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Filosofia da Biologia - Paulo C Abrantes-279

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Devido a que os resultados do agrupamento não estão baseados na distribuição
de características, mas sim em índices de semelhança, torna-se subjetivo traçar limites
taxonômicos entre os agrupamentos obtidos e, portanto, essa escola teve um impacto
limitado nos sistemas de classificação. A esse respeito, Wagner assinala:
Como as características não têm valores intrínsecos óbvios, uma tendência co-
mum hoje é a de simplesmente considerar todas as características igualmente,
abordagem atribuída a Michael Adanson (WAGNER, 1969, p. 70).
Nessa mesma época surge uma terceira escola, a sistemática filogenética ou cladística,
que foi, sem dúvida, a que maior influência exerceu sobre a classificação biológica atual.
Os grupos monofiléticos são os únicos reconhecidos por esta escola. As classificações
resultantes dos organismos são um resultado a posteriori da reconstrução filogenética
e, portanto, estão construídas diretamente a partir das características que, ao mesmo
tempo, permitem agrupar e diferenciar. Ou seja, as características são derivadas e
compartilhadas, ou sinapomorfias. Portanto, um resultado é a análise das características,
uma vez que se consegue discriminar quais são primitivas ou plesiomórficas e quais
são derivadas ou apomórficas; quais estão isentas de homoplasia e quais não; quais são
compartilhadas e quais são únicas; exige, além disso, que para cada característica sejam
propostos seus estados ou condições homólogas, e um oumais eventos de transformação
entre esses estados. As características utilizadas são intrínsecas e usualmente neutras
em termos de conteúdo adaptativo; a esse respeito, vários autores contemporâneos (p. e.
SOBER, 1993) renovam a tese de Darwin no sentido de que as características adaptativas
não necessariamente são úteis para reconstruções filogenéticas.
Um critério operacional adicional da cladística baseia-se na parcimônia, entendida
como uma regra de inferência mais do que como um pressuposto empírico a respeito da
realidade, combase na justificativa de que, aominimizar hipóteses ad hoc de não homologia,
maximiza-se o poder explicativo dos dados (KLUGE, 2005). Portanto, é a congruência
das características, e não a quantidade de características, que otimiza a informação
filogenética. Ao final da análise, as hipóteses de relações filogenéticas são expressadas em
forma de diagramas (cladogramas) que representam eventos sucessivos de ramificação
ao longo do tempo, a partir dos quais se extrai a subordinação de uns grupos em outros
(Fig. 1e); os cladogramas não contêm informação direta sobre distâncias patrísticas. O
cladograma da Fig. 1e traz o maior conteúdo de informação quanto às características
utilizadas e à subordinação dos grupos monofiléticos. Contudo, nem todas as análises
filogenéticas conduzem à classificação que pode ser derivada delas, seja pela natureza
hipotética das análises, pela falta de resolução apropriada ou pelo desinteresse do
pesquisador em refinar classificações anteriores.
com o risco de que a aplicação de métodos alheios à cladística afetem seus fundamentos lógicos; autores
como Wägele (2005), já falam em cladística fenética.
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Vários autores (p. e. DUPRÉ, 1999) reconhecem um conflito entre alguns dos princi-
pais objetivos da classificação (singularidade, predição, estabilidade, coesão e consis-
tência), uma vez que é difícil (e para alguns impossível) classificar táxons em constante
variação e, portanto, difícil ou impossível compilar em um único sistema de classificação
e comunicar a informação contida no sistema. O valor preditivo de uma classificação
está restrito àquelas características conhecidas em táxons conhecidos; não se pode predi-
zer o aparecimento de novas características nem o destino biológico dos táxons atuais.
Não obstante, se essa classificação for baseada em hipóteses de relações filogenéticas, a
própria classificação passa a fazer parte de um processo hipotético-dedutivo que, para-
doxalmente, busca a desestabilização, na medida em que se acrescenta a necessidade de
verificar as hipóteses de parentesco, que estão longe de ser dogmas ou leis biológicas.
Portanto, procurar como resultado final uma classificação biológica baseada em filogenia
envolve uma contradição fundamental, o que não impede, é claro, que essa classificação,
como produto intermediário, possa ser retroalimentada e otimizada por meio das análises
filogenéticas (por exemplo, ver Tabela I).
De acordo com Eldredge & Cracraft (1980, p. 239), não é apropriado nem recomen-
dável utilizar classificações evolutivas, uma vez que a estrutura lógica das hierarquias
lineanas e sua aplicação nas árvores filogenéticas torna impossível expressar de maneira
simultânea tanto as relações genealógicas como as de similitude geral; em seguida, estes
autores recomendam que as classificações devam ser baseadas em cladogramas, para
que sirvam como sistemas gerais de referência em biologia. As classificações baseadas
em cladogramas permitem sintetizar e recuperar informação relacionada com os padrões
de diversificação; ao mesmo tempo, podem orientar a busca pelos processos que causa-
ram essa diversificação, por meio da cladística de processos, embora isso não justifique
a importância desmedida que se tem pretendido dar a elas, já que, como argumenta
Brady (1985), a análise de padrões é independente da teoria da evolução. Por outro
lado, é preciso acrescentar que os métodos filogenéticos permitem a incorporação das
homoplasias (características ‘imperfeitas’ ou ‘imperfeitamente conhecidas’, ou que não
cumprem rigorosos critérios de homologia) e que devido à operatividade do método
essas características proporcionam informação parcial, mas ‘necessária’, para aumentar
a resolução nos cladogramas; consequentemente, grande parte da classificação bioló-
gica atual, construída a partir de cladogramas, está baseada em homoplasias ou em
características cuja homologia continua sendo questionável.
3.1 Redes e causalidade
A reticulação complica os agrupamentos tanto de táxons (p. e. hibridação; Figs. 1f,
3A) como intra-individuais ou transformacionais (p. e. redes de genes interatuantes;
Fig. 3B; ver mais adiante). Não obstante, Sattler (1986) reconhece que as redes — mais
do que as hierarquias — podem ser uma representação mais adequada, embora mais
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	Traduções
	A classificação biológica: de espécies a genes 
	As escolas modernas de sistemática e a classificação biológica
	Redes e causalidade

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