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Filosofia da Biologia - Paulo C Abrantes-305

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Wilson e Sober13 representam, notadamente, a nova época de uma defesa mais
sofisticada da seleção de grupo, diferente da anterior, considerada comoum selecionismo
simplista ou ingênuo (naive group selectionism). Os termos ‘trait group selection’, seleção de
grupos por característica ou seleção intra-dêmica, denotam as unidades com estrutura
contínua ou discreta que são objeto de seleção em populações locais, ou demos em
não raras ocasiões (WILSON, D. S., 1975). Com eles destaca-se a relação de coesão nos
grupos, que se comportam funcionalmente como um todo14 e onde os indivíduos na
população compartilham um “destino comum”. Nessa interpretação:
1. os interagentes são os fatores relevantes com papel ativo no processo de seleção;
2. a estrutura da população, dividida em grupos, é importante para detectar a uni-
dade da seleção. A seleção intra-grupo (aptidão de indivíduos no interior do
grupo) deve ser diferenciada da seleção entre grupos, cujo resultado é maior
produtividade ou, em certos casos, substituição dos grupos menos aptos;
3. a aptidão, nos casos de seleção de grupo, é propriedade das características con-
tribuintes (trait group), e não dos organismos. Um exemplo disto são os gritos de
alarme em algumas espécies;
4. os grupos são associações locais, temporais, cuja interação pode ocorrer por um
período breve, ou então estável e prolongado.
Sober eWilson assinalam esse aspecto comumnas acepções da noção de grupo oferecidas
por diversos autores:
um conjunto de indivíduos que influenciam a aptidão um do outro com
respeito a certa característica, mas que não influenciam a aptidão dos que
estão fora do grupo (1998, p. 92)15.
E enunciam do seguinte modo o seu critério para caracterizar um grupo:
Os indivíduos pertencem ao mesmo grupo por causa de suas interações e
não porque estão lado a lado (elbow-to-elbow) (1998, p. 93).
Não se requer continuidade física, espacial ou temporal dos grupos, nem que seus
integrantes compartilhemgenes. A noção de grupo inclui comunidades demultiespécies,
como o caso das taturanas alimentando-se na mesma folha. Com respeito às adaptações
13Esses autores não admitem que o altruísmo possa ser explicado por seleção de parentesco parental,
por altruísmo recíproco ou pela teoria dos jogos, conforme defendem Williams, Hamilton, Trivers e
Maynard Smith.
14O conceito de superorganismo descreve as colônias de insetos sociais cujos membros agem como uma
unidade (WILSON; SOBER, 1989). Um exemplo são as abelhas em suas colméias.
15Wade, que projetou importantes experimentos para o estudo da seleção de grupo, propôs a seguinte
fórmula: “A seleção de grupo é definida pelo processo de mudança genética causada pela extinção ou
proliferação de grupos de organismos” (1978, p. 101).
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conseguidas pela característica (trait) de construir represas, os castores que compartilham
um abrigo constituem um grupo.
Variação e aptidão são componentes-chave na seleção em qualquer um dos níveis.
Sober reitera-os de maneira sintética em um trabalho recente:
• seleção de grupo: a variação na aptidão entre os grupos;
• seleção individual: a variação na aptidão entre os organismos do mesmo grupo;
• seleção gênica: a variação na aptidão entre genes no mesmo organismo (SOBER,
2009).
Entre os recursos para afirmar a evolução do altruísmo, Sober e Wilson (1998, p. 35–50)
citam o caso da avirulência (atenuação da virulência) do vírus Myxoma, introduzido na
Austrália em uma população de coelhos. Quando ocorre esse fenômeno, o indivíduo
(vírus) reduz sua aptidão, mas ao não causar a morte do hospedeiro aumenta a possível
ação de outros indivíduos do grupo.16
Contra a ideia do registro exclusivo de meras correlações entre características e a
medida de aptidão, Sober (1984) destaca a ação causal da seleção. Ele recoloca a necessi-
dade de analisar a relação que existe entre os diversos níveis de organização biológica
nos processos de seleção, considerando que vários níveis atuando simultaneamente em
direções diferentes podem entrar em conflito.
Se a seleção de grupo ocorre quando os genes evoluem em virtude de “seu efeito nos
grupos em relação a outros grupos”, é possível predizer que haverá uma produtividade
maior de organismos oude grupos similares (daughter groups). Assim, amelhor estratégia
para compreender o processo de seleção é a detecção da função causal de unidades em
interação: o interagente é determinante no processo seletivo, e não apenas a entidade
replicadora como pretendiam os “selecionistas gênicos”. Destaca-se que, sem a interação
entre os organismos e o seu ambiente a informação genética não se instancia nos fenótipos
representativos da população. Trata-se, como assinalou Hull, de uma dupla causalidade
que inclui o papel dos interagentes.
Uma das características das espécies de insetos sociais que assombrou Darwin (e
outras características sociais) pode ser explicada por seleção de grupo caso se assuma
uma teoria da seleção em níveis múltiplos. Dado que a posse de uma característica
altruísta diminui a aptidão de seu portador dentro do grupo, a maneira de garantir a
evolução dessa característica em uma população é por meio de um processo de seleção
entre grupos, com vantagem para o grupo com mais altruístas.17
16Wilson quase parafraseia Darwin ao destacar o problema fundamental da seleção de grupo: na organi-
zação social, embora o egoísmo seja superior dentro dos grupos, a presença de altruístas proporciona
vantagem na relação entre grupos (1999, p. 24).
17Entre os casos indicados por Darwin na Origem, um muito mencionado é o da esterilidade de certas
espécies de formigas, uma característica que seria selecionada pelo benefício para a comunidade.
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