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Isadora Dutra de Freitas | 69 justiça; em compensação excessos, individualismo e ostentação serão subjulgados: "Se a inflexibilidade do herói remete ao passado arcaico, o desfecho das tragédias é reflexo da democracia, nenhum herói trágico detém a resolução dos problemas, que em cada peça é representado, o triunfo é dos valores da nova cidade isonômica" (SILVA, 2014, p.89). No caso de Filoctetes, são dois aspectos que podemos relacionar dire- tamente com o período de mudanças no século V: os valores hoplitas e o advento dos sofistas. Sobre o primeiro, o personagem que estaria repre- sentando estes guerreiros é Neoptólemo, ainda que efebo, este jovem já se baseava nos princípios da coletividade, philia e isonomia. Podemos perce- ber isto nas passagens da tragédia onde ele baseia sua argumentação nos conceitos de verdade (Τάληθή) e justiça (δικαιο). O caso de Odisseu me- rece um aprofundamento, afinal, a filosofia teve uma forte influência na construção da pólis e as reflexões sobre esta. Considerações Finais A partir da leitura de obras acerca do contexto em Atenas, no século V a.C., inserimos os principais aspectos deste período na nossa análise de "Filoctetes". Pudemos compreender, portanto, o porquê dos principais va- lores morais que aparecem como centro do problema: a peithó (Πειθώ) e a philia (θιλíα). Consequência das reformas que Atenas passou, o ideal de isonomia se tornou imprescindível na vida da pólis democrática. Além disso, a reforma hoplítica despertou, por meio da falange, uma tática de guerra que valorizava ao máximo a união e proteção entre os iguais. Fi- nalmente, o debate é considerado a prática mais importante dos cidadãos na vida política. Concomitante a isso, a emergência da filosofia e o flores- cimento dos sofistas, fortaleceram o valor da discursiva e da retórica. Os princípios de Odisseu eram opostos ao de Neoptólemo, mas não representavam os ideais dos poemas homéricos, e sim a perspectiva dos 70 | Histórias Antigas: entre práticas de ensino e pesquisa sofistas. Entretanto, consideramos que sempre é arriscado analisar um ob- jeto apenas por uma ótica, por isso, não afirmamos que ele seja um sofista de fato, mas a representação de um personagem que converge suas atitu- des com esta escola filosófica. Vemos isso na própria tradução de Trajano Vieira, que destaca este conceito na fala do Odisseu, e nas decisões que este toma na peça, valorizando o uso do discurso sem relação com a verdade. Já sobre Neoptólemo, fica claro como este era mais ligado à pólis. Como podemos ver, apesar de estar passando por sua iniciação efébica, sua postura se assemelha à dos guerreiros hoplitas, que valorizava a ami- zade e união com seus iguais. Além disso, o jovem se nega a proferir palavras enganosas para conquistar Filoctetes, e, quando o faz, arrepende- se. Assim, percebe-se que o Aquileu conquista o herói abandonado não pela persuasão (Πειθώ), mas pela amizade(θιλíα) e confiança que se cons- troem entre eles. Outro aspecto que podemos ressaltar nesta relação é que, diferente dos gregos que acompanhavam a missão, o efebo trata Filoctetes como um igual, apesar de sua condição de asselvajado, mais um resquício de valores divergentes aos de seu comandante. Finalmente, a respeito do guerreiro que intitula a tragédia, percebe- mos que sua imagem ultrapassa a condição de asselvajado. Apesar de estar abandonado há uma década na ilha de Lemnos, Filoctetes luta contra uma transformação total como selvagem. Utiliza-se do fogo, principal símbolo de humanidade e civilização. Todavia, isolado de qualquer contato com iguais, percebemos a euforia que este transparece ao ouvir o idioma grego. Aos poucos, conforme vai se estabelecendo uma relação com Neoptólemo, nota-se que o rancor que sente sobre aqueles que o abandonaram, especi- almente Odisseu, acaba por controlar suas decisões. Deste modo, em muitos versos, destaca-se um herói inflexível, que nega a possibilidade de cura da sua chaga caso esta dependesse da ajuda recíproca deste com os aqueus. Logo, quem dá o tom final da obra, após o comandante atrida se