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étnica. No final, é claro, Shylock é contrariado. Embora a corte reconheça seu direito de insistir sobre sua caução – reivindicar sua libra de carne – a lei também o proíbe de derramar o sangue de Antonio. E, como ele é estrangeiro, a lei exige a perda dos seus bens e da sua vida, por ter tramado a morte de um cristão. Ele escapa apenas porque se submete ao batismo. Todos vivem felizes para sempre – exceto Shylock. O mercador de Veneza levanta profundas questões sobre a economia e também sobre o antissemitismo. Por que os devedores sempre deixam de pagar, ou atrasam, suas dívidas aos credores – especialmente quando os credores pertencem a minorias étnicas impopulares? E por que os Shylocks nem sempre são vencidos? Os agiotas, como os pobres que eles vitimizam, estão sempre entre nós. Eles florescem no leste da África, por exemplo. Mas não é preciso viajar para o mundo em desenvolvimento para compreender o funcionamento dos empréstimos primitivos de dinheiro. De acordo com um relatório do Departamento de Comércio e Indústria de 2007, aproximadamente 165.000 famílias do Reino Unido usaram emprestadores ilegais de dinheiro, tomando emprestado um montante agregado de 40 milhões de libras por ano, mas pagaram três vezes essa quantia. Para constatar por que os homens que emprestam dinheiro são quase sempre impopulares, a despeito da sua etnia, tudo que se precisa fazer é visitar minha cidade natal, Glasgow. Há muito tempo, os destituídos conjuntos habitacionais do East End da cidade têm sido um solo fértil para a procriação de agiotas. Em distritos como Shettleston, onde meus avós moraram, existem venezianas de aço sobre as janelas dos prédios velhos e negligenciados, e grafites sectários nas paradas de ônibus. Outrora, a vida econômica de Shettlestone girava em torno dos envelopes de pagamento dos trabalhadores empregados nas oficinas metalúrgicas de Boyd. Agora, ela gira em torno dos pagamentos dos benefícios depositados nas contas dos desempregados no posto dos correios. A expectativa de vida dos homens em Shettleston gira em torno de 64 anos, treze a menos do que a média no Reino Unido, e a mesma do Paquistão, o que significa que um menino recém-nascido ali, em geral, não viverá o bastante para receber a sua pensão do Estado. Essas áreas empobrecidas e negligenciadas de Glasgow são territórios perfeitos de caça para os agiotas. No distrito de Hillington, Gerard Law foi o principal agiota durante vinte anos. Ele usava o Pub Argosy, na Paisley Road West, como seu escritório, onde passava a maioria dos seus dias de trabalho, apesar de ser abstêmio. O sistema de Law era simples. Os que pediam empréstimos lhe entregavam suas cadernetas de benefício, ou seus cheques postais dos Correios, em troca de um empréstimo, cujos termos ele registrava no seu livro contábil de empréstimos. Esse livro contábil era surpreendentemente tosco: uma compilação aleatória de transações, nas quais os mesmos vinte ou trinta nomes e apelidos apareciam repetidamente, ao lado de somas de tamanhos variados: “Beardy Al 15”, “Jibber 100”, “Bernadet 150”, “Wee Caffy 1210”. A taxa padrão de juros que Law cobrava dos seus clientes era de assombrosos 25% por semana. Comumente, pessoas como Beardy Al tomavam 10 libras emprestadas e