor, na altura do umbigo.</p><p>“Tem alguma coisa aqui no meu umbigo” (diz ele à médium).</p><p>Dona Edelarzil diz que são coisas ocultas no corpo, porque ele teria bebido</p><p>alguma coisa temperada e então retira do umbigo do repórter, algo que ela chama de</p><p>“pozinho de sapo” e um bicho. O repórter diz não ter visto</p><p>nada suspeito.</p><p>REPÓRTER: Como a senhora explica isso?</p><p>188</p><p>EDELARZIL: Aí é quando a pessoa está capitando as influências negativas e daí</p><p>se transforma em bicho ou até num alfinete...</p><p>REPÓRTER: Pode ter sido um truque, um golpe de mágica, ilusionismo, se foi,</p><p>nós não conseguimos perceber. Será que todos os mistérios de dona Edelarzil, resistem</p><p>à análise de um cientista experiente?</p><p>Antes de começar o trabalho, a médium faz orações. Segundo ela, para espantar</p><p>os maus espíritos. Nas mãos, uma planta conhecida como espada de são Jorge. Dona</p><p>Edelarzil, diz que está amarrando os espíritos, conhecidos como obsessores. Começamos</p><p>a ouvir vozes estranhas. Vozes dos espíritos ou seria apenas uma simulação?</p><p>Uma sequência de gemidos que duraram, segundo o repórter, quase uma hora.</p><p>Ela não poderia começar o trabalho, sem antes, dominar todos os espíritos.</p><p>As gravações foram levadas para o Dr. Sérgio Felipe, professor da Universidade</p><p>de São Paulo, que, na época, estudava havia 20 anos, sobre a mediunidade.</p><p>Dr. FELIPE: Essas vozes, para mim, me pareceram sons guturais, que são os sons</p><p>que saem da garganta e que pareceram serem produzidos pela própria pessoa. Mas se</p><p>alguém suspeitar que seriam sons materializados, que não partiriam da própria pessoa,</p><p>uma vez que não havia ninguém no local e nem nada que pudesse produzir aquele som,</p><p>talvez valesse a pena analisar a fita de um ponto de vista eletrotécnico.</p><p>REPÓRTER: Laboratório de Fonética Forense, da Universidade de Campinas.</p><p>Averiguada pelo Dr. Ricardo Molina. Investigações Criminais. Ele identificou 12</p><p>trechos, do que seriam vozes de espíritos em diálogo com a médium. Esse, analisando se</p><p>havia superposição de vozes e frequências dos sons, chegou à conclusão de que todas</p><p>eram transmitidas por ela.</p><p>REPÓRTER: E se esses espíritos estivessem usando a voz da médium para se</p><p>comunicar?</p><p>Dr. MOLINA: Aí está fora da minha competência, o que nós podemos constatar</p><p>é que todos os sons são produzidos pelo aparelho fonatório da médium. Agora se há uma</p><p>incorporação espiritual, já não é um problema fonético, é um problema de outra natureza</p><p>e não tenho competência para julgar.</p><p>189</p><p>Transcrição 4</p><p>LUIZ ROBERTO TURATTI. Padre Quevedo: Materializações no algodão? Mentira!</p><p>(07m08s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cz-w_T8GbHA></p><p>Acesso em 05/11/2017.</p><p>Globo Repórter, repórter Domingos Meirelles em 11 de outubro de 1991 com a</p><p>presença do padre Oscar G. Quevedo.</p><p>EM SÍNTESE. INTRODUÇÃO NARRATIVA: Este episódio é uma</p><p>continuação do programa Globo Repórter do dia 23 de agosto de 1991. Foi feito com a</p><p>presença do Pe. Oscar Quevedo, especialista em parapsicologia, que viu a gravação dos</p><p>trabalhos de Dona Edelarzil e garantiu que tudo não passava de um truque. Ele e a</p><p>equipe do Globo repórter visitam Edelarzil em Parisi.</p><p>REPÓRTER: Padre Quevedo verifica o tanque e consta que ao contrário do que</p><p>pressupunha, não havia um duplo fundo, verifica a peneira e algodão trazido pelo povo.</p><p>EDELARZIL (para Pe. Quevedo): Quando eu era criança, eu não trabalhava com</p><p>algodão. Quando eu mentalizava, caia em cima da pessoa.</p><p>PE. QUEVEDO: Isso é uma porta espontânea, surgem as coisas.</p><p>REPÓRTER: Ela faz todo o processo ritual, orações para afastar os maus</p><p>espíritos enquanto padre Quevedo desfia o algodão para ter certeza de que não está</p><p>sendo enganado. Mas sem tirar os olhos da médium.</p><p>PE. QUEVEDO: Eu repito, que o que ela afirma, que com regularidade, vários</p><p>(aportes?) continuamente... certamente truque.</p><p>REPÓRTER: Dona Edelarzil, realiza o trabalho sob os olhos atentos do padre,</p><p>mas não consegue nenhuma materialização. Ela interrompe a sessão para rezar</p><p>novamente por quase duas horas invocando a presença dos espíritos. Ao não conseguir</p><p>realizar a materialização, entra em desespero, recorrendo a Deus e em seguida pede</p><p>para que o padre reze de mãos dadas com ela.</p><p>REPÓRTER: Agora dona Edelarzil, vai tentar o trabalho de materialização, pela</p><p>segunda vez. Ela disse que não conseguiu da primeira vez, porque estava muito nervosa,</p><p>magoada e até mesmo ressentida com algumas críticas que o padre Quevedo tinha feito</p><p>em relação ao trabalho dela no programa anterior. Ela explicou que aqui na sala havia</p><p>muitas influências negativas, que cortavam a corrente e impediam a concentração dela.</p><p>190</p><p>Ela retorna a sessão sob o olhar do padre e acontece a primeira materialização.</p><p>Uma rosa de plástico vermelha que surge cheia de barro no meio do algodão e uma vela.</p><p>Padre Quevedo observa ser um objeto muito pequeno. Ela explica que não pode</p><p>determinar o tamanho dos objetos, não depende dela. Logo em seguida, materializa um</p><p>pedaço de osso, maior que a rosa e mais um pedaço de vela. Ele fica convencido de que</p><p>se trata de um truque.</p><p>REPÓRTER: Em que momento o senhor acha que ocorreu esse truque, se o tempo</p><p>toda a equipe ficou dentro da sala, junto com o senhor?</p><p>PE. QUEVEDO: O truque aconteceu no momento em que [?] e ela ficou aqui de</p><p>joelhos (atrás do tanque) tampada pelo algodão. Primeiro levantou as duas mãos, o que</p><p>se chama “mágica de misdirection” depois só a mão direita e a esquerda estava oculta,</p><p>poderia tirar qualquer coisa dentre as pernas, do ânus e de qualquer lugar e [?] um</p><p>movimento mínimo, é só colocar, depois fingiu “Senhor Jesus, tem que tirar alguma</p><p>coisa” e bateu nos algodões e daí poderia ter colocado e revirou para lá. Eu disse,</p><p>vulgarmente, um truque pequeníssimo.</p><p>EDELARZIL (para o repórter): Eu costumo usar, saia e blusa. Hoje eu pus calça</p><p>comprida, pra a pessoa ver que estava de calça comprida, que se põe saia... diz que</p><p>esconde por debaixo da saia. Então eu fiz tudo...aquele dia que você veio eu estava de</p><p>saia calça. Hoje pus calça apertada, porque se tiver alguma coisa...</p><p>REPORTER: Você está satisfeita com o resultado das sessões de hoje?</p><p>EDELARZIL: Eu não fiquei satisfeita, porque não realizou o que está</p><p>acostumado.</p><p>PE. QUEVEDO: A ciência não é a favor e nem contra. Neste caso, o que vi, foi</p><p>um truque vulgaríssimo.</p><p>191</p><p>Catálogo de sugestões de significado de alguns objetos:</p><p>1. Alfinete: perturbação mental da</p><p>pessoa.</p><p>2. Alça de caixão: desejo de morte e</p><p>loucura.</p><p>3. Agulhas: perturbação e problemas</p><p>mentais.</p><p>4. Amendoim: afetar a vida sexual</p><p>da pessoa.</p><p>5. Animal em decomposição (parte</p><p>ou inteiro): trabalho de magia</p><p>negra.</p><p>6. Arma ou pedaço de arma: desejo</p><p>de vingança.</p><p>7. Artefatos: de couro: afetar o corpo.</p><p>8. Arroz ou grão: desejo de miséria,</p><p>passar fome.</p><p>9. Arruelas: ficar em círculo, sem</p><p>saída.</p><p>10. Barata: para ficar no fundo do</p><p>poço.</p><p>11. Bucha de banho: fechar os</p><p>caminhos.</p><p>12. Braço de boneca (o): para perder</p><p>as forças.</p><p>13. Boneca (o): para imobilizar a</p><p>pessoa.</p><p>14. Brinquedo: não ser levado a sério.</p><p>15. Bombril: ficar com a vida</p><p>enrolada.</p><p>16. Cabeça, coco ou bola: afetar a</p><p>mente.</p><p>17. Cabelo/ grampos de cabelo:</p><p>perturbação da mente.</p><p>18. Caixa de fósforo: trabalho de</p><p>magia ou demanda.</p><p>19. Carretel de linha: para girar, e não</p><p>sair do lugar.</p><p>20. Carvão: sinal de destruição.</p><p>21. Carrinho: para causar acidente.</p><p>22. Casca de ovo: intriga, desavença,</p><p>falsidade.</p><p>23. Cebola: para entregar tudo de mão</p><p>beijada.</p><p>24. Coração: para causar doenças</p><p>cardíacas.</p><p>25. Couro: mexer com o corpo. 26. Chifres: falsidade e traição.</p><p>27. Chinelo, calçado: prender a pessoa</p><p>no lugar.</p><p>28. Clips: prendendo a pessoa para</p><p>perder, impossibilidade de agir.</p><p>29. Cola: para prender negócio, a</p><p>pessoa.</p><p>30. Concha do mar: para ir tudo por</p><p>água abaixo.</p><p>31. Cebola: para entregar tudo de mão</p><p>beijada.</p><p>32. Corrente: para acorrentar a</p><p>pessoa.</p><p>33. Charuto: trabalho de preto para</p><p>perturbar a mente.</p><p>34. Cigarro: trabalho de pomba-gira</p><p>para perturbar a mente.</p><p>35. Coador de café ou chá: quando a</p><p>pessoa bebeu trabalho de magia.</p><p>36. Casca de alho: temperar a pessoa</p><p>para enganá-la.</p><p>37. Dinheiro (nota/moeda): perda de</p><p>negócios e</p><p>esses males são</p><p>materializados em objetos e que assim as pessoas são libertas, através de uma limpeza</p><p>espiritual.</p><p>No início de nossas pesquisas, trabalhamos com a hipótese de Edelarzil ser uma</p><p>19</p><p>benzedeira católica, tendo como diferencial esse ritual de materialização. Porém, muitas</p><p>coisas foram sendo levantadas no decorrer do caminho e percebemos que teríamos mais</p><p>trabalho do que o esperado para poder situá-la no cenário religioso brasileiro. A primeira</p><p>dificuldade que encontramos diz respeito à sua documentação. Não encontrando</p><p>documentações acadêmicas até então (2019), tivemos que começar por documentar o</p><p>máximo de informações possíveis. Utilizamos para este trabalho a transcrição de alguns</p><p>documentários da década de 90 do século XX e vídeos mais atuais, como palestras e</p><p>mensagens por ela gravadas em alguns canais em plataformas de vídeos na internet.</p><p>Recorremos aos sites esotéricos e matérias jornalísticas. Encontramos neste processo,</p><p>alguns comentários internacionais em blogs de Portugal, Argentina, Holanda (inclusive,</p><p>um documentário em fins da década de 1980) e também um site de curiosidades</p><p>paranormais em inglês. Montar a biografia de Edelarzil foi como montar um quebra-</p><p>cabeças, colhendo pistas nessas fontes e também indo visitá-la. Na verdade, participar</p><p>de seu ritual. Depois de muito procurar, conhecemos a senhora Márcia G., uma</p><p>coordenadora de caravanas que realiza excursões para “O fenômeno do Algodão” e uma</p><p>das poucas pessoas que têm acesso à vida íntima da médium, no entanto, uma pessoa</p><p>discreta, apesar de receptiva, é com algum esforço que conseguimos algumas</p><p>informações sobre Edelarzil.</p><p>Os organizadores de caravanas, os poucos que são autorizados pela médium para</p><p>a realização de excursões, possuem portais de viagens e páginas em redes sociais, as</p><p>quais utilizamos como fonte de pesquisa. Também, como dissemos, fomos ao sítio de</p><p>Edelarzil para conhecer de perto o ritual de materialização. Apesar de não conseguirmos</p><p>entrevista com a mesma, tivemos a liberdade de documentar fotos de todo o local e</p><p>pudemos conhecer alguns frequentadores. Nesse dia a Estância Casa Caminho e Luz,</p><p>distribuiu um livro contendo 34 páginas com uma curta biografia de Edelarzil e orações</p><p>compostas por ela. Mais próximo ao fim de nossa pesquisa, encontramos finalmente, um</p><p>documento na internet datado em 1997, um livro intitulado “Edelarzil: A história de um</p><p>dos maiores fenômenos espirituais do Brasil” escrito por Adriano B. Santos, feito em</p><p>gráfica comum (Tatuí – SP), contendo 58 páginas sobre a vida da médium. Haviam</p><p>colocado para venda num Sebo um dia antes de o encontrarmos e, o único exemplar</p><p>disponível em toda a web após vasculharmos até este ano, o que nos foi um grande</p><p>achado, com informações que não tínhamos e pudemos descobrir novos dados sobre sua</p><p>biografia. Até o presente ano (2019) não encontramos quaisquer registros acadêmicos</p><p>além de um agradecimento em tese de uma doutora em Direito, alguém que recebeu</p><p>20</p><p>ajuda espiritual de Edelarzil. Também recorremos a um dos pesquisadores que visitaram</p><p>Edelarzil, Dr. Wellington Zangari, que confirmou não ter realizado quaisquer artigos</p><p>referentes e que possivelmente seríamos os primeiros a registrar o fenômeno da</p><p>materialização de Edelarzil. Uma boa notícia que, no entanto, nos trouxe uma</p><p>responsabilidade um pouco maior.</p><p>Precisávamos de um foco e optamos por delimitá-lo dentro do campo da Cultura</p><p>Visual em nossa área de “Linguagens da Religião”, unido a estudos históricos da</p><p>religiosidade popular brasileira, estudos do imaginário simbólico e performance.</p><p>Cremos ter sido o melhor caminho para nós, pois sua visualidade tanto em termos de</p><p>imagens materiais como de imaginário simbólico, muito pode nos revelar sobre a</p><p>personalidade original de Edelarzil Munhoz Cardoso, “A Mulher do Algodão”.</p><p>Em nosso primeiro capítulo, “A religiosidade popular brasileira e o fenômeno de</p><p>Edelarzil, a Mulher do Algodão”, a fim de situar o fenômeno dentro do cenário</p><p>brasileiro, achamos conveniente uma introdução histórica na perspectiva teórica da</p><p>Matriz Cultural Religiosa Brasileira, apresentada por autores como Antônio G. de</p><p>Mendonça, José B. Filho e Darcy Ribeiro. Apontamos as matrizes mais condizentes ao</p><p>imaginário religioso da médium, as matrizes: indígena, católica lusitana, africana e</p><p>espírita. Considerando a profissão católica de Edelarzil, aprofundamos sobre a formação</p><p>religiosa do catolicismo popular e as consequentes ações leigas provenientes da mesma,</p><p>apresentando nesse cenário o protagonismo das mulheres benzedeiras ou rezadeiras,</p><p>para então chegarmos à história de Edelarzil e sua trajetória até se tornar a conhecida</p><p>“Mulher do Algodão”. Para fundamentar nossos estudos, utilizamos teóricos em</p><p>religiosidade popular como Orlando Espín, Carlos R. Brandão, Laura de Mello e Souza</p><p>(essa com sua obra “O diabo e a Terra de Santa Cruz” sendo uma pioneira nos estudos</p><p>acerca do imaginário da feitiçaria no período colonial). Espín tem uma contribuição</p><p>muito particular em nosso trabalho sobre os estudos do catolicismo popular, em “A fé</p><p>do povo” ele parte de sua experiência ao mudar-se para a República Dominicana</p><p>deparando-se com o estranhamento, num choque cultural que o levou a uma percepção</p><p>humanizada que toca não somente o catolicismo popular, tendo a capacidade de</p><p>estender-se à conceitualização de religiosidade popular que nos direciona a uma reflexão</p><p>pela busca da compreensão do que nos é diferente. Brandão também tem essa percepção</p><p>de inculturação religiosa e nos apresenta o entrelaçamento do pensamento religioso com</p><p>as relações cotidianas nesse meio popular. Onde o agente religioso participa e consome</p><p>os bens simbólicos, atuando como mediador para obtenção de graças para o “fiel</p><p>21</p><p>religioso” ou “cliente religioso”. Caminhando por essa linha no meio popular, também</p><p>trazemos pesquisadores de campo da chamada “arte de curar”, resgatando memórias das</p><p>rezadeira ou benzedeiras como Marisete T. Hoffmann-Horochovski no litoral</p><p>paranaense, de Elma Sant’Ana e Alberto M. Quintana acerca das benzedeiras do Rio</p><p>Grande do Sul, Francimário V. do Santos sobre as benzedeiras do Rio Grande do Norte,</p><p>dentre outros pesquisadores que contribuiram com suas pesquisas em diversas partes do</p><p>país. Pesquisas preciosas para que tivéssemos uma maior compreensão dessa prática</p><p>antiga.</p><p>No segundo capítulo, detalhamos na perspectiva da Cultura Visual e Material,</p><p>nos valemos dos estudos de Erwin Panofsky, Helmut Renders e Mircea Eliade, sob o</p><p>título “Estância Casa Caminho e Luz: Indicadores de Raizes e Relações Religiosas”,</p><p>onde documentamos através de fotos e comentários o universo simbólico de Edelarzil</p><p>Munhoz Cardoso, seus aspectos visuais e rituais. Mapeamos em ilustração o espaço</p><p>Estância Casa Caminho e Luz e também sua Capela Ritual. Antes de tudo, porém,</p><p>dedicamos algumas linhas introdutórias a respeito da importância do estudo da Cultura</p><p>Visual e Material para a compreensão das religiões no Brasil, ao que Renders nos vem</p><p>a ser um importante referencial da área, dedicando anos de pesquisa sobre a importância</p><p>de se fazer essa leitura. Utilizamos o método de Panofsky e complementamos com</p><p>estudos analíticos do imaginário simbólico de Eliade para detalhamentos dos espaços e</p><p>assim estarmos familiarizados com a Estância Casa Caminho e Luz.</p><p>Finalmente, no capítulo três, “Análise do Imaginário de Edelarzil Munhoz</p><p>Cardoso A Mulher do Algodão”, introduzimos a diferença ente imaginário e imaginação</p><p>– distinção necessária para mergulharmos no conceito da construção de realidade, aqui</p><p>especificamente, a realidade religiosa, capacidade simbólica e seus efeitos, tanto para o</p><p>agente religioso como para os seus adéptos – e, a partir das fotos apresentadas no</p><p>capítulo dois, analisamos os espaços, seu rito, sua performance como agente mediadora</p><p>religiosa e alguns dos símbolos utilizados por ela.</p><p>desgraça.</p><p>38. Dobradiça de porta: fechando os</p><p>caminhos, bloqueia os objetivos.</p><p>39. Doces ou balas: adoçar para</p><p>enganar.</p><p>40. Esmalte, perfume: trabalho para</p><p>pomba-gira.</p><p>41. Faca, canivete, gilete, lâminas:</p><p>cortar os negócios ou perder o</p><p>emprego.</p><p>42. Farinha ou farofa: oferta para exu,</p><p>para mexer com a vida.</p><p>43. Ferro ou aço: para tudo ficar</p><p>difícil, nos negócios e no emprego.</p><p>44. Feijão, bagaço de laranja, frutos:</p><p>desejo de miséria.</p><p>192</p><p>45. Fita amarela: dar desespero, tirar a</p><p>esperança.</p><p>46. Fita azul/ rosa: atrapalhar o lar,</p><p>gerando brigas e discussões.</p><p>47. Fita branca: para tirar a paz.</p><p>48. Fita laranja: sentimental, bloqueio</p><p>sentimental, problemas de</p><p>desespero.</p><p>49. Fita marrom/bege/cinza:</p><p>problemas financeiros.</p><p>50. Fita preta: desejo de fim, da</p><p>destruição.</p><p>51. Fita roxa: dar angústia na pessoa.</p><p>52. Fita verde: tirar o ânimo para se</p><p>sentir derrotado.</p><p>53. Fita vermelha: afetar a mente e</p><p>nervos.</p><p>54. Fita de filme ou som: afetar o</p><p>sistema auditivo e visual.</p><p>55. Fósforo: trabalho de magia e</p><p>demanda.</p><p>56. Flor de cemitério: desejo de</p><p>morte, ódio e vingança.</p><p>57. Formiga e insetos: para ficar</p><p>agitado e inquieto.</p><p>58. Folhas e ramos: para tirar a paz e</p><p>serenidade.</p><p>59. Fios elétricos: amarrar os negócios</p><p>e atacar o sistema nervoso.</p><p>60. Fígado e pedaços de carne:</p><p>trabalho para exu e acabar com a</p><p>saúde.</p><p>61. Garfo/colher: deixar a pessoa</p><p>perturbada, sem apetite indisposto</p><p>com tudo.</p><p>62. Gaze: afetar a saúde.</p><p>63. Garrafa de bebida: tornar a pessoa</p><p>alcoólatra, irresponsável.</p><p>64. Garrafa/vidro de remédio: afetar a</p><p>saúde em geral.</p><p>65. Grilo: para a pessoa pular e não</p><p>sair do lugar, não ter sucesso.</p><p>66. Incenso: fechar os caminhos, não</p><p>acreditar em mais nada.</p><p>67. Insetos: para agitar a vida da</p><p>pessoa, com discussões, fofoca,</p><p>intrigas.</p><p>68. Isopor: ficar desligado,</p><p>perturbado.</p><p>69. Imagens de santo: trabalho contra</p><p>o espirito da luz, a favor das trevas</p><p>para derrotar pessoas.</p><p>70. Lâmpada: tensão nervosa para</p><p>desequilibrar a mente.</p><p>71. Latas: deixar a pessoa</p><p>desorientada.</p><p>72. Leite em pó: tirar a sorte e criar</p><p>obesidade na pessoa.</p><p>73. Língua de vaca: ficar difamada,</p><p>comentada negativamente.</p><p>74. Madeira: dificultar os negócios.</p><p>75. Milho/pipoca: virar a vida da</p><p>pessoa ao avesso.</p><p>76. Matos/plantas/raízes/pó de xaxim:</p><p>trabalho já enraizado, antigo.</p><p>77. Metais: para dificultar os negócios</p><p>e atividades.</p><p>78. Objetos redondos: para a pessoa</p><p>ficar em círculo.</p><p>79. Óculos: afetar os olhos.</p><p>80. Ossos: dificuldades em tudo que</p><p>realizar.</p><p>81. Palito de fósforo: magia,</p><p>demanda.</p><p>82. Papel: para embrulhar a pessoa.</p><p>83. Patuá com mensagem: trabalho de</p><p>magia negra para liquidar a</p><p>pessoa.</p><p>84. Peças de roupa íntima:</p><p>enfraquecer o sexo.</p><p>85. Pemba preta/branca: ponto de</p><p>magia.</p><p>86. Penas: dificuldades e sofrimento</p><p>no trabalho.</p><p>87. Pedras: tropeços e dificuldades</p><p>com prejuízo de negócios.</p><p>88. Perfume/batom: trabalho para a</p><p>pomba-gira.</p><p>193</p><p>89. Peças de veículos: causar</p><p>acidentes e quebra no veículo.</p><p>90. Peças de aço e ferro: dificultar</p><p>tudo na vida.</p><p>91. Piche: para a pessoa ficar sem</p><p>saída.</p><p>92. Pimenta: queimação no corpo para</p><p>agitar a pessoa</p><p>93. Placa de cemitério: trabalho para a</p><p>morte, para não ser desfeito.</p><p>94. Plástico: para influências</p><p>negativas persistirem.</p><p>95. Pólvora: atacar o sistema nervoso.</p><p>96. Pregos e parafusos: para não mais</p><p>sair do lugar, ficar sem objetos.</p><p>97. Pedaço de vaso: desequilibrar a</p><p>vida financeira.</p><p>98. Perna de boneca/animal: ficar</p><p>imobilizado.</p><p>99. Papel/caixa papelão: para a pessoa</p><p>ser embrulhada.</p><p>100. Peixe/frutos do mar: para as coisas</p><p>irem por água abaixo.</p><p>101. Pilha: tensão nervosa, perigo de</p><p>enfarto.</p><p>102. Prendedor ou grampo de roupa:</p><p>amarrar a pessoa nos negócios.</p><p>103. Plástico (qualquer tipo): influência</p><p>de uma pessoa que persiste no dia-</p><p>a-dia.</p><p>104. Punhal: traição.</p><p>105. Rã/sapo: desejo de doença,</p><p>tragédia, acidente e morte.</p><p>106. Ratoeira: armadilha, alguém</p><p>tramando contra você.</p><p>107. Roupas: para afetar a saúde.</p><p>108. Sangue/pus: graça recebida na</p><p>saúde. Extraído do corpo da</p><p>pessoa.</p><p>109. Sapato: prender a pessoa no lugar.</p><p>110. Sementes: iniciando um mau de</p><p>saúde ou problemas em negócios.</p><p>111. Serragem: para ficar no fundo do</p><p>poço, desejo de morte.</p><p>112. Terra de cemitério: influência de</p><p>inveja, ódio, desavença.</p><p>113. Tapete: enganação, passar a</p><p>pessoa para trás para ser</p><p>humilhada, menosprezada.</p><p>114. Tampas/objetos redondos: ficar</p><p>em círculos sem saída,</p><p>desorientada, perturbada.</p><p>115. Tampa de caixão: trabalho feito</p><p>para ficar tudo escondido, para não</p><p>conseguir enxergar as coisas que</p><p>são feitas.</p><p>116. Telha/tijolo: virar sua vida do</p><p>avesso.</p><p>117. Tridente: trabalho de alta magia,</p><p>garfo do diabo.</p><p>118. Unha/pé de galinha: para a pessoa</p><p>andar para trás.</p><p>119. Vassoura: trabalho de magia. 120. Velas: mesmo das fitas (ver cor).</p><p>121. Vela com</p><p>imagem/exu/caveira/etc.: trabalho</p><p>de alta magia.</p><p>122. Vela de sexo: causar impotência,</p><p>frigidez.</p><p>123. Vela derretida: feito trabalho em</p><p>cemitério.</p><p>124. Vela preta e vermelha: para a</p><p>pessoa não progredir.</p><p>125. Vidro de remédio: afetar a saúde.</p><p>126. Vidros: para cortar as atividades</p><p>comerciais e profissionais.</p><p>Fonte: CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 21-24</p><p>194</p><p>RECORTES DE JORNAL</p><p>Jornal Regional 1994 - Parte 1</p><p>Fonte: Fotografia da autora</p><p>195</p><p>Jornal Regional 1994 - Parte 2</p><p>Fonte: Fotografia da autora</p><p>196</p><p>Krantenbank Zeeland - 4 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa, Veronica.</p><p>Parallax - Documentário sobre paranormalidade apresentando o fenômeno de Edelarzil</p><p>Fonte: https://krantenbankzeeland.nl/issue/zni/1990-09-04/edition/0/page/5?query=edelarzil&sort=relevance</p><p>197</p><p>Krantenbank Zeeland - 11 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa, Veronica.</p><p>Parallax - Documentário sobre paranormalidade apresentando o fenômeno de Edelarzil</p><p>Fonte: https://krantenbankzeeland.nl/issue/zni/1990-09-11/edition/0/page/5?query=edelarzil&sort=relevance</p><p>Não poderíamos deixar de utilizar os estudos antropológicos de Gilbert Durand,</p><p>cujas pesquisas sobre imaginário foram internacionalmente reconhecidas, numa</p><p>percepção que nega a conceitualização reducionista do imaginário com que</p><p>frequentemente esse costumava ser tratado por seus predecessores, apresentando uma</p><p>hermenêutica em que esse aparece como importante mediador de realidade.</p><p>Esse capítulo é marcado por uma característica mais analítica do capítulo</p><p>anterior, portanto fizeram-se necessárias a retomada de vários pontos. O que as imagens</p><p>22</p><p>do espaço Estância Casa Caminho e Luz, seus prédios e elementos iconográficos têm a</p><p>nos revelar sobre a construção do imaginário religioso da “Mulher do Algodão”? Quais</p><p>são as imagens mentais acerca da mesma, tanto na perspectiva de Edelarzil como</p><p>também a imagem transmitida ao público que a ela recorre? Onde Edelarzil se encaixa</p><p>em meio o cenário religioso brasileiro?</p><p>São muitas as questões que se erguem em torno de nosso objeto de pesquisa. No</p><p>entanto, não temos a pretensão de sanar aqui todas as dúvidas a respeito da “Mulher do</p><p>Algodão” e cremos que esta pesquisa está longe de esgotar as possibilidades de estudo</p><p>sobre ela. Ao contrário! A medida em que fomos pesquisando, um leque de</p><p>possibilidades foi aberto, o que deixa margem para futuros interesses de estudo</p><p>fenomenológico, antropológico, etnológico etc. O que consideramos positivo e coerente</p><p>com a complexidade de nossa agente religiosa. Aqui nos limitaremos às características</p><p>simbólicas-rituais e performáticas de Edelarzil, nos valendo das teorias de Arnold V.</p><p>Gennep, que apesar datarem em primórdios do século XX, essas tornaram-se bases</p><p>importantes para os estudiosos acerca dos ritos como Victor Turner, que aprofundou e</p><p>ampliou o conceito de liminaridade de Gennep. Assim como as contribuições de Richard</p><p>Schechner, uma referência no que se diz respeito aos estudos da performance, estudos</p><p>que vão além da performance artística, pois para ele quase tudo pode ser estudado a</p><p>partir do ponto de vista performático com a afirmativa que a cultura humana é</p><p>originalmente performativa e ritualizada. Visão essa, compartilhada e trabalhada por</p><p>Maria Angela Vilhena em sua obra “Ritos: expressões e propriedades”, onde a socióloga</p><p>brasileira analisa o rito como uma expressão da vida social, atentando especialmente</p><p>para o rito religioso e diversidade cultural.</p><p>Assim, as perspectivas de nossos autores vêm a entrelaçar-se para nos ajudar a</p><p>esclarecer gradualmente o complexo “mosaico” da religiosidade da “Mulher do</p><p>Algodão”. Também contando com contribuições de pesquisadores da área da Cultura</p><p>Visual e Material Religiosa do Grupo de Pesquisa Rimago da UMESP – Universidade</p><p>Metodista de São Paulo – com pesquisas muito atuais da área. Há duas pesquisas em</p><p>particular acerca dos espaços religiosos que nos foram muito preciosas, o trabalho de</p><p>campo de Altierez Sebastião dos Santos sobre “O Vale do Amanhecer” em Brasília,</p><p>abordando os novos movimentos religiosos e o Trabalho de análise dos espaços sagrados</p><p>dos pesquisadores Helmut Renders e Ana Lídia Albuquerque, atestando a capacidade de</p><p>multação de sentido da imagem e como ela se desenvolve e se aplica dentro do espaço</p><p>23</p><p>religioso.</p><p>Assim finalizamos esse texto introdutório, desejando que nossa pesquisa possa</p><p>ser apreciada pelos nossos leitores e possa contribuir para os estudos das religiões no</p><p>Brasil e mais especificamente para a área da Cultura Visual e Material que é deveras</p><p>nova e ainda pouco explorada pelos pesquisadores. Porém, uma área rica, detentora de</p><p>bens intrínsecos, que muito pode revelar sobre a formação cultural e religiosa do Brasil.</p><p>24</p><p>CAPÍTULO 1</p><p>A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA E</p><p>FENÔMENO DE EDELARZIL, A “MULHER DO</p><p>ALGODÃO”</p><p>Introdução</p><p>A busca pela experiência com o transcendente ou divino esteve presente nas mais</p><p>diversas culturas humanas. O ser humano, diante da sua finitude, busca alcançar algo que</p><p>satisfaça ou amenize as intempéries que afligem a vida cotidiana, para dar sentido ou</p><p>mesmo encontrar razão para o existir das coisas. Assim, a essência religiosa do ser</p><p>humano pode ser traduzida em inúmeras formas. Mesmo que não tenhamos com precisão,</p><p>acesso ao tempo remoto, podemos nos aproximar ao máximo por meio das marcas que</p><p>sobreviveram em fontes arqueológicas, bibliográficas, pictóricas etc. Passado e presente</p><p>se correlacionam, fazendo-se imprescindível o estudo do primeiro para um melhor</p><p>entendimento do segundo. Portanto, no presente capítulo, iremos caminhar pela formação</p><p>da religiosidade popular brasileira, a partir do pressuposto de alguns autores como</p><p>Mendonça, Bittencourt Filho e Ribeiro, que se aprofundaram no estudo das matrizes</p><p>religiosas brasileiras, estas tendo como principais componentes, a matriz indígena, aqui</p><p>já existente antes da colonização, a matriz cultural católica, trazida pelos portugueses, e</p><p>a matriz cultural africana. Houve outras contribuições a esse conjunto, mas que não</p><p>lograram afetá-lo em sua essência ou em seus contornos.</p><p>Na primeira parte, falaremos sobre a matriz indígena, lusitana, católica e espírita,</p><p>considerando não se tratarem das únicas, porém a que cogitamos como sendo as mais</p><p>relevantes para este estudo. Consideramos que Edelarzil Munhoz Cardoso, professa a fé</p><p>católica, porém, uma fé mais predominante do catolicismo popular do que o romano.</p><p>Sendo assim, Num segundo momento, para chegarmos à história de Edelarzil e no que</p><p>tange à sua religiosidade, vimos ser necessário enfatizar a formação do catolicismo no</p><p>Brasil e mais especificamente, o catolicismo popular e o protagonismo feminino dentro</p><p>25</p><p>desse. Muitas foram as contribuições das mulheres para as comunidades, não só em</p><p>questões religiosas, mas também de saúde pública, havendo destaques entre elas, algumas</p><p>tidas como mulheres santas, beatas e muitas intituladas como rezadeiras ou benzedeiras.</p><p>Falaremos, na terceira parte, sobre essas mulheres e sobre a participação das</p><p>mesmas na contemporaneidade. Fazendo esse caminho, situamos Edelarzil como uma</p><p>protagonista entre essas mulheres, no cenário religioso brasileiro. Ela, obtendo um certo</p><p>destaque em sua função, devido à originalidade de sua performance ritual: a purificação</p><p>dos males através da materialização de objetos no algodão, tornando-se a “Mulher do</p><p>Algodão”, “Médium ou Benzedeira do Algodão”, finalmente, conheceremos sua história.</p><p>1.2 Matriz religiosa brasileira</p><p>A matriz religiosa brasileira seria, segundo Bittencourt Filho (2003), um acervo de</p><p>bens simbólicos e valores que são compartilhados como uma “consciência coletiva”, por</p><p>injunções incontroláveis que ultrapassam as diferentes classes e se incorpora ao</p><p>inconsciente nacional. A Religiosidade Popular Brasileira, herdeira de um intenso diálogo</p><p>com essa matriz, que, em termos de imaginário coletivo, ressalta a existência de um</p><p>mundo espiritual em constante interação com o mundo dos vivos: são anjos, santos, exus,</p><p>pombagiras, deuses, demônios, espíritos desencarnados, fantasmas, entidades. Enfim, não</p><p>importa o nome ou a condição moral das almas que dialogam com os brasileiros, o fato é</p><p>que essa relação é marcada pelas trocas. Aqui utilizamos a teoria abordada por Bittencourt</p><p>Filho, Ribeiro e Mendonça. Segundo esse:</p><p>A cultura brasileira tem três componentes muito claros: a cultura ibero-</p><p>latino-católica, a indígena e a negra. A primeira não é representada pelo</p><p>catolicismo tridentino, mas pela religião popular, folclórica e festiva</p><p>legada pela tradição lusitana. Dessa mistura de culturas resultou um</p><p>imaginário de um mundo composto por espíritos e demônios bons e</p><p>maus, por poderes intermediários entre os homens e o sobrenatural por</p><p>possessões. Trata-se de um mundo maniqueísta em que os poderes são</p><p>classificáveis entre o bem e o mal e manipuláveis magicamente.</p><p>O</p><p>homem, por meio de agentes especiais, pode organizar este mundo de</p><p>modo a obter dele benefícios que não são permanentes, mas devem ser</p><p>negociados no cotidiano. Merecem atenção constante (MENDONÇA,</p><p>2008, p. 138, grifos nossos).</p><p>Para Mendonça (2008), a religiosidade popular brasileira seria como uma colcha</p><p>de retalhos em que essas peças da matriz cultural se ajustariam e ao mesmo tempo que</p><p>são dinâmicas e multáveis. Pensemos em uma placa tectônica: o solo em que pisamos</p><p>26</p><p>pode ser aparentemente inerte, mas nas profundezas ela está sempre em movimento,</p><p>dançando sobre as rochas líquidas e lentamente toda a forma que conhecemos vai</p><p>mudando, quase imperceptivelmente. De repente, vemos surgir uma montanha que não</p><p>estava lá há alguns anos ou uma Ilha ou mesmo a falta delas etc. Assim acontece com as</p><p>religiões, aparentemente estáveis para quem as praticam, porém, em constante mudança</p><p>e diálogo umas com as outras por caminhos que não vemos, mas quando percebidas pela</p><p>razão, as mudanças estão lá.</p><p>Outro estudioso sobre matriz cultural, José Bittencourt Filho (2003), em seu livro</p><p>“Matriz Religiosa Brasileira”, denota que o sincretismo na religiosidade brasileira, não</p><p>foi algo deveras difícil, devida as proximidades das matrizes em alguns aspectos. Índios</p><p>e africanos, por suas crenças nas forças da natureza, presididas por forças superiores,</p><p>facilitou a inserção dos mesmos ao catolicismo que aqui se impunha, ao mesmo tempo</p><p>que, secretamente resistiam pela sobrevivência de seus cultos, gerando um catolicismo</p><p>sincrético. Outro apontamento de Bittencourt Filho, é que o brasileiro tende a ter uma</p><p>religiosidade bem marcada pelo sincretismo, podendo haver a “coexistência numa só</p><p>pessoa de concepções religiosas, filosóficas e doutrinárias por vezes opostas e mesmo</p><p>racionalmente inconciliáveis”1 (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 68). Segundo o</p><p>mesmo, o brasileiro possui uma forte inclinação de crer em experiências místicas,</p><p>praticantes ou não, independente de credo. Crença tal, que ele remete às bases das</p><p>matrizes coloniais. Essa religiosidade que não é institucionalizada, mas é a</p><p>ressignificação, a reapropriação de elementos de sistemas religiosos institucionalizados.</p><p>Sendo assim, a “Matriz Religiosa Brasileira enseja e a Religiosidade Matricial ratifica o</p><p>êxtase religioso como uma espécie de ápice da experiência direta com o sagrado”</p><p>(BITTENCOURT FILHO, 2003. p. 72).</p><p>1.1.1 A matriz indígena</p><p>A obra O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro (2015), inicia-se com uma tentativa</p><p>de descrição dos povos originários que aqui estavam quando os europeus chegaram no</p><p>século XVI. Ribeiro retoma o imaginário medieval, no qual havia a lenda da mítica Ilha</p><p>Brasil (ou Hy-Brasil, o território de São Brandão). Num paraíso terreal, os europeus</p><p>encontraram centenas de culturas em pleno florescimento e com uma civilização distinta</p><p>da europeia: os ameríndios haviam logrado domesticar inúmeras plantas medicinais,</p><p>1 Cf. Ferreti, 2013.</p><p>27</p><p>alimentícias, cosméticas. Contudo, os europeus não estavam inclinados, pela sua própria</p><p>história, a relações harmoniosas e deram vazão à sua índole cultural.</p><p>Os grupos indígenas encontrados no litoral pelo português eram</p><p>principalmente tribos de tronco tupi que, havendo se instalado uns</p><p>séculos antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes oriundos</p><p>de outras matrizes culturais. Somavam, talvez, 1 milhão de índios,</p><p>divididos em dezenas de grupos tribais, cada um deles compreendendo</p><p>um conglomerado de várias aldeias de trezentos a 2 mil habitantes</p><p>(Fernandes 1949). Não era pouca gente, porque Portugal àquela época</p><p>teria a mesma população ou pouco mais (RIBEIRO, 20015, p. 26).</p><p>Houve um choque cultural. Para o povo indígena a percepção de sobrevivência</p><p>era diferente daqueles que acabavam de chegar. A vida era tranquila numa sociedade</p><p>solidária, cada um tinha seu papel definido e não possuíam as mesmas ambições que os</p><p>recém chegados. “Claro que tinham suas lutas, suas guerras. Mas todas concatenadas,</p><p>como prélios, em que se exerciam, valentes. Um guerreiro lutava, bravo, para fazer</p><p>prisioneiros, pela glória de alcançar um novo nome e uma marca tatuada cativando</p><p>inimigos” (RIBEIRO, 2015, p. 37). A rivalidade que havia entre as tribos indígenas, não</p><p>permitiu que se unissem contra os invasores e, por vezes, foram manipulados por</p><p>franceses, espanhóis e portugueses, uns contra os outros, se aliando aos seus interesses,</p><p>em confrontos que resultaram em milhares de índios dizimados. Acostumados com um</p><p>mundo onde dar e receber era constitutivo, celebraram bem os recém chegados sem prever</p><p>o massacre que estava por vir.</p><p>Ao encontrarem os povos indígenas aqui, os europeus os foram</p><p>classificando e nomeando-os de acordo com um olhar ocidental,</p><p>contaminado pelas mentalidades etnocêntricas típicas do continente</p><p>europeu, na qual os outros povos eram no mais das vezes</p><p>desclassificados, justificando então a dominação colonial, como se</p><p>houvesse graus diferentes de desenvolvimento humano, como no caso</p><p>da dicotomia entre seres superiores e inferiores (LINO, 2015, pp. 103-</p><p>104).</p><p>Para a catequização dos indígenas, foram necessárias adaptações, pois havia certa</p><p>resistência decorrente das diferentes visões de mundo. Para diminuir o distanciamento,</p><p>os jesuítas aprenderam e inseriram novas palavras nos idiomas indígenas e se valeram do</p><p>próprio conhecimento nativo de seus heróis para introduzi-los ao cristianismo e</p><p>reinterpretar a mitologia dos mesmos. No entanto, segundo Bittencourt Filho (2003), os</p><p>indígenas brasileiros não foram inertes nesse processo, mas também foram protagonistas</p><p>no dinamismo cultural. Os portugueses difundiram devoções a santos guerreiros como</p><p>São Sebastião e Santo Antônio de Pádua para que no processo de catequização, houvesse</p><p>28</p><p>também uma identificação de pertença para com Portugal. Porém, com o passar dos</p><p>séculos, as expressões africanas e indígenas das forças da natureza foram sendo</p><p>reprimidas e os ritos indígenas foram “demonizados”. “Quais os pecados? Vício da carne</p><p>– o incesto com lugar de destaque, além da poligamia e dos concubinatos –, nudez,</p><p>preguiça cobiça, paganismo, canibalismo”2 (MELLO E SOUZA, 1986, p. 61).</p><p>Tem-se notícia de que no contexto da cristandade colonial</p><p>desenvolveram movimentos messiânicos3 entre os índios, alguns cuja</p><p>origem antecede o Descobrimento, e que chegaram mesmo a</p><p>incorporar elementos do cristianismo romano-católico. A tônica de</p><p>quase todos incluía a expulsão dos brancos, ou seja, o fim da opressão</p><p>dos colonizadores (BITTENCOUT FILHO, 2003, p. 55, grifos nossos).</p><p>No princípio a aproximação, segundo Ribeiro (2015) para com o povo indígena</p><p>foi pacífica. Alguns índios foram levados para a Europa, sob a promessa de retornarem</p><p>ao continente americano brevemente, no entanto, os que se foram nunca mais voltaram.</p><p>Tornou-se uma prática comum levar indígenas para a Europa, onde seriam colocados em</p><p>exposição para que seus corpos e adereços tido como exóticos, figurassem como uma</p><p>atração de entretenimento. Primeiramente os indígenas foram desolados pelas inúmeras</p><p>doenças que o humano branco trouxe. Doenças para as quais eram totalmente indefesos,</p><p>e depois, por uma conveniência gananciosa, achou-se necessário o extermínio genocida</p><p>e etnocida e a escravidão começou a ser imposta. Lino narra da seguinte forma:</p><p>A colonização foi um processo deveras predador. Os indígenas que aqui</p><p>viviam foram exterminados das mais violentas formas, por epidemias,</p><p>pois seus corpos não tinham imunidade para com as enfermidades</p><p>trazidas pelos europeus. Mortes por conflitos de resistência à</p><p>colonização e verdadeiras guerras com o intuito ocupacional,</p><p>escravidão. Como escravos, os indígenas não suportavam as altas</p><p>cargas de trabalho e muitos acabavam morrendo, antes da invasão</p><p>europeia, não se incluíam em seu cotidiano, trabalhos pesados. Tidos</p><p>como preguiçosos</p><p>pelos europeus, os indígenas viviam a realidade do</p><p>trabalho para a sobrevivência, não havia o intuito de enriquecimento</p><p>que os europeus almejavam. Eles também foram receptivos e</p><p>hospitaleiros para com os estrangeiros que aqui chegavam, esses</p><p>encontraram certa facilidade de aproximação (LINO, 2015, p. 105).</p><p>A mulher indígena, segundo Ribeiro (2015) teria sido a matriz fundamental para</p><p>a geração dos brasileiros, pois poucas eram as mulheres europeias. Os europeus se uniam</p><p>às índias pelo cunhadismo, gerando um novo gênero, o mameluco, uma estratégia em</p><p>2 Cf. Vainfas, 1995.</p><p>3 Movimentos sociais que apresentam em sua origem forte aspecto religioso, em especial a esperança de</p><p>ver reproduzido na Terra um reino divino, marcado pela bonança e a felicidade. Por isso o nome remete à</p><p>ideia do messias, esperando pelos judeus para redimir a humanidade.</p><p>29</p><p>que, se tornavam parte da tribo e conquistavam favores dos índios, chegando um mesmo</p><p>homem a ter oitenta terricós. Esta união gerou um povo que não era nem europeu e nem</p><p>indígena, mas um grupo híbrido que seria o proto-brasileiro. O mameluco lidava com</p><p>uma dupla rejeição, a do pai que o considerava impuro e da mãe que tinha em sua</p><p>formação cultural, a concepção de que o filho seria somente filho do pai, sendo a mãe</p><p>considerada apenas um saco onde era depositada a semente. As mamelucas, procuraram</p><p>na Igreja um espaço para ser “alguma categoria de gente” e foram as implantadoras do</p><p>catolicismo popular santeiro no Brasil.</p><p>1.1.2 Matriz católica lusitana</p><p>O povo português que consigo trouxe a matriz católica, não trouxe</p><p>necessariamente uma doutrina católica romana seguindo à risca a ortodoxia doutrinária.</p><p>Em sua pesquisa, Mello e Souza (1986), surpreendeu-se ao constatar que algumas práticas</p><p>que considerava como resistencia africana, era também comum ao que ela chama de</p><p>feitiçaria européia. Sendo assim, a feitiçaria estaria ligada a estruturação da colônia</p><p>brasileira com uma profundidade maior do que a imaginada. A tendência pela busca da</p><p>cura mágica não é resultado apenas das influências indígenas e africanas, os próprios</p><p>portugueses chegaram nesta terra, carregados de elementos mágicos, provenientes de sua</p><p>cultura.</p><p>Na idade média, a fusão entre realidade e imaginário, que permeia nossa forma de</p><p>ver o mundo, era tida como sendo uma a extensão da outra e as pessoas enxergavam</p><p>primeiramente com os relatos, portanto, na literatura eram comuns as histórias de viagens</p><p>imaginárias para terras desconhecidas ou pouco conhecidas pelos europeus,</p><p>acompanhadas de elementos fantásticos, até mesmo o pensamento sobre a morte e a pós</p><p>morte eram permeadas pela ideia das aventuras das navegações e entendida como uma</p><p>viagem. Mesmo viagens reais como a de Marco Polo, eram narrativas carregadas de</p><p>vivências irreais e fantásticas. “Desde cedo, portanto, as narrativas de viagens aliavam</p><p>fantasia e realidade, tornando fluídas as fronteiras entre o real e o imaginário” (MELLO</p><p>E SOUZA, 1986, p. 24). Assim acontecia com a percepção de céu e inferno e até mesmo</p><p>com o espaço geográfico, que se confundia entre o real e elementos imaginários.</p><p>Na religião, a Europa medieval vivia em uma constante luta por equilibrar a</p><p>ortodoxia do catolicismo oficial romano e as crenças praticadas pelo povo, estamos</p><p>falando de uma época em que cultura e religião estavam estreitamente ligadas e a Igreja</p><p>Católica tinha se consolidado sob o Estado. O ímpeto da conquista de novas terras, se</p><p>30</p><p>confundia com o da expansão do cristianismo, esse último excercendo um importante</p><p>papel legitimador para essas conquistas, emitindo documentos como a bula Romanus</p><p>Pontifex em 1454 e Inter Coetera de 1493, dadas pelo Papa Nicolau V (RIBEIRO, 2015).</p><p>Nesses documentos, o papa abençoava e “dava” aos expedidores plenos direitos sobre</p><p>todas as terras que desejassem conquistar e submeter os povos encontrados ao</p><p>cristianismo. Abaixo, um trecho da bula Inter Coetera de 1493:</p><p>[…] por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em razão da</p><p>plenitude do poder Apostólico, todas ilhas e terras firmes achadas e por</p><p>achar, descobertas ou por descobrir, para o Ocidente e o Meio-Dia</p><p>fazendo, fazendo e construindo uma linha desde o polo Ártico [...] quer</p><p>sejam terras firmes e ilhas encontradas e por encontrar em direção à</p><p>Índia, ou em direção a qualquer outra parte, a qual linha diste de</p><p>qualquer das ilhas que vulgarmente são chamadas dos Açores e Cabo</p><p>Verde cem léguas para o Ocidente e o Meio-Dia […] A Vós e a vossos</p><p>herdeiros e sucessores (reis de Castela e Leão) pela autoridade do Deus</p><p>onipotente a nós concedida em S. Pedro, assim como o vicariato de</p><p>Jesus Cristo , a qual exercemos na terra, para sempre, no teor das</p><p>presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus</p><p>domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas</p><p>as pertenças. E a vós e os sobreditos herdeiros e sucessores, vos</p><p>fazemos, constituímos e substituímos por senhores das mesmas, com</p><p>pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição. [...] sujeitar a vós,</p><p>por favor da Divina Clemência, como as terras firmes e ilhas sobreditas,</p><p>e os moradores e os habitantes delas, e reduzi-los à Fé Católica [...] (in</p><p>Macedo Soares 1939: 25-8) (RIBEIRO, 2015, p. 33).</p><p>Os portugueses em si eram muito sincréticos em seu catolicismo, de “forte apego</p><p>aos santos e a eles nomeando forças da natureza. Práticas já observadas desde o século</p><p>XV com forte ênfase nas procissões religiosas e missas, um catolicismo mais afeito às</p><p>imagens e às figuras do que ao espiritual” (MACEDO, 2008, p. 1). Tinham forte</p><p>sentimento religioso e se consideravam escolhidos por Deus dentre os povos, Vieira</p><p>afirmava que “Os outros homens, por intuição divina têm só obrigação de ser católicos:</p><p>o português tem obrigação de ser católico e de ser apostólico. Os outros cristãos têm</p><p>obrigação de crer a fé: o português tem obrigação de a crer e mais de a propagar” (apud</p><p>MELLO E SOUZA, 1986, p. 33). Para eles, o sucesso da expansão dependia do empenho</p><p>em difundir o cristianisno, havendo a pretensa instauração do reino de Deus por meio</p><p>deles.</p><p>Envolto em panos, calçados de botas e enchapelados, punham nessas</p><p>peças seu luxo e vaidade, apesar de mais vezes as exibirem sujas e</p><p>molambentas, do que pulcras e belas. Armados de chuços de ferro e de</p><p>arcabuzes tonitruantes, eles se sabiam e se sentiam a flor da criação</p><p>(RIBEIRO, 2015, p. 38).</p><p>31</p><p>Este imaginário português permitiu aos conquistadores que aqui chegaram a</p><p>premissa de ter encontrado o Paraíso Terrestre que, havia séculos, era procurado pelos</p><p>navegadores. A partir de lendas como a de São Brandão – que habitaria uma ilha</p><p>paradisíaca, cercada por seres monstruosos – e de uma Ilha Brasil, cuja existência,</p><p>provavelmente fictícia, fora desenhada em diversos mapas desde o século XIII, sendo</p><p>pressupostas várias localizações (MELLO E SOUZA, 1986). A edenização da natureza</p><p>ficou registrada em muitas narrativas textuais e visuais, dado o impacto que exerceram</p><p>sobre os europeus. No entanto, paradoxalmente à prerrogativa de paraíso dado às riquezas</p><p>da Terra de Santa Cruz, seus habitantes nativos, com sua cultura e religião foram por eles</p><p>demonizados.</p><p>O Brasil foi visto tanto como paraíso terreal, em virtude das belezas e</p><p>das riquezas naturais, como um lugar de sofrimento e expiação, em</p><p>virtude dos perigos e dificuldades. Os moradores nativos, por sua vez,</p><p>foram tidos como criaturas semidemoníacas, portanto, absolutamente</p><p>carentes de conversão (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 48).</p><p>A cultura indígena em muito se chocou com a cultura ocidental que era</p><p>tendenciosamente excludente. Segundo Lino, “os outros povos eram no mais das vezes</p><p>desclassificados, justificando então a dominação colonial, como se houvesse graus</p><p>diferentes de desenvolvimento humano, como no caso da dicotomia entre seres superiores</p><p>e inferiores” (2015, p. 103-104). Sendo assim, travaram a “guerra justa” pela conquista</p><p>da terra contra os que consideravam bárbaros. A reação indígena para com os invasores</p><p>foi tida como perseguição cristã e os mortos por indígenas eram considerados mártires.</p><p>Havia o medo de serem caçados e devorados pelos canibais. “Humanidade esquisita, anti-</p><p>humana, meio monstruosa, diferente, pecadora. Seriam homens mesmo? Poderiam ser</p><p>convertidos, receber a palavra divina?” (MELLO E SOUZA, 1986, p. 62). Inúmeras eram</p><p>as acusações de seus pecados e foi assim que, de Paraiso Terrestre à Terra Infernal, a</p><p>própria mudança do nome Terra de Santa Cruz para Brasil, foi considerada como obra</p><p>de Satanás. A catequese, então, seria um verdadeiro combate espiritual para converter os</p><p>seguidores do diabo, como afirmaram alguns jesuítas ao fundador da ordem, Inácio de</p><p>Loyola. Os próprios sinais da natureza que interferiam na missão com os indígenas eram</p><p>considerados perseguição de Satanás (MELLO E SOUZA, 1986).</p><p>1.1.3 A matriz Africana</p><p>Quando os africanos chegaram ao Brasil, colaboraram com a construção da cultura</p><p>brasileira de maneira associativa. Pouco a pouco a cultura africada foi encontrando seu</p><p>32</p><p>próprio caminho dentre as culturas, influenciou e foi influenciada. Com a proibição do</p><p>culto africano e a imposição do cristianismo, o sincretismo foi a solução. Se o povo</p><p>indígena, principalmente as mulheres, segundo Darcy Ribeiro (2015) devem ser</p><p>reconhecidas pela história, por serem os ventres que geraram os brasileiros, podemos</p><p>afirmar que o povo africano também teve uma excepcional contribuição na mestiçagem</p><p>e foram os que mais contribuíram para a construção da civilização brasileira4, dando o</p><p>suor de seu trabalho em condições das mais desumanas, o da escravidão. Em meados do</p><p>século XV, vendo as dificuldades de escravidão indígena, os europeus começaram a</p><p>importar pessoas do continente africano para serem escravos. Essas pessoas eram trazidas</p><p>e anuladas em sua humanidade, tiveram sua cultura e religião identificadas como</p><p>demoníacas, foram perseguidos e submetidos à conversão forçada. Muito se é falado e</p><p>aprendido nas escolas sobre a cultura grega e romana, e seus mestres, mas os grandes</p><p>mestres africanos não são mencionados.</p><p>No entanto, quando os portugueses chegaram à África, os africanos já</p><p>dominavam as técnicas de plantio. Os povos do oeste africano tinham</p><p>sistemas agrícolas bem desenvolvidos, comércio regulamentado e</p><p>conheciam grande número de ligas artesanais. Muitos povos africanos</p><p>tinham técnicas mais avançadas do que os lusos, tais como a metalurgia</p><p>e a siderurgia. Trabalhavam o cobre e o estanho, trazendo esse</p><p>conhecimento também ao Brasil. Os lusos vieram a conhecer a enxada</p><p>de ferro com os ganenses e nigerianos (SANTOS, 2016, p. 218).</p><p>Os africanos já dominavam técnicas avançadas da medicina, como cita Cunha</p><p>(2012), segundo esse, há um equívoco em relação a quem seria o pai da medicina, hoje</p><p>atribuída ao grego Hipócrates “A condição de Pai da Medicina seria mais apropriada ao</p><p>cientista e clínico egípcio Imhontep, que quase três mil anos antes de Cristo praticava</p><p>quase todas as técnicas básicas da medicina” (p. 6). Mencionando também a sofisticada</p><p>técnica de mumificação que desenvolveram e os indícios de alto desenvolvimento para</p><p>tratamentos, inclusive com cirurgias cerebrais. No campo da astronomia ele destaca:</p><p>Nesse campo de conhecimento é interessante citar as contribuições dos</p><p>antigos africanos da nação Dogon, situados na região do antigo Mali.</p><p>Eles já tinham conhecimento da existência do “pequenino” satélite da</p><p>estrela Sirius, o Sirius B, invisível a olho nu. Denominavam-no Potolo,</p><p>e desenhavam, com exata precisão, a sua órbita em torno de Sírius</p><p>(CUNHA, 2012, p. 8).</p><p>Por motivos de interesses comerciais, os europeus se aproximavam dos reis</p><p>africanos, a estratégia era a cristianização. Convertendo o rei, ficava mais fácil introduzir</p><p>4 Cf. Monteiro, 1994.</p><p>33</p><p>o cristianismo em meio ao povo e quando o tráfico negreiro começou por volta de 1441,</p><p>parte dos africanos que eram trazidos para o território brasileiro, já estava adaptado ao</p><p>cristianismo, facilitando a inserção de comunidades negras (PACHECO, 2008). Enquanto</p><p>os portugueses viam nas terras brasileiras como um potencial para ser explorado, os</p><p>africanos deram uma contribuição efetiva na consolidação da cultura brasileira em todo</p><p>o território. Despossuídos que foram de suas raízes, pertencentes a etnias diferentes, os</p><p>africanos precisaram aprender a cultura do dominador para se expressarem. Por isso os</p><p>negros disseminaram, por onde passaram, a cultura proto-brasileira, sendo civilizadores,</p><p>mesmo na condição de escravos. A exploração escravocrata recebia total apoio europeu</p><p>e até mesmo da Igreja e por isso tornou-se uma forte economia. As condições das</p><p>embarcações dos navios chamados “Navios Negreiros”, os obrigavam a permanecer em</p><p>péssimas condições de sobrevivência durante meses de viagem. Muitos não chegavam à</p><p>costa brasileira. Como Rambeli relata em seus estudos arqueológicos das embarcações:</p><p>O L’Aurore era um navio de 280 toneladas, 34 com aproximadamente</p><p>30 metros de comprimento e 8 metros de boca, [...].</p><p>[...] Mesmo não sendo grande, tendo em vista a vasta tipologia dos</p><p>navios, essa fragata tinha capacidade para transportar seiscentos</p><p>escravos em sua falsa coberta – devido ao aproveitamento de dois</p><p>andares (do tipo bailéu) construídos no mesmo piso [...]</p><p>Mesmo considerando que a ocorrência de mortes a bordo reduzisse o</p><p>efetivo e a carga humana transportada, era necessário, nos cálculos de</p><p>provisões, levar em conta os desperdícios e os inevitáveis vazamentos</p><p>dos barris5 (2006, p.102).</p><p>No novo mundo, os africanos pouco conseguiram reproduzir de suas tradições. O</p><p>culto aos antepassados e a ligação familiar eram bases fundamentais de suas práticas</p><p>religiosas, com a escravidão, as famílias africanas foram fragmentadas. Portanto, o culto</p><p>aos antepassados foi marginalizado e com isso houve a centralização da manipulação</p><p>mágica dos orixás. Pois que sentido poderia fazer o controle da vida social para o negro</p><p>escravo? Fora de suas representações religiosas, era o catolicismo do senhor a única fonte</p><p>possível de ligação com o mundo coletivo projetado para fora do trabalho escravo e da</p><p>senzala (ALMEIDA et al, 2016, p. 4). O povo negro encontrou no catolicismo a forma de</p><p>se fazer brasileiro, a religião de seus senhores, enquanto em seus quintais nasciam os</p><p>primeiros terreiros, que teria sido uma forma de recriar um pouco da África em solo</p><p>brasileiro. Segundo Almeida et al. (2016) não há uma religião tradicional pura em</p><p>territórios pós-colonizados. Uma vez que o convívio diário influenciava mutualmente. As</p><p>5 Cf. Rediker, 2011. Cf. Schwarcz; Gomes, 2018.</p><p>34</p><p>crianças dos senhores eram criadas desde pequenas por amas de leite e babás africanas,</p><p>com isso, a mescla de costumes, mitos, símbolos, a cultura em suma, era entranhada</p><p>sutilmente nas pessoas, sendo um dos fatos que mais contribuiu para o sincretismo</p><p>religioso, inclusive.</p><p>Os africanos no Brasil não abandonaram seus costumes e religiões,</p><p>apesar do trabalho estafante e do pequeno ciclo de vida. Organizavam</p><p>festas, adornavam os corpos, relembravam suas origens tais como o Rei</p><p>Congo, congada, música carregada de sofrimento em contraste com os</p><p>raros momentos de alegria, em que a língua de origem sobressaia no</p><p>canto. Essa cultura não podia expressar-se livremente, pela sua</p><p>condição de escravo, mas sobreviveu nas crenças religiosas e práticas</p><p>mágicas a que se apegavam em seu desamparo no mundo hostil em que</p><p>viviam, o qual transformavam em danças e músicas, arrefecendo assim</p><p>o sofrimento do dia a dia. Juntamente com esses valores espirituais</p><p>acrescentam-se reminiscências rítmicas, musicais, saberes e gostos</p><p>culinários.</p>