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Chicago, ele argumentou que “esse problema” da inflação surgiu “de tendências na direção do socialismo que começara quarenta anos antes, e atingira seu clímax lógico – e terrível – no regime de Allende”. Como ele relembrou depois: “A linha geral que eu estava adotando... foi que as dificuldades do país naquele momento eram devidas quase inteiramente a uma tendência, já com quarenta anos, na direção do coletivismo, do socialismo, do Estado no qual o bem-estar social resulta dos esforços organizados pelo governo, e não pelas organizações privadas...”.57 E como ele assegurou a Pinochet: “O final da inflação levará a uma rápida expansão do mercado de capitais, que facilitará grandemente a transferência de empresas e de atividades ainda nas mãos do governo para o setor privado”.58 Depois de oferecer esse conselho, Friedman se viu denunciado pela imprensa americana. No final das contas, ele agira como consultor de um ditador militar responsável pelas execuções de mais de 2 mil comunistas, entre reais e supostos, e torturou quase 30 mil chilenos, comunistas ou não. Como perguntou o New York Times: “... se a pura teoria econômica de Chicago somente puder ser implementada no Chile ao preço da repressão, seus autores deveriam sentir alguma responsabilidade?”.********* O papel de Chicago no novo regime consistiu em mais do que apenas uma visita de Milton Friedman. Desde os anos 1950, havia um fluxo regular de brilhantes jovens economistas chilenos que estudaram em Chicago, em programas de intercâmbio com a Universidade Católica de Santiago, e muitos voltaram convencidos da necessidade de equilibrar o orçamento, de apertar o suprimento do dinheiro em circulação e de liberalizar o comércio.59 Esses eram os chamados Chicago Boys, os soldados da infantaria Friedman: Jorge Cauas, ministro das Finanças de Pinochet e, posteriormente, o superministro da Economia; Sergio Castro, seu sucessor nesse último ministério; Miguel Kast, ministro do Trabalho, depois presidente do Banco Central, e pelo menos mais oito que estudaram em Chicago e trabalharam para o governo. Mesmo antes da queda de Allende, eles tinham engendrado um detalhado programa de reformas, conhecido como El Ladrillo [O Tijolo], por causa da grossura do manuscrito. As medidas mais radicais, entretanto, surgiram da mente de um estudante da mesma Universidade Católica que optara por estudar em Harvard, e não em Chicago. O que ele pretendeu foi o desafio mais profundo ao sistema de bem-estar social patrocinado por um Estado, em uma geração. Thatcher e Reagan viriam depois. O repuxo contra o bem-estar social começou no Chile. Para José Piñera, apenas com 24 anos quando Pinochet assumiu o poder, o convite para voltar de Harvard para o Chile apresentou um dilema doloroso. Ele não tinha ilusões sobre a natureza do regime de Pinochet. Mas também acreditava que era uma oportunidade para colocar em prática as ideias que estavam se formando na sua cabeça, desde sua chegada à universidade na Nova Inglaterra. A chave, como ele entendia, não era apenas reduzir a inflação. Era também essencial favorecer aqueles elos entre os direitos à propriedade e os direitos políticos, que estavam no âmago da experiência com a democracia capitalista, bem- sucedida na América do Norte. Piñera acreditava que não havia nenhuma maneira mais segura