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Estruturas Lexicais e Classes

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MV.1, 80-81].
Como traços distintivos dos lexemas, proporemos os seguintes semas:
s1: ‘objeto construído para a gente se sentar’
s2: ‘com encosto’
s3: ‘para uma pessoa’
s4: ‘com braços’
s5: ‘com pés’
s6: ‘feito de material rijo’
Levando-se em conta que a presença do sema será indicado por + e, sua ausência por – ,
teremos:
 s1 s2 s3 s4 s5 s6
banco + – – – + +
cadeira + + + – + +
poltrona + + + + + –
sofá + + – + + –
divã + – + – + –
canapé + + – + + +
 
Pelo exposto, vê-se que não basta dizer, por exemplo, que “banco é um objeto construído
para a gente se sentar”, pois tal definição se aplicaria indistintamente a todos os lexemas
incluídos no campo léxico. Com base nos semas, isto é, nos traços distintivos que separam os
lexemas arrolados no exemplo, diremos que “banco é um objeto construído para a gente se
sentar, com material rijo (madeira, ferro, cimento), dotado de pés”.
Se se tratasse de cadeira, definiríamos “objeto construído para a gente se sentar, com
encosto, para uma pessoa, dotado de pés e feito de material rijo”.
Um lexema pode funcionar em vários campos; é o caso do adjetivo fresco que funciona no
campo dos adjetivos como novo, velho, etc. (cf. queijo fresco, fruta fresca), ou no campo dos
adjetivos frio, quente, morno, etc. (manhã fresca, brisa fresca).
Sobre neutralizações e sincretismos no léxico.
 
Classe léxica
Classe léxica – Chama-se classe léxica a uma classe de lexemas determinados por um
classema. Classema é um traço distintivo comum que define uma classe, independentemente
dos campos léxicos. Assim, jovem, inteligente, gago pertencem a campos léxicos distintos,
mas podem estar incluídos na mesma classe pelo classema “ser humano”, já que podemos
dizer de uma pessoa que ela é jovem, ou inteligente ou, finalmente, gago [MV.1, 1979, 70 e
ECs.2, 176].
Para os substantivos, podem-se estabelecer, por exemplo, classes como: “seres vivos”,
“coisas” e, dentro da classe “seres vivos”, por exemplo, “seres humanos”, “seres não
humanos”, etc.
Para os adjetivos, pode haver classes como “positivo”, “negativo” que justificam
coordenações aditivas do tipo “bom e inteligente”, ou coordenações adversativas do tipo
“bom mas brigão”.
Para os verbos podem-se também constituir várias classes, como as já conhecidas
“transitivo e intransitivo” (com possibilidades de subtipos, como “transitivos que não
admitem voz passiva e transitivos que a admitem), ou ainda, com base no classema “direção”
(em relação ao agente da ação), os verbos “adlativos”, isto é, em direção de aproximação do
agente (do tipo de comprar, ganhar, receber, recolher, etc.) e os “ablativos”, isto é, em
direção de afastamento do agente (do tipo de vender, dar, entregar, soltar, devolver, etc.).
Há lexemas que se apresentam na intersecção de duas classes quanto ao seu significante,
mostrando-se insensível à diferença classemática, cujo significado em uso só se pode
depreender no contexto.
É o que ocorre com substantivos como hóspede (“aquele que dá ou recebe hospedagem”),
com verbos como alugar (“aquele que dá ou recebe de aluguel”), em orações do tipo: Enildo
é meu hóspede; Zélia alugou o apartamento.
Entram neste rol palavras como saudoso (“que sente ou causa saudade”), temeroso (“que
sente ou causa temor”), arrendar (“que dá ou toma de renda”), esmolar (“que dá ou pede
esmola”) [MBa.3, 290 e MBa.5, 151].
É o caso também de substantivos e adjetivos que podem ser tomados à boa e à má parte,
como sucesso, fortuna (= destino), êxito, ventura, e que foram depois especializados no bom
sentido; quando se empregam hoje diferentemente, requerem um adjetivo da classe “negativo”:
mau sucesso, triste fortuna, mau êxito, pobre ventura, etc. [MBa.3, 282].
Às vezes, a língua desfaz a duplicidade de conteúdo com o recurso a novas palavras; assim
hóspede se especializa ou pode-se especializar em “aquele que recebe a hospedagem”, e se
cria a palavra hospedeiro para o que dá hospedagem. Outras vezes, com a especialização da
classe, como ocorre com hóspede (especializado modernamente para aquele que recebe
hospedagem), o que não ocorre, entretanto, com o verbo hospedar (= dar ou receber
hospedagem; neste último significado, aparece como pronominal: Eu me hospedei num hotel
barato).
 
Estruturas secundárias
Estruturas secundárias – As estruturas paradigmáticas secundárias correspondem ao
domínio da formação de palavras e podem manifestar-se por estruturas de modificação, de
desenvolvimento e de composição, que implicam sempre a transformação irreversível de um
termo primário existente como lexema de conteúdo (significado) e de expressão (significante)
na língua. Consumada a transformação, o termo – agora secundário – pode receber
determinações gramaticais explícitas próprias dos termos primários, como a pluralização:
casa Õ casas; casa Õ casinha Õ casinhas.
Dada a extensão que merece o estudo dos três tipos de estruturas secundárias, trataremos
dele na parte mais adiante em que se estudam os procedimentos de formação de palavras do
ponto de vista das relações de significação.
 
Estruturas sintagmáticas: as solidariedades
Estruturas sintagmáticas: as solidariedades – As estruturas sintagmáticas são
solidariedades, isto é, relação entre dois lexemas pertencentes a campos diferentes dos quais
um está compreendido, em parte ou totalmente, no outro, como traço distintivo (sema), que
limita sua combinação.
Distinguem-se três tipos de solidariedade: afinidade, seleção e implicação.
Na afinidade, o classema do primeiro lexema funciona como traço distintivo no segundo.
Assim, pé e pata têm como traços distintivos ao conteúdo ‘membro de sustentação do corpo’ a
classe ‘pessoa’ (pé: “membro de sustentação de pessoa”) e ‘animal’ (pata: “pé de animal”).
O mesmo com grávida e prenhe; os traços distintivos do conteúdo “fecundação” são a classe
‘pessoa’ (grávida: “fecundada em relação a pessoas”), e ‘animal’ (prenhe: “fecundada em
relação a animal”) [ECs.2, 141; MV.1, 77].
Na seleção, é o arquilexema do primeiro lexema que funciona como traço distintivo no
segundo. Os lexemas pelo e pena, quanto ao conteúdo ‘sistema piloso’ incluem como traço
distintivo o arquilexema mamífero e ave: pelo (“sistema piloso dito de mamíferos”) e pena
(“sistema piloso dito de aves”).
Na implicação é todo o primeiro lexema que funciona como traço distintivo no segundo.
Por exemplo, a cor baio tem como traço distintivo o lexema “cavalo”, pois baio só se diz dos
cavalos. Outro bom exemplo de implicação são as chamadas vozes dos animais, pois os
lexemas relinchar, mugir, zurrar, balir, grunhir, ladrar, miar, cacarejar, regougar são o
grito relativo, respectivamente, a “cavalo”, “vaca”, “burro”, “cabra”, “porco”, “cão”, “gato”,
“galinha”, “raposa”.
É preciso distinguir as solidariedades semânticas vistas aqui, propriamente linguísticas,
dos “clichês léxicos”, ou sintagmas estereotipados e das solidariedades frequentes,
determinadas pelo nosso conhecimento das “coisas”; assim, branco aplicado às gaivotas não
é exemplo de solidariedade semântica, porque a combinação não é um fato de língua, mas
apenas assinala a frequência de gaivotas brancas na realidade extralinguística, sem que se
despreze a possibilidade de gaivotas de outra cor. Pelo contrário, em cavalo alazão temos um
fato de língua, porque alazão implica o traço distintivo “próprio do cavalo”, razão por que no
discurso se pode usar só de alazão, sem que seja necessário explicitar o lexema cavalo. Esta
operação não se estende a branco em relação a gaivota.
4 – Formação de Palavras
do Ponto de Vista do Conteúdo
Já vimos na lição de Benveniste que o problema de procedimentos de formação de
palavras ultrapassa os limites da morfologia, em que, tradicionalmente, parece enquadrada, na
tradição linguística.
Por outro lado, como assinala Coseriu 101, um estudo coerente da formação das palavras
que se atenha estrita e exclusivamente ao ponto de vista da expressão – como o vimos até aqui
– é possível; mas para o aspecto funcional e, portanto, para a compreensão e descrição de uma
língua, tal estudo épouco proveitoso, já que os procedimentos materiais (prefixação,
sufixação, etc.) e os funcionais não guardam entre si nenhum paralelismo, uma vez que
procedimentos materiais diferentes podem corresponder ao mesmo tipo funcional e vice-
versa. A não consideração do aspecto de significado é a causa de muita discussão e incertezas
em incluir no domínio da formação de palavras as combinações casuais do tipo um salve-se
quem puder, bom dia, manu tenere > manter, que não constituem propriamente
procedimentos da formação de palavras, entre outros casos.
Ainda com apoio na lição de Coseriu, um estudo de formação de palavras do ponto de vista
do conteúdo, isto é, fundado no significado, está mais ajustado a seu objeto. Partindo deste
ponto de vista, a formação de palavras corresponde a uma particular gramaticalização do
léxico “primário”. Tomemos a este linguista o seguinte exemplo para mostrar que as relações,
digamos assim, gramaticais, que se dão nos produtos da formação de palavras são
consequências das equivalências semânticas entre esses produtos e as construções que lhes
correspondem do ponto de vista do conteúdo. Em beldade como equivalente a “o fato de ser
belo/bela”, o termo “fato” não é a palavra fato da linguagem primária e que em seguida seria
determinada por “ser belo / bela”, mas sim um nome para a substantivação efetuada nesta
formação; do mesmo modo, “ser” é nome da ‘predicatividade de ser’, isto é, da predicação
atribuída, e “belo / bela” é nome da unidade de belo(s) + bela(s) na linguagem primária, ou
seja, um belo sem gênero e sem número. Em outros termos, seria o mesmo que dizer,
abstratamente, acerca de nossa fórmula: “belo(s) / bela(s) gramaticalizado por predicação
atributiva e com posterior substantivação”. Isto significa que os produtos de formação de
palavras dizem sempre mais do que suas respectivas bases léxicas.
Por tudo isto, conclui Coseriu que a formação de palavras é um domínio autônomo das
línguas, que abarca fatos “paragramaticais” e fatos puramente léxicos, e seu estudo é um ramo
autônomo da semântica funcional, que deve começar pelas funções “paragramaticais” dos
procedimentos de formação e chegar até as fixações na designação.
Dissemos “paragramaticais” porque, na realidade, a formação de palavras encerra uma
“gramática do léxico”, mas essa gramática não deve ser confundida com a gramática que
conhecemos, já que, na formação de palavras, estamos diante de funções gramaticais distintas
daquelas que ocorrem na morfossintaxe. Por isso, não falamos aqui em funções gramaticais e
sim em funções paragramaticais. Uns exemplos podem esclarecer o que dizemos: a formação
de “coletivos” (arvoredo, laranjal, casario, etc.) implica, por certo, uma pluralização, mas
aqui não se trata de um simples “plural”, (árvores), sim de uma “pluralização” que se dá e se
considera como unidade.
Assim também, chegada implica um verbo predicativo mas não implica nem modo, nem
tempo, nem número, nem pessoa; beleza implica um nome predicativo, mas não implica nem
número nem gênero. É exatamente por isso, continua Coseriu a sua lição, que tais formações
não remontam a orações concretas como João chega e Maria é bela (ou João é belo), mas tão
somente a uma função predicativa genérica de chegar e belo(s), bela(s).
Assim também em papeleira está implicada uma “função preposicional”, mas não uma
determinada preposição (p.ex. “para”papéis), e despertador implica um elemento pronominal
genérico “alguém ou algo” que, de outro modo, não tem realização em português. 102
 
Os três tipos fundamentais de formação de palavras
Os três tipos fundamentais de formação de palavras – Do ponto de vista do conteúdo
podem-se distinguir três tipos (ou quatro se considerarmos a composição como dois)
fundamentais de formação de palavras, consoante dois critérios que se entrecruzam e dizem
respeito à determinação gramatical do termo primário:
a) a gramaticalização implícita afeta um só elemento ou os dois na base da formação;
b) a gramaticalização corresponde a uma função “inatual” (i. é, “não semelhante a uma
função oracional”) ou a uma função “atual” (i. é, “semelhante a uma função oracional”).
Pelo primeiro critério, teremos, de um lado, a modificação e o desenvolvimento (em que a
gramaticalização afeta um só termo) e do outro a composição.
Pelo segundo critério, a função gramatical implicada na modificação é “inatual” (do tipo do
“gênero” ou do “número”), enquanto no desenvolvimento a função implicada é “atual” (do
tipo das funções “sujeito”, “predicado”, “complemento verbal”). Na composição, a função
pode ser inatual ou atual (por exemplo, em português alvinegro e leitor).
Na modificação, a categoria verbal dos produtos é sempre a mesma das respectivas bases,
isto é, os substantivos produzem substantivos, os adjetivos adjetivos e assim por diante,
porque a função gramatical implicada é “inatual”, isto é, função que afeta os lexemas
modificando-os enquanto tais (e não como membros de oração ou de sintagmas). Trata-se das
formações diminutivas, dos coletivos, dos verbos formados com prefixos:
cavalo Õ cavalinho, forte Õ fortão, beijar Õ beijocar, ver Õ prever
No desenvolvimento – que sempre parte de lexemas com funções de membros de oração ou
de sintagma – a categoria verbal dos produtos formados é distinta da categoria da base
correspondente, vale dizer, o desenvolvimento implica sempre mudança da categoria verbal
do termo primário desenvolvido, isto é, substantivo produz adjetivo, substantivo produz
verbo, adjetivo produz substantivo, etc., advertindo-se, na oportunidade, que pode ainda
tratar-se de base não realizada como tal na norma da língua. Em:
prefeito Õ [verbo] Õ prefeitável,
não existe na norma do português o verbo *prefeitar, implicado no desenvolvimento citado.
Exemplos de desenvolvimentos são também terra Õ terreno, céu Õ celeste; roda Õ
rodar, voo Õ voar; útil Õ utilidade; rico Õ riqueza.
Tais formações devem ser explicadas desta maneira: belo + função predicativa Õ beleza
(“o fato de ser belo”); chegar + função predicativa Õ chegada (“o fato de chegar”); branco +
função de epíteto Õ o branco; em barco + função predicativa Õ embarcar; com o martelo +
função predicativa Õ martelar.
A composição implica sempre a presença de dois elementos básicos unidos por uma
relação gramatical, quase sempre por uma relação de recção. Pode ser de dois tipos:
a) prolexemática: se um dos dois elementos da base é um “prolexema”, isto é, um elemento
de natureza pronominal, não identificável com um lexema existente na língua,103 como ocorre
em “elemento substantivo-pronominal” [do tipo “alguém” ou “algo”] + ler Õ leitor; o mesmo
elemento + despertar Õ despertador. Em lugar desse tipo genérico “alguém ou algo”, pode
ser um arquilexema de ordem muito geral [por exemplo, agente + ler Õ leitor] ou também um
arquilexema (ou um lexema) de um campo particular [por exemplo, “árvore”, “comerciante”:
“árvore” + limão Õ limoeiro; “comerciante” + leite Õ leiteiro].
b) lexemática: em que os dois elementos implicados são lexemas e a categoria verbal dos
compostos é sempre a dos elementos “determinados” na composição; são exemplos de
compostos lexemáticos: tira-teima, guarda-chuva.
O primeiro tipo corresponde ao que tradicionalmente se chama “derivação” (como
podemos ver, tal denominação também abarca o processo de modificação e desenvolvimento
agora expostos); o segundo tipo corresponde ao que tradicionalmente se chama composição,
com exceção da prefixação verbal, a qual, nesta nova concepção de processos de formação de
palavras entra como um tipo de modificação.
 
Combinações dos procedimentos formativos
Combinações dos procedimentos formativos – Os procedimentos de formação de
palavras podem combinar-se uma ou mais vezes, sendo decisiva a ordem das combinações
para o significado do produto final, não se perdendo de vista o fato de que nessa sequência
podem ocorrer combinações “prévias” cujos produtos não se realizam como fatos autônomos
na norma da língua, como já aconteceu com o implicado prefeitar (< prefeito)no
desenvolvimento prefeitável; guarda-sol é uma combinação de composição prolexemática e
lexemática: composição prolexemática guardar Õ guarda [equivalente a guardador, ‘o que
guarda’, com morfema zero] e uma composição lexemática, o composto guarda-sol. Deste
podemos ter um novo composto prolexemático: elemento substantivo-pronominal do tipo
“alguém” [ou, como também vimos, o lexema “comerciante”; “fabricante”] + guarda-sol Õ
guarda-soleiro ‘comerciante ou fabricante de guarda-sol’.
O termo desembarcar resulta da combinação do desenvolvimento em + barco (Õ
embarcar) e modificação (Õ des-embarcar).
Um termo formado por desenvolvimento pode dar origem a nova forma desenvolvida
(produto de desenvolvimento), e pode assim estender-se por uma série, perfeitamente
identificáveis como constituintes imediatos, quando há paralelismo entre a expressão e o
conteúdo:
rico Õ enriquecer Õ enriquecimento
nação Õ nacional Õ nacionalizar Õ nacionalização
Está neste rol de combinação dos tipos fundamentais de formação de palavras o
discutidíssimo tipo de compostos como tira-teima, guarda-roupa em que entra um tema
verbal puro seguido em geral de substantivo, mas não necessariamente, pois pode aparecer
outra classe, como um advérbio (ganha-pouco, pisa-mansinho), um numeral (mata-sete).
Quanto à função oracional implícita nesse segundo elemento, temos em geral um objeto direto,
mas podemos ter um predicativo (espanta-coió), um circunstancial (pisa-mansinho, ganha-
pouco, saltinvão).
Há também particularidades formais na constituição desses compostos: na fase da
composição lexemáticas o composto prolexemático se reduz pela supressão de possíveis
sufixos, ou pelas preposições que normalmente seriam empregadas na construção de um
composto prolexemático substantivo com outro substantivo; dá-se a supressão regularmente
quando o segundo elemento corresponde a uma função oracional com a qual o verbo
implicado na composição prolexemática se constrói sem preposição, do tipo de girassol, que
se parafraseia aproximadamente com “algo que gira na direção do sol”. Em outros casos,
como vimos em saltinvão, mantém-se a preposição.
Entendem-se tais compostos como “alguma coisa que tira teima”, “alguém ou alguma coisa
que guarda roupa”, isto é, paráfrases de uma composição prolexemática como tirador (ou
tiradora), guardador (guardadora), a que se acrescentam o lexema teima ou roupa. Trata-se,
portanto, da combinação de uma composição prolexemática com uma composição lexemática
(“tirador, tiradora”) + teima Õ tira-teima.
Em face desta análise semântica, chega-se à conclusão de que o chamado “elemento
verbal” deste tipo de composição não é nem um imperativo nem nenhuma outra forma verbal
conjugada; trata-se de uma derivação regressiva, que, do ponto de vista funcional, é um
substantivo ou, então, semanticamente, um particípio substantivado. Este “particípio” pode ser
um particípio ativo transitivo (como em guarda-roupa), um particípio causativo (como em
passatempo: “qualquer coisa que faz passar o tempo”).
Esta análise é confirmada pelo fato de, quando não há na língua um composto deste tipo, se
utilizarem compostos prolexemáticos em construção preposicional com um segundo elemento:
medidor de gás, espalhador de cera, prendedor de gravata, etc.
 
Subtipos dos procedimentos de formação de palavra
Subtipos dos procedimentos de formação de palavra – Dentro dos procedimentos vistos
até aqui podem ocorrer subtipos, de acordo com os subtipos de funções “paragramaticais”
implicadas.
Assim, na modificação podemos ter, entre outros:
a) uma mudança do gênero “natural” (sexo): rei Õ rainha; galo Õ galinha;
b) uma quantificação: 1) para diminutivos (carro Õ carrinho; doente Õ doentinho; beber
Õ bebericar); com a variante “apreciação aproximativa” (velho Õ velhusco; 2) para
aumentativos (casa Õ casarão; grande Õ grandalhão); 3) para coletivos (casa Õ
casario); 4) para intensificação (feio Õ feinho);
c) repetição: fazer Õ refazer;
d) negação: leal Õ desleal; útil Õ inútil.
 
No desenvolvimento podemos ter, segundo a função oracional implícita de sua base:
a) predicação: chegar Õ chegada; belo Õ beleza;
b) atributivo: de inverno (“pertencente ao inverno”) Õ invernal.
 
Generalização do significado no desenvolvimento
Generalização do significado no desenvolvimento – O desenvolvimento implica, em cada
fase de produção, uma desconcentração ou generalização do significado da base. Assim, de
inverno significa “pertencente ao inverno” (cf. jogos de inverno); já o termo desenvolvido
invernal significa tanto “pertencente ao inverno” quanto “semelhante ao que pertence ao
inverno” (cf. jogos invernais). Trata-se de um valor único de língua, que se “amplia” quando
comparado com a base do desenvolvimento.
 
Homofonias em desenvolvimento
Homofonias em desenvolvimento – Desenvolvimentos formados de bases diferentes
podem resultar homofonias totalmente distintas das homofonias casuais dos termos simples ou
primários. Assim, em português existem duas séries homófonas mortal-mortalidade; a
primeira desenvolvida a partir do conteúdo “morrer” (“o homem é mortal” – “a mortalidade
do homem”), e a segunda a partir do conteúdo “matar” (“o golpe, o remédio foi mortal” – “a
mortalidade do golpe, do remédio”). Mortandade é variante de mortalidade, e só se aplica ao
conteúdo de “morrer” ( = grande número de mortes por pestes, em batalha”).
Cabe ainda observar que, já que o desenvolvimento implica sempre um emprego
determinado do termo primário ou de base, pode haver desenvolvimentos diferentes, conforme
o significado implicado nesse termo e nos elementos formativos:
terra Õ terrestre, terreal, terral, terreiro, terreno.
esperar Õ espera (de esperar “aguardar”) e esperança (de esperar “confiar”).
5 – Alterações Semânticas
A semântica estrutural diacrônica é o estudo funcional das mudanças semânticas no
léxico. É uma disciplina ainda muito recente, e dada a natureza desta gramática dela não nos
ocuparemos aqui. Nosso intento é tão somente chamar a atenção para alterações semânticas no
léxico. Como disse muito bem Pagliaro “Também as palavras são uma espécie de conchas, às
quais temos de encostar o ouvido com humilde atenção, se quisermos apreender a voz que
dentro delas ressoa” [APg.1, 210].
No decorrer de sua história nem sempre a palavra guarda seu significado etimológico, isto
é, originário. Por motivos variadíssimos, ultrapassa os limites de sua primitiva “esfera
semântica” e assume valores novos.
“A língua – disse Moritz Regula –, expressão consciente de impressões exteriores e
interiores, está sujeita a uma perpétua transformação. As palavras mudam de significado ou
porque as coisas se modificam ou porque a “constelação psíquica” sob cuja influência nasce o
sentido do objeto, se altera graças a causas diversas” [MR.1, 26].
A significação das palavras está intimamente relacionada com o mundo das ideias e dos
sentimentos; “entre as ideias, entre os pensamentos não há separação absoluta por isso que as
associações se estabelecem, sem cessar, de uns para outros. Vendo uma substância ou um
objeto muito achatado, muito delgado e pouco resistente, por exemplo de estanho ou de ouro
finamente laminado, alguém foi levado a compará-lo a uma folha de árvore; pôde-se assim
dizer com propriedade e clareza: uma folha de estanho, de ouro, de papel, etc. Outra
associação, posterior à precedente, deu à palavra folha o significado bem elástico de jornal:
uma folha diária. É que se imprimem as notícias de cada dia em folhas de papel. A palavra
coração serviu para exprimir tanto a parte interior de um legume ou fruta: coração da
melancia, ou a essência de um assunto: está no coração da questão, como ainda os
sentimentos cuja sede parece estar no fundo de nosso ser: este homem não tem coração, etc.
Todas as associações deste gênero dão origem ao que se chama, em literatura, imagem; as
imagens da linguagem corrente não diferem muito, pela sua natureza, das que brotam da
imaginação dos poetas e dos escritores em geral” [AGr.1, 93-94 – com leves adaptações para
oportuguês].
Entre as causas que motivam a mudança de significação das palavras, as principais são:
a) Metáfora – translação de significado motivada pelo emprego em solidariedades, em que
os termos implicados pertencem a classes diferentes mas pela combinação se percebem
também como assimilados:
cabelos de neve, pesar as razões, negros pressentimentos, doces sonhos, passos religiosos [AR.1, 17 – nos queria
ressaltar a religiosidade de sua personagem], boca do estômago, dentes do garfo, costas da cadeira, braços do sofá,
pés da mesa, gastar rios de dinheiro, vale de lágrimas, o sol da liberdade, os dias correm, a noite caiu.
Observação: Assim, a metáfora não resulta – como tradicionalmente se diz – de uma comparação abreviada; ao
contrário, a comparação é que é uma metáfora explicitada. Importa, outrossim, distinguir a metáfora linguística
(linguisticamente motivada pelo descompasso dos termos implicados nas solidariedades) da metáfora motivada
extralinguisticamente pelo nosso saber sobre as coisas, como ocorre em expressões metafóricas do tipo de não ponha a
carroça diante dos bois para expressar a inversão incorreta de uma ação ou de um juízo. As metáforas têm largo emprego na
língua espontânea e na literária, e nesta teve grande difusão entre os poetas simbolistas. Cf. [ECs.1, 291], [ECs.2, 207], [ECs.3,
293 n. 22] e [HM.1, 109]: “A literatura moderna tem uma preferência para a metáfora oposta à comparação explícita. É a
fusão imediata do mundo pessoal e do objetivo, do espiritual e do concreto, que levam a uma identificação direta, sem elos de
ligação que intermedeiem a passagem dum plano para outro”.
 
b) Metonímia – translação de significado pela proximidade de ideias:
1 – causa pelo efeito ou vice-versa ou o produtor pelo objeto produzido:
um Rafael (por um quadro de Rafael), as pálidas doenças (por doenças que produzem palidez), ganhar a vida
(por meios que permitam viver), ler Machado de Assis (i.é, um livro escrito por M. de Assis).
2 – o tempo ou o lugar pelos seres que se acham no tempo ou lugar:
a posteridade (i.é, as pessoas do futuro), a nação (i.é, os componentes da nação).
3 – o continente pelo conteúdo ou vice-versa:
passe-me a farinha (i.é, a farinheira), comi dois pratos (i.é, a porção da comida que dois pratos continham).
4 – o todo pela parte ou vice-versa:
diz a Escritura (i.é, um versículo da Escritura), encontrar um teto amigo (i.é, uma casa).
5 – a matéria pelo objeto:
um níquel (i.é, moeda de níquel), uma prata (i.é, moeda de prata)
6 – o lugar pelo produto ou características ou vice-versa:
jérsei (= tecido da cidade Jersey), gaza (= tecido da cidade de Gaza), havana (= charutos da cidade de
Havana); greve (as reuniões feitas na Place de la Grève).
7 – o abstrato pelo concreto:
A virtude vence o crime (isto é, as pessoas virtuosas vencem os criminosos); praticar a caridade (= atos de
caridade).
8 – o sinal pela coisa significada ou vice-versa:
o trono (= o rei), o rei (= a realeza)
 
c) Catacrese – translação do significado por esquecimento do significado original:
panaceia universal (panaceia ‘remédio para todos os males’ já tem no elemento pan- a ideia de universalidade,
generalidade), etimologia verdadeira, abismo sem fundo, anedota inédita, correta ortografia, bela caligrafia,
caldo quente, homicida do vizinho, hecatombe de almas, embarcar no trem, calçar as luvas. [MBa.3, 311-317]
Produtos correntes da translação de significado, as catacreses são fatos normais que só
devem ser evitados quando a noção primitiva ainda estiver patente para o falante.
 
d) Braquilogia ou abreviação – as diversas acepções de uma palavra devidas à elipse do
determinante ou vice-versa:
dou-lhe a minha palavra (i.é, palavra de honra), vamos à cidade (i.é, ao centro da cidade), um possesso (i.é,
pessoa possuída do demônio), aproveitar a ocasião (= a boa ocasião), a festa da Ascensão (= da Ascensão de
Jesus Cristo).
 
e) Eufemismo – translação de sentido pela suavização da ideia:
1 – para a morte:
finar-se, falecer, entregar a alma a Deus, dar o último suspiro (literários), passar desta a melhor, ir para a cidade
dos pés juntos, dizer adeus ao mundo, esticar as canelas, desocupar o beco, bater as botas, etc. (estes
populares).
2 – para a bebida:
abrideira, água que gato (passarinho) não bebe, januária.
O tabu linguístico pode favorecer o aparecimento de expressões eufemísticas. O medo de
proferir palavras como diabo, demônio, satanás nos leva a usar desfigurações voluntárias
como diacho, diogo, demo, satã. [MG.1, 76 e ss.]
 
f) Alterações semânticas por influência de um fato de civilização:
tonto (= louco) particípio do verbo tondere, por tonso, lembra-nos o tempo em que se rapava a cabeça aos loucos.104
pagão (= indivíduo que não foi batizado) se prende à época inicial do Cristianismo, pois a Igreja fez uso especial do
termo que tinha curso na linguagem militar: paganus, o civil, em oposição ao soldado (castrensis) passou a ser o oposto
a christianus [cf. EG.1, 134; RH.1, 132].
cor (saber guardar, ter de – = de memória) relembra-nos a época em que a anatomia antiga fazia do coração a sede
dos sentimentos, da inteligência, da memória.
judiar (= zombar, atormentar) lembra-nos a época dos tormentos praticados ou sofridos pelos judeus. A palavra judas
(= homem mal trajado) é uma aplicação do nome próprio Judas a quem o povo atribui qualidades negativas.
calabrear (= misturar; confundir; mudar para pior; alterar vinhos): documenta a má fama em que eram tidos os
calabreses, acrescida pela lenda popular de que Judas era natural da Calábria, no sul da Itália. Cf. artigo de L. Spitzer,
Boletim de Filologia (Lisboa), V, 3-4, pág. 376.
A maneira aristocrática de ver as coisas é responsável pela mudança de significado de
algumas palavras:
vilão4 (saído do latim villa = quinta, aldeia), de “camponês” passou a designar “homem
grosseiro”, “perverso”, “infame”.
De vez em quando, surgem pessoas que querem ver expurgadas dos dicionários certas
palavras depreciativas de povo ou localidade (como judiar, baianada e outros). É excesso de
sentimento a que a História não se curva, nem o povo leva em conta, porque, no uso do termo,
	As Unidades no Enunciado
	B�
	3 – Estudo Estrutural do Léxico: A Lexemática
	Classe léxica
	Estruturas secundárias
	Estruturas sintagmáticas: as solidariedades
	4 – Formação de Palavras do Ponto de Vista do Conteúdo
	Os três tipos fundamentais de formação de palavras
	Combinações dos procedimentos formativos
	Subtipos dos procedimentos de formação de palavra
	Generalização do significado no desenvolvimento
	Homofonias em desenvolvimento
	5 – Alterações Semânticas

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