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7 O objetivo da CA é desenvolver e usar métodos digitais para influenciar pessoas a agir de determinadas maneiras. Um desses métodos é a disseminação de diversas tipos e níveis de “fake news”, discursos de ódio e boatos, não diferentes dos disparados no Brasil na campanha de difamação pos- assassinato da vereadora Marielle Franco. Por conta do banco de informações criado por Kogan e vendido à Cambridge Analytica, e com base em teorias da psicologia comportamental sobre como influenciar o comportamento das pessoas, a campanha política e de disseminação de boatos passou a uma escala quase personalizada e micro- direcionada, utilizando estratégias diferentes em relação a cada grupo e restringindo a circulação das fake news a um âmbito no qual houvesse uma possibilidade maior de que fossem bem sucedidas em circular sem serem desmentidas. Foi posto em funcionamento uma máquina de propaganda baseada em mentira e trollagem, de maneira ultra personalizada e muito bem direcionada. Como declarou Christopher Wylie, um dos ex-empregados da CA que resolveu denunciar as práticas da empresa, “nós exploramos o Facebook para colher o perfil de milhões de pessoas. E construímos modelos para explorar o que sabíamos sobre elas e mirar em seus demônios internos. Essa é a base sobre a qual a empresa foi construída”. E o Facebook nisso tudo? Em primeiro lugar, o Facebook vendeu acesso a informações pessoais de, indiretamente, 50 milhões de usuários, sem que essas pessoas tenham acordado isso, ou mesmo que estivessem cientes dessa possibilidade. Entre 2007 e 2014, uma quantidade imensa e não regulada de dados pessoais foi extraída da rede social e cedida a “parceiros comerciais” da empresa, assim como à NSA, como já havia mostrado Edward Snowden em 2013. Se não bastasse isso, quando as primeiras reportagens sobre a CA foram publicadas por jornais britânicos, em dezembro de 2015, o Facebook as negou terminantemente e ameaçou processar a repórter responsável pela investigação, Carole Cadwalladr. Posteriormente, o Facebook admitiu as acusações, mas ainda assim tentou de todas as formas se desresponsabilizar pelo ocorrido. Uma das estratégias foi afirmar que Kogan teria acordo para usar as informações apenas acadêmica e cientificamente, logo que ele seria o responsável pela manipulação política em questão. Outra foi se desculpar pela falha em assegurar a segurança das informações pessoais de seus usuários (Zuckerberg admitiu que milhares de aplicativos tiveram acesso a enormes quantidades de dados sensíveis dos usuários) e afirmar que, desde o fim de 2014, mudanças no código da rede social diminuíram consideravelmente a possibilidade de extração de dados por terceiros de forma inadvertida. Foi prometido também que novas mudanças buscariam restringir ainda mais esse acesso. De qualquer maneira, uma das reações que se seguiram foi o movimento, encampado por várias celebridades, #DeleteFacebook, no qual as pessoas propunham abandonar a rede social com mais esse limite tendo sido ultrapassado. Outra consequência foi a queda brutal no valor das ações do Facebook (12% de seu valor de mercado em dois dias) nos momentos que se seguiram às revelações sobre a Cambridge Analytica. Se parte dessa queda pode ser auferida à quebra de confiança entre empresa e usuários, ou à demora da empresa em admitir o ocorrido, possivelmente um outro fator pode também explicar essa desconfiança. O próprio modelo de negócios sobre o qual o Facebook se erigiu pode passar, então, a ser questionado. Como disse Jonathan Albright, do Tow Center for Digital Journalism: “Este problema faz parte do Facebook e não pode ser separado como um exemplo infeliz de abuso”. “Foi uma prática padrão e incentivada. O Facebook estava literalmente correndo para construir ferramentas que abrissem os dados de seus usuários para parceiros de marketing e para novos negócios verticais. Então isso é algo inerente à cultura e ao design da empresa”. Mas para além da quebra de confiança e da violação de acordos de privacidade pelo Facebook – assuntos de grande gravidade – e da queda do valor de mercado da empresa, uma outra questão se sobrepõe como central a partir desse caso. A rede social mais utilizada, e também o terceiro site mais visitado do mundo, vem sendo duplamente utilizada – como campo de colheita e classificação de dados e como veículo de disseminação de mentiras e discursos de ódio – para fazer com que seus próprios usuários sejam induzidos a comportamentos políticos que há uma década pareceriam impossíveis de ocorrer, ou que eles próprios julgariam como irracionais. O uso de Big Data e algoritmos na política é hoje uma das principais ferramentas à disposição dos grupos em disputa e dos atores envolvidos, estejam buscando legitimidade nas urnas ou nas ruas. Por enquanto a vitória de grupos conservadores, a disseminação de mentiras e o prevalecimento de discursos de ódio parecem ser incontestes. A questão é se esse jogo já está decidido de antemão ou se é possível uma virada. De qualquer forma, parece que ele só está começando." 8 A Internet tem sido uma tecnologia que altera dinâmicas das artes e meios de comunicação, remodelando indústrias enquanto introduz novas formas de organizar a produção e a distribuição. A influência da Internet nas indústrias culturais depende, em primeiro lugar, do quanto a substituição do analógico para o digital está apta para satisfazer os consumidores. Em segundo lugar, do quanto os produtores devem manter os lucros competitivos. E, terceiro, sobre a capacidade das empresas existentes explorar as mudanças inerentes à produção e distribuição digital. A Internet não contestou os modelos de negócios básicos de teatros tradicionais, companhias de balé e orquestras porque tais organizações fornecem um serviço que requer a presença física em uma audiência real. Instituições que exibem artes visuais também foram afetadas apenas marginalmente, embora museus virtuais podem desenvolver uma presença mais substancial. No entanto, a Internet teve um impacto profundo sobre as indústrias culturais, onde o principal produto - o filme, as notícias e a música, podem ser baixadas e apreciadas em particular. Isso aconteceu rapidamente com fotografias e textos e depois, como a velocidade de transmissão ampliou- se, com a música e o cinema. E como isso ocorreu, modelos de negócios dominantes cairam em um processo de "destruição criativa", destruição por causa de seu impacto severo sobre as empresas existentes, mas criativa por causa da vitalidade econômica que desencadeou. Se olharmos para as estatísticas sobre as indústrias criativas no Estados Unidos, vemos que nem todos os setores têm sofrido declínios marcados e alguns que estavam mal antes da chegada da Internet. Portanto, devemos questionar a crença de que a Internet tem marchado em cima da indústria criativa espalhando lixo por dois motivos. O sistema criativo como um todo pode florescer, mesmo se as empresas historicamente dominantes e seus modelos de negócios enfrentem graves desafios. No entanto, cada indústria - cinema, imprensa ou música - é um pouco diferente. A indústria cinematográfica, com o seu regime de produção baseado em projeto, a sua eficácia em alcançar acordos com distribuidores online e um produto que mantêm fortes externalidades sociais, sobreviveu a chegada Internet, com relativamente poucos danos. Embora a distribuição de filmes irá mudar, a posição de realizadores/produtores parece relativamente estável. A ascensão do download ilegal, a mudança no mercado da venda de CDs físicos para venda de faixas online e o surgimento dos serviços de streaming têm abalado os modelos de negócios das grandes empresas de música. Em contraste, a Internet parece ter aumentado a disponibilidade de música ao vivo. Ao mesmotempo, o novo modelo de negócio está longe de ser determinado. Serviços de streaming fornecem apenas receitas modestas e a nova economia musical rede depende de uma espécie de auto-exploração econômica com renda abaixo do mercado. Poucas indústrias caíram mais drasticamente desde o surgimento da Internet do que a indústria de jornais. Ela enfrenta um futuro particularmente difícil, dada a relutância dos leitores a pagar pelo seu produto quando eles podem obter muito mais do que isso de maneira legal e gratuita a partir de sites. O aumento da publicidade online também fez a publicidade em jornais menos atraente para anunciantes. A questão é menos se os jornais vão sobreviver e mais se eles serão capazes de pagar mais pela qualidade das reportagens que as democracias saudáveis exigem. Observadores sérios sugeriram que a indústria vai precisar de apoio filantrópico ou do governo para sobreviver. Políticas de propriedade intelectual têm sido um campo altamente contestado na luta. Confrontada pelo download, as empresas de mídia conseguiram apertar as restrições sobre 5.1. INTERNET E A INDÚSTRIA CULTURAL ZÓIA: ASSISTA, PELO O AMOR DE TUDO O QUE É MAIS SAGRADO, ESTE DOCUMENTÁRIO DA NETFLIX PRIVACIDADE HACKEADA O escândalo da empresa de consultoria Cambridge Analytica e do Facebook é recontado através da história de um professor americano. Ao descobrir que, junto com 240 milhões de pessoas, suas informações pessoais foram hackeadas para criar perfis políticos e influenciar as eleições americanas de 2016, ele embarca em uma jornada para levar o caso à corte, já que a lei americana não protege suas informações digitais, mas a lei britânica sim.