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BECHARA_ModernaGramaticaPortuguesa-14

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pelo auxílio que lhe emprestam os entornos linguísticos. Do ponto de vista semântico e
consequentes resultados nas funções gramaticais, está o primordial valor atualizador do
artigo, de que decorrem os demais valores contextuais: 35 o artigo definido identifica o objeto
designado pelo nome a que se liga, delimitando-o, extraindo-o de entre os objetos da mesma
classe, como aquele que já foi (ou será imediatamente) conhecido do ouvinte – quer através
do discurso (que dele faz menção), quer pela “dêixis” (que o mostra, ordenando-o espacial e
temporalmente), quer pelo contexto idiomático, no qual a palavra é, quando não ulteriormente
determinada, nome de conceito ou de toda uma classe de objetos (assim, “o homem é um
animal racional” equivale a “aquilo que conhecemos pela palavra homem...”) [HCv.1, 2,
1427].
Deste valor atualizador decorre o fato sintático de o artigo ser dispensado quando tal valor
já vem expresso por outro identificador adnominal, seja demonstrativo (este homem), seja
possessivo (meu livro), seja por equivalente a este valor, ou antes de um nome próprio, já por
si atual e individual. No português, em que a presença do artigo junto ao possessivo
adnominal tem sido marcado por um progressivo emprego da fase antiga à moderna, o uso do
artigo em “o meu livro” é redundante, e, poderíamos repetir a classificação de um velho
filólogo lembrado por Pacheco Júnior: muleta gramatical [PJ.1, 141].
Outra função é a da substantivação: qualquer unidade linguística, do texto ao morfema,
pode substantivar-se quando é nome de si mesma, tomada materialmente: “o o é artigo”, “o
este é dissílabo”, “não sabe o como me agradar”, “o per- é um prefixo”.
Este fato e a força identificadora contribuem para a possibilidade de calar o nome já antes
anunciado ou, se não antes anunciado no discurso, conhecido e identificado pelo falante e pelo
ouvinte: “o livro de Edu e o teu”, “a blusa branca e a azul”, “a blusa branca e aquela azul”,
etc. Tal possibilidade criou a diferença, na nomenclatura gramatical, entre o “artigo” e o
“pronome demonstrativo”, baseada em dois fatos: o segundo o vale semanticamente por isto,
isso, aquilo, e por usarem outras línguas, nesta situação, um pronome (ce em francês, quello
em italiano), e não o artigo. Gili Gaya [GG.1] já mostrou que línguas há que preferem, nesta
situação, o artigo, enquanto outras preferem formas de demonstrativo.
Ora, isto nos leva a acompanhar os autores (Alarcos Llorach, mais recentemente) que veem
como substantivações de orações previamente transpostas a subordinadas adjetivas (“Não sei
o que fazes”, objeto direto de não sei) ou adverbiais (“Gostou do quando o filho se
defendeu”, complemento relativo de gostar).
Esta omissão do antecedente do relativo é análoga à que se dá em subordinadas de quem
absoluto (“Quem tudo quer tudo perde”, e nas interrogativas indiretas (“Não sei quem virá”,
“Não sei quando virá”), já classificadas como de valor substantivo desde Epifânio Dias, no
final do século passado, e adotadas depois, entre outros, por Said Ali e Mário Pereira de
Sousa Lima.
Por fim, cumpre acrescentar que se uma operação determinativa passa a supérflua ou se
realiza implicitamente, graças à presença de outros determinadores ou pelo contexto, as
unidades específicas empregadas na operação podem servir para outras funções [ECs.3, 292-
293]. Coseriu lembra que o artigo empregado junto com um quantificado tem função
individuadora (os dois homens) e, aplicado a um nome próprio – já atual e individual –, pode
exercer função estilística (Maria ao lado de a Maria).
Junto de nome não marcado por gênero e número, pode o artigo ser responsável pela
indicação dessas categorias gramaticais: o artista, a artista; o lápis, os lápis.
 
Emprego do Artigo Definido
Emprego do artigo definido
Emprego do artigo definido – De largo uso no idioma, o artigo assume sentidos
especialíssimos, graças aos contornos verbais e extraverbais:
a) Junto dos nomes próprios denota nossa familiaridade (neste mesmo caso pode o artigo ser
também omitido):
O Cleto talvez falte hoje. O Antônio comunicou-se com o João.
Observação: O uso mais frequente, na linguagem culta, tendo em vista o valor já de si individualizante, dispensa o artigo junto
a nomes próprios de pessoas, com exceção dos que se acham no plural. É tradição ainda só antepor artigo a apelidos: o
Camões, o Tasso, o Vieira. Modernamente tem-se estendido a presença do artigo antes dos nomes de escritores, artistas e
personagens célebres, principalmente quando usado em sentido figurado: o Dante, o Torquato, o Rafael (= o quadro de Rafael).
Dizemos, indiferentemente, Cristo ou o Cristo (ou ainda o Cristo Jesus).
 
b) Costuma aparecer ao lado de certos nomes próprios geográficos, principalmente os que
denotam países, oceanos, rios, montanhas, ilhas:
a Suécia, o Atlântico, o Amazonas, os Andes, a Groenlândia
Entre nós, dispensam artigo os nomes dos seguintes Estados: Alagoas, Goiás, Mato
Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco e Sergipe.
Nota: Não se acompanham de artigo as denominações geográficas formadas com nomes ou adjetivos: São Paulo, Belo
Horizonte.
Quanto às cidades, geralmente prescindem de artigo. Há, contudo, exceções devidas à
influência de seu primitivo valor de substantivo comum: a Bahia, o Rio de Janeiro, o Porto,
etc. Continuando a prática de outros idiomas que, por sua vez, se inspiram no árabe el-Kahira
(a Vitoriosa), dizemos com artigo o Cairo.
Recife sempre se disse acompanhado de artigo: o Recife. Modernamente, pode dispensá-lo.
Aracaju, capital de Sergipe, conhece a mesma liberdade.
 
c) Entra em numerosas alcunhas e cognomes: Isabel, a Redentora; D. Manuel, o Venturoso;
mas: Frederico Barba-roxa.
 
d) Aparecem em certos títulos: o professor João Ribeiro, o historiador Tito Lívio, o doutor
Sousa.
Observação: É omitido antes dos ordinais pospostos aos títulos: Pedro I, Henrique VIII, João VI.
 
e) São omitidos nos títulos de Vossa Alteza, Vossa Majestade, Vossa Senhoria e outras
denominações, além das formas abreviadas dom, frei, são e as de origem estrangeira, como
Lord, Madame, Sir e o latinismo sóror ou soror (oxítono): Vossa Alteza passeia. Frei
Joaquim do Amor Divino Caneca nasceu em Pernambuco. Soror (ou Sor) Mariana
Alcoforado foi célebre escritora portuguesa.
Observação: Ensina-nos João Ribeiro: “É um galicismo a intercalação do artigo nas fórmulas: Sua Excelência o deputado,
Sua Alteza o príncipe, Sua Santidade o Papa. Estes galicismos foram adotados geralmente na língua para evitar fórmulas
menos elegantes, como: a excelência do Sr. Deputado, a alteza do príncipe, como mandaria dizer a vernaculidade” [JR.1, 266-
7]. E, em nota, transcreve exemplos que lhe foram apontados pelo colaborador Firminio Costa, dos quais lembramos:
“... comunicou a coisa à Alteza de el-rei Dom João o III”.
 
f) Dizem-se com artigo os nomes de trabalhos literários e artísticos (se o artigo pertence ao
título, há de ser escrito obrigatoriamente com maiúscula):
a Eneida, a Jerusalém Libertada, Os Lusíadas, A Tempestade.
Mesmo quando precedido de preposição fora do título, deve-se modernamente (a tradição
não procedia assim) preservar a integridade do artigo incluído na denominação:
No caso de Os Lusíadas...
Passando os olhos por As Cidades e as Serras.
Estampou-se ontem em O Globo a notícia...
Às vezes, aparentemente, se juntam dois artigos porque o primeiro tem subentendida a
espécie da publicação: “Um artigo meu publicado na [revista] A Águia” [FP apud MAg.1,
21]. “O [livro] A Padaria Espiritual está sendo caprichosamente confeccionado...” [LM apud
MAg.1].
A má interpretação deste fato causou o emprego errôneo e pleonástico do artigo em
construções do tipo: A notícia saiu pelas As Grandes Novidades.
 
g) São omitidos antes da palavra casa, designando residência ou família, nas expressões do
tipo: fui a casa, estou em casa, venho de casa, passei por casa, todos de casa.
Observação: Seguido de nome do possuidor ou de um adjetivo ou expressão adjetiva, pode o vocábulo casa acompanhar-sede artigo: Da (ou de) casa de meus pais.
 
h) Omite-se ainda o artigo junto ao vocábulo terra, em oposição a bordo (que também
dispensa artigo):
Iam de bordo a terra.
 
i) Costuma-se omitir o artigo com a palavra palácio, quando desacompanhada de
modificador:
“Perguntou o mestre-escola afoitamente à sentinela do paço se o representante nacional, morgado da Agra, estava em
palácio” [CBr.1, 144].
 
j) Aparece junto ao termo denotador da unidade quando se expressa o valor das coisas (aqui o
artigo assume o valor de cada):
Maçãs de poucos cruzeiros o quilo.
 
k) Aparecem nas designações de tempo com os nomes das estações do ano:
Na primavera há flores em abundância. “Em uma tarde do estio, à hora incerta e saudosa...” [AH.2, 154].
Observações:
1.ª) Se o nome de estação vier precedido de de, significando próprio de, o artigo é dispensado: Numa manhã de primavera.
2.ª) Se a expressão temporal contiver nome de mês, dispensa ainda o artigo: Meu irmão faz anos em março.
 
l) Nas indicações de tempo com a expressão uma hora, significando uma a primeira hora, o
emprego do artigo é facultativo:
Era perto da uma hora ou Era perto de uma hora.
A primeira construção parece ser mais dos portugueses; a segunda dos brasileiros. Por ser
mais antiga na língua, fixou-se o emprego do a acentuado em expressões como à uma hora,
etc.
 
m) É, na maioria dos casos, de emprego facultativo junto a possessivos em referência a nome
expresso:
Meu livro ou o meu livro
Observação: É obrigatório o artigo, quando o possessivo é usado sem substantivo, em sentido próprio ou translato: Bonita casa
era a minha. Fazer das suas. “Vês, peralta? É assim que um moço deve zelar o nome dos seus? Pensas que eu e meus avós
ganhamos o dinheiro em casa de jogo ou a vadiar pelas ruas?” [MA.1, 57].
Mas sem artigo dizemos várias expressões, como de meu, de seu natural, linguagens com
que traduzimos “os bens próprios de alguém” – a primeira – e “qualidades naturais” – a
última:
Nunca tive de meu, outro bem maior.
“Bernardes era como estas formosas de seu natural que se não cansam com alindamentos, a quem tudo fica bem”
[AC].
Dispensa ainda artigo o possessivo que entra em expressões com o valor de alguns:
Os Lusíadas têm suas dificuldades de interpretação.
Finalmente, na expressão de um ato usual, que se pratica com frequência, o possessivo vem
normalmente sem artigo:
Às oito toma seu café.
 
n) Não se repete o artigo em frases como:
O homem mais virtuoso do lugar.
Estaria errado: O homem o mais virtuoso do lugar.
Nota – É preciso distinguirmos cuidadosamente este feio erro de uma expressão tradicional e corretíssima que consiste em
acrescentar, depois do substantivo determinado por adjetivo, o conjunto o mais, que introduzirá uma explicação, um adendo,
uma restrição. Às vezes, exprimem-se tais ideias com ênfase, caso em que costumam aparecer, antes de o mais, elementos de
valor concessivo como ainda, mesmo, até, posto que.
A má pontuação (deveria haver vírgula antes do conjunto iniciado por o mais) aproxima os dois tipos de expressão e uma
análise menos cuidadosa tem feito que se evitem construções corretíssimas.
Martinz de Aguiar [MAg.1, 309-324] estudou com muita perspicácia os dois modos e assim concluiu a sua lição:
“Para que haja pureza de linguagem, é necessário, é imprescindível, que o substantivo, sem o acréscimo de o mais, combine
com os outros termos da proposição num sentido cabal, de tal maneira, que possa repetir-se. Sem isso, estamos, iniludivelmente,
à vista de um estrangeirismo de sintaxe ou de uma construção anti-idiomática, quer se trate de o – o, quer de um – o. Não é,
pois, correta, esta construção de Gonçalves de Magalhães:
Seu rosto de leite e rosas,
De um contorno o mais perfeito.
Rosto de um contorno perfeito é tudo, rosto de um contorno não é nada” [MAg.1, 324].
Assim, estão corretas as seguintes passagens, notando-se, apenas, a ausência de vírgula antes de o mais (exemplos
extraídos da série apresentada por Aguiar):
“A inveja te assaltou, e a quem perdoa
Este monstro o maior do escuro Inferno?” [Pe. Agostinho de Macedo].
“O método, que as ciências as mais exatas seguem nas suas operações” [Jerônimo Barbosa].
“O a, este som o mais claro de todos” [Castilho Antônio].
Note-se que nos exemplos apontados poderíamos colocar vírgula, o que não acontece com
os que se seguem:
“Tens mil águas cristalinas,
As frutas as mais divinas,
Uma esposa de invejar,
Que mais podes desejar?” [PA]
“Desde a quadra a mais antiga
De que rezam os pergaminhos” [FV]
Os poetas quiseram apenas dizer as frutas mais divinas, a quadra mais antiga.
O tipo “zero determinação” antes do substantivo seguido de o mais é menos enfático
(homem o mais alto), e se valoriza através de uma inversão (o mais alto homem)”. [Cf.
MAg.1, 319-320].
 
o) Junto às designações de partes do corpo e nomes de parentesco, os artigos denotam a
posse:
Traz a cabeça embranquiçada pelas preocupações.
Tem o rosto sereno, mas as mãos trêmulas
D. Laura (falando à irmã):
“Pois não! quem me podia aconselhar prudência
a não ser a senhora, a filha singular,
que ousa dispor de si dentro do pátrio lar,
sem ouvir pai nem mãe. Cuida que a sua escolha
basta, sem que primeiro a mãe e o pai a acolha?” [AC.3, 17].
 
p) A palavra todo, no singular, pode vir ou não seguida de artigo, com os significados de
inteiro, total e cada, qualquer.
A presença ou ausência do artigo depende de que o substantivo exija ou repudie a
antecipação de o, a, os, as.
Na língua moderna, todo o corre mais no sentido de totalidade, inteireza, ênfase (aqui
principalmente com os termos que denotam sentimento: de todo o coração, com todo o gosto,
com todo o amor, com todo o carinho, etc.):
Toda a família estava no recinto (= a família toda, inteira).
Entretanto, como traço do seu valor semântico indiferenciado (‘qualquer’ ou ‘inteiro’),
ainda pode aparecer nos autores modernos todo o ao lado de todo sem artigo, para expressar a
ideia de ‘qualquer’:
O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade [CS.2].
Não costuma dispensar artigo, entre bons escritores, o adjetivo substantivado modificado
por todo, ainda sendo este último empregado com o sentido de qualquer:
Todo o próximo tem direito natural.
Às vezes, aparecem na escrita incertezas no emprego de todo o / todo, toda a / toda, em
virtude do fenômeno de fonética sintática que funde o -o, -a finais com o, a artigo.
Com as designações geográficas, o emprego de todo o e todo depende de o nome exigir ou
não a presença do artigo:
Todo o Brasil. Todo Portugal.
Usam-se, modernamente, com o artigo numerosas expressões em que entra a palavra todo:
todo o gênero, todo o mundo, a toda a parte, em toda a parte, por toda a parte, a toda a brida, a todo o galope, a toda a
pressa, em todo o caso, a toda a hora, a todo o instante, a todo o momento, a todo o transe, a todo o custo, etc.
No plural, todos não dispensa artigo (salvo se vier acompanhado de palavra que exclua
este determinante):
Todas as famílias têm bons e maus componentes.
Todas as famílias estavam no recinto.
Todas estas pessoas são nossas conhecidas.
Se exprimimos a totalidade numérica por numeral precedido do elemento reforçativo todos,
aparecerá artigo se o substantivo vier expresso:
Todos os dois romances são dignos de leitura.
Todas as seis respostas estavam certas.
Se omitirmos o substantivo, não haverá lugar para o artigo:
Fizeram-me seis perguntas. Respondi, acertadamente, a todas seis.
 
q) Aparece o artigo nas enumerações onde há contraste ou ênfase:
Ficou entre a vida e a morte.
“As virtudes civis e, sobretudo, o amor da pátria tinham nascido para os godos que, fixando o seu domicílio nas
Espanhas, possuíram de pais a filhos o campo agricultado, o lar doméstico, o templo da oração e o cemité rio do repouso
e da saudade” [AH.1, 5].
“Notaram todos que a tarde e a noite daquele dia foram as mais tristes horas de Casimiro na sua prisão de dois meses”
[CBr.6, 191].
 
r) Dispensa-se o artigo nos vocativos, na maioria das exclamações e nas datasque apomos
aos escritos:
“Velhice – Amigo, diz-me um amigo,
Sabe que a boa idade é a última idade” [AO].
Rio, 10 de maio de 1956.
s) Costuma-se dispensar o artigo depois de cheirar a, saber a (= ter o gosto de) e expressões
sinônimas:
Isto cheira a jasmim. Isto sabe a vinho.
t) Em frases feitas, aparece o artigo definido na sua antiga forma lo, la.
“Tenho ouvido os quinhentistas a la moda, e os galiparlas” [CBr.1, 61].
Assim encontramos: a la fé, a la par, a la mar, etc.
Aparece ainda a forma antiga na expressão el-rei, que se deve usar sem a anteposição de o,
apesar de alguns raros exemplos em contrário, em páginas de autores mais afastados de nós.
Vestígio provável da época em que tinha o artigo a força dêitica de pronome demonstrativo
é o seu emprego junto a que em construções cristalizadas como pelo que, no que diz respeito,
etc.
 
Emprego do artigo indefinido
Emprego do artigo indefinido – O artigo indefinido pode assumir matizes variadíssimos
de sentido: registraremos as seguintes considerações:
a) Usa-se o indefinido para aclarar melhor as características de um substantivo enunciado
anteriormente com artigo definido:
Estampava no rosto o sorriso, um sorriso de criança.
b) Procedente de sua função classificadora, um pode adquirir significação enfática, chegando
até a vir acompanhado de oração com que de valor consecutivo, como se no contexto
houvesse um tal:
O instrumento é de uma precisão admirável.
Ele é um herói! (compare com: Ele é herói!)
Falou de uma maneira, que pôs medo nos corações.
c) Antes de numeral denota aproximação:
Esperou uma meia hora (aproximadamente).
Terá uns vinte anos de idade.
d) Antes de pronome de sentido indefinido (certo, tal, outro, etc.), dispensa-se o artigo
indefinido, salvo quando o exigir a ênfase:
Depois de certa hora não o encontramos em casa (e não uma certa hora).
Devia, pois, ser melancólico além do exprimível o que aí se passou nessa grade; triste, e desgraçado direi, a julgá-lo
pelas consequências, que se vão descrever, com um certo pesar em que esperamos tomem os leitores o seu quinhão de
pena, se não todos, ao menos aqueles que não dão nada pela felicidade da terra, quando ela implica ofensa ao Senhor do
céu” [CBr.4, 223].
Esta dispensa pode ocorrer também antes do advérbio tão e certas locuções adverbiais
(com voz surda), antes do substantivo que funciona como predicativo do verbo ser (Você é
homem de bem).
Modernamente, cremos que mais por valorização estilística do indefinido que por simples
e servil imitação do francês36, um aparece em casos que se não podem explicar por ênfase.
Nestas circunstâncias, tais casos são censurados pela gramática tradicional.
e) Um ocorre como correlativo de outro em sentido distributivo:
Um irmão ia ao teatro e o outro, ao cinema.
Observação: Calando-se o substantivo também junto de um, ainda dispensamos a anteposição do artigo definido, ao contrário
do que fazia o português antigo e do que fazem, por exemplo, o francês e o espanhol:
Um ia ao teatro e o outro ao cinema (o um ... o outro, no português antigo, l’un ... l’autre, el uno ... el otro).
f) Note-se a expressão um como, empregada no sentido de “uma coisa como”, “um ser como”,
“uma espécie de”, onde um concorda com o substantivo seguinte:
Fez um como discurso. Proferiu uma como prática.
A respeito de uma pronunciado ũa, veja-se o capítulo de ortoepia.
 
O artigo partitivo
O artigo partitivo – A língua portuguesa de outros tempos empregava do, dos, da, das,
junto a nomes concretos para indicar que os mesmos nomes eram apenas considerados nas
suas partes ou numa quantidade ou valor indeterminado, indefinido:
Não digas desta água não beberei.
É o que a gramática denomina artigo partitivo. Modernamente, o partitivo não ocorre com
a frequência de outrora e, pode-se dizer, quase se acha banido do uso geral, salvo
pouquíssimas expressões em que ele se manteve, mormente nas ideias de comer e beber.
4 – Pronome
Pronome
Pronome – é a classe de palavras categoremáticas que reúne unidades em número limitado
e que se refere a um significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto.
De modo geral, esta referência é feita a um objeto substantivo considerando-o apenas como
pessoa localizada do discurso.
 
Pessoas do discurso
Pessoas do discurso – São duas as pessoas determinadas do discurso: 1.ª eu (a pessoa
correspondente ao falante) e 2.ª tu (correspondente ao ouvinte).37 A 3.ª pessoa,
indeterminada, aponta para outra pessoa em relação aos participantes da relação
comunicativa.
Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque indicam dêixis (“o
apontar para”), isto é, estão habilitados, como verdadeiros gestos verbais, como indicadores,
determinados ou indeterminados, ou de uma dêixis contextual a um elemento inserido no
contexto, como é o caso, por exemplo, dos pronomes relativos, ou de uma dêixis ad oculos,
que aponta ou indica um elemento presente ao falante. A dêixis será anafórica se aponta para
um elemento já enunciado ou concebido, ou catafórica, se o elemento ainda não foi enunciado
ou não está presente no discurso.38
A dêixis também envolve, como vimos, o lugar da 3.ª pessoa no discurso, só que de
maneira negativa, em relação a eu e tu, que tem localização definida. Por isso é que línguas
há, como o português, que podem fazer, quando isto se impõe, a distinção entre localização
indeterminada e localização determinada ou imediatamente determinável (“objeto que se
encontra à vista dos falantes”: aquele / aquele ali, aquela lá). Acrescenta Coseriu, de quem
tomamos a lição, que é por este caráter relativamente indeterminado da 3.ª pessoa que a
situação possessiva que lhe corresponde às vezes pode necessitar de ulteriores
esclarecimentos: seu / seu mesmo, seu próprio, seu dele [ECs.1, 301 n.37].
A localização positiva de ele ou aquele pode ainda dar-se pelos entornos extralinguísticos
ou pelo gesto, que indica a direção em que o objeto pode achar-se.39
Os pronomes podem apresentar-se como absolutos – capazes de funcionar como núcleo de
sintagma nominal, à maneira dos substantivos – ou como adjuntos do núcleo, à maneira dos
adjetivos, dos artigos e dos numerais, como veremos abaixo.
 
Classificação dos pronomes
Classificação dos pronomes – Os pronomes podem ser: pessoais, possessivos,
demonstrativos (abarcando o artigo definido), indefinidos (abarcando o artigo indefinido),
interrogativos e relativos.
 
Pronome substantivo e pronome adjetivo
Pronome substantivo e pronome adjetivo – O pronome pode aparecer em referência
a substantivo claro ou oculto:
Meu livro é melhor que o teu.
Meu e teu são pronomes porque dão ideia de posse em relação à pessoa do discurso: meu
(1.ª pessoa, a que fala), teu (2.ª pessoa, a com que se fala). Ambos os pronomes estão em
referência ao substantivo livro que vem expresso no início, mas se cala no fim por estar
perfeitamente claro ao falante e ouvinte. Esta referência a substantivo caracteriza a função
adjetiva ou de adjunto de certos pronomes. Muitas vezes, sem que tenha vindo expresso
anteriormente, dispensa-se o substantivo, como em: Quero o meu e não o seu livro (onde
ambos os pronomes possessivos são adjetivos).
Já em: Isto é melhor que aquilo, os pronomes isto e aquilo não se referem a nenhum
substantivo determinado, mas fazem as vezes dele. São, por isso, pronomes absolutos ou
substantivos.
Há pronomes que são apenas absolutos ou adjuntos, enquanto outros podem aparecer nas
duas funções.
 
Pronomes pessoais
Pronomes pessoais – Os pronomes pessoais designam as duas pessoas do discurso e a não
pessoa (não eu, não tu), considerada, pela tradição, a 3.ª pessoa:
1.ª pessoa: eu (singular), nós (plural),
2.ª pessoa: tu (singular), vós (plural) e
3.ª pessoa: ele, ela (singular), eles, elas (plural).
O plural nós indica eu mais outra ou outras pessoas, e não eu + eu. 40
As formas eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles, elas, que funcionam como sujeito, se dizem retas.
A cada um destes pronomes pessoais retos corresponde um pronome pessoal oblíquo que
funcionacomo complemento e pode apresentar-se em forma átona ou forma tônica. Ao
contrário das formas átonas, as tônicas vêm sempre presas a preposição:
pronomes pessoais retos pronomes pessoais oblíquos
 átonos (sem prep.) tônicos (c/prep.)
Singular: 1.ª pessoa: eu me mim
 2.ª pessoa: tu te ti
 3.ª pessoa: ele, ela lhe, o, a, se ele, ela, si
Plural: 1.ª pessoa: nós nos nós
 2.ª pessoa: vós vos vós
 3.ª pessoa: eles, elas lhes, os, as, se eles, elas, si
 
Exemplos de pronomes oblíquos átonos:
“Queixamo-nos da fortuna (destino) para desculpar a nossa preguiça” [MM].
“A melhor companhia acha-se em uma escolhida livraria” [MM].
 
Exemplos de pronomes oblíquos tônicos:
“Os nossos maiores inimigos existem dentro de nós mesmos: são os nossos erros, vícios e paixões” [MM].
“As virtudes se harmonizam, os vícios discordam entre si” [MM].
 
Se a preposição é com, dizemos comigo, contigo, consigo, conosco, convosco, e não: com
mi, com ti, com si, com nós, com vós. Empregam-se, entretanto, com nós e com vós, ao lado
d e conosco e convosco, quando estes pronomes tônicos vêm seguidos ou precedidos de
mesmos, próprios, todos, outros, ambos, numeral ou oração adjetiva, a fim de evidenciar o
antecedente:
“Há um céu para nós outros na imortalidade das nossas obras terrenas” [JR.2, 185].
Com vós todos ou com todos vós.
Com vós ambos ou com ambos vós.
 
Pronome oblíquo reflexivo – É o pronome oblíquo da mesma pessoa do pronome reto,
significando a mim mesmo, a ti mesmo, etc.:
Eu me vesti rapidamente.
Nós nos vestimos.
Eles se vestiram.
 
Pronome oblíquo recíproco – É representado pelos pronomes nos, vos, se quando
traduzem a ideia de um ao outro, reciprocamente:
Nós nos cumprimentamos (um ao outro).
Eles se abraçaram (um ao outro).
 
Formas de tratamento – Existem ainda formas substantivas de tratamento indireto de
2.ª pessoa que levam o verbo para a 3.ª pessoa. São as chamadas formas substantivas de
tratamento ou formas pronominais de tratamento: 41
você, vocês (no tratamento familiar)
o Senhor, a Senhora (no tratamento cerimonioso)
A estes pronomes de tratamento pertencem as formas de reverência que consistem em nos
dirigirmos às pessoas pelos seus atributos ou qualidades que ocupam:
Vossa Alteza (V. A., para príncipes, duques)
Vossa Eminência (V. Em.ª, para cardeais)
Vossa Excelência (V. Ex.ª, para altas patentes militares, ministros, Presidente da República, pessoas de alta categoria,
bispos e arcebispos)
Vossa Magnificência (para reitores de universidade)
Vossa Majestade (V. M., para reis, imperadores)
Vossa Mercê (V. M.cê, para as pessoas de tratamento cerimonioso)
Vossa Onipotência (para Deus – não se usa abreviadamente)
Vossa Reverendíssima (V. Rev.ma, para os sacerdotes)
Vossa Senhoria (V. S.ª, para oficiais até coronel, funcionários graduados, pessoas de cerimônia)
Observações:
1.ª) Emprega-se Vossa Alteza (e demais) quando 2.ª pessoa, isto é, em relação a quem falamos; emprega-se Sua Alteza (e
demais) quando 3.ª pessoa, isto é, em relação à de quem falamos.
2.ª) Usa-se de Dom, abreviadamente D., junto ao nome próprio: D. Afonso, D. Henrique, D. Eugênio; às vezes aparece em
autores junto a nome de família, mas esta prática deve ser evitada por contrariar a tradição da língua. Usa-se ainda D. junto a
outro título: D. Prior, D. Abade, etc.
3.ª) Você, hoje usado familiarmente, é a redução da forma de reverência Vossa Mercê. Caindo o pronome vós em desuso, só
usado nas orações e estilo solene, emprega-se vocês como o plural de tu.
4.ª) O substantivo gente, precedido do artigo a e em referência a um grupo de pessoas em que se inclui a que fala, ou a esta
sozinha, passa a pronome e se emprega fora da linguagem cerimoniosa. Em ambos os casos o verbo fica na 3.ª pessoa do
singular:
	As Unidades no Enunciado
	A�
	3 – Artigo
	Emprego do artigo definido
	Emprego do artigo indefinido
	O artigo partitivo
	4 – Pronome
	Pronome
	Pessoas do discurso
	Classificação dos pronomes
	Pronome substantivo e pronome adjetivo
	Pronomes pessoais

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