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Devido a que os resultados do agrupamento não estão baseados na distribuição de características, mas sim em índices de semelhança, torna-se subjetivo traçar limites taxonômicos entre os agrupamentos obtidos e, portanto, essa escola teve um impacto limitado nos sistemas de classificação. A esse respeito, Wagner assinala: Como as características não têm valores intrínsecos óbvios, uma tendência co- mum hoje é a de simplesmente considerar todas as características igualmente, abordagem atribuída a Michael Adanson (WAGNER, 1969, p. 70). Nessa mesma época surge uma terceira escola, a sistemática filogenética ou cladística, que foi, sem dúvida, a que maior influência exerceu sobre a classificação biológica atual. Os grupos monofiléticos são os únicos reconhecidos por esta escola. As classificações resultantes dos organismos são um resultado a posteriori da reconstrução filogenética e, portanto, estão construídas diretamente a partir das características que, ao mesmo tempo, permitem agrupar e diferenciar. Ou seja, as características são derivadas e compartilhadas, ou sinapomorfias. Portanto, um resultado é a análise das características, uma vez que se consegue discriminar quais são primitivas ou plesiomórficas e quais são derivadas ou apomórficas; quais estão isentas de homoplasia e quais não; quais são compartilhadas e quais são únicas; exige, além disso, que para cada característica sejam propostos seus estados ou condições homólogas, e um oumais eventos de transformação entre esses estados. As características utilizadas são intrínsecas e usualmente neutras em termos de conteúdo adaptativo; a esse respeito, vários autores contemporâneos (p. e. SOBER, 1993) renovam a tese de Darwin no sentido de que as características adaptativas não necessariamente são úteis para reconstruções filogenéticas. Um critério operacional adicional da cladística baseia-se na parcimônia, entendida como uma regra de inferência mais do que como um pressuposto empírico a respeito da realidade, combase na justificativa de que, aominimizar hipóteses ad hoc de não homologia, maximiza-se o poder explicativo dos dados (KLUGE, 2005). Portanto, é a congruência das características, e não a quantidade de características, que otimiza a informação filogenética. Ao final da análise, as hipóteses de relações filogenéticas são expressadas em forma de diagramas (cladogramas) que representam eventos sucessivos de ramificação ao longo do tempo, a partir dos quais se extrai a subordinação de uns grupos em outros (Fig. 1e); os cladogramas não contêm informação direta sobre distâncias patrísticas. O cladograma da Fig. 1e traz o maior conteúdo de informação quanto às características utilizadas e à subordinação dos grupos monofiléticos. Contudo, nem todas as análises filogenéticas conduzem à classificação que pode ser derivada delas, seja pela natureza hipotética das análises, pela falta de resolução apropriada ou pelo desinteresse do pesquisador em refinar classificações anteriores. com o risco de que a aplicação de métodos alheios à cladística afetem seus fundamentos lógicos; autores como Wägele (2005), já falam em cladística fenética. 544 Vários autores (p. e. DUPRÉ, 1999) reconhecem um conflito entre alguns dos princi- pais objetivos da classificação (singularidade, predição, estabilidade, coesão e consis- tência), uma vez que é difícil (e para alguns impossível) classificar táxons em constante variação e, portanto, difícil ou impossível compilar em um único sistema de classificação e comunicar a informação contida no sistema. O valor preditivo de uma classificação está restrito àquelas características conhecidas em táxons conhecidos; não se pode predi- zer o aparecimento de novas características nem o destino biológico dos táxons atuais. Não obstante, se essa classificação for baseada em hipóteses de relações filogenéticas, a própria classificação passa a fazer parte de um processo hipotético-dedutivo que, para- doxalmente, busca a desestabilização, na medida em que se acrescenta a necessidade de verificar as hipóteses de parentesco, que estão longe de ser dogmas ou leis biológicas. Portanto, procurar como resultado final uma classificação biológica baseada em filogenia envolve uma contradição fundamental, o que não impede, é claro, que essa classificação, como produto intermediário, possa ser retroalimentada e otimizada por meio das análises filogenéticas (por exemplo, ver Tabela I). De acordo com Eldredge & Cracraft (1980, p. 239), não é apropriado nem recomen- dável utilizar classificações evolutivas, uma vez que a estrutura lógica das hierarquias lineanas e sua aplicação nas árvores filogenéticas torna impossível expressar de maneira simultânea tanto as relações genealógicas como as de similitude geral; em seguida, estes autores recomendam que as classificações devam ser baseadas em cladogramas, para que sirvam como sistemas gerais de referência em biologia. As classificações baseadas em cladogramas permitem sintetizar e recuperar informação relacionada com os padrões de diversificação; ao mesmo tempo, podem orientar a busca pelos processos que causa- ram essa diversificação, por meio da cladística de processos, embora isso não justifique a importância desmedida que se tem pretendido dar a elas, já que, como argumenta Brady (1985), a análise de padrões é independente da teoria da evolução. Por outro lado, é preciso acrescentar que os métodos filogenéticos permitem a incorporação das homoplasias (características ‘imperfeitas’ ou ‘imperfeitamente conhecidas’, ou que não cumprem rigorosos critérios de homologia) e que devido à operatividade do método essas características proporcionam informação parcial, mas ‘necessária’, para aumentar a resolução nos cladogramas; consequentemente, grande parte da classificação bioló- gica atual, construída a partir de cladogramas, está baseada em homoplasias ou em características cuja homologia continua sendo questionável. 3.1 Redes e causalidade A reticulação complica os agrupamentos tanto de táxons (p. e. hibridação; Figs. 1f, 3A) como intra-individuais ou transformacionais (p. e. redes de genes interatuantes; Fig. 3B; ver mais adiante). Não obstante, Sattler (1986) reconhece que as redes — mais do que as hierarquias — podem ser uma representação mais adequada, embora mais 545 Traduções A classificação biológica: de espécies a genes As escolas modernas de sistemática e a classificação biológica Redes e causalidade