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chegou ao ponto de ebulição. Já em abril, os fregueses de um supermercado de Buenos Aires tinham virado as bancadas cheias de produtos depois que a administração anunciou pelo alto- falante que todos os preços aumentariam 30% naquele exato momento. Durante dois dias de junho, na segunda maior avenida da cidade, a Rosário, multidões furiosas investiram numa erupção de saque e destruição que deixou pelos menos quatorze pessoas mortas. Como na República de Weimar, entretanto, os principais perdedores da hiperinflação argentina não foram os trabalhadores comuns, que mantiveram uma chance melhor de igualar as altas dos preços com os aumentos salariais; mas, sim, aqueles que dependiam das rendas fixadas em relação à moeda, como os funcionários públicos ou os acadêmicos, que recebiam salários inflexíveis, ou os pensionistas que viviam dos juros das suas poupanças. E, como na Alemanha dos anos 1920, os principais beneficiados foram aqueles com grandes dívidas, as quais praticamente foram apagadas pela inflação. Entre esses beneficiados estava o próprio governo, na medida em que o dinheiro que ele devia era designado em austrais. Mas os argentinos não conseguiram se livrar de todas as suas dívidas. Em 1983, a dívida externa do país, que era designada em dólares, somava US$ 46 bilhões, o equivalente a 40% da produção nacional. Não importava o que acontecesse com a moeda argentina, essa dívida designada em dólares permanecia a mesma. De fato, ela aumentou ainda mais por causa dos empréstimos desesperados do governo de mais dólares. Em 1989, a dívida externa do país estava acima de US$ 65 bilhões. Durante a década seguinte ela continuaria a crescer, até chegar a US$ 155 bilhões. Os credores domésticos já tinham sido esbulhados por causa da inflação. Mas somente a decisão aberta de não pagar suas dívidas poderia livrar a Argentina do peso da sua dívida externa. Como vimos, antes a Argentina já tinha seguido por essa trilha mais de uma vez. Em 1860, os Irmãos Baring chegaram à beira da falência por causa dos seus investimentos em ações e títulos argentinos (notadamente uma emissão fracassada de títulos para a Companhia de Suprimento de Água e Esgoto de Buenos Aires), quando o governo argentino não pagou sua dívida externa. Foram os rivais dos Baring, os Rothschild, que persuadiram o governo britânico a contribuir com 1 milhão de libras para o que se tornou o fundo de fiança de US$ 17 bilhões, sob o argumento de que o colapso do Barings seria “uma calamidade terrível para o comércio inglês em todo o mundo”.66 E foi também o primeiro Lord Rothschild quem presidiu o comitê de banqueiros organizado para impor uma reforma aos obstinados argentinos. Empréstimos futuros seriam condicionados pela reforma da moeda que estabilizasse o peso em relação ao ouro, através de um conselho monetário independente e inflexível.67 Um século depois, entretanto, os Rothschild estavam mais interessados nos vinhedos argentinos do que na dívida argentina. Foi o Fundo Monetário Internacional/FMI que teve de realizar a ingrata tarefa de tentar evitar (ou pelo menos mitigar os efeitos) de um calote argentino. Mais uma vez, o remédio foi um conselho monetário, dessa vez estabilizando o peso em relação ao dólar. Quando o novo peso convertible foi introduzido pelo ministro das Finanças, Domingos Cavallo, era a sexta moeda argentina no espaço de um século. Mas essa busca de solução