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Filosofia da Biologia - Paulo C Abrantes-332

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TFT e a CTFT não têm sucesso em interações com jogadores diferentes, uma vez que
essas estratégias podem ser exploradas por desertores incondicionais altamente móveis,
que nunca interagem com o mesmo TFT duas vezes. Se a busca de novos oponentes não
é custosa, a TFT e as estratégias afins que cooperam na primeira jogada enfrentam o
perigo de extinção (ENQUIST; LEIMAR, 1993). Para evitar esse perigo, quem coopera
sobre a base da reciprocidade devemonitorar as reputações de todo oponente potencial e
desertar contra os desertores já na primeira interação. O próprio Trivers chegou a sugerir
isso (TRIVERS, 1971; BURNHAM; JOHNSON, 2005), e Alexander (1987) desenvolveu a
ideia com a denominação de reciprocidade indireta (RI).
A diferença entre a reciprocidade direta e a indireta não é mais do que uma modifi-
cação na regra de atribuição de reputações, motivada pelo objetivo de representar com
precisão o fenômeno da reciprocidade. A modificação traz estratégias “novas” somente
de um ponto de vista formal. A reciprocidade indireta, como padrão comportamental
diferente, pode ser vista como uma estratégia nova. Mas de outro ponto de vista continua
sendo a mesma reciprocidade com uma regra de atribuição de reputações mais ade-
quada, que inclui todos os oponentes potenciais incorporando informação disponível
no meio social.
Em sua forma mais simples, a RI atribui reputações por meio de uma pontuação
binária da imagem— bom ou mau — com base apenas na jogada prévia do oponente
(NOWAK; SIGMUND, 1998). Versões mais sofisticadas descrevem a RI como levando
em conta não só a jogada prévia do oponente, mas também sua reputação e a de seu
respectivo oponente no momento de fazer a jogada. Neste caso, a deserção prévia de um
oponente não é sempre avaliada do mesmo modo, uma vez que se um jogador de boa re-
putação deserta contra um desertor, mantém sua boa reputação. Esta regra de atribuição
é conhecida como STANDING (SUGDEN, 1986; PANCHANATHAN; BOYD, 2003). Da
mesma maneira, a jogada cooperativa não necessariamente é avaliada como boa: se um
jogador com boa reputação coopera com um oponente commá reputação, perde sua boa
reputação. Esta regra de atribuição é denominada JUDGING (OHTSUKI; IWASA, 2004).
A programação computacional de estratégias com essas regras sofisticadas precisaria
levar em consideração uma rede complexa de histórias cruzadas, dado que as reputações
de cada jogador dependem de jogadas prévias e das reputações dos oponentes nesse mo-
mento, que por sua vez dependem de jogadas prévias, etc., até o infinito. Isto pode levar
a um beco sem saída, mas o problema pode ser resolvido atribuindo uma distribuição
inicial arbitrária de reputações a uma população e formulando regras concretas e simples
para a atualização de reputações, com base nas reputações atribuídas inicialmente e
nas condutas posteriores (OHTSUKI; IWASA, 2004). Contudo, estes e outros teóricos
(PANCHANATHAN; BOYD, 2003) reconhecem que as reputações são atribuídas, na
vida real, por meio da atribuição de intenções, motivações e traços de caráter. Apesar de
que um experimento parece mostrar que os humanos atribuímos reputações por meio
de uma pontuação binária da imagem baseada em jogadas imediatamente anteriores
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(MILINSKI et al., 2001), o projeto desse experimento somente ofereceu uma alternativa
adicional, baseada na consideração de histórias comportamentais mais complexas. É
plausível que as regras que os humanos utilizamos para atribuir reputações se alimen-
tem de várias fontes e não apenas de histórias complexas de conduta. As histórias de
interações são apenas uma informação entre outras. A informação flui por múltiplos
canais e termina na atribuição de intenções e traços de caráter.
7 Castigo e reciprocidade
Até aqui tenho sustentado que não há necessidade de considerar a reciprocidade
direta e a indireta como governadas por mecanismos psicológicos diferentes. Trata-se da
mesma reciprocidade, que atribui reputações com critérios sofisticados para ampliar sua
capacidade de êxito em diversos tipos de interações. Passo agora a considerar se uma
tese semelhante pode ser sustentada em relação com a estratégia cooperativa baseada no
castigo altruísta (CA), também chamada reciprocidade forte. A estratégia CA entrou no
panorama dos modelos computacionais com a pretensão de triunfar contra os desertores
em dilemas de prisioneiros com vários jogadores (n>>2) (BOYD; RICHERSON, 1992). A
estratégia CA conduz a interação em duas fases. Na primeira, coopera no dilema de
n-pessoas. Na segunda fase, castiga em interações diádicas, e incorrendo em custos,
aqueles que não cooperaram na primeira fase. Se o custo de ser castigado na segunda fase
supera o custo de cooperar na primeira fase, o incentivo para não cooperar desaparece
(FEHR; GÄCHTER, 2000). Além de ser utilizada em jogos de bens públicos, a estratégia
CA é implementada também em jogos de ultimato e em jogos de castigo de terceiras
pessoas (GINTIS et al., 2003; FEHR; FISCHBACHER, 2004b; HENRICH et al., 2006).
A primeira coisa a se notar é que a estratégia CA é psicologicamente similar à
reciprocidade direta e indireta no que diz respeito à regra de atribuição de reputações.
Evidência procedente de experimentos com jogos de ultimato indicam que os receptores
nesses jogos atribuem reputação aos ofertantes raciocinando sobre suas intenções, dado
que a disposição de um receptor a castigar recusando a oferta — o que faz com que tanto
o receptor como o ofertante saiam com asmãos vazias— é afetada pelas intenções que ele
atribua aos ofertantes. Por exemplo, se, em um jogo de ultimato, o ofertante apresenta-se
como um computador ou como um humano coagido por opções preestabelecidas pelo
experimentador, e se a oferta de divisão é pouco generosa, o receptor, ciente dessas
circunstâncias, não tem a mesma inclinação ao castigo do que quando a oferta pouco
generosa é apresentada como plenamente intencional e sem coação (BLOUNT, 1995;
FALK et al., 2003; FALK; FISCHBACHER, 2006). A razão, presumivelmente, é que
essas “deserções” não são amostras de um traço de caráter, nem expressam a intenção
sistemática de desertar. Em resumo, a estratégia CA baseia-se na atribuição de intenções
e de caráter, mais do que na simples conduta, assim como ocorre com a reciprocidade
direta e com a indireta.
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	Traduções
	Ética evolucionista: o enfoque adaptacionista da cooperação humana 
	Castigo e reciprocidade

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