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Comportamento de expressão corporal (body-oriented) 1) Fly whisk (uso de ramos com folhas para afugentar as moscas). Presente em: B, K e G; ausente de: T; sem dados: A e M. 2) Index hit (esmagar com o índice ectoparasitas do corpo). Presente em: B e K; ausente de: T e G; sem dados: A e M. 3) Ground nest (confecção de ninhos no chão e não apenas nas árvores). Presente em: K; ausente de: B, T e G; sem dados: A e M. 4) Leaf napkin (confecção de assento feito de folhas). Presente em: T e G; ausente de: B e K; sem dados: A e M. 5) Self tickle (utilização de objetos para coçar-se). Presente em: G; ausente de: B, K e T; sem dados: A e M. Para esses padrões, chama a atenção a falta de dados nas zonas de Assirik e deMahale, o que poderia mudar conforme avancem as pesquisas de campo (e enquanto sobrevivam os animais ao impacto dos humanos). No que diz respeito às demais zonas, Gombe apresenta três; Kibale duas; e Bossou e Tai, uma cada. Lembremos que das três subespécies de chimpanzés, apenas duas são estudadas há bastante tempo e apresentam resultados em várias das categorias, a P. t. verus, do oeste, e a P. t. schweinfurthii, do leste. Mas é importante sublinhar aqui, como destacam vários autores, que não existe uma coincidência perfeita entre os comportamentos e as subespécies, nem sequer entre os comportamentos e as grandes zonas geográficas, assim como ocorre entre os humanos (que não têm subespécies, é verdade, mas sim notáveis adaptações físicas ao meio, antes chamadas raças). A essa altura da análise, encontraríamos dois tipos de críticas. A mais frequente é de tradição cartesiana e analítica: enquanto não existe linguagem, os animais só podem fazer essas coisas que chamamos cultura de maneira automática, como robôs programa- dos, e não como produto da reflexão. Descartes pensava que o ponto de apoio do saber estava no cogito: pode-se duvidar de algo, porém não de que se duvida. O pensamento é outra coisa, uma substância. E querer eliminar a ideia de mente nos animais trouxe, paradoxalmente, a possibilidade de eliminá-la também nos humanos: para os compor- tamentalistas, por exemplo, toda ação humana não é mais do que a expressão de um condicionamento operante mais ou menos complexo. O erro do cartesianismo e de seus seguidores analíticos ou comportamentalistas é conceber a ideia de uma substância sem variações e gradações. O aporte do darwinismo, e a possibilidade de estudar a cultura em animais não humanos, é precisamente a hipótese — cientificamente vigente — de que existem processos graduais, cumulativos e diversificados nas várias manifestações da vida, incluindo as culturais. A isso responderíamos que também existem pesqui- sadores da psicologia dos humanos — que se apoiam, aliás, em um modelo animal 632 inspirado em aves e roedores — como os comportamentalistas, que afirmariam que entre os humanos também não existe intencionalidade; toda ação humana não é mais do que a expressão de um condicionamento operante mais ou menos complexo. Por isso, se houvesse intencionalidade entre os humanos, podemos ver que essas variantes no comportamento dos símios não estão ligadas a bases estritamente genéticas (como assinalamos acima), uma vez que inclusive dentro da mesma subespécie não encon- tramos os mesmos comportamentos. Assim como os humanos manifestam constantes culturais (a estrutura do parentesco e as regras do matrimônio, por exemplo), os símios manifestam variantes dos “seus” universais e a esses também chamamos culturas. Por outro lado, teríamos a crítica contrária: esses comportamentos não têm todos eles traços culturais. Alguém poderia afirmar que, entre os cachorros, por exemplo, existem movimentos que convidam a brincar. Isso é verdade, mas no caso dos chimpanzés — que podem convidar para o jogo por meio de uma expressão corporal, como entre os cães —, a colocação de um galhinho na boca é associado a um convite para brincar, ato que implica o uso de instrumentos que, aliás, não ocorre com a mesma frequência, ou da mesma maneira, em todas as comunidades estudadas. Não podemos mais duvidar da existência de cultura em animais não humanos que não possuem linguagem natural e que também não podem adquiri-la completamente em sua complexa estrutura. Os defensores de uma linguagem natural exclusiva aos humanos, e que veem com resistência os esforços por ensinar aos pongídeos o AMES- LAN22 ou linguagem americana de surdos, (esforços que efetivamente possibilitaram que vários símios, chimpanzés “comuns” e bonobos, produzissem uniões de até quatro palavras em frases e a aprendizagem de centenas de palavras) verão commais resistência ainda que se pretenda realizar um estudo comparativo das sociedades de chimpanzés da mesma maneira que se faz com comunidades humanas. Por isso, e para finalizar, acredito ter posto em destaque que o estudo da cultura tem, entre os primatólogos, claras conotações filosóficas, apesar de brilhantes autores pretenderem que nenhum discurso tem valor comparável a “uma hipótese provada com dados claros” (MCGREW, 2004, p. x). McGrew, com cuja defesa de um conceito naturalizado de cultura coincidimos, não percebe a quantidade de conceitos metafísicos que contém essa frase, começando por “um dado claro” (frase, aliás, inspirada nas “ideias claras e distintas” de Descartes). Entre nós filósofos, para quem a metafísica é o “pão nosso de cada dia”, encontramos, contudo, marcadas diferenças entre aqueles que, apoiando-se em estudos de campo com espécies não humanas, vêem uma continuidade entre o que ocorre no mundo animal e entre os humanos (animais também, afinal de contas) e aqueles que, partindo de considerações metafísicas, mas desta vez a priori, afirmam simplesmente que sem linguagem natural não há pensamento e que sem pensamento não pode existir cultura. 22American Sign Language. 633