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3 Assim, ainda que a idéia de memória aqui também esteja presente é a “esse mundo”, ao mundo das expressões artísticas e literárias em geral que Adorno e Horkheimer se reportam quando falam em indústria cultural. Particularmente, à forma como “esse mundo” é produzido e consumido: filmes, rádio, semanários etc. O que isso quer dizer? Que para os teóricos alemães não interessam as explicações de quem gosta de ver na indústria cultural apenas o avanço tecnológico. Para eles, a verdade que recobre a tecnologia tem apenas um nome: negócio. Um negócio que esconde por detrás da explicação em termos do avanço tecnológico o mundo em que a técnica encarna o poder dos grupos e das classes dos economicamente mais fortes sobre o resto da sociedade. A racionalidade técnica encarna assim a própria racionalidade do domínio que chega à estandirzação (Adorno apud Lima, 1978:159-60). E o que isso significa? Significa padronização. Significa que as criações artísticas, já não são mais obras únicas. Essas obras se transformaram em objetos que a racionalidade técnica produz em série, isto é, industrialmente, como qualquer outro bem, qualquer outra coisa. Agora os objetos de arte são mercadorias. Se considerarmos que para os frankfurtianos a arte de uma obra não se mede por sua fidelidade a nada previamente existente, seu caráter único é que faz dela uma obra artística. Assim, quando tudo vira cópia, nomes como os de Picasso ou Schöenberg pertencem a um tempo que já não existe mais. Para os alemães, nada escapa à lógica implacável do mercado que permeia todas as relações humanas. Para os teóricos da Escola de Frankfurt no capitalismo tudo vira mercadoria. Desse ponto vista, que soa um tanto nostálgico, na trilha do conceito de indústria cultural, já é possível entrever o que vem a ser a cultura de massas ou de massa e o seu estreito vínculo com os chamados meios de comunicação de massas. Teixeira Coelho, escritor brasileiro dedicado ao estudo de questões envolvendo arte e cultura, lembra que a união dos termos indústria e cultura indica que não se pode falar em indústria cultural e em cultura de massa antes da Revolução Industrial e de uma economia de mercado baseada no consumo. É a industrialização, através das transformações que ela produz no modo de produção da vida e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria, a cultural, e de uma cultura, a de massa. É a industrialização que implanta em uma e na outra os mesmos princípios que vigoram na produção econômica em geral: “o uso crescente da máquina e da submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina: a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho” (COELHO, 1983:10). 4 Produzida de acordo com os critérios de fabricação industrial e propagada pelas técnicas de difusão maciça (televisão, revistas, internet etc.) a cultura de massa, que para Edgar Morin (1969:16) um estranho neologismo anglo-latino batizou de mass- media, destina-se “a uma massa social, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família etc.)”. Morin considera que cultura de massa é em princípio um termo bastante limitado. Equivalente aos termos sociedade industrial ou sociedade de massa, trata-se de um termo que privilegia apenas um dos núcleos da vida social já que as sociedades modernas podem ser consideradas não apenas industriais e maciças, mas também técnicas, burocráticas, capitalistas, de classes, burguesas, individualistas... A avaliação de Morin, que ressalta a insuficiência dos conceitos genéricos, nos faz lembrar como media, palavra latina que quer dizer meio, terminou “americanizadamente” se transformando em mídia: uma generalização ideológica, uma representação, que paira poderosamente sobre tudo e sobre todos nós e à qual nos referimos com uma intimidade e naturalidade que parecem dispensar qualquer consideração mais crítica sobre o seu significado e suas consequências. Expressão máxima do pensamento liberal da sociologia norte-americana o conceito de cultura de massa traduz um otimismo teórico-político que é oposto ao niilismo do conceito alemão de indústria cultural. Como explica a filósofa brasileira Marilena Chauí (1986:25-6), graças às idéias de cultura e sociedade de massa, o conceito cultura de massa imaginou nos idos dos anos 50 e 60, do século passado, “poder livrar-se definitivamente do fantasma que atormentava a explicação científica social, isto é o marxismo e seu mais perigoso conceito, a luta de classes”. A noção de massa, explica a autora, queria significar o fim das classes sociais, das contradições e da luta sócio política e, por consequência, o fim da luta de classes. Era a massa tornando real o sonho da democracia liberal norte-americana: as divisões sociais ficando reduzidas a divergências de interesses particulares de grupos e indivíduos que assim podem chegar ao consenso político à maneira do mercado que se auto-regula (e que parece ter vida própria). Assim, pode-se dizer que na trilha da sociedade de massa vem a cultura de massa: conceito maior da democracia-ideologia cultural criada pelos modernos e maciços meios de comunicação de massa. Esse otimismo dos adeptos da chamada aldeia global, hoje uma metáfora corriqueira, cunhada e professada pelo norte-americano Herbert Marshall MacLuhan (1911-1980), simboliza o oposto da visão sombria que os teóricos alemães tinham da