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Filosofia da Biologia - Paulo C Abrantes-310

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localizadas e contínuas (Ghiselin e Hull), é similar ao empregado por Gould e Lloyd
(1999) para postular as espécies como unidades de seleção. Segundo esses autores, as
espécies são “indivíduos darwinianos”, no sentido de que possuem um começo e um
fim, são diferenciados e distinguíveis, bem como apresentam suficiente estabilidade.
Outros autores analisam o surgimento da individualidade nas transições evolutivas,
em processos de cooperação e integração nos quais são gerados novos níveis (BUSS,
1987; MAYNARD SMITH; SZATHMÁRY, 1995; MICHOD, 1999).
Dawkins funda sua defesa do selecionismo gênico na propriedade de herdabilidade.
Os genes contêm e transmitem de geração em geração a informação para o fenótipo.
Portanto, os replicadores são fatores causais, mesmo que a cópia não seja perfeita.
Um glossário de evolução define herdável como “parcial ou totalmente determinado
pelos genes, capaz de ser transmitido de um indivíduo para sua descendência”. Sterelny
e Griffiths (1999, p. 385-386) definem herdabilidade como “uma medida da probabilidade
de que um descendente tenha uma característica de seus pais”. E a aptidão (fitness) é
definida como “uma medida da habilidade de um gene, organismo ou outra unidade
biológica de reproduzir-se”.35
A fórmula sintética da seleção é “variação herdável em aptidão”. É possível atribuir
herdabilidade a entidades coletivas como os grupos? Em sua análise do problema,
Okasha (2001) registra o fato de que Sober não considerou a herdabilidade de grupo
como um requisito, mas, posteriormente, mudou de ideia.
A extensão de processos de seleção para âmbitos extragenéticos faz parte de expli-
cações em ecologia, etologia, evolução cultural e outras. Quatro diferentes tipos de
sistemas de herança são reconhecidos nos processos de evolução por Jablonka e Lamb
(2005): genético, epigenético, de conduta e simbólicos. Maynard Smith & Szathmáry
(1995) distinguem os sistemas de herança pelas suas possibilidades combinatórias. Os
sistemas extragenéticos têm possibilidades limitadas de estados, diferentemente dos
genes e da linguagem, que podem mostrar um número indefinido de estados possíveis
na evolução.
9 A título de comentário final
Este trabalho tenta ser um guia, mostrar aspectos polêmicos do problema dos níveis
de seleção, cuja análise deve ser aprofundada. Em sua etapa tradicional, na década de
60, a discussão esteve centrada na crítica à seleção e à adaptação de grupo. Na seguinte
etapa, a partir de meados da década de 70, o debate inseriu-se no quadro mais amplo
dos níveis de organização e do paradigma da seleção emmúltiplos níveis, bem como dos
eventos de transição e do surgimento de níveis no tempo evolutivo, em uma perspectiva
diacrônica (OKASHA, 2006).
35Destaco os termos que frequentemente aparecem com diferentes conotações e desempenhando papéis
diversos no debate, o que origina desentendimentos.
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Ao mesmo tempo, foi adotada uma estratégia metodológica menos apriorista, com
uma tendência para a análise dos grupos sociais em diversas disciplinas e, em especial,
dos grupos humanos e seus produtos culturais. Embora tenha sido proclamado o fim do
debate, é evidente a vigência de um variado conjunto de problemas teóricos e empíricos.
Os modelos de seleção de parentesco, recíproca e de grupo continuam competindo,
enquanto a importância dos últimos na explicação da cooperação social está no foco de
vários programas de pesquisa.
Um dos casos que testemunham a seleção no nível do grupo, o fenômeno da atenua-
ção da virulência em vírus e parasitas (SOBER; WILSON, 1998, p. 46), foi objetado por
Williams (1966) e discutido por Robert Wilson (2004). Reforça essa crítica um modelo
computacional que interpreta esse caso em ummodelo de seleção de parentesco (WILD,
D. G. et al., 2009). Será preciso esperar pelas respostas e não apenas as de laboratório.
Há anos, Damuth e Heisler (1988) davam conta da seleção em múltiplos níveis em
dois modelos: um, SNM1, em que as unidades são os genes e os grupos são parte do
ambiente dos genes, de tal modo que sua aptidão (fitness) é a média da aptidão dos
genes; e outro modelo, SNM2, em que genes e coletivos ou grupos são unidades e a
aptidão dos grupos é independente da aptidão das partes que os compõem. Okasha
(2006), em sua exaustiva abordagem do tema, considera essa distinção “crucial para
elucidar os níveis de seleção”.
Neste momento, quase com certeza, novas publicações estão sendo geradas sobre o
tema, com visões concorrentes. E é muito possível que, por um tempo, subsistam dife-
rentes perspectivas e que, na sua análise, surjam tanto respostas como novas perguntas.
Referências bibliográficas
BOYD, R. Homeostasis, species, and higher taxa. In: WILSON, R. A. (Ed.). Species: new
interdisciplinary essays. Cambridge: MIT Press, 1999. p. 141-185.
BRANDON, R. Natural Selection. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2008. Disponível
em: <http://plato.stanford.edu/entries/natural-selection/>. Acesso em: 26 abr.
2010.
BRANDON, R. The levels of selection. In: ASQUITH, P. D.; KITCHER, P. (Ed.). Procee-
dings of the 1982 Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association. East Lansing:
Philosophy of Science Association, 1982. p. 315-323. v. 1.
BUSS, L. W. The evolution of individuality. Princeton: Princeton University Press, 1987.
CAMPBELL, D. T. Downward causation in hierarchically organized biological systems.
In: AYALA, F. J.; DOBZHANSKY, T. (Ed.). Studies in the philosophy of biology: reduction
and related problems. Berkeley: University of California Press, 1974.
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http://plato.stanford.edu/entries/natural-selection/
	Traduções
	Níveis e unidades de seleção: o pluralismo e seus desafios filosóficos 
	A título de comentário final

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