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Posídon e a Disputa contra Atena pela Terra Ática: 
mito, representação e identidade 
 
Vander Gabriel Camargo 1 
 
 
Introdução 
 
Delimitando-se ao estudo do contexto das mudanças que a sociedade 
ateniense passou entre os séculos VI e V a.C., pretende-se evidenciar como 
as alterações do imaginário religioso dos habitantes do local quanto à re-
presentação do deus Posídon podem estar vinculadas com o mito da 
disputa entre ele e Atena pela terra ática e com o início do culto desse deus 
na Acrópole, o principal santuário da cidade. Com esse objetivo, analisa-se 
das obras literárias, da epigrafia, da arqueologia e da iconografia das cerâ-
micas para compreender o papel de Posídon nessa narrativa mítica e na 
construção da identidade talassocrática ateniense. 
 O primeiro passo é compreender do que trata o mito. Segundo a ver-
são que menciona Pseudo-Apolodoro, na época do rei Cécrops, os deuses 
competiram pela posse da terra ateniense. Apesar de ter chegado primeiro 
na cidade e de ter cravado seu tridente no monte sagrado, assim gerando 
uma fonte de água salgada, Posídon é derrotado na disputa contra Atena. 
A deusa é a vitoriosa, pois, além de ter plantado a primeira oliveira quando 
lá chegou, também tomou o rei como testemunho de seu ato, pontos deci-
sivos para sua vitória perante os juízes mediados por Zeus (Pseudo-
Apolodoro, Biblioteca, 3. 14. 1). Desse modo, a deusa torna-se a divindade 
 
1 Graduando do curso Licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sendo bolsista 
BIC/UFRGS desde 2019 no projeto “Iconologia: ciência da cultura guiada por imagens” sob orientação do prof. Dr. 
Francisco Marshall. 
76 | Histórias Antigas: entre práticas de ensino e pesquisa 
 
tutelar, o que explicava aos cidadãos a organização religiosa da cidade que 
habitavam e o próprio nome do local, além de contribuir para a construção 
de sua identidade. 
Enquanto derrotado, Posídon foi preterido pela cidade, não rece-
bendo um culto como deus patrono. Todavia, uma segunda narrativa 
mítica, consequência da supracitada, a guerra entre Atenas e Elêusis – um 
dos demos da cidade -, expõe o episódio em que esse cenário tenta ser re-
vertido. Isócrates, em um de seus discursos, relata que no tempo do 
reinado de Erecteu em Atenas, uma tropa de guerreiros vindos de Elêusis, 
liderados por Eumolpo, filho de Posídon, marchou contra os atenienses 
com o objetivo de dominar sua cidade e instaurar o culto ao deus dos ma-
res (Panathenaicus, 1.193). Na tragédia Erecteu de Eurípides, que chegou 
até o presente em forma fragmentada, é mencionado que o rei de Atenas 
ao enfrentar Eumolpo, consegue matá-lo, enfurecendo Posídon, que lança 
seu tridente contra o ateniense, o assassinando também. Então Atena, para 
acalmar os ânimos de Posídon, propõe que ele seja cultuado na Acrópole 
junto do falecido rei, o que teria instaurado o culto de Posídon-Erecteu 
(Eurípides, Erecteu, frag. 369-370). 
O que se percebe, ao serem comparados os dois mitos, é que num 
primeiro momento o deus dos mares não obtém um lugar notável em meio 
aos cidadãos atenienses; em contrapartida, posteriormente, conquista 
espaço no coração da cidade. Isso pode se relacionar com as 
transformações religiosas em Atenas, em especial a relação com Posídon? 
Conforme Jacob Butera, “É difícil substanciar tanto a presença quanto a 
ausência do culto de Posídon antes de 480 [na Acrópole]” (2010, p.97)2, 
mas é fato que sua popularidade cresce nas seguintes décadas, evidenciado 
pelo início de seu culto no Erecteion. O documento que primeiro evidencia 
 
2 Tradução pelo autor.

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