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Indústria cultural e cultura de massas “O espectador olha (...) Tudo se desenrola diante de seus olhos, mas ele não pode tocar, aderir corporalmente àquilo que contempla. Em compensação, o olho do espectador está em toda parte (...) sempre vê tudo em plano aproximado (...) mesmo o que está mais próximo está ifinitamente distante da imagem, sempre presente, é verdade, nunca materializada. Ele participa do espetáculo, mas sua participação é sempre pelo intermédio do corifeu, mediador, jornalista, locutor, fotógrafo, cameraman, vedete, herói imaginário” (Edgar Morin. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. p. 74) Homens em tempos sombrios. Esse é o título de um livro sobre importantes intelectuais contemporâneos que entre si partilharam, na primeira metade do século XX, um tempo de desordens, guerra, nazismo, perseguições, fome e massacres que em um de seus poemas Bertolt Brecht chamou de tempos sombrios. O livro, cujo prefácio data de 1968, foi escrito ao longo de doze anos pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906- 1975), de origem judia, e teve sua primeira edição em 1955. Entre os homens e mulheres de quem nos fala Hannah Arendt estão os escritores e poetas Bertolt Brecht (1898-1956) e Walter Benjamim (1892-1940) que serão citados neste texto. Não figuram, mas poderiam estar entre eles, dois filósofos e sociólogos alemães, Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969) que exilados e igualmente vítimas do nazismo, testemunharam o cenário de escombros de uma Alemanha derrotada e dividida pela guerra e pela intolerância. Esses dois teóricos, integrantes da Escola de Frankfurt1, conceberam em 1947 escrever uma teoria geral da história e da sociedade. Dessa obra, terminaram por escrever apenas um fragmento do que seria a sua introdução que ficou conhecido com o título de O iluminismo como mistificação de massas: um texto que se tornou uma das mais importantes referências teóricas quando o assunto é cultura. É nesse texto que, pela primeira vez, aparece a expressão indústria cultural que desde então passou a ser sistematicamente utilizada para designar a forma de produzir e consumir cultura nas sociedades industrializadas. Considerando que a palavra cultura tem diferentes definições, é importante compreender em que sentido ela foi empregada pelos teóricos alemães e segue sendo empregada ainda hoje quando falamos em indústria cultural. 1 A designação Escola de Frankfurt não diz respeito a uma construção, um lugar, mas a um grupo de intelectuais marxistas que nos anos trinta do século passado pensaram e produziram uma teoria crítica da sociedade capitalista. 2 É comum a palavra cultura figurar como antônimo de natureza. Nesse sentido, tudo o que a humanidade cria, inventa, produz, pertence ao reino da cultura, em oposição ao reino da natureza. Essa idéia, da cultura como tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza, transformando-a certamente, é decorrente do seu significado original que, como nos ensina Hannah Arendt (1972:265), vem da palavra romana colere que significa tomar conta, cuidar, preservar, preparar a terra. Assim, quando surgiu, o termo cultura queria significar agricultura. Esse sentido, referente à terra que foi cultivada, que o trabalho fez produzir alimentos e que recebe os mortos como recebe as sementes nela plantadas, foi fazendo cultura se tornar praticamente sinônimo de memória. Assim, tem cultura um “povo” que se fixa em um determinado lugar e cultua seus antepassados, que preserva sua memória, faz e conta sua história. Com o passar do tempo como extensão desse significado, outros significados, mais específicos, foram sendo associados ao termo cultura. Entre estes, aquele relacionado ao mundo das expressões artísticas, literárias, científicas, religiosas... Trata- se de uma decorrência do sentido original da palavra que não é difícil de compreender. Da mesma maneira que cultura é o cultivo da terra, o que se pode notar é que agora a palavra passou a se referir igualmente ao ato de se cultivar o pensamento, as idéias, o espírito. Por essa razão é frequente ouvirmos certas frases como, por exemplo: Fulano é uma pessoa muito culta ou ainda, Sicrano não tem cultura. Um equívoco já que mesmo sem ter recebido qualquer instrução escolar, qualquer um de nós tem cultura (diferente de ter uma educação formal). Não é possível traçar um limite preciso entre o sentido genérico da palavra cultura, que relacionamos a todo conjunto do campo simbólico e material das representações humanas (valores, tradições, crenças, habilidades, realizações, criações) e o seu sentido mais restrito, relacionado à divisão do trabalho e identificado com certas áreas do conhecimento e da criatividade humanas e cujo núcleo, mais ou menos invariável, sobre o qual costuma repousar é o das artes: aquilo que resulta do “ato” de quem se apodera da realidade para traduzi-la em cores, palavras, ritmo, sons, dimensões, formas... Aquilo que resulta da “ação” de quem se apodera do mundo, real e imaginário, das coisas palpáveis e difusas, experimentadas ou imaginadas, para traduzi-las por meio de uma realidade com regras próprias e que também chamamos cultura (MONTAGNARI, 1995).