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dos seus legítimos donos para dar aos favelados a escritura das suas casas. Entretanto, somente oito dos treze legítimos donos aceitaram a compensação oferecida pelo governo; os outros (um deles acabou compondo a questão em 1998) travaram uma batalha legal demorada. O resultado foi que alguns dos posseiros de Quilmes se tornaram donos dos seus imóveis, pagando somas nominais como aluguéis que, depois de dez anos, se tornaram escrituras legais da posse dessas casas, enquanto outros permaneceram favelados. Atualmente, podemos distinguir as casas ocupadas pelos seus donos das outras, por causa das suas cercas melhores e das suas paredes pintadas. Como contraste, as casas cuja posse permanece contestada são barracos miseráveis. Como todo mundo sabe (inclusive “Skip” Gates), geralmente os donos tomam mais cuidado com as propriedades do que os inquilinos. Não existe dúvida de que a posse da própria casa mudou a atitude das pessoas em Quilmes. De acordo com um estudo recente, aqueles que adquiriram escrituras se tornaram significativamente mais individualistas e materialistas em suas atitudes do que aqueles que ainda permanecem favelados. Por exemplo, à pergunta: “Vocês acham que o dinheiro é importante para a felicidade?”, 34% dos donos das suas próprias casas responderam que achavam que era, sim, importante.69 Ainda assim, parece haver uma falha na teoria, porque possuir suas próprias casas não tornou significantemente mais fácil para as pessoas de Quilmes conseguir fazer empréstimos. Somente 4% conseguiram fazer uma hipoteca.70 No país natal de De Soto também, somente a posse imobiliária não parece ser o suficiente para ressuscitar o capital morto. É verdade que, depois que as suas recomendações iniciais foram aceitas pelo governo peruano em 1988, houve uma redução drástica no tempo que demorava para registrar uma propriedade (para apenas um mês) e um corte ainda mais profundo, de 99%, nos custos da transação. Esforços adicionais foram feitos depois da criação de uma Comissão para a Formalização da Propriedade Informal, em 1996, de modo que, em quatro anos, 1,2 milhão de construções em terrenos urbanos foram transferidos para o sistema legal. Mas o progresso econômico, do tipo que De Soto prometera, tem sido desapontadoramente lento. Entre as 200.000 famílias de Lima que receberam as escrituras dos seus terrenos e casas, em 1998 e 1999, apenas cerca de um quarto delas conseguiu fazer qualquer tipo de empréstimo até 2002. Em outros lugares, onde a abordagem de De Soto foi tentada, notadamente no Cambodja, conferir escrituras a propriedades urbanas simplesmente encorajou construtores e especuladores a comprar – ou despejar – residentes pobres.71 Lembre-se: não é possuir uma propriedade que lhe confere segurança; ela apenas dá segurança aos seus credores. A segurança verdadeira vem de ter uma renda equilibrada e constante, como o duque de Buckingham descobriu nos anos 1840 e os donos da casa própria de Detroit estão descobrindo atualmente. Por essa razão, pode não ser necessário que todo empreendedor tenha que hipotecar sua casa para levantar dinheiro no mundo em desenvolvimento. De fato, a posse da casa própria pode não ser absolutamente a chave para a geração da riqueza.