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Adaptacionismo
Claudia Sepúlveda & Diogo Meyer & Charbel Niño El-Hani
1 Introdução
A biologia tem sido marcada, desde o final do século XVIII, por uma disputa entre
dois tipos de explicação para a origem e diversificação das formas orgânicas: de um lado,
a primazia causal é atribuída à função das estruturas e às necessidades adaptativas dos
organismos; de outro, a ênfase recai sobre a influência de fatores causais não-adaptativos,
como, por exemplo, o padrão de organização estrutural herdado de linhagens ancestrais,
sendo a adaptação considerada, então, um subproduto fortuito da forma. A controvérsia
sobre estes dois modos de explicar a origem e diversificação dos seres vivos caracterizou,
para historiadores da biologia como Ospovat (1981) e Amundson (1996), o contexto
teórico que antecedeu, na Inglaterra, a publicação de A origem das espécies por Darwin.
Estas duas perspectivas foram denominadas por Ospovat ‘teleológica’ e ‘anti-teleológica’
e por Amundson, ‘adaptacionismo’ e ‘estruturalismo’.
Caponi (2006) apresenta uma interpretação alternativa às visões desses autores para
o cenário que antecedeu a publicação de A origem. O autor discorda da interpretação
de Amundson (1996) e Gould (2002) de que teria existido um adaptacionismo pré-
darwinista. Para ele, o funcionalismo dos naturalistas pré-darwinianos, a exemplo de
Cuvier, não implica uma abordagem adaptacionista da forma, uma vez que as caracte-
rísticas morfológicas e comportamentais não eram explicadas em termos dos desafios
ambientais aos quais os organismos que as possuem têm de responder, mas em termos
das necessidades impostas pelas leis de coexistência (entre as partes num todo funcional)
que regem a fisiologia dos organismos. Caponi argumenta que a grande ruptura entre
o darwinismo e a biologia precedente esteve centrada na oposição entre a perspectiva
fisiológica, que dirigia todo o campo das ciências da vida desde Aristóteles até Cuvier, e
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a perspectiva populacional, que emergiu com a explicação darwiniana dos processos
evolutivos.
Com base neste argumento, Caponi (2005) propõe que o caminho esclarecedor
para entender a história da biologia evolutiva, não reside na dicotomia estruturalismo-
funcionalismo, destacada pelos autores acima, ou, de sua parte, na dicotomia destacada
por Mayr (p. ex., 1982), entre pensamento tipológico e populacional, e sim na oposição
entre visões transformacionais e variacionais. Nas primeiras, a mudança evolutiva é
entendida como o resultado de transformações simultâneas em todos e em cada um
dos membros individuais de uma espécie (LEVINS; LEWONTIN, 1985; SOBER, 1993;
CAPONI, 2005), i.e., a mudança filogenética seria o resultado de mudanças ontogenéti-
cas acumuladas. Nas visões variacionais, por sua vez, a mudança evolutiva resulta de
mudanças na proporção de organismos variantes numa população, ao longo de muitas
gerações. Organismos bem sucedidos tendem a originar, via reprodução, organismos
com muitas das mesmas características variantes que eles apresentam. Assim, enquanto
a população muda de geração a geração, a herança desempenha o papel de manter
alguma invariância nas características manifestas dos organismos, o que é condição
necessária para a seleção cumulativa. Essa tensão entre amudança no nível populacional
e a relativa invariância no nível dos organismos cumpre um papel central nas explicações
variacionais.
Nossa visão é de que todas estas oposições podem ter papéis importantes na compre-
ensão do pensamento evolutivo: visões teleológicas vs. anti-teleológicas; estruturalistas
vs. funcionalistas; tipológicas vs. populacionais; transformacionais vs. variacionais.
Cada uma dessas dicotomias ilumina aspectos importantes do pensamento darwinista
e dão relevo a maneiras alternativas de conceber a evolução. No caso particular da
oposição entre estruturalismo e funcionalismo, um requisito fundamental na construção
atual de uma compreensão da evolução pautada por um pluralismo de processos é a
busca de uma síntese entre forma e função. Em vez de defender uma dessas oposições
em detrimento das demais — como se de algum modo fosse mais esclarecedora da
história do pensamento evolutivo —, consideramos que, a depender do foco de cada
estudo, cada uma delas pode ser mobilizada com proveito. No presente trabalho, nosso
interesse recairá sobre a tensão entre visões funcionalistas, com as quais o adaptacio-
nismo se alinha, e visões estruturalistas. As dicotomias apontadas acima são todas úteis
para entender a história do pensamento evolutivo ou tiveram, em termos históricos, um
papel heurístico no desenvolvimento do pensamento darwinista. Mas, embora úteis, é
preciso desafiar algumas delas, em vista do poder explicativo que pode advir de uma
combinação de visões, em princípio opostas, como a estruturalista e a funcionalista,
para a compreensão da origem e diversificação das formas orgânicas.
O desafio de ir além dessa dicotomia já estava colocado para Darwin. Ele propôs
uma explicação naturalista e unificada para a origem e diversificação da forma orgânica,
capaz de dar conta dos fenômenos priorizados tanto pelas visões funcionalistas como
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	Capítulos
	Adaptacionismo 
	Introdução

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