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Para nós ela é a culpada. A alguns destes dativos o velho e grande filólogo venezuelano Andres Bello chamava dativos supérfluos. Isto evidencia que os pronomes adverbiais átonos, especialmente o caso do lhe como símbolo formal do objeto indireto, cobrem outras funções além daquela de complementação verbal. i) O complemento predicativo – Um grupo reduzido de verbos integra o predicado complexo acompanhado de outro tipo de argumento verbal conhecido pelo nome de complemento predicativo ou tão somente predicativo. Estes verbos se caracterizam por uma referência tão vaga à realidade comunicada, que fazem do predicativo um argumento, pelo aspecto semântico, muito mais intrinsecamente relacionado com o verbo do que os demais integrantes do predicado complexo (os complementos direto, relativo e indireto) e portador de referência a traços essenciais do sujeito. Esta pequena lista de verbos inclui ser, estar, ficar, permanecer, parecer e poucos outros, que aparecem matizados semanticamente pelo signo léxico que funciona como predicativo: O trabalho é proveitoso. Janete é minha irmã. As alegrias eram passageiras. O céu está azulado. Os argumentos permaneceram incompletos. A situação parecia resolvida. Esses livros não são seus. Se atentarmos para o aspecto formal, tirante o fenômeno da concordância do predicativo com o sujeito, verificaremos que há pontos de contato entre este predicativo e o complemento direto: a) ambos matizam a extensão semântica do verbo, funcionando como seu delimitante; b) aparecem normal e imediatamente (sem preposição) à direita do verbo; c) são comutados por pronome átono, ainda que de maneira diferente, quando o verbo é ser, estar, ficar, parecer; d) e, finalmente, porque muitas das construções oracionais com predicativo são equivalentes na designação, isto é, na referência à realidade comunicada, são equivalentes a orações com verbos que exprimem ação e processo, especialmente se o verbo está no presente: Pedro é cantor / Pedro canta; O colega está irritado / O colega irrita-se. Tais aproximações levaram alguns estudiosos a considerar que, em orações do tipo, Ele é meu irmão, meu irmão poderia identificar-se com o complemento direto; outros, adotando a distinção, insistiam em juntar essas duas como variantes funcionais duma só função. A primeira particularidade formal que distingue o predicativo dos demais argumentos verbais é a concordância (quando representada por adjetivo e alguns pronomes) em gênero e número com o sujeito da oração, conforme demonstram os exemplos acima. A segunda particularidade é a possibilidade de comutação do predicativo pelo pronome invariável o, qualquer que seja o gênero e o número do núcleo do predicativo que substitui, quando o verbo é ser, estar, ficar e parecer:109 O trabalho é proveitoso. Õ O trabalho o é. As alegrias eram passageiras. Õ As alegrias o eram. Janete é minha irmã Õ Janete o é. Mas: A professora continua doente Õ * A professora o continua. A terceira particularidade é a impossibilidade de ser a oração com tais verbos construída na voz passiva, como ocorre com a que tem complemento direto. A quarta particularidade é a incompatibilidade de aparecer com o seu representante invariável o na mesma oração: Filipe é simpático. Filipe o é. *Filipe o é simpático Vale a pena distinguir predicado verbal e predicado nominal? 2) Vale a pena distinguir predicado verbal e predicado nominal? – Tal esvaziamento do signo léxico representado por esses verbos, esvaziamento que se supre com o auxílio de um nome (substantivo ou adjetivo), e a particularidade de concordar o predicativo em gênero e número com o sujeito levaram a uma distinção entre predicado verbal (Pedro canta) e predicado nominal (Pedro é cantor, Maria é professora), o que implicava retirar de tais verbos o status de verbo, – pois sua missão gramatical se restringiria a “ligar” (daí os nomes de copulativos, de ligação ou relacionais que se lhes atribuíam) o predicativo ao sujeito. A realidade comunicada residiria no nome predicativo e o verbo seria apenas o marcador do tempo, modo e aspecto da oração. Ora, do ponto de vista funcional e formal, tais verbos apresentam todas as condições necessárias à classe dos verbos, incluindo-se aí os morfemas de gênero, número, pessoa, tempo e modo; daí acompanharmos neste livro os linguistas e gramáticos que defendem a não distinção entre o predicado verbal e o predicado nominal, incluindo também a desnecessidade de distinguir o predicado verbo-nominal [EBv.1, cap. 13 e 16]. Toda relação predicativa que se estabelece na oração tem por núcleo um verbo. Como o signo linguístico que aparece na função de predicativo costuma ser um nome – substantivo ou adjetivo –, a tradição gramatical passou a designar nominal a esse tipo de predicado complexo, para diferi-lo dos outros chamados verbais. Além da sem razão dessa diferença, conforme acabamos de ver, cabe lembrar que funcionam como predicativo outras classes de palavras, inclusive advérbios. João é meu irmão. O sol está quente. Os argumentos continuam os mesmos. Ela mais parece uma Maria vai com as outras. Os vizinhos estão bem. Os jovens são assim. O primo é dos nossos. A mesa parece de madeira. Nós somos do Norte. As provas parecem de boas fontes. Está tarde. O compromisso está de pé. Ela estava que estava. Observações: 1.ª) Levada pela equivalência do conteúdo do pensamento designado com orações declarativas que têm por núcleo os verbos ser, estar ou outro adequado à intenção comunicativa, a tradição tem considerado que há elipse de um de tais verbos em enunciados como os seguintes, comuns em provérbios, refrãos, clichês do discurso repetido, isto é, de fórmulas fossilizadas da língua ou a elas assimiladas: Tal pai, tal filho. Casa de ferreiro, espeto de pau. Povo educado povo limpo. Na realidade, trata-se de exemplos de frases de estrutura bimembre, de que falaremos mais adiante, em que não há necessidade de se apelar para elipse. 2.ª) Conforme já vimos, um mesmo verbo pode ser usado de maneira diferente, conforme a realidade comunicada; vejamos, por exemplo, o verbo virar: O tempo virou (usado num predicado simples, intransitivamente). O vento virou o barco (usado num predicado complexo, com o argumento complemento direto o barco). O vizinho virou fera (usado num predicado complexo, com o argumento predicativo fera). A posição do predicativo 3) A posição do predicativo – A construção básica da oração apresenta o predicativo à direita do verbo: Meu amigo é inteligente. Mas pode apresentar uma construção derivada em que o predicativo se antecipa e aparece antes do sujeito. Se o predicativo é representado por adjetivo, não há dificuldade em identificá-lo como tal: Inteligente é meu amigo, em que inteligente, apesar de colocar-se antes do sujeito meu amigo continua a exercer a função de predicativo. Todavia, a dificuldade pode surgir, se o sujeito e o predicativo estão representados por dois substantivos ou um substantivo e um pronome: O meu amigo é o padrinho. / O padrinho é o meu amigo. Eu sou o padrinho. / O padrinho sou eu. João é o padrinho. / O padrinho é João. Pelo expediente da comutação podemos com facilidade assinalar a correta classificação, já que vimos que o predicativo é, nesses casos, comutável com o pronome invariável o; quando não se trata do verdadeiro predicativo, a comutação não se mostra natural: O meu amigo é o padrinho Õ O meu amigo o é. O padrinho é o meu amigo Õ *O padrinho o é. Eu sou o padrinho Õ Eu o sou. O padrinho sou eu Õ *O padrinho o sou. João é o padrinho Õ João o é. O padrinho é João Õ *O padrinho o é. É justamente pela comutação que no exemplo Seu orgulho eram os velhinhos ficamos sabendo que houve apenas inversão do predicativo: Os velhinhos o eram / *Seu orgulho o era. Tiramos, assim, duas conclusões importantes para a sintaxe: a) Seu orgulho eram os velhinhos é uma construção derivada da construção básica Os velhinhos eram seu orgulho; b) em Seu orgulho eram os velhinhos o verbo concorda com seu verdadeiro sujeito (osvelhinhos), e não com o predicativo (seu orgulho) [VK.1, 438]. Ainda a comutação vem pôr luz a um falso problema de classificação sintática de dez horas na oração de função predicativa não referida (a oração não tem sujeito): São dez horas. A classificação corrente é atribuir a dez horas a função de predicativo. Como o verbo é impessoal e está, por concordância atrativa, no plural, tem-se-lhe proposto a função de sujeito. Ora, a comutação nos mostra ser a classificação como predicativo a única possível: São dez horas? – São-no. Jamais o sentimento linguístico do falante aceitaria como normal: São dez horas? – *Elas são, como seria, se o sujeito fosse dez horas. Outro tipo de predicativo: anexo predicativo 4) Outro tipo de predicativo: anexo predicativo – Esse determinante predicativo não se restringe à referência ao sujeito, em orações com o concurso de verbos como ser, estar, ficar, etc. Pode aparecer em predicados simples e complexos, com o concurso de verbos outros de ação ou processo, referidos ao sujeito, ao complemento direto, ao complemento relativo e ao complemento indireto (talvez restrito ao verbo chamar ‘dar nome’): Ele estudou atento. Ela estudou atenta (predicativo do sujeito). Os trens chegaram atrasados (predicativo do sujeito). O auditório ouviu os conferencistas atento (predicativo do sujeito). A polícia encontrou a porta arrombada (predicativo do complemento direto). Definiu-se o caso como impossível (predicativo do sujeito) [ABo.1, 71]. Tratou-se da questão como insolúvel. (predicativo do complemento relativo). Nós lhe chamávamos doutor (predicativo do complemento indireto). Não é raro vir o predicativo precedido de preposição ou palavra equivalente: Tachou-o de louco. A maioria tinha o réu por (ou como) inocente. “Jesus, pareces desenterrado! exclamou assustadíssima a pobre mulher, vendo-o pálido e de olheiras cavadas e negras” (AFg, 118). Com o verbo chamar podemos dizer: Chamaram-no tolo / de tolo. Chamaram-lhe tolo / de tolo. Acompanham-se de predicativo do complemento direto os verbos: a) que significam ‘chamar’ e ‘ter na conta de’: chamar, considerar, reputar, julgar, supor, declarar, intitular, crer, estimar, ter e haver por, dar e tomar por, etc.; b) deixar, ver, ouvir, encontrar, em construções do tipo: Viu-o vivo e forte. Deixei-o de cama e encontrei-o sarado. Pode o predicativo que exprime resultado ou consequência do processo verbal, indicar a situação anterior e a que resulta da mudança: O secretário passou José de auxiliar a chefe. À semelhança do predicativo em predicado complexo com ser, estar, etc., esse argumento concorda em gênero e número com o núcleo referido, e por isso tem merecido em muitos autores a classificação de predicativo; todavia há entre os dois predicativos diferenças: a) é normalmente representado por um adjetivo, enquanto o outro tipo de predicativo pode vir expresso por adjetivo, substantivo, pronome, advérbio, etc.; b) este último determinante apresenta-se numa relação semântica intermédia, entre a realidade comunicada pelo verbo e uma qualificação ao signo lexical núcleo do sujeito ou do complemento verbal; c) por essa maior frouxidão relacional com o verbo, pode ser suprimido sem provocar uma construção agramatical: Ele é estudioso / *Ele é; Ele estudou atento / Ele estudou; O auditório ouviu os conferencistas atento / O auditório ouviu os conferencistas; d) ao contrário dos outros predicativos, esse determinante não pode ser comutado pelo pronome invariável o, mas por um advérbio como assim: Ele estudou atento / Ele estudou assim. / Ela estudou assim. A polícia encontrou a porta arrombada. / A polícia encontrou a porta assim. e) essa relação com uma palavra de natureza adverbial (assim), permite a substituição do adjetivo por advérbio, resultando daí orações equivalentes na designação: Ele estudou atento / Ele estudou atentamente; O auditório ouviu os conferencistas atento / O auditório ouviu os conferencistas atentamente. Tais diferenças levaram alguns autores a dar outra classificação a predicativos dessa natureza; Said Ali chamou-lhes anexo predicativo, e cremos que, se houver necessidade de dar nomes diferentes a tais predicativos, a expressão pode ser utilizada. As propostas predicativo atributivo ou atributo predicativo também correm em bons autores [AK.1, 83; SL.1, 46-47]. Pode-se variar a construção em que entra esse segundo tipo de predicativo transpondo-o para junto do termo referido, caso em que se profere com breve pausa ou com pausa mais longa; neste último caso, usa-se vírgula na língua escrita: Os rios corriam sonorosos. Os rios sonorosos corriam. Sonorosos corriam os rios. Os rios, sonorosos, corriam. Observação: No exemplo Os rios sonorosos corriam podemos ver em sonorosos tanto um adjunto adnominal de rios como um predicativo do sujeito. A intenção comunicativa do falante ou escritor, quando possível, dependerá do sentido textual que será resgatado mediante a gramática do texto ou análise gramatical. Para o responsável pelo conteúdo do pensamento designado não há essa ambiguidade, porque, como diz Coseriu, “os falantes intuem e conhecem determinadas relações entre paradigmas diversos de sua língua” [ECs.1, 254]. Dentro desta função do predicativo podemos incluir o determinante que denota o “tempo, hipótese, concessão, causa, comparação, ou debaixo de que respeito é considerada a pessoa ou cousa”, na época referida pela relação predicativa [ED.2, 45,b]: ’Stamos em pleno mar... Doudo no espaço. Brinca o luar – dourada borboleta [CAv.1, 92]. (isto é, “como dourada borboleta) “Rainha esquece o que sofreu vassala” [BBo]. (isto é, “como rainha esquece o que sofreu quando vassala”) Também esses predicativos podem vir introduzidos por preposição ou advérbio, ou palavras em função equivalente: Em rapaz dizia verdades que quando velho silenciou. Audaz D. Quixote ele entrou na discussão. Quando Presidente esqueceu-se das promessas como candidato. Os exemplos acima podem ser reescritos sem os instrumentos verbais introdutórios, quando esses predicativos à moda latina emprestam ao enunciado certa energia e elegância. Neste caso são marcados por pausa, ainda que breve; no exemplo acima de Castro Alves, a pausa é indicada graficamente pelo travessão, enquanto no de Bocage não há sinal de pontuação, ainda que a pausa exista para que rainha não seja proferido com a linha melódica igual à que o marcaria como sujeito de esquece. O seguinte exemplo de Eça de Queirós é bom testemunho desse tipo de predicativo marcado por pausa, para distingui-lo do adjetivo com função de adjunto adnominal; observe que a pausa, marcada por vírgula, é decisiva para tal distinção: Mas os meses passaram, naquela vida de uma regularidade triste de pêndulo, entre a casa e a farmácia e o grosso livro encadernado, onde ele devia copiar os Esmaltes e Jóias, permanecia ainda quase todo branco. Lá estavam os três poemas que o Pensamento acolhera: Ofélia, A ti – que era a Aninhas Serrana, amada – e Mulher de Mármore – que era a Aninhas Serrana, odiada! [EQ.1, 53-54] Observações: 1.ª) Levados pela equivalência designativa, alguns autores preferem considerar como se fossem orações abreviadas sem verbo explícito os predicativos introduzidos por como, quando, porque, por considerá-los, nestes casos, conjunções subordinativas: Quando Presidente Õ Quando era Presidente... 2.ª)Exemplos como o já citado Os rios, sonorosos, corriam, aproximam formalmente este tipo de anexo predicativo. O infinitivo e o gerúndio como predicativo 5) O infinitivo e o gerúndio como predicativo 110 – Já tivemos oportunidade de ver que o infinitivo, como forma nominal do verbo, funciona também como substantivo: Querer é poder. Escrever é um ato de cultura. E m Convém prestar atenção aos conselhos, prestar atenção aos conselhos (em que o infinitivo é núcleo de um predicado complexo, com objeto direto [atenção] e indireto [aos conselhos]) funciona unitariamente como sujeito explícito do núcleo convém. E m Vejo abrir a porta , o infinitivo com seu objetodireto (abrir a porta) funciona unitariamente como objeto direto do núcleo vejo: vejo-o. Mas em enunciados do tipo Ouço soprar o vento ou Vejo crescer as árvores , apesar de serem aparentemente análogos aos anteriores, temos outras construções em que entram como núcleo verbos que significam atos mentais de percepção, embora os conjuntos soprar o vento o u crescer as árvores possam ser comutados por pronomes adverbais átonos (Ouço-o e Vejo-as). Os substantivos vento e árvores não funcionam como objeto direto do infinitivo, mas sim dos núcleos ouço e vejo, razão por que são comutados por pronomes adverbais átonos: Ouço-o (= o vento) soprar e vejo-as (= as árvores) crescer, em cujo procedimento não se incluem os infinitivos soprar e crescer. Agora, se compararmos as construções estudadas antes: Encontrou a porta arrombada, em que arrombada funciona como predicativo do objeto direto porta e em que, comutando este objeto direto por pronome adverbal átono, teremos: Encontrei-a arrombada, onde o predicativo arrombada não fica incluído na função de a. Analogamente, nos nossos exemplos Ouço-o soprar Vejo-as crescer os infinitivos funcionam como modificadores dos respectivos pronomes adverbais e funcionam como seus predicativos. Desta maneira, não cabe falar aqui de “sujeito” de infinitivo exercido por vento e árvores nas construções: Ouço soprar o vento / Ouço o vento soprar Vejo crescer as árvores / Vejo as árvores crescer A analogia se deve ao fato de vento e árvores serem, na análise do conteúdo semântico, agente da ação da atividade percebida, como em O vento sopra e As árvores crescem , o que não quer dizer que, naqueles exemplos, exerçam a função sintática de sujeito. Por isso, em Ouço soprar o vento e Vejo crescer as árvores , o normal é que não se precise flexionar o infinitivo, já que vento e árvores não funcionam como sujeito de soprar e crescer. Repare-se que, ao comutar o objeto direto do núcleo ouço ou vejo, se tem de deixar à parte o infinitivo, que, como vimos, funciona como predicativo do objeto direto vento ou árvores: Ouço o vento soprar Õ Ouço-o soprar. Vejo as árvores crescer Õ Vejo-as crescer. Tal como ocorreu com: Encontrou a porta arrombada Õ Encontrou-a arrombada. Se, como vimos, não se pode falar nestes casos de “sujeito” de infinitivo, também é impróprio afirmar que tais substantivos são “objeto direto” do núcleo ouço ou vejo e ao mesmo tempo “sujeito” do infinitivo. A concordância que pode aparecer em Ouço soprarem os ventos / Ouço os ventos soprarem. Vejo crescerem as árvores / Vejo as árvores crescerem. se deve à análise do conteúdo semântico da equivalência na designação, isto é, na referência à realidade percebida, com: Ouço que os ventos sopram. Vejo que as árvores crescem. em que ventos e árvores são agentes e agora também sujeitos. A diferença entre o agente da análise semântica e o sujeito da análise gramatical (da estrutura sintática) é comparável à que ocorre entre o paciente da análise semântica e o sujeito da construção sintática reflexiva em (só que aqui a língua padrão ainda não agasalhou o resultado do procedimento): Alugam-se casas / Aluga-se casas. Pelo mesmo efeito da equivalência na designação é que aparece o primeiro verbo no singular quando se combina com o pronome reflexivo se, procedimento que, na análise gramatical, passa os antigos objetos diretos (ouço os ventos / vejo as árvores) a sujeito do sentido passivo da nova construção: Ouve-se soprar os ventos / Ouve-se os ventos soprar. Vê-se crescer as árvores / Vê-se as árvores crescer. Trata-se aqui de concordâncias tão irregulares à luz da análise gramatical e da tradição da língua exemplar, quanto as que ocorrem em: Aluga-se casas. Vende-se apartamentos. Em lugar do infinitivo em função de predicativo, pode aparecer o gerúndio, quando é representado por signo léxico que denote atividade: Ouço o vento soprando. Vejo as árvores crescendo. “No entanto ouvia [eu] as negras falando da morte dele com pavor” [JL.3, 37]. À semelhança da construção com infinitivo, a de gerúndio, na referência à realidade percebida, pode ser substituída pela de relativo: Ouço o vento que sopra. Vejo as árvores que crescem. “Subitamente a chuva fustigou as vidraças; o primeiro bofar do vento fez ramalhar as árvores meias calvas; e senti-o que se abismava debaixo das arcarias de pedra” [AH.7, I, 139]. A mesma particularidade se repete com eis, que rigorosamente se acompanha de objeto direto: “... apenas os primeiros raios de sol faziam reluzir as armas,semelhantes no brilho trêmulo ao alvejar da geada, ei-las que pareciam rolar-se pelas encostas...” [AH.7, I, 172]. O complemento agente (“agente da passiva”) 6) O complemento agente 6(“agente da passiva”) – Um tipo de termo argumental não obrigatório é o que a gramática tradicional chama agente da passiva; caracteriza-se por ser um termo preposicionado marcado pela preposição por e, mais raramente por de, com verbos empregados como transitivos diretos na chamada voz ou construção passiva: Os exercícios foram feitos por José. O réu é condenado pelo júri. Tal complemento de agente pode ser opcional, pois são construções gramaticalmente corretas: Os exercícios foram feitos. O réu é condenado. A gramática tradicional tem posto este agente entre os complementos verbais em vista de seu relacionamento com o sujeito e com o complemento direto. Com o sujeito, porque, na transformação da estrutura passiva à estrutura ativa, o complemento agente passa a sujeito: Os exercícios foram feitos por José / José fez os exercícios. Com o complemento direto, porque, enquanto este vem exigido pela característica gramatical da construção ativa, o agente o é da construção passiva. Em geral, o complemento de agente apresenta o traço semântico animado, como revelam, nos exemplos acima, José (por José) e júri (pelo júri). Quando não há o traço animado, pode apresentar o traço potente, representado lexicalmente por nome de coisa, mas capaz de praticar ou fazer desenvolver uma ação, como nos exemplos seguintes [PD.1, 46]: O menino foi atropelado pelo ônibus escolar. Os alpinistas foram surpreendidos pelo vendaval. Dissemos que o complemento de agente pode vir introduzido pela preposição de, construção mais comum em outros tempos da história do português, e ainda usado literariamente; no português contemporâneo, de está praticamente restrito a unidades léxicas que exprimem sentimentos ou manifestações de sentimentos: Ela é estimada de todos. O professor não foi esquecido dos alunos. Nem todo termo introduzido pela preposição por funciona como complemento de agente, principalmente se apresenta o traço não animado, referente a uma coisa, quando deve ser classificado como adjunto circunstancial de causa ou meio. Neste caso, por é comutável por outra preposição (p. ex., com) ou por locuções prepositivas do tipo por causa de, por meio de, em virtude de e equivalentes: O artista foi elogiado pela sua técnica. Ficaram aborrecidos pelas falsas promessas. Os ladrões foram encontrados pela denúncia anônima. Em tais exemplos, a experiência comunicada em pelas falsas promessas e pela denúncia anônima pode ser expressa mediante outra construção: Ficaram aborrecidos com (por causa de) as falsas promessas. Os ladrões foram encontrados em virtude de (graças a) denúncia anônima. Não é, portanto, a relação sintática, mas o contexto em que se enquadra a experiência comunicada, que irá resolver se se trata de um complemento de agente ou de adjunto circunstancial ou adverbial. A construção dita “passiva pronominal” ou “passiva reflexa” (denominações melhores que “passiva sintética”) não se acompanha, no português contemporâneo, do complemento de agente, como acontece na chamada construção passiva com auxiliar + particípio, vista até aqui. Vendem-se casas. O complemento de agente pode aparecer junto a substantivo ou adjetivo constituído por um signo léxico referido a um processo ou ação, como assalto, vitória, derrota, etc. O assaltopelo primeiro batalhão foi decisivo. O derrotado pelo concorrente achou justa a classificação. Construção passiva e o predicativo 7) Construção passiva e o predicativo – Partindo do fato de que a realidade comunicada nas orações A casa está espaçosa e A casa está pintada aponta ao sujeito a casa um atributo, muitos estudiosos não veem razão de estruturação sintática para distinguir o adjetivo espaçosa como predicativo do sujeito, e o signo léxico pintada como verbo na forma de particípio. Ora, já sabemos que um particípio verbal pode funcionar como adjetivo. A dificuldade desta distinção fica ainda mais notável, quando comparamos A equipe é vencedora e A equipe é vencida, em que, não havendo nenhuma diferença na estrutura sintática das duas orações, (um sujeito a equipe, um núcleo verbal e um termo que, à maneira dos predicativos, concorda em número com o núcleo da oração (o verbo) e em gênero e número com o sujeito explícito), a distinção repousa apenas no traço semântico ‘ativo’ do lexema vencedora em oposição ao traço semântico ‘passivo’ do lexema vencido. Poder-se-ia objetar contra tal identificação dos dois termos o fato de poder levar o particípio vencido, ao contrário do predicativo como vencedora, uma expansão preposicionada “que se refere na realidade ao agente da atividade designada pelo signo léxico do particípio” [AL.1, 303], apesar do paralelismo da estrutura sintática. Um argumento forte em favor de considerar o particípio como adjetivo e, assim, na função de predicativo, na construção dita “voz passiva”, é a possibilidade de comutação do particípio pelo pronome invariável o – como ocorre com o signo léxico na função de predicativo: A equipe é vencedora. A equipe o é. A equipe é vencida. A equipe o é. A equipe é vencida pelo adversário. A equipe o é pelo adversário. Ocorre o mesmo se se trata de adjunto adverbial de causa ou meio, e não de complemento de agente. A pressão é controlada com remédios. A pressão o é com remédios. O artista foi elogiado pela sua técnica. O artista o foi pela sua técnica. Fica, assim, ao analista optar por uma das duas maneiras, apesar dos fortes argumentos em favor da solução como predicativo. Neste livro, por motivação didática, seguimos a análise como passiva. Os determinantes circunstanciais ou adverbiais Os determinantes circunstanciais ou adverbiais Se atentarmos para as frases: A criança caiu da cama durante a noite Os carregadores puseram o móvel na sala logo pela manhã O marido acompanhou a esposa ao hospital na ambulância, facilmente verificaremos que os termos da cama e durante a noite – para só ficarmos por enquanto no primeiro exemplo – denotam uma circunstância de lugar donde (da cama) e de tempo (durante a noite). Levada exclusivamente pelo aspecto semântico, a gramática tradicional igualou estes termos também sintaticamente, considerando-os ambos adjuntos adverbiais, isto é, como termos não argumentais, vale dizer, fora do âmbito da regência do verbo da oração, isto é, não pedidos por ele. Ora, basta aplicarmos o teste da redução para verificarmos que o termo da cama é termo obrigatório, argumental, pois pertence à regência do verbo cair; assim, torna-se incompleta do ponto de vista sintático (e semântico, naturalmente) a oração sem este complemento relativo: A criança caiu durante a noite. Já não se dá o mesmo com a redução ou supressão do termo durante a noite: A criança caiu da cama. Observação: Para distinguir a identidade designativa de circunstância, presente em da cama e durante a noite da função sintática diferente dos dois termos, talvez fosse conveniente encontrar outra denominação para o adjunto circunstancial que evitasse a alusão à natureza de “circunstância”. S e da cama é o complemento relativo de cair, durante a noite, mero acréscimo à informação, à realidade comunicada, receberá a classificação de adjunto circunstancial. Os adjuntos adverbiais são semântica e sintaticamente opcionais. Respondem às clássicas perguntas como?, quando?, onde?, por quê?, enquanto o complemento relativo responde à pergunta que? quem?, precedidos da preposição que acompanha tradicionalmente o verbo: Pedro fala sempre de negócios (fala de quê?: compl. relativo). Pedro fala sempre de memória (como fala?: adjunto adverbial). Se recorrermos ao teste de clivagem ou relevo mediante o usual instrumento é ... que/quem, verificaremos a diferença de resultado entre o complemento relativo e o adjunto adverbial: É de negócios de que sempre fala o José. É de memória como sempre fala o José [AL.1, 323]. Semanticamente, o papel desses adjuntos adverbiais é matizar o processo designado na relação predicativa, acrescentando à mensagem informações que o falante julga As Unidades no Enunciado C� 1 – A Oração e as Funções Oracionais Vale a pena distinguir predicado verbal e predicado nominal? A posição do predicativo Outro tipo de predicativo: anexo predicativo O infinitivo e o gerúndio como predicativo O complemento agente �⠠ᰀ愀最攀渀琀攀 搀愀 瀀愀猀猀椀瘀愠ᴀ) Construção passiva e o predicativo Os determinantes circunstanciais ou adverbiais