Prévia do material em texto
utilizado na prática médica, o reducionismo típico da medicina clínica, caracterizado pelas quatro práticas mencionadas acima, poderá ser superado. Igualmente, este tipo de modelo poderia ajudar-nos a entender a relação entre desenvolvimento e evolução, o que busca a TSD. Essa é, sem dúvida, uma discussão que toca todas as variantes do reducionismo que mencionamos na primeira parte deste trabalho. O ponto que nos interessa destacar agora — para ir dando uma forma mais definida à nossa proposta de entender o problema do reducionismo na ciência, em particular na biologia, como a articulação de um programa reducionista — é que a discussão filosófica sobre o reducionismo precisa considerar pelo menos os seguintes temas: a) Uma série de questões filosóficas que sempre estiveram no centro da discussão sobre reducionismo: questões de ontologia, metodologia e explicação em um sentido amplo e geral. Em particular, a discussão sobre se existe ou não um nível fundamental com respeito ao qual possamos orientar as explicações e métodos diversos que constituem as diferentes práticas científicas. b) As quatro práticas associadas por Ahn et al. (2006) ao reducionismo correspondem a uma série de questões (que podem ser vistas como especificações das questões colocadas por Ahn et al. no item anterior) amplamente estudadas na filosofia da ciência. Emparticular, isso leva a discussões sobre o que é uma explicação científica, assim como a discussões sobre se é possível falar em um tipo fundamental de explicação causal, ou se temos que reconhecer uma variedade heterogênea de tipos de explicação causal. Essa é uma questão que, a partir de diferentes perspectivas, tem sido objeto de reflexão filosófica desde o início da ciência. Não temos que nos remeter ao estudo dos sistemas complexos para perceber que a busca por um fator causal dominante, muitas vezes, não nos leva a uma boa explicação. A discussão sobre a necessidade de se abandonar explicações causais desse tipo levou, justamente em filosofia da ciência, ao questionamento de modelos de explicação simplistas como o de Salmon (1984) e gerou toda uma série de propostas sobre maneiras apropriadas de se modelar explicações causais com fatores múltiplos heterogêneos. Entre as propostas mais interessantes estão aquelas que, como no caso das de Nancy Cartwright (1999), propõem que uma explicação causal requer um contexto concreto no qual se modele a complexidade de causas. Essa ênfase na importância do contexto é uma forma de tentar resolver a tensão entre reducionistas e não reducionistas (ver especialmente SARKAR, 2005). c) A maneira pela qual se está tentado superar o reducionismo é, justamente, fa- zendo ver que não há razão para rejeitá-lo; na verdade, os diferentes sentidos do reducionismo podem ser vistos como estratégias que nos permitem identificar componentes estáveis de sistemas complexos, os quais, posteriormente, precisa- mos levar em consideração, se quisermos entender fenômenos complexos. Mas, 444 então, o reducionismo não deve ser visto como o método da ciência e, sim, como uma estrutura de estratégias mais ou menos provisórias que são necessárias para se entender a dualidade da ciência, como geradora de conhecimento objetivo e como construtora de realidade social. 5 Conclusão A heterogeneidade de práticas exitosas orientadas ao estudo de diferentes níveis de organização — que estão interagindo de maneira frutífera em biologia e em outras ciências naturais —, aponta tanto a importância da diversificação das práticas cientí- ficas como a importância de integrá-las, enquanto recursos para a proposta de novos problemas ou para o desenvolvimento de perspectivas inovadoras de pesquisa. O que se considera frutífero ou exitoso o é relativamente a valores sociais representados em protocolos de pesquisa, instrumentos e técnicas. Nessa medida, a integração frutífera dessas diferentes práticas que ocorre, até certo ponto, por meio de relações de redução pode ser vista como uma representação da relação ciência-sociedade, à medida que envolve diferenças entre sistemas e seu ambiente, por exemplo, que estão guiadas por práticas científicas diferentes que, de uma ou de outra forma, encarnam implicitamente valores sociais. Referências bibliográficas AHN, A. C. et al. The limits of reductionism in medicine: could systems biology offer an alternative? PLoS Medicine, v. 3, n. 6, p. e208, May 2006. BICKLE, J. Philosophy and neuroscience: a ruthlessly reductive account. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2003. BRANDON, R. Greene on mechanism and reductionism: more than just a side issue. In: ASQUITH, P. D.; KITCHER, P. (Ed.). Proceedings of the 1984 Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association. East Lansing: Philosophy of Science Association, 1985. p. 345-353. v. 2. CARNAP, R. Die physikalische Sprache als Unversalsprache der Wissenschaft. Erkennt- nis, v. 2, n. 2, p. 432-465, Dec. 1931. CARTWRIGHT, N. The dappled world: a study of the boundaries of science. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. CARTWRIGHT, N. et al. Otto Neurath: philosophy between science and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 445 Traduções Reducionismo em biologia: uma tomografia da relação biologia-sociedade Conclusão