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Figura 4: Trajetórias evolutivas de RNA. As simulações computacionais de histórias evolutivas de RNA têm um padrão de equilíbrio pontuado. Ou seja, períodos estacionários (que no gráfico são as regiões planas) acompanhados de períodos adaptativos (são os períodos em que diminui a distância média para chegar ao x mínimo de energia livre (m.e.l.), objetivo ou real). O eixo Y é a distância média da população com respeito à forma alvo (target); o eixo X é o tempo (unidades arbitrárias) que a população leva para chegar até a forma alvo (tomado de: Fontana, 2002). são ultrapassados pela interação com substâncias presentes no ambiente. Da mesma maneira, no caso das proteínas há certas formações tridimensionais que se tornam mais prováveis pela interação com co-fatores iônicos ou pela presença de chaperonas. Contudo, uma vez que se estabiliza uma configuração determinada, o caminho se aprofunda e cada vez se torna menos possível retornar à configuração anterior. As ideias de entrincheiramento gerativo (WIMSATT, 1986, 2007) e de constrição histórica (GOULD, 1989, 2002) reforçam esse ponto14. Por isso, segundo nosso juízo, é muito ilustrativo que a paisagem epigenética de Waddington (figura 5) mostre um gradiente ou tendência a “decrescer”, ultrapassando o limiar em pontos de instabilidade e fazendo com que o retorno à configuração inicial seja impossível. A evolução e a transformação são irreversíveis, mas novas bifurcações, com seus correspondentes vales e caminhos, são suscetíveis de aparecer, de modo que os tipos contingentes no futuro emergem a partir das possibilidades plásticas nos tipos do presente, mas sempre correspondem a maiores graus de especificação que os existentes. Por essa razão, os tipos não são universais nem necessários: a seleção estabiliza o tipo dentro daquilo que as condições físicas permitem, ao reter as interações com o ambiente que os estabilizam. A distinção entre primário (auto-organização) e secundário (adapta- ção contingente) dilui-se, eliminando (assim como fez Darwin) a noção essencialista de 14Tanto o conceito de ‘entrincheiramento gerativo’ (WIMSATT, 1986, 2007) como o de ‘constrição histórica’ (GOULD, 1989, 2002) capturam o fato da dependência de trajetória (path-dependance). Há dependência de trajetória quando as condições iniciais de um processo têm efeitos fundamentais sobre seus resultados finais— o que em física se conhece como sistemas “não holonômicos”. Rasskin-Gutman & Esteve-Altava (2008) sustentam algo similar com respeito às constrições do desenvolvimento. 578 Figura 5: A paisagem epigenética representa uma interface dinâmica entre os genes e o meio ambiente, na qual se abrem umas vias de desenvolvimento que vão se reconfigurando à medida em que o processo transcorre. A bola na parte superior representa uma célula totipotente indiferenciada, e as posições na parte inferior correspondem às células diferenciadas. Os vales profundos correspondem a caminhos de desenvolvimento estáveis e as bifurcações a pontos de desequilíbrio em que pequenas perturbações provocadas por fatores do meio ou por mutações gênicas podem fazer com que o sistema opte por uma via ou por outra (Figura modificada de Waddington, 1957). tipo. A passagem de um tipo para outro deveria ser detectável no momento da transição; mais do que isso, cada um corresponderia a uma das formas ou fenótipos alternativos que uma determinada espécie pode adquirir, mas sua estabilização em condições locais independentes (alopatria), ou no mesmo ambiente mas com modos de vida divergentes (simpatria), daria lugar a espécies ou tipos independentes. O tipo real inclui o primário, gerado por auto-organização, e o adquirido evolutivamente, que se manifesta em etapas precoces da ontogenia, independentemente das condições atuais do ambiente. Mas devemos lembrar que essas características primárias alguma vez foram secundárias, à medida que correspondiam a modificações dependentes das condições de vida dos an- cestrais. Exemplos dessa transição têm sido descritos por Kirschner e Gerhardt (2005, p. 96-108) no nível molecular, tomando como exemplo o caso da evolução das globinas. Em sua forma ancestral a globina oscilava entre duas configurações estruturais, alfa e beta, que se expressavam em ambientes celulares diferentes. Posteriormente, devido a uma duplicação gênica, elas estabilizaram, dando lugar a dois genes claramente diferentes, com graus de especificidade estrutural e funcional diferentes. Essa análise é inteiramente congruente com a que foi apresentada por Balbin e Andrade (2004) sobre a estabilidade estrutural das proteínas em vales de estabilidade termodinâmica, dependentes não só da sequência, mas também da presença de co-fatores do meio. As transições entre formas fenotípicas alternativas supõem que a barreira ou limiar de estabilidade de Waddington é ultrapassada, fenômeno que, no caso de moléculas como o RNA e as proteínas que apresentam processos de dobradura (equiparáveis à ontogenia), é medido com parâ- metros de estabilidade termodinâmica e níveis de energia. Para o caso das espécies, a estabilidade estrutural é função não apenas de sua constituição genética, mas também das interações intra e interespecíficas, da exploração de novos comportamentos, hábitos, 579