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Subversao - Teoria, Aplicacao e Confissao de um Metodo (Yuri Aleksandrovich Bezmenov) (Z-Library)

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IOPHH AAEKCAHAPOBHY BE3MEH0B
YURI
ALEKSANDROVICH
BEZMENOV
SUBVERSÃO
TEORIA, APLICAÇÃO E CONFISSÃO DE UM MÉTODO
ANTOLOGIA ESTRATÉGICA
1983 - 1984
Inglês - Português
AVDAX
SUBVERSÃO: TEORIA, APLICAÇÃO E CONFISSÃO DE UM MÉTODO [SUBVERSION: THEORY
APPLICATION AND CONFESSION OF A METHOD]
Editor-chefe: Leonardo de Rezende
Comissão Editorial: Natan Medeiros; Luis Alves
Transcrição e Tradução: Leonardo de Rezende
Coordenação de Revisão: Nathalia Lewis
Revisão: Graziela Brindisi; Tiago de Castro; Sylvia Calveira
Projeto Gráfico: Henrique Sebastião
Capa: Lord Jim - Oficina de Livros, por Caroline Rêgo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bezmenov, Yuri Aleksandrovich (Thomas Schuman)
Subversion : theory, application and confession of
a method = Subversão : teoria, aplicação e confissão
de um método I Yuri Aleksandrovich Bezmenov (Thomas
Schuman) ; [tradução Leonardo de Rezende]. — Rio de Janeiro : Editorial Audax, 2020. —
(Strategic anthology = Antologia estratégica)
Edição bilíngue: inglês/português.
ISBN 978-65-992454-0-4
1. Comunismo 2. Guerra 3. Propaganda 4. Relações
internacionais 5. Revolução I. Titulo. II. Titulo:
Subversão : teoria, aplicação e confissão de um método III
20-45113 Série CCD-320.532
índices para catálogo sistemático:
1. Comunismo : Ciência política 320.532
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Distribuição: CEDET
Nota Técnica
Sobre esta Antologia
Este livro é o primeiro volume do compêndio de trabalhos do ex-agente
do KGB Yuri Aleksandrovich Bezmenov (1939- 1993), confeccionado em
formato bilíngue pelo Editorial Audax sob o título Subversão — Teoria,
aplicação e confissão de um método. Trata-se de um manual de Contra-
Subversão elaborado a partir da eloquente experiência acumulada de um
insider, combinada ao seu senso de verdade irrefreável e ordenada graças à
sua capacidade analítica singular. Acompanha este volume um suporte
documental composto de fotografias, fluxogramas, tabelas e esquemas do
próprio autor, o que justifica o seu arranjo em formato de antologia
estratégica.
O exame atento desses trabalhos proverá ao leitor o condicionamento
intelectual básico para perfurar o ambiente da dolosa confusão que nesta
época sitia - em níveis insuportáveis — as populações em praticamente todo o
mapa mundial, ao menos nos países que ainda são parte do chamado mundo
livre. Num primeiro momento ― é certeza ―, a leitura provocará, em maior
ou menor grau, o sentimento de vertigem. Pois não será possível conter a
memória de lançar à mente inúmeros eventos vividos ou testemunhados à
medida em que se vai adquirindo a compreensão analítica da ação
revolucionária por meio das táticas da Subversão. São certas experiências do
quotidiano que todo indivíduo dos últimos setenta anos viu ou viveu qual
fossem coincidências fortuitas, cujo sentido agora vai se revelando num
quadro mais amplo e profundo de referências de um projeto de destruição
total. E desse modo que o testemunho e a explanação teórica de Yuri
Bezmenov acionarão, no equipamento mental do leitor, os mecanismos de
visualização de eventos que passaram sem explicação, e, ao mesmo tempo, de
alerta para os acontecimentos do presente e do futuro.
A partir disso, o leitor estará habilitado a compreender, basicamente, o
que é o programa geral da Subversão Ideológica; por quê e por quem ele é
utilizado; como funcionam os seus componentes elementares; quais são os
objetivos pretendidos pelos seus sujeitos e como se pode neutralizar, na
medida do possível, as suas consequências mais trágicas.
O tomo I desta antologia reúne a transcrição da afamada conferência
ministrada por Bezmenov na Summit University de Los Angeles, em 1983
(Parte I); a transcrição da sua não menos conhecida entrevista Meu Ofício Era
Iludir, concedida a G. Edward Griffin em 1984 (Parte II); e de seu primeiro
livro, Carta de Amor à América (Parte III), publicado no mesmo ano. A
conferência da Parte I foi didaticamente organizada em títulos e subtítulos, de
modo a facilitar a visualização panorâmica do tema exposto, bem como a
localização topográfica de cada tópico abordado pelo autor; julgamos
pertinente dar-lhe como epígrafe A Tecnologia Marcial da Subversão.
As Notas de Tradução [N. T.] e as Notas de Edição [N. E.], fartamente
empregadas, procuram prestar auxílio ao leitor na localização dos inúmeros
assuntos que estão ligados ao tema e na impulsão do alcance da sua mirada, a
fim de que possa ganhar distância e largueza de visão.
Na medida em que a apresentação de Bezmenov tem sempre como ponto
de partida a sua trajetória de sua vida, a compilação de seus trabalhos adquire,
obrigatoriamente, um caráter de espiral ascendente, de modo que os mesmos
temas, sempre revisitados, são naturalmente reabastecidos com novos
contextos e relatos.
Este é o primeiro material desse gênero, e que agora é disponibilizado
para o público internacional - especializado e leigo - em caráter de acesso
irrestrito.
Nota Biográfica
Yuri Aleksandrovich Bezmenov
(1939- 1993)
Yuri Aleksandrovich Bezmenov nasceu em Mytischi, região metropolitana
de Moscou, no ano de 1939. Sendo esse, precisamente, o marco inicial da II
Grande Guerra, os anos da sua primeira infância se deram sob o céu plúmbeo
do maior confronto militar da história, depois do qual o mundo jamais seria o
mesmo, e cujos efeitos não cessariam de se impor.
Filho de um oficial do alto escalão do Exército Vermelho, Bezmenov
frequentou as escolas de elite disponíveis para as famílias dos membros do
estamento burocrático da União Soviética, e, aos dezessete anos, ingressou no
Instituto de Línguas Orientais da Universidade Estatal de Moscou. Ali,
estudou História, Música e variados idiomas, destacando-se o Hindi e o Urdu
- competências que mais tarde condicionariam o curso das suas requisições
profissionais. Gradua-se em 1963, ano em que também conclui sua formação
militar, no posto de tenente, como era praxe para todos os estudantes de
ensino superior na URSS.
Tão logo completa seus estudos, Bezmenov é recrutado pelo Comitê de
Segurança de Estado da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (KGB), e
enviado para a índia para sua primeira missão, como oficial de relações
públicas, intérprete e tradutor junto às construções de refinarias de petróleo
coordenadas pelo grupo soviético de ajuda econômica. Consoante
determinação de seus superiores, a viagem teve de ser precedida de um
casamento com uma também cidadã soviética, sob orientação do
departamento de pessoal, encarregado das missões no estrangeiro.
Na índia, Bezmenov colhe as suas primeiras impressões sobre a
discrepância entre o discurso comunista e as ações locais.
Retorna a Moscou dois anos mais tarde, em 1965, divorciando-se
imediatamente. Desta vez, Bezmenov é designado para trabalhar no front do
KGB especializado em ações de desinformação, coleta de informações e
operações de guerra psicológica — travestido de agência de notícias, a RIA
Novosti. Fundada em 1961 para substituir o Cominform (Escritório Comunista
de Informação), a Novosti fora projetada para atuar diretamente em ações de
agitação e propaganda (Agitprop). Bezmenov a definia como a mais poderosa
frente de subversão e propagação do comunismo, e como um equivalente do
Ministério da Verdade da obra “1984”, de George Orwell.
Nesse ínterim, também sob orientação profissional de seus superiores,
Bezmenov se casa pela segunda vez, e deste casamento nasce sua primeira
filha, Vlada.
Despachado novamente à índia, agora como diplomata, Bezmenov é
nomeado vice-chefe do secreto Departamento de Pesquisa e Contra-
Propaganda, alojado no interior da Embaixada soviética em Nova Delhi. Ali,
tem sob sua responsabilidade a classificação e o arquivo das enormes pilhas
de relatórios de inteligência com dados pessoais dos mais variados tipos de
cidadãos indianos, obtidos pela amplíssima rede de informantes locais gerida
pelo serviço de inteligência da URSS.
No final do ano de 1969, Yuri Bezmenov está bem colocado
profissionalmente,e posicionado em um estado singular de prosperidade para
o contexto em que vive o seu país. E, em um dia de expediente normal no
escritório da Embaixada, em meio aos seus afazeres ordinários, Bezmenov se
depara com alguns relatórios de campo sobre a atuação da guerrilha
comunista na Guerra do Vietnã. Ao ler sobre o massacre sistemático de
milhares de homens e mulheres vietnamitas, pôde, finalmente, compreender
qual era o papel que ele próprio estava cumprindo dentro da sociedade
indiana, para a qual Moscou preparava uma revolução.
O engulho pelo sistema atingiu o ápice quando identificou os nomes de
alguns de seus amigos indianos em listas de assassinatos programados, evento
determinante da sua resolução em romper definitivamente todos os laços que
o prendiam, desde o nascimento, com o comunismo.
Embora bastante confuso e relutante ― sobretudo pelo fato de que teria de
deixar sua esposa e sua filha -, dois meses depois, Bezmenov desaparece
repentinamente das vistas de todos. Na manhã de 10 de fevereiro de 1970 —
poucas horas após sua ausência -, diversos jornais indianos disparam avisos
de procura do oficial da Embaixada soviética de trinta anos que estava
“desaparecido”.
Ao longo de sua vida como “Tomas Schuman”, Bezmenov exerceu tantas
atividades quantas foram necessárias à sua subsistência; trabalhou como
taxista, segurança particular, professor de Língua e Literatura Russa, e chegou
a lecionar na Universidade de Windsor, onde foi lembrado como um
“habilidoso linguista”.
Em 1993 - vinte e três anos após deixar seu país, mas ainda à altura dos
cinquenta e dois anos —, um violento ataque cardíaco fulmina sua vida.
Faleceu duas semanas após visitar, no Natal, sua ex-esposa e seus filhos,
Jonathan e Tanya, naquela época com dez e quatorze anos. Da leitura do seu
obituário ecoam saudosos depoimentos sobre o talentoso e apaixonado
homem que jamais descansou do esforço de libertar sua pátria do horror
comunista, nem de soar para o mundo o alarme daquilo a que chamou de
“guerra total contra a humanidade”.
Prólogo
Verdade e Resolução
“Agitar idéias é mais grave do que mobilizar exércitos. O soldado poderá
semear os horrores da força bruta desencadeada e infrene; mas, enfim, o
braço cansa e a espada torna à cinta, ou a enferruja e consome o tempo. A
ideia, uma vez desembainhada, é arma sempre ativa, que já não volta ao
estojo nem se embota com os anos. A lâmina do guerreiro só alcança os
corpos, pode mutilá-los, pode trucidá-los, mas não há poder do braço
humano que dobre as almas. Pela matéria não se vence o espírito. A ideia do
escritor é bem mais penetrante, mais eficazmente conquistadora. Vai direto à
cidadela da inteligência (e quantas inteligências desaparelhadas para as
lutas do pensamento!), toma-a de assalto, instala-se no seu trono e daí dirige
e governa, a seu arbítrio, toda a atividade humana. Pelo espírito subjuga-se
a matéria”.
Padre Leonel Franca, S. J., 1922
Não tem no mundo deste tempo quem não haja se indagado sobre o
estorvo que assumiu a vida humana. Há uma escala de desejos e certezas, de
medos e esperanças, uma estranha hierarquia de importância que se impôs
gradualmente, embaçando atrás de si a cadeia de eventos que ergueu da
escuridão um orbe de liberdade.
Se, à revelia do seu consentimento, o quotidiano lança o homem nas
solicitações dispersantes da vida prática, agora ele parece condená-lo a um
destino irrisório: silencia a criatividade, impede a fruição do espírito e
escraviza os sentidos no insuportável fluxo de estímulos que não cessa de
correr sobre ele. E, sobretudo, os últimos dez anos viram como nunca a
promoção do mau gosto; a diluição do horrendo na comédia; e a
dissimulação do que existe de pior - dentro de telas de vidro eletrizado que o
homem carrega qual fossem espelhos do mundo. E uma época em que
quanto mais se fala, menos se diz. E fala-se muito - e muito alto. A mentira
alcançou a condição de regra, e a rebelião contra as leis da existência
adquiriu o serviço da lei.
O que se tem em mãos não é a opinião privada de um autor. Não é a
interpretação proposta de fatos que se foram, nem se resume ao testemunho
interessante de uma vida. O valimento de Yuri Bezmenov está na precisão —
pois se outrora explanava o que haveria de ocorrer, hoje é evidente o que, de
fato, aconteceu: a etapa preparatória da Revolução internacional está
concluída com êxito.
Inelutavelmente, a sua obra constitui uma cisão — o marco decisivo na
consciência hodierna sobre o que está se passando em absolutamente todos
os campos vitais do mundo livre. Ela é a exposição integral de um programa
de guerra elaborado com ciência e minúcia, pavimentando, por mais de meio
século, a via enganosa para o abismo revolucionário. Com rigor didático, o
autor russo desmonta o sistema das chamadas Medidas Ativas e explica a
função de cada peça elementar, elucidando conceitos teóricos, mecanismos e
objetivos da tecnologia marcial da Subversão. Colateralmente, a densidade
de Bezmenov expõe o constrangedor estado de vagueza, imprecisão e
esterilidade dos debates sem conta que predominaram nas universidades, nos
círculos editoriais e nas escolas militares do último quartel de século.
Quase trinta anos de sua morte, vê-se os frutos da praga semeada em toda
parte, que ele jamais cansou de a plenos pulmões denunciar: o rapto da
iniciativa; a deleção da personalidade - atirada à deriva num mundo que não
crê em mais nada, e que não pode ver o sentido das coisas nem de si; o
malogro da Música, das Letras e das Artes; a ruína das riquezas; a miséria
das inteligências.
Após sua fuga do regime comunista, esse jovem concentrou esforços
para que os países livres atentassem à instrumentalização militar do
relativismo e da manipulação da linguagem — expedientes que vinham
sendo usados nas aulas e nos campi universitários, na mídia de massas e na
versão vulgarizada dos instrumentos de cultura. Estabelecendo-os qual fosse
o diapasão da cena pública, conseguiu-se impor a nota de referência
necessária para organizar as tensões dos ambientes sob ataque. E foi assim
que os atacantes condicionaram, no modelo mental que pretendiam, todas as
interpretações dos eventos mundiais das últimas décadas. Lisonjeado, o
mundo livre demitiu-se da cautela com o perigo, escancarando seus portões
para as hordas revolucionárias.
Com talento metodológico, Bezmenov recapitulou sua experiência desde
os bancos escolares e esquematizou o itinerário maldito que percorrem as
sociedades abertas do nosso tempo rumo ao próprio cativeiro. Mesmo com
credenciais robustas e um potente testemunho, enfrentou a vaidade dos
acadêmicos e a frívola indiferença dos comunicadores profissionais. E era
injusto disputar as atenções com a barulheira das festas, as invenções
coloridas da moda e a volúpia das danças, porque o conforto ― é certeza —
desacredita as sentinelas. Mas o passar do tempo outorgou-lhe autoridade
histórica: como o ponteiro menor do relógio, de que ele fala, agora, nada
mais está no mesmo lugar, e ninguém percebeu seu movimento.
Depois de Bezmenov, o estudo científico do totalitarismo, das
comunicações e das ciências do comportamento jamais será o mesmo; e a
sua obra redefine, irreversivelmente, os postulados da Polemologia
contemporânea, assinalando quem são, de fato, os primeiros que agem atrás
das linhas inimigas nos teatros de operações do presente.
Num recente passado, a União Soviética materializava o aquartelamento
territorial e simbólico dos recursos da revolução, postos sob um só controle
jurisdicional. Hoje, esses ativos estão distribuídos em formas e locais
inumeráveis, coesamente manejados por atores não convencionais. A
retração da Cortina de Ferro não consignou a adoção dos valores do mundo
livre pelos revolucionários; a presunçosa ideia de que aquilo foi a prova de
uma rendição desorienta, irremissivelmente, a hermenêutica dos
acontecimentos atuais - pois o desmonte de uma base de operações não
significa desmobilizar um exército nem abandonar uma campanha: isto é
sintoma de movimentação. E o que alguns aspirantesa estrategos não
compreendem, ou não querem compreender, é que a disjunção do bloco
soviético garantiu a formidável incursão de todas as cadeias de comando da
revolução nas estruturas adversárias, agora misturadas nos negócios, nos
círculos culturais, nos meios de comunicação e nas instituições de Estado —
a ocultação genial da formação inimiga.
Com a típica firmeza de quem conhece uma doença até sua fase terminal,
Bezmenov adverte que é preciso intervir em certas imposturas, dada a sua
lesividade. Ele, recorrentemente, destaca a inconsequência de algumas
figuras públicas que facilitam a criação de condições objetivas da Revolução.
É a imperdoável contumácia do tolo que dança com o algoz — querendo dar
prova de cortesia não se sabe a quem; a indulgência dos que assentam em
postos de poder, invigilantes na tarefa que lhes cabe - seja pela paga que os
mantêm no ócio, pelo apego com que lustram suas carreiras ou pelo mais
banal desinteresse, que, nesta hora grave do mundo, adquire a feição de um
delito.
A um só tempo, a lição de Bezmenov transborda a complexidade dos
esquemas que esclarece, o relato da sua vida sem descanso e os pormenores
de uma guerra projetada contra pessoas comuns, sob assalto nos seus lares,
ofícios e sonhos. Ela é, antes de tudo, um apelo à consciência - à atenção que
deve ser prestada à intuição originária da verdade, que todo homem carrega
em sua alma. Ela manifesta um elogio do livre arbítrio, do sagrado direito de
escolha que antecede e informa a ação humana.
Nada mais eloquente que o apelo de um veterano de tão mendaz ofício
― formado e empregado para servir à imanência comunista: o mundo deve
voltar para a casa da fé. Porque diante do divino, o homem está também
perante si. E não é fortuito que na sua explanação ele afirme como exemplo
vencedor os mártires dos campos de concentração, no seu tão bravo quanto
doce estado de santidade.
Uma sóbria compreensão desse vórtice não dispensa a certeza de que ele
serve a uma instância mais profunda. Rastreie-se as idéias que estão em
voga, e se verá que elas atendem a um maléfico intelecto: dedicam-se a
obstar o sacramento da esperança, a impedir que os homens façam dele o
emblema de sua força. Pois há muito foi reaberto o caminho de retorno até a
fonte da vida, e é dela que não para de haurir, para todas as eras, a melodia
da virtude que faz novas todas as coisas; que levanta os dons em toda parte e
fusiona as valências que estão dispersas, devolvendo tudo ao seu lugar sob o
mesmo firmamento. E desse modo que a graça aprimora a natureza, que vem
nos homens restaurar a sensatez e os restabelecer em paz com as leis eternas,
gravadas nos confins da alma humana e na estrutura do real.
Todos os dias, o Sol se levanta e se põe a descansar. O fogo consome a
matéria; o vento escreve nos mares as ondas; e tudo está disposto em um
ciclo que se gera e decompõe. Nada disso sonda o parecer dos homens, nem
carece da sua crença. O universo acontece, e a sua ordem venera quem o
criou e que reina sobre ele - quer-se acredite nisto ou não. E, ainda que
atravesse o oceano da dúbia, ao indiviso sentir humano é dado compreender
os princípios do cosmo - para que, nele se orientando, pelas luzes da fé e da
razão, possa o homem consumar sua existência.
Só a arrancada do espírito pode libertar esta época do vulto da maldade
maquinada - à maneira da vítima que, prostrada e já prestes a sofrer do algoz
o derradeiro golpe, inspira pela última vez; e, recobrando nas entranhas a
vontade de vencer, põe-se em manobra contra o agressor e muda a sorte do
embate. Do meio desse tempo atormentado - nesse mundo confinado no
pavor -, desponta no horizonte um facho de virtude, qual fabuloso sagitário
que dispara no breu uma seta luminosa para rasgá-lo e tudo clarear. É a
potência inconfundível da verdade, que desde as suas alturas soberanas
mobiliza os clarões da consciência e infunde no espírito a sua marca.
Em todo canto — em todos os povos e países —, famílias agora se
reúnem no esforço angustiado de achar saída. De algum lugar do passado
ecoa a voz do santo sábio de Hipona: Cuida, primeiro, de andar junto dos
bons, e certamente os acharás se tu fores um deles. A fortaleza inabalável da
intenção reta abre mesmo as clareiras necessárias. Rufando o peito o
sentimento do dever, enfrentar os temores e assumir responsabilidades se
converte de um problema em compromisso. O homem pode mais que o posto
― em seu sincero santuário de bondade, a unção irrompe os seus prodígios:
advêm novos talentos, engenhos e vigores, e se ergue o baluarte da defesa do
que importa. Em círculos crescentes, levanta-se a legítima Contra-
Revolução, reconquistando, resoluta, os territórios dominados. Agora, mais
firmes e mais graves, não deixarão esses homens cair da sua lembrança quem
é que calará as tempestades.
E que, do meio da voragem desses dias, possam os corações de boa
vontade chegar às regiões mais altas da existência. Que - rumo à luz
definitiva - perseverem, altaneiros, pela senda das verdades eternas d’Aquele
que é, e que era e que vem.
Terra de Santa Cruz, Natal de 2020 anno Domini.
O Editor
NE PROCEDAT CONTRA VERITATEM.
Dedicado a Yuri Aleksandrovich Bezmenov, in
memoriam.
PARTE UM
A TECNOLOGIA MARCIAL
DA SUBVERSÃO
Conferência na Summit University
of Los Angeles, 1983
Yuri Bezmenov durante sua conferência na "Summit University of Los
Angeles".1
Introdução
Subversão é o termo que ― se consultarmos o dicionário ou a legislação
penal a respeito ― é usualmente explicado como parte da atividade de
destruir elementos como a religião, o sistema político e o sistema econômico
de um país. E está geralmente associado a coisas românticas, como implodir
pontes, descarrilar trens ― atividades como em Cloak and Dagger2 no estilo
de Hollywood. O que eu irei falar tem absolutamente nada a ver com o clichê
da espionagem, nem com atividade de coleta de informações do KGB3. O
maior erro (confusão conceituai, creio) está no fato de que toda vez em que
se fala sobre o KGB se pensa, por uma estranha razão ― a começar pelos
produtores de Hollywood, pelos professores de Ciências Políticas, e pelos
“especialistas em assuntos soviéticos” (“kreminólogos”, como eles se
definem) ―, que a coisa mais cobiçada por Andropov e todo o KGB é
roubar o esquema técnico de algum jato supersônico, levá-lo para a URSS e
vendê-lo ao complexo industrial-militar soviético. Isso é apenas parcialmente
verdadeiro.
Se considerarmos todo o tempo, verba e mão de obra que a União
Soviética e o KGB, em particular, empenham fora das suas fronteiras
(obviamente, não existem estatísticas sobre isso, como existem para a CIA e
para o FBI), descobriremos que a espionagem, propriamente dita, representa
apenas de 10 a 15% desse tempo, dinheiro e mão-de-obra - coloquemos 15%
das atividades do KGB. Os 85% restantes são sempre de Subversão. E, ao
revés do que informa um dicionário inglês (o Dicionário Oxford), na
terminologia soviética, Subversão significa sempre uma atividade agressiva
distratora visando destruir o país, a nação ou a área geográfica do inimigo.
Portanto, não há nada de romântico ― em absoluto. Nada sobre “implodir
pontes”, nada sobre “microfilmes em latas de Coca-Cola" — nada do gênero.
Nada insensato do tipo “James Bond"', a maior parte dessa atividade é
aberta; legítima e facilmente perceptível - contanto que se conceda trabalho e
tempo para observá-la. De acordo com as leis e os sistemas de segurança do
Ocidente, isso não é crime, justamente devido ao equívoco sobre o conceito
— à manipulação dos termos: imaginamos que o subversor é uma pessoa que
irá “implodir nossas belas pontes”. Não. O subversor é um estudante que sai
para intercâmbio; um diplomata; um ator; um jornalista ― como eu era, dez
anos atrás.
A Subversão é uma atividade que funciona como via de sentido duplo:
não é possível subverter um inimigo que não queira ser subvertido. Tomemos
por exemplo a história do Japão, que até o século XX era uma sociedade
fechada: chegasse uma embarcação estrangeira à costa japonesa,polidamente, o exército imperial do Japão avisaria à tripulação para sumir
dali. Se vendedores americanos tivessem ido à costa do Japão há sessenta ou
setenta anos atrás, dizendo: “Oh, temos um ótimo aspirador de pó para
vocês, em excelente preço!”, teriam ouvido: “Por favor, deixem-nos — não
precisamos do seu aspirador de pó”. E, caso não fossem embora, teriam
atirado neles - para preservar sua cultura, ideologia, tradições e valores
intactos. Não houve chance para subverter o Japão.
Não é possível subverter a União Soviética — pois todas as fronteiras
estão fechadas. A mídia é censurada pelo governo. A população é controlada
pelo KGB e pela polícia interna. Nem com todas as imagens charmosas da
revista Time e da revista Amerika (que é publicada pela Embaixada
americana em Moscou) seria possível subverter os cidadãos soviéticos —
porque a revista nunca chega até os cidadãos soviéticos. Ela é recolhida na
banca de jornal e jogada na lata do lixo.
A Subversão só pode ter sucesso quando o iniciador (o ator ou agente da
Subversão) possui um alvo responsivo4. E uma via de sentido duplo. E os
Estados Unidos são um alvo responsivo à Subversão. Não existe outra
relação de responsividade como a dos Estados Unidos em relação à União
Soviética.
A teoria da Subversão remonta dois mil e quinhentos anos atrás. O
primeiro sujeito que formulou as táticas da Subversão foi um pensador
chinês chamado Sun Tzu ― em 500 a.C 5. Ele foi conselheiro de variadas
cortes na China Antiga. E, após longa reflexão, concluiu que implementar
uma ordem política através da guerra é a maneira mais contraproducente,
bárbara e ineficiente ― ou seja, lutar em campo de batalha. (Os senhores
conhecem a expressão “A guerra é a política continuada por outros meios”,
certo?) 6. Logo, começar um combate pretendendo implementar, em seguida,
uma ordem política é a maneira mais idiota de se obter sucesso. A suprema
arte da guerra está em não combater — mas subverter tudo o que possua
valor no país do inimigo, até o ponto em que a sua percepção da realidade
seja tal que ele já não te perceba como um inimigo, e que o teu sistema, a tua
civilização e as tuas ambições lhe pareçam, ao menos, uma alternativa -
senão um desejo ― viável: “Melhor vermelho do que morto”. Esse é o
propósito último, o estágio final da Subversão, depois do qual se pode
simplesmente conquistar o inimigo sem um tiro sequer. Nisso é que consiste,
basicamente, a Subversão.
Como se pode ver, nenhuma menção sobre “implodir pontes” ― é claro
que Sun Tzu não sabia a respeito (talvez não houvesse muitas pontes naquele
tempo).
Mas as táticas de Subversão estão sendo ensinadas a todos os alunos da
escola de formação do KGB e nas academias militares da União Soviética.
Não tenho certeza se esse autor está incluído na lista de leitura dos oficiais
militares americanos (para não dizer a respeito dos alunos de Ciências
Políticas). Tive dificuldade em encontrar uma tradução de Sun Tzu na
livraria de uma universidade de Toronto, e depois aqui, em Los Angeles. E
um livro que não está disponível. E leitura compulsória para todo estudante
na União Soviética - todo estudante que é preparado a lidar com estrangeiros
na sua carreira.
Basicamente, a Subversão consiste em quatro períodos:
↓DESMORILIZAÇÃO
↓DESESTABILIZAÇÃO
↓CRISE
↓NORMALIZAÇÃO
Partindo daqui e descendo para a sua base, temos que o primeiro estágio
é o da Desmoralização7. Ele é autoexplicativo. Leva de quinze a vinte anos
para desvirtuar uma sociedade. Por que quinze a vinte? Pois é o período que
basta para educar uma geração de estudantes. Uma geração-, um trecho da
vida de uma pessoa que é dedicado aos estudos, a modelar seus ideais e
personalidade. Nem mais nem menos: normalmente, leva de quinze a vinte
anos. O que a Desmoralização inclui: influência-, por meios variados,
infiltração-, métodos de propaganda-, contato direto com as várias áreas
onde a opinião pública é construída e desenhada (descreverei todas adiante):
1) religião; 2) sistema de educação; 3) administração da vida social; 4)
sistema de defesa e segurança (militar, obviamente); 5) relações trabalhistas
e empregos. Tudo bem até aqui? Cinco áreas.
Por vezes, quando descrevo todos os métodos, os alunos me perguntam:
“O senhor tem certeza de que esse é o resultado da influência soviética?”.
Não necessariamente. Notem que a tática da Subversão da qual estou falando
é muito semelhante à arte marcial, a arte marcial japonesa. Se os senhores
estiverem familiarizados com essa técnica, provavelmente irão se lembrar
que se houver um inimigo maior e mais pesado, seria extremamente doloroso
resistir a um golpe direto dele. Se alguém mais pesado do que eu quiser me
golpear no rosto, será tolice e muito ineficaz tentar deter esse golpe. A arte
do Judô nos ensina o que fazer: primeiro, esquivar do golpe; depois, capturar
o punho do adversário e conduzi-lo na direção em que ele estava mesmo
indo, até que entre em choque com uma parede.
Que acontece, então, aqui? O país-alvo, obviamente, comete algum erro.
Quando se trata de uma sociedade democrática e livre, há ali muitos
movimentos intestinos. Naturalmente, em toda sociedade existem pessoas
que são contra a sociedade', há criminosos; há os que estão ideologicamente
insatisfeitos com a política; há inimigos conscientes; e há personalidades
simplesmente psicóticas, que são contra qualquer coisa. E, finalmente: há
um grupo pequeno de agentes de um país atacante - comprados, subvertidos
ou recrutados. No momento em que todos esses movimentos são projetados
em uma única direção, eis a hora de capturar o conjunto e conduzi-lo até que
ele force a sociedade inteira ao colapso, para dentro da Crise: exatamente
como na técnica marcial. Nós não detemos o inimigo - nós o deixamos ir,
nós o ajudamos a ir na direção que nós queremos que ele vá.
1. Desmoralização
No estágio de Desmoralização: obviamente, há tendências em cada
sociedade, em cada país, que vão na direção oposta dos valores e princípios
básicos. Tirar vantagem desses movimentos, capitalizá-los, é o propósito
nuclear do iniciador da Subversão. Então, aqui nós temos: 1) religião; 2)
educação; 3) vida social; 4) ,estruturas de poder; 5) relações de trabalho; e,
finalmente, temos; 6) lei e ordem pública. Essas são as áreas de aplicação da
Subversão.
O que, exatamente, isso significa?
1. 1 Desvirtuamento da religião
No caso da religião-,destruí-la8 Ridicularizá-la. Tomar o seu lugar com
diversas seitas e cultos para drenar a atenção e a fé das pessoas, sejam eles
ingênuos ou primitivos - realmente não importa, contanto que o dogma
religioso básico vá sendo lentamente erodido, e que seja afastado o sumo
propósito da religião, que é fazê-las estar em contato com o Ser Supremo
(isto é o que interessa). Assumir o lugar das organizações religiosas aceitas e
respeitadas através de organizações fajutas. Distrair a atenção das pessoas da
verdadeira fé, e atraí-las para várias crendices diferentes9.
1. 2 Corrupção da educação
Educação: extraviar a atenção necessária para aprender o que é
construtivo, pragmático, eficiente. No lugar de Matemática, Física, idiomas
estrangeiros, Química, ensinar “história do conflito urbano”; “comida
natural”; “economia doméstica”; “sexualidade”10 ― qualquer coisa que
afaste para bem longe a atenção11...
1. 3 Desarranjo da vida social
Vida social: tirar o lugar de instituições e organizações tradicionalmente
estabelecidas com organizações falsificadas. Subtrair a iniciativa das
pessoas; retirar delas a responsabilidade sobre os laços que são naturalmente
estabelecidos entre indivíduos, grupos e a sociedade como um todo, e os
substituir por entidades artificiais burocraticamente controladas. No lugar
da vida social e da amizade entre vizinhos, estabelecer instituições de
“assistentes sociais”. Eles estão na folha de pagamento de quem? Da
sociedade? Não: da burocracia. A principal ocupação deles não é a sua
família, não é você, não são as relações entre grupos de pessoas - a principal
ocupação deles é receber o pagamento do governo.“Qual será, então, o
resultado do trabalho social deles?” — isto não interessa. Eles podem
desenvolver todo tipo de conceitos para mostrar ao governo e às pessoas que
eles têm alguma utilidade.
Além dos laços naturais, aqui temos as estruturas de poder, os grupos
naturais de administração, que são tradicionalmente escolhidos pelas pessoas
ou apontados pelos líderes eleitos da sociedade, vão sendo intensamente
substituídos por órgãos artificiais. Esses “órgãos” são grupos de pessoas que
ninguém elegeu — nunca —, além do fato de que a maioria das pessoas não
gosta deles — mas, ainda sim eles existem. Um desses grupos é o pessoal de
mídia: quem os elegeu? Como é que eles adquirem tanto poder? É quase um
monopólio sobre a sua mente — eles conseguem estuprar suas mentes. Mas
quem os elegeu? Como eles têm a empáfia de dizer o que é bom e o que é
ruim àqueles que vocês elegeram (y.g., o presidente e sua equipe)? Que
diabos são eles?
Spiro Agnew, que era odiado pela esquerda liberal, dizia que a mídia é
um bando de soberbos fracos — e é exatamente o que são. Eles acham que
sabem das coisas — eles não sabem. O nível de mediocridade em grandes
estabelecimentos de mídia (como o The New York Times, o Tos Angeles
Times, a maior rede de televisão) é tal que você não tem que ser um
jornalista de excelência. Você tem que ser precisamente um jornalista
medíocre — é mais fácil de sobreviver, já não há competição. Você tem o seu
bom, ótimo, salário: “cem mil dólares por ano” - e é isto, seja você o melhor
ou o pior, já não importa, desde que você fique sorrindo para a câmera e
fazendo o seu trabalho. Não existe mais competição.
A estrutura do poder vai sendo lentamente erodida pelos órgãos e grupos
que não têm nem a qualificação nem a autorização das pessoas para estarem
no poder - e, no entanto, eles detêm o poder.
1. 4 Desarticulação e descrédito da lei e da ordem
Junto a isso tudo está um outro processo: lei e ordem pública. A
organização e a estrutura da lei e da ordem são minadas. Nos últimos vinte,
vinte e cinco anos, comparando filmes antigos e novos, os senhores notarão
que nos novos filmes o policial ou o militar americano é retratado como
burro-, irritado; psicótico; paranóico. Um bandido aparece como um cara
legal — do tipo: “Bem, ele fuma haxixe e injeta tudo quanto é droga, mas,
basicamente, ele é um ótimo ser humano... ele é criativo, e ele só não produz
nada porque a sociedade o oprime”. Enquanto isso, um general do Pentágono
é sempre, por definição, um “burro”, um “maníaco de guerra”. O policial é
um “porco”, um “policial grosseiro”, que “abusa do poder” — há uma
generalização deste tipo; aversão, desconfiança em relação àquelas pessoas
que deveriam protegê-los e garantir a lei e a ordem pública.
Relativização moral: o processo de Angela Buono durou dois anos em
Los Angeles, e ainda há advogados que dizem: “Bem, na verdade ele [o
algoz] é um bom sujeito”. Houve uma testemunha (também bandido) que
disse: “Bem, ele é um cara legal; eu pedi a ele que ateasse fogo na casa de
um inimigo meu, mas ele não quis”.
Uma lenta substituição dos princípios morais básicos — onde um
bandido, “na verdade”, não é exatamente um bandido, ele é um “réu”. Ainda
que provada a sua culpa, uma dúvida permanece: “Matar ou não matar?”.
“Ser ou não ser?”. Não matarás: “sim, mas isto não necessariamente se
aplica a alguém que mata... Não assassinarás - este é que deveria ser o
mandamento, ao invés de Não matarás”.
1. 5 Desajuste das relações trabalhistas
Fig.. 1
Relações trabalhistas: neste estágio [Fig... 1], dentro de 15 a 20 anos, são
destruídos os laços tradicionais da negociação entre o empregado e o
empregador. Observem a teoria marxista-leninista clássica da troca, natural
de bens: a pessoa (A) tem 5 sacas de grãos e a pessoa (B) possui 5 pares de
sapatos; e a troca natural, sem moeda, ocorre quando elas barganham entre
si. E só com a introdução de uma terceira força (C) - completamente alheia a
elas (que lhas diz: “Não dê as cinco sacas a ele, entregue-as para mim; e
você, dê-me os seus cinco pares de sapatos, que eu farei a distribuição”) -
ocorre a morte da troca natural, a morte da ação natural de negociar.
Os sindicatos foram estabelecidos centenas de anos atrás12. O objetivo
era a melhoria das condições de trabalho e proteger os trabalhadores contra
os patrões que estavam abusando dos seus direitos por terem mais dinheiro.
De fato, o movimento sindical funcionou inicialmente, naquela época. Mas o
que vemos hoje é que o processo de negociar já não resulta em acordo, que
servi- ria para melhorar as condições de trabalho e aumentar salários. O que
vemos é que depois de cada greve prolongada os trabalhadores saem
perdendo ― ainda que consigam ter um aumento salarial de 10%. Eles não
conseguem alcançá-lo, em razão da inflação e do tempo perdido. Mais do
que isso: milhões de pessoas sofrem com as paralisações, porque a economia
agora é interdependente, como um corpo. Se os trabalhadores, digamos, de
cem anos atrás, podiam ficar em greve que ninguém sofreria as
consequências, isto não é mais possível. Se um coletor de lixo paralisa hoje,
o restante inteiro da cidade fica fedendo, ou seja, ninguém consegue
trabalhar. Em Quebec, por exemplo, tivemos eletricistas que fizeram
paralisação no meio do inverno. Você poderia ficar com o traseiro congelado,
e eles continuariam em greve. Eles saíram ganhando? Não, perderam. Quem
saiu beneficiado? Os líderes do sindicato. Então, qual é a motivação da greve
― a melhoria das condições do trabalhador? Não, não é. Então o que é?
Ideologia-. “Para provar àqueles capitalistas...”. E a horda obediente de
trabalhadores segue essa gentalha feito ovelhas - não se pode desobedecê-la,
por quê? Pois caso desobedeçam, sabemos o que acontece: piquetes13.
Assassinatos. Caminhoneiros sendo alvejados ― por piqueteiros.
Em Montreal, por exemplo, eu vi com os meus próprios olhos, quando
era correspondente da CBC ― International Canadian Broadcasting
Corporation: tendo os trabalhadores da fábrica de aviões destruído
computadores e equipamentos de produção, quando a administração
contratou fura-greves, os seus carros foram virados e queimados. Atearam
fogo nas suas casas, as suas crianças foram intimidadas e houve vítimas -
disso tenham certeza. Por quê? Para melhorar condições de vida dos
trabalhadores? Não ― ideologia.
Isso é o que ocorre, basicamente. Pode ou não acontecer com ajuda da
URSS. Mas tudo é amplamente aproveitado e capitalizado pelos sistemas de
propaganda soviética. Como?
Toda vez que um sindicato faz greve, temos um influxo de propaganda,
na mídia de massa - disseminação ideológica: “O direito dos trabalhadores ”
— e repetimos, feito papagaios: “Sim... o direito dos trabalhadores...”.
Direito de quem? Dos trabalhadores? Não: a única liberdade que possui o
trabalhador ― vender seu trabalho segundo o seu interesse e vontade - é
afastada dele14. Por quem? Pelo chefe do sindicato. Poder ilimitado e
responsabilidade são-lhe concedidos: “Quero vender meu trabalho não por
2,50 por hora, mas por 2,00 dólares” — eu não tenho esse direito. A minha
liberdade é-me negada. “Eu sei que se eu vender meu trabalho por 2,00
dólares, ao invés de 3,00, disputarei melhor com o sujeito que é relapso e
mais ganancioso... eu não preciso de 3,00 dólares, preciso só de 2,00
dólares” ― não. Eu fui trabalhado ― pela mídia, pelas empresas, pelas
agências publicitárias - para acreditar que eu preciso de mais, mais e mais.
Vocês já ouviram algum anúncio na televisão sobre consumir menos?
Não. Não mesmo
Para que você precisa de um carro de seis cilindros? Mas você tem que
comprá-lo ― e “corra logo!”. Enquanto eu dirigia vindo para cá, na rádio
local, um excitado anunciante dizia: “Você, corra logo! Corra e economize,
economize, economize — temos meias-calças à venda!”, Economizar...
comprando mais?
Obviamente, seria ingênuo demais supor que é o KGB que faz com que
aquela agência de publicidade produza um comercial maluco desse tipo -
não, é claro que não. Porém, o que nós fazíamos, quando eutrabalhava com
avaliação de conhecimento, era inundar os escritórios editoriais, os centros
acadêmicos e as organizações religiosas com literatura sobre “luta de
classes”. Se não fosse com propaganda direta do marxismo-leninismo, era
com propaganda sobre as “legítimas aspirações da classe trabalhadora”, ou
sobre “melhoria de vida” ou “igualdade”. Igualdade — vejam só.
O Presidente Kennedy, certa vez, disse à população: “Nós faremos a
América acreditar que as pessoas nascem iguais”.
As pessoas nascem iguais?
Existe alguma menção sobre isso na Bíblia (ou em qualquer outra
escritura sagrada para qualquer religião)? Caso não acreditem em mim,
chequem na biblioteca: não há uma palavra sequer sobre igualdade ―
justamente o oposto. Por teus feitos Deus te julgará. Aquilo que fazes é o que
importa, o mérito da tua personalidade. Não se pode legislar a igualdade; se
quereis ser igual aos demais, deveis tornar-te igual a eles — tens de merecê-
lo15. E, ainda assim, construímos a nossa sociedade sobre o princípio da
igualdade, dizendo: “As pessoas são iguais”. Nós sabemos que isso é falso,
isso é uma mentira. (Algumas pessoas são altas, mas estúpidas; outras são
baixas e carecas, mas inteligentes...). Tornarmos as pessoas iguais à força,
alojarmos o princípio da igualdade na base da nossa estrutura político-social,
equivale a construir uma casa sobre a areia: cedo ou tarde ela ruirá, e é
exatamente o que acontece. E os propagandistas soviéticos estão tentando
empurrá-los na direção em que os senhores já estão indo por conta própria:
“Igualdade, sim! Igualdade! As pessoas são iguais!”.
“Terra das oportunidades iguais” — isto é verdade ou não?
Pensem a respeito. “Oportunidades iguais”: deve haver oportunidades
iguais para mim e para malandros preguiçosos, que vêm de algum outro país
para cá registrando-se imediatamente para receber benefícios assistenciais?
Eu nunca recebi sequer um dólar. (Digo — perdoem-me —, recebi, sim,
certa vez). Mas eu jamais me inscreví em programas sociais. Aceitei por
treze anos todo tipo de trabalho: segurança privada, jornalista, motorista de
táxi ― qualquer coisa. Eu fui imparável, mas algumas pessoas não gostam
disso — então por que têm de haver oportunidades iguais?
“Igualdades iguais em circunstâncias iguais16” - sim, mas sabemos que
as pessoas são diferentes. Para se sobressair, sim, mas desde que alcancemos
o mesmo nível de excelência - “aperfeiçoamento” -, que é um futuro
hipoteticamente distante; sim, talvez. Mas sabemos, perfeitamente bem, que
mesmo com as melhores intenções, as pessoas não poderiam ser iguais.
Por que devemos ter igualdade no sistema de leis? Entre mim (considero-
me um cidadão honesto) e alguém que vem para cá para roubar e atirar nas
pessoas? O governo dos Estados Unidos sob Carter importou milhares de
criminosos cubanos. Eles eram conhecidamente criminosos, e assim mesmo
foram aceitos. Os senhores consideram justo que minha esposa, das Filipinas
— que trabalha (perdoem-me) feito um cavalo, como técnica de laboratório
no hospital — e eu tenhamos os mesmos direitos que um delinquente de
Cuba? Por quê? E, ainda assim, repetimos como papagaios: “Igualdade!
Igualdade! Igualdade!”. O sistema de propaganda soviética vos ajuda a
acreditar que igualdade é algo a ser desejado.
A democracia, tal como foi estabelecida pelos Pais Fundadores deste
país, deste sistema, no último século, não é igualitária: é um sistema onde
pessoas diferentes - pessoas desiguais - têm a chance de sobreviver e se
ajudar mutuamente em constante competição, em constante aperfeiçoamento
- e não uma igualdade supra imposta por um caudilho ou por um sujeito
bonzinho em Washington D.C.. Aliás, em absoluto, a igualdade existe na
União Soviética (uma “igualdade”): todos são iguais na lama — exceto
determinadas pessoas, que são “mais iguais” do que o restante, no
Politburo17.
Dito isso, alcançamos agora o momento em que o país é levado até o
ponto de quase total desvirtuamento ― quando nada mais funciona; quando
já não se sabe o que é certo e o que é errado, bom e ruim; quando já não há
divisão entre o bem e o mal; quando há até líderes da Igreja dizendo: “Bem,
a violência a serviço da justiça - especialmente da ‘justiça social’ — é justa
em países como a Nicarágua, El Salvador, talvez na Rodésia...”; e, quando,
ouvindo-os dizer, nós pensamos: “E... provavelmente... é verdade... não é
verdade18?”. Não, não é verdade. A violência não é justificável,
especialmente a serviço da “justiça social”, introduzida pelos marxistas-
leninistas - meus ex-colegas da Agência de Imprensa Novosti.
O próximo estágio é a Desestabilização.
2. Desestabilização
Outra vez, a expressão fala por si: desestabilizar todas as relações, todas
as instituições e organizações aceitas no país do seu inimigo. Qual é o
procedimento? Não é necessário enviar um batalhão de agentes do KGB para
explodir pontes. Não: você deixa que as pessoas o façam por si mesmas. A
área de aplicação aqui é mais restrita, diferente da fase anterior. As ações
legítimas do KGB, neste caso, dificilmente seriam percebidas: não é crime
que um professor que recentemente esteve na URSS ministre um curso de
marxismo-leninismo em uma universidade californiana, por exemplo.
Ninguém irá até sua porta e dizer: “O senhor está preso” — não. Isso não é
crime. Sequer é considerado um ataque moral contra o país de vocês.
A área de aplicação aqui se estreita para: 1) a economia (novamente:
relações trabalhistas); 2) lei e ordem pública (incluindo o setor militar); e 3)
a mídia. Basicamente, três áreas.
2.1 Desestabilização da economia
Economia; radicaliza-se o processo de negociação. Se no estágio anterior
ainda conseguíamos chegar a acordos, em tese, a alguma conciliação entre os
lados antagônicos (isto é, sem a intervenção de uma arbitragem judicial no
conflito, de um terceiro elemento para julgar os interesses), aqui ocorre a
radicalização. No estágio de Desestabilização, não conseguimos chegar a
um acordo sequer dentro de casa. Marido e mulher já não conseguem decidir
o que é melhor (y.g., o marido quer que as crianças comam à mesa, e a
esposa permite que eles corram pela sala; e aí eles derrubam comida pelo
chão) — eles não conseguem chegar a um acordo, a menos que comecem
uma briga. E impossível chegar a um consenso, a uma conciliação proveitosa
entre vizinhos. Alguém dirá: “Não gosto que você corte grama a esta hora,
porque é justamente a hora que estou passeando com o meu cachorro e ele
fica nervoso, ele não busca a bola que eu jogo...”. Então, porque não se
entendem, eles vão ao tribunal (ou coisa do tipo). Radicalização das relações
humanas, sem mais acordos - briga, briga, briga.
As relações normal e tradicionalmente aceitas são desestabilizadas.
Relações entre professores e alunos nas escolas e universidades - brigas. As
relações na esfera econômica, entre funcionários e seus empregadores são
radicalizadas. Já não se aceita a legitimidade das demandas dos
trabalhadores. Diferente dos japoneses, com a Teoria Z (onde os
trabalhadores são envolvidos no processo de tomada de decisões, e por isto
não têm incentivo moral para lutar contra os seus chefes), nos Estados
Unidos é o exato oposto: quanto mais árdua a briga, melhor, mais heroico
parece. Quando a rede Greyhound esteve em greve, recentemente, os
correspondentes das redes de televisão locais, em todos os Estados Unidos,
estavam apoiando os grevistas, que diziam: “Estamos fazendo algo bom”.
Eles pareciam mesmo heróis e orgulhosos disso. Eles foram apresentados à
audiência como ótimas pessoas, heroicas. Percebam: confrontos violentos
entre passageiros, grevistas e piqueteiros foram apresentados como algo
normal. Dez, quinze, vinte anos atrás, teríamos ficado indignados, e
diríamos: “Pra que tanto ódio?”. Hoje, já não ficamos, e dizemos: “Bem, é
compreensível...” ― isto é a radicalização; a militarização, em certos casos
(expliquei anterior mente), com gente baleada.
2. 2 Desestabilização da lei e da ordem pública
Lei e ordem pública, agora. Ela é igualmente empurrada para agirdentro
da área onde, até então, as pessoas resolviam suas diferenças pacífica e
legitimamente19. Agora, ocupamo-nos com os casos judiciais mais
medíocres, irrelevantes-, já não podemos resolver nossos próprios
problemas. A sociedade como um todo ingressa em um crescente
antagonismo entre indivíduos, entre grupos de indivíduos e a sociedade. A
mídia se coloca sempre em oposição à sociedade inteira. Separada, alienada.
E agora que os “estudantes” dos Estados Unidos que hajam sido treinados na
Universidade Lumumba ou em nações em desenvolvimento (são os
“estudantes” com os quais eu lidava) são enviados de volta da União
Soviética20. Ou, se eles já estavam aqui nos Estados Unidos, dentro do país
que é o objeto da Subversão, eles entram em ação: os dormentes despertam.
Pelos últimos quinze a vinte anos, estiveram adormecidos. Agora, eles
tornam-se líderes de grupos, sacerdotes, Fig..uras públicas. Eles atuam com
proeminência, penetram o processo político. De repente, surge um quinze
anos atrás, ele fazia suas “sacanagens” e isso não dizia respeito a ninguém -
agora ele faz disso uma questão política-, ele exige “reconhecimento”,
“respeito”, “direitos humanos”, e envolve volumosa quantidade de pessoas
nisso21. E ocorrem entrechoques violentos entre ele e a polícia, entre o seu
grupo e pessoas comuns — não importa o que seja: agora são negros contra
brancos, amarelos contra verdes ― realmente não interessa onde esteja a
linha que os divide, contanto que estes grupos entrem em um confronto —
por vezes militarmente, com armas. Isso é o processo de Desestabilização.
Os dormentes, muitos dos quais são, simplesmente, agentes do KGB, e se
tornam os chefes do processo de Desestabilização. Não significa que “o
camarada Andropov” envia o “camarada Ivanov” para os Estados Unidos ―
a pessoa que assume o controle já está aqui. “Ele é um cidadão respeitável...”
― pode ser: ele recebe dinheiro de sortidas fundações22 para a sua “legítima
luta” pelos “direitos humanos”; pelos “direitos das mulheres”; pelos “direitos
da criança”; pelos “direitos dos presos” ― que seja. Há americanos
simpatizantes que fazem doações a ele. O processo de Desestabilização, em
geral, leva diretamente ao processo de Crise.
2. 3 A função desestabilizadora da mídia
No caso das “nações em desenvolvimento” (este era o campo onde eu
atuava), o processo tem começo quando os órgãos do poder legítimo, da
estrutura social, colapsam — eles não funcionam mais. Portanto, aqui temos
a injeção de órgãos artificiais para dentro da sociedade, como os comitês de
gente não eleita (lembram-se de que falei deles?): “assistentes sociais”, que
não foram eleitos pelo povo; o pessoal de “mídia”, que se impõe na condição
de gestores da vossa opinião; alguns grupos estranhos, que afirmam saber
como irão guiar a sociedade adiante (eles não sabem; geralmente o que lhes
interessa é só como irão coletar doações e como conseguir vender sua
ideologia misturada, a sua mistura de religião e ideologia)23.
Aqui temos todos esses órgãos artificiais reclamando o poder. Se o poder
lhes é negado, eles tomam-no à força. No caso do Irã, por exemplo: de
repente havia “comitês revolucionários” — que diabos de revolução? Não
existia uma revolução, ainda - mas os “comitês” já estavam lá. Eles foram
adquirindo poder de julgamento. Adquiriram poder de execução, poder de
legislação e poder judicial- todos eles combinados em uma única pessoa,
que é um “intelectual” embusteiro, por vezes formado em Harvard ou
Berkeley. Ele volta para o país dele pensando que sabe como irá responder
todos os problemas sociais e econômicos.
3. Crise
Ocorre a Crise quando a sociedade já não consegue funcionar
produtivamente - ela colapsa (obviamente, esta é a palavra que define crise).
Portanto, a sociedade inteira fica à espera de um “salvador”. Grupos
religiosos começam a esperar por algum “messias”. Os trabalhadores dizem:
“Temos famílias para sustentar! Que venha um governo forte, socialista
talvez, centralizado!”; “Alguém que ponha esses patrões no seu devido lugar
e nos deixem trabalhar!”; “Estamos cansados de fazer greves e sempre
perdermos!”, e tudo mais. “Precisamos de um sujeito forte, de um governo
forte, de um líder!” - um “salvador” é esperado, aqui a população já está
adoentada e exausta.
“E aqui estamos nós — nós somos os salvadores!”. Então, um país
estrangeiro entra em cena, ou o grupo local de esquerdistas, marxistas (não
interessa como eles se definam — sandinistas ou coisa do tipo; Bispo
Muzorewa, como no Zimbábue, não faz diferença). Um “salvador” aparece e
diz: “Irei liderá-los!”, e aí nós temos duas alternativas: 1) guerra civil e 2)
invasão. Percebem como funciona?
Guerra civil. Sabemos do que se trata-o Líbano é o perfeito exemplo: a
guerra civil foi implantada no Líbano, pela injeção de força através da
Organização para a Libertação da Palestina (OLP)24.
Invasão: aqui, temos muitos outros países, como o Afeganistão — e
qualquer país do Leste Europeu; eles foram invadidos pelo exército
soviético. Mas o resultado é o mesmo: o próximo estágio é a Normalização.
4. Normalização
Normalização é uma palavra bastante irônica, evidentemente. Ela foi
tomada da situação da Tchecoslováquia, em 1968, quando a propaganda
soviética (e, depois dela, o The New York Times) declarou: “O país está
normalizado: tanques rumaram em direção a Praga, portanto, está terminada
a ‘Primavera de Praga’, não há mais violência”. “Normal” ― esta é a
formalização.
Neste estágio, os “governantes” autocolocados já não precisam de
nenhuma revolução. Eles não precisam mais de qualquer radicalismo, e aí
ocorre a reversão da Desestabilização. Basicamente, consiste em estabilizar
o país — à força. Agora, todos os “dormentes”, todos os “ativistas”, e os
“assistentes sociais”, e os “esquerdistas”, e os “gays”, e os “professores”, e
os “marxistas” e os “leninistas” são eliminados — fisicamente, às vezes.
Terão cumprido o seu trabalho, ninguém precisa mais deles.
Os novos governantes precisam de estabilidade para explorar a nação,
para explorar o país, para tomar vantagem da vitória. Portanto, sem mais
revolucionários — e é exatamente o que ocorre em variados países.
Lembram-se de Bangladesh? (Essa é a Crise na qual eu operei).
Inicialmente, eles tinham Mujibur Rahman: em 1971, ele era o líder do
Partido do Povo (Liga Awami), usava um bigode como Stálin. Ele fora à
Rússia muitas vezes. Em cinco anos, foi fuzilado pelos próprios colegas -
marxistas: havia cumprido a sua função. No Afeganistão, isso aconteceu três
vezes: primeiro, havia Taraki; depois, veio Amin; hoje, lá está Babrak
Karmal - eles mataram-se uns aos outros, sucessivamente, no instante em
que o dever foi cumprido. O primeiro desvirtuou a nação; o segundo
desestabilizou o país; e o terceiro arrojou-o na Crise. Adeus, camarada'.
Babrak Karmal veio de Moscou e foi alçado ao assento do poder.
A mesma coisa aconteceu em Granada, recentemente. Maurice Bishop —
marxista - foi morto por Austin, um general - que também era marxista.
Portanto, sem mais revoluções-, agora vem a Normalização.
A partir desse momento, nada de “greves”; nada de “movimento gay”;
“movimento feminista”; “movimento das crianças”; nada de “movimentos”
― ponto. É a boa, sólida e democrática liberdade proletária.
Modos de reverter cada estágio
A. Reversão do estágio de Normalização
Fig.. 2
Reverter este processo [Fig... 2] exige um esforço enorme. Quando, hoje,
os Estados Unidos precisam invadir Granada para reverter o processo de
Subversão, há quem diga: “Cara, isso não é bom, não é decente invadir um
país lindo como a Ilha Granada”. Então, por que não se deteve o processo
antes, quando Granada estava sendo abordada pelos esquerdistas? Por que
não se preveniu que Maurice Bishop chegasse primeiro ao poder? Por acaso
os granadianos o que queriam? Isso é muito questionável: antes de qualquer
coisa, eles não sabiam quem era Maurice Bishop. Ele chegou ao poder por
seu próprio coup d’Etat25. Mas não: permitiu-se que a situação evoluísse
mais e mais até a Crise ― e a Normalização,logo em seguida.
E então, os Estados Unidos decidem invadir o país - descobrindo que o
país inteiro é uma base para a União Soviética. Obviamente, é uma medida
drástica; obviamente, é lamentável que as tropas de fuzileiros tenham
perdido dezessete vidas. Péssimo. Por que não deter o processo antes de
entrar na Crise? Ah, não, os intelectuais dirão que isso é “interferência em
assuntos internos”. Eles são extremamente dedicados em impedir que o
governo americano interfira em questões internas dos países latino-
americanos (mas não se incomodam com a União Soviética interferindo nos
seus próprios assuntos).
Reverter o processo a partir daqui demanda sempre e somente força
militar. Nenhuma outra força na Terra é capaz de reverter o processo a esta
altura.
B. Reversão do estágio de Crise
Fig..3
Este ponto [Fig... 3] não exige uma invasão do exército americano: é
preciso uma ação forte, como houve no Chile; um envolvimento velado da
CIA, para prevenir que “o salvador” venha do exterior para dentro do poder,
e para estabilizar o país antes da erupção de uma guerra civil; apoiar as
forças conservadoras, de direita - estabilizar o país. Não deixar a Crise
desembocar em guerra civil ou invasão. “Ah, não!” - dirão os seus liberais -
“Isto é contra a lei! O Congresso não vai liberar recursos para ações veladas
da CIA!”. Por que não? Devemos esperar até a Normalização ter começo e
os tanques soviéticos chegarem no aeroporto de Los Angeles?
C. Reversão do estágio de Desestabilização
Fig.. 4
Agora, neste ponto [Fig... 4], na fase da Desestabilização, o processo
também pode ser revertido. Outra vez: é mais fácil do que naquele [Crise] —
sem envolvimento da CIA. Sabem o que é exigido aqui? Restrição de certas
liberdades para alguns grupos que são autodeclarados inimigos da sociedade
― simples assim. “Ah, não!” ― os jornalistas da esquerda dirão - “Isso é
contra a Constituição americana!”.
Como podemos? Pelo uso da força:
1) Negando direitos civis a bandidos, por exemplo. “Isso não é bom” -
então, se vocês querem permitir que facínoras ainda tenham direitos civis,
sigam em frente e empurrem o país para dentro da Crise, é um modo menos
sangrento de fazer isso.
2) Contenção de direitos (eu não disse jogá-los na prisão; não estou
propondo “prender gays de San Francisco em campos de concentração”).
Impedir aquisição de força politica 26. não os elejam para postos de poder ―
seja no âmbito municipal, no estadual ou federal. E necessário que se “enfie”
nas cabeças dos eleitores americanos que um sujeito assim em postos de
poder é um inimigo. Não tenham medo desta palavra: ele é um inimigo. Se
não é inimigo aqui, será adiante [Estágio 3 - Crise]. Mais tarde, ele será
fuzilado, é claro. Mas, neste momento, ele é um inimigo. Os senhores
prestarão grande serviço negando-lhe o direito de capitalizar a partir das suas
idéias insanas e se tornar alguém poderoso, alguém que usa uma posição de
poder. A contenção de certas liberdades e da permissividade neste ponto
seria capaz de prevenir o deslize da situação para dentro da Crise, e,
provavelmente, revertería o curso da Desestabilização.
3) Refrear o poderio ilimitado, o poder monopolístico, dos sindicatos
aqui, a esta altura, poderia salvar a economia do colapso.
4) Promulgar legislação que detenha as empresas privadas nesse estupro
da opinião pública que arroja a sociedade no consumismo: nenhuma empresa
deve ter o direito de forçá-los a comprar, a menos que queiram. Tem de
haver uma lei: se alguém quer anunciar seu carro, tudo bem - mas nada do
tipo: “Compre agora e economize”. Deve ser ilegal forçar as pessoas a
consumir mais. Auto moderação: antes desse processo ser iniciado, o
autocontrole era assunto da Igreja, da religião - pois nossos sacerdotes, os
padres da Igreja, nos diziam: bens materiais são bons, mas não a prioridade
do ser humano, porque o desígnio da nossa vida não é consumir mais
desodorantes. Deve haver algo maior. Se tão complexo instrumento como o
corpo humano foi criado, obviamente, tem de haver um propósito mais
elevado para ele. E é muito fácil de evitar a Desestabilização quando se nega
a empresas gananciosas uma diminuta liberdade: a de forçá-los no processo
de consumir produtos e bens indesejados. Eles transformam os senhores em
máquinas. E quanto tempo dura um eletrodoméstico hoje em dia? Menos de
um ano — por quê? Onde está a assistência técnica? No entanto: “Queremos
que você compre”.
O processo de Desestabilização pode ser facilmente revertido, como eu
disse, se a sociedade, por sua própria vontade ou persuadida por líderes,
aprender a moderação. “E muito difícil, queremos consumir mais” ― mas os
senhores precisam aprender, a menos que queiram cair dentro daquele
estágio [Estágio 3 - Crise]. Como dizemos na Rússia: “Se o Deserto do Saara
se transformar em um Estado comunista, haverá escassez de areia”. Os
senhores precisam coibir suas expectativas nesse ponto, antes que seja tarde.
No entanto: “Não, isso a gente não quer”...
D. Reversão do estágio de Desmoralização
O processo de Desmoralização - insisto — é o mais simples de ser
revertido27. Antes de tudo, restringindo a importação de propaganda ― é a
coisa mais fácil de se fazer. Importação ilimitada de literatura soviética,
jornalistas soviéticos fazendo propaganda e agitação ideológica solidamente,
com tempo televisivo
Fig.. 5
igual nas redes americanas28 ― isto tem que acabar. E é fácil. Eles não
ficarão ofendidos ― pensem nisso. A bem da verdade, eles irão respeitar a
América ainda mais. Mas, de repente, meu ex-colega Vladimir Posner
aparece no Nightline e Ted Koppel lhe pergunta: “E aí, Vladimir, o que você
pensa sobre isso?” - pode ele pensar alguma coisa? Ele é um instrumento de
propaganda, ele pensa aquilo que o camarada Andropov manda-o pensar. Ele
é só um belo e articulado megafone do sistema de Subversão soviético - e
então vem o Ted Koppel fazer os senhores acreditarem que o meu amigo
Vladimir Posner “pensa”?
O processo de Desmoralização, sob hipótese alguma, tem começo
quando, neste momento, o país que é o recipiente da Subversão ativamente
(não violentamente, mas ativamente) veda a importação de ideologia
estrangeira. Não estou propondo que a América siga o método do antigo
Japão; os senhores não têm que “atirar em cada forasteiro que chegue às
sagradas fronteiras dos Estado Unidos”. Mas quando ele os oferece porcarias
para comer dizendo que é algo ótimo, deverão respondê-lo: “Não, nós já
temos a nossa própria porcaria”. Se a essa altura a sociedade está forte,
corajosa e consciente o bastante para deter a importação das idéias que lhes
são alheias, então a cadeia principal de eventos pode ser frenada.
Recentemente, eu estive nas Filipinas, e fiquei chocado com o modo com
que nas grandes cidades, como Manila, as crianças escutam músicas
ensurdecedoras29. Uma nação melodiosa, com longas tradições de boa —
ótima - música étnica, introduzida pelos espanhóis há muito tempo (dois, três
séculos atrás), de repente passa a ouvir lixo musical, estourando os seus
rádios no volume máximo — por quê?
Na índia, passei muitos anos observando as reações dos indianos que
saíam dos cinemas, após assistirem as produções de Hollywood. Eles não
conseguiam entender por que os americanos são tão fúteis: “Eles destroem
seus carros polidos a cada cinco minutos”; “Como conseguem atirar uns nos
outros por meio milhão de dólares?”; “E verdade que eles são tão obcecados
por sexo?”. Os senhores conseguem imaginar o que é exibir um filme em
que a cada cinco minutos aparece copulação na tela em um país como a índia
(com longas tradições sobre respeito a essas questões privadas)? Ou no
Paquistão? E os Estados Unidos esperam que aquelas pessoas ainda os
respeitem? Sem chance. Ah, sim, eles irão assistir os filmes, eles irão pagar
cinco rúpias para assistir aquele lixo - mas eles irão embora dizendo às suas
crianças: “Não respeitem os americanos”; “Não sejam como os americanos”.
Por isso, o processo de Desmoralização pode ser interrompido
precisamente aqui de acordo com o teor daquiloque exporta e daquilo que
importa. E isso leva a um passo, algo muito importante a se fazer (os
senhores não precisam expulsar todos os agentes do KGB de Washington
D.C). A maior dificuldade ― e, ao mesmo tempo, a mais simplória resposta
à Subversão - é agir nesta fase, e até antes: trazendo a sociedade de volta à
religião — algo que não se pode tocar, que não se pode comer nem guardar
no bolso, mas algo que rege a sociedade e a faz se mover, que a preserva.
Um cientista soviético, Schafarevich (que não tem nada a ver com religião,
ele é um cientista da computação) realizou uma extensa pesquisa sobre a
história dos países socialistas. Ele considerou como socialista, ou comunista,
todo país com economia centralizada em estilo piramidal de estrutura de
poder. E descobriu (na realidade, ele não descobriu, apenas chamou a
atenção para os autores) que civilizações como os Mohenjo-Daro, na área
fluvial hindu; como os egípcios; os maias; os incas; e como a cultura
babilônica colapsaram e desapareceram da face da terra no instante em que
perderam suas religiões. E, simplesmente assim, elas desmancharam.
Ninguém mais se lembra delas. (Só remotamente).
Responder à Subversão Ideológica
Fig.. 6
Idéias movimentam e mantêm a humanidade enquanto sociedade de seres
humanos, agentes morais e racionais de Deus. Não são os fatos, a certeza (o
conhecimento exato)30; toda a sofisticada tecnologia e os computadores não
irão prevenir que uma sociedade desmanche e, eventualmente, pereça. Por
acaso já conheceram alguém que seria capaz de sacrificar a sua vida, sua
liberdade, por esta certeza: 2x2 = 4? Essa sentença está correta, mas jamais
conheci qualquer pessoa que dissesse: “Isto é verdadeiro e eu estou pronto -
atire em mim!” para defender uma certeza.
Mas milhões sacrificaram suas vidas, sua liberdade, seu conforto - tudo -
por algo como Deus. Algo como Jesus Cristo. Isso é uma honra: nos campos
de concentração soviéticos, alguns mártires morreram. E eles faleceram em
paz. (Ao contrário daqueles que bradaram “vida longa a Stálin” — sabendo
perfeita- mente que ele não iria longe). E algo imaterial que move a
sociedade e a ajuda a sobreviver. No instante em que transformamos “2x2 =
4” em um princípio norteador da nossa vida, da nossa existência, nós
morremos31― ainda que isto [2x2 = 4] seja verdadeiro, e que isso [Deus]
não possamos provar. Nós somente podemos sentir e ter fé32.
Por isso, a resposta à Subversão Ideológica, curiosamente, é muito
simples: os senhores não precisam atirar em ninguém, não precisam usar
mísseis e disparar contra o quartel-general de Andropov: simplesmente, os
senhores devem ter fé. E prevenir a Subversão. Em outras palavras, não
serem vítimas dela. Não sejam o sujeito que, como no Judô, tenta golpear o
inimigo e é capturado pelo punho - não procedam deste modo. Golpeiem
com sua força de espírito e superioridade moral. Se não têm esse poder, já é
hora de desenvolvê-lo. E essa é a única resposta. Isso é tudo.
PARTE II
MEU OFÍCIO ERA ILUDIR Subversão da Imprensa
do Mundo Livre Entrevista por G. Edward Griffin,
1984
G. Edward Griffin entrevista Yuri Bezmenov33.
A vida sob o coletivismo soviético
G. Edward Griffin: Nossa conversa é com o Sr. Yuri Aleksandrovich
Bezmenov. O Sr. Bezmenov nasceu em 1939, em um subúrbio de Moscou. Ele
era filho de um oficial do alto escalão do exército soviético. Foi educado em
escolas de elite dentro da União Soviética e tornou-se especialista em
cultura e línguas indianas. Ele possuía uma carreira excepcional na Novosti,
que era — e ainda é, devo dizer— o braço ou a imprensa da União
Soviética; ocorre que ela é também um front do KGB. Uma de suas
interessantes tarefas é a lavagem cerebral de diplomatas estrangeiros
durante suas visitas a Moscou. E ele nos dirá um pouco sobre como faliam
isso, e como plantavam informações que algumas vezes caíam na imprensa
do mundo livre. Ele escapou para o Ocidente em 1970, depois de perceber-
se totalmente enojado com o sistema soviético, o que fez sob grave risco de
vida. Ele é certamente um dos maiores expertos do mundo em matéria de
Propaganda e Desinformação soviéticas e Medidas Ativas. Sr. Bezmenov, eu
gostaria que começasse nos contando um pouco sobre as suas memórias de
infância.
Yuri Bezmenov: Bem, a lembrança mais vivida que eu tenho da minha
infância foi a II Guerra Mundial - ou, para ser mais preciso, o final dela,
quando, de repente, os Estados Unidos passaram da condição de uma nação
amiga (que nos ajudara a derrotar o nazismo) à condição de um inimigo
mortal, da noite para o dia. E isso foi muito chocante porque todos os jornais
estavam tentando apresentar a imagem de um imperialismo americano
agressivo, beligerante. A maior parte das coisas que nos eram ensinadas
afirmava que os Estados Unidos são uma potência agressiva prestes a invadir
nosso “belo e livre” país socialista; e que a CIA americana estaria liberando
besouros em nossos campos de batatas para eliminar nossas plantações. Cada
garoto de escola tinha uma figura do besouro-de-batata no anverso de seu
caderno, e nós éramos instruídos a ir até os campos de cultivo coletivo para
procurar por esses besouros — é claro que jamais conseguimos encontrar
nenhum (e nem mesmo encontravamos muitas batatas). E isso era, outra vez,
explicado como decorrência de uma “invasão” da “decadente potência
imperialista”.
A paranoia antiamericana — histeria da propaganda soviética — chegou
a um nível tão alto que mesmo pessoas mais céticas acreditavam que os
Estados Unidos estavam prestes a invadir nossa “bela Pátria-Mãe” — e
algumas, secretamente, torciam para que isso fosse mesmo verdade.
Griffin: Isso é interessante. Voltando a falar sobre a vida dentro da
União Soviética (ou dentro dos países comunistas, em geral): aqui, neste
país, lemos e ouvimos na base do ensino universitário que o sistema
soviético é diferente do nosso — mas não tão diferente —, que está se
desenvolvendo uma “convergência” entre todos os sistemas do mundo, e que
realmente não importa qual seja o sistema sob o qual se vive, já que sempre
existe corrupção, desonestidade, tirania e toda sorte de coisas. A partir da
sua experiência pessoal, qual é a diferença entre viver sob o comunismo e a
vida nos Estados Unidos?
Bezmenov: A vida é, obviamente, muito diferente pela simples razão de
que na União Soviética há, em termos econômicos, um capitalismo de
Estado, onde o indivíduo não possui absolutamente nenhum direito, nenhum
valor — a sua vida é um nada, qual fosse ele um inseto; ele é dispensável, ao
passo que nos Estados Unidos até mesmo o pior dos facínoras é tratado como
ser humano. Ele possui um processo justo, e alguns bandidos até capitalizam
a partir dos seus crimes: publicam memoirs de dentro das prisões (e são
muito bem pagos pelos seus tresloucados editores).
As diferenças na vida quotidiana, são várias, é claro, a depender de quem
nós estamos falando a respeito. Nunca sofri com o comunismo na minha vida
privada, simplesmente porque cresci na família de um oficial de alto escalão.
A maioria das portas esteve aberta para mim; a maior parcela das minhas
despesas era paga pelo governo; e eu jamais tive problemas com as
autoridades nem com a polícia. Portanto, em outras palavras, eu poderia
dizer: eu gozei (ou tinha boas razões para gozar) de todas as vantagens do
chamado “sistema socialista”. Minhas principais motivações para desertar
nada tinham a ver com prosperidade: foi, sobretudo, indignação moral,
protesto moral, uma rebelião contra os métodos inumanos do sistema
soviético.
Griffin: Especificamente, a que o Sr. se opôs?
Bezmenov: Eu me opus, antes de tudo, contra a opressão dos nossos
próprios dissidentes e intelectuais. Aquilo foi a coisa mais execrável que eu
testemunhei sendo um homem jovem, um estudante jovem que havia
crescido em um período muito problemático na nossa história (desde Stálin
até Krushchev), de uma tirania e opressão totais até algum tipo de
liberalização. Em segundo lugar, quando comecei a trabalhar para a
Embaixada soviética na índia,para o meu horror, descobri que nós éramos
milhões de vezes mais opressivos do que qualquer potência colonizadora ou
imperialista na história humana; que o meu país levava à índia não
“liberdade”, “progresso” e “amizade entre as nações”, mas racismo,
exploração e escravização (e, é claro, ineficiência econômica). Desde que
me apaixonei pela índia, desenvolvi algo que é extremamente perigoso para
os padrões do KGB ― é chamado “lealdade dividida” -, quando um agente
estima mais o país onde está em missão do que o seu próprio país de origem.
Literalmente, apaixonei-me por esse país belo — um país de grandes
contrastes, mas também de grande humildade, grande tolerância em
liberdades filosófica e intelectual. Meus ancestrais costumavam viver em
cavernas e comer carne crua quando a índia já era uma nação altamente
civilizada — seis mil anos atrás. Então, obviamente, minha escolha não foi
vantajosa para o meu país. Decidi desertar e me desvincular totalmente
daquele regime brutal.
Griffin: Sr. Bezmenov, nós temos lido bastante sobre campos de
concentração e campos de trabalho escravo sob o regime de Stálin. Agora, a
impressão geral na América é que essas são coisas do passado. Elas ainda
estão a ocorrer hoje? Qual é o seu status?
Bezmenov: Sim. Não há uma alteração qualitativa no sistema de
campos de concentração soviéticos. O que existe é uma mudança em número
de prisioneiros. Novamente: essas estatísticas soviéticas não são confiáveis;
não se sabe quantos prisioneiros políticos estão nos campos de concentração
soviéticos. Mas, é certeza, sabemos por várias fontes que para cada época em
particular, aproximadamente, de vinte e cinco a trinta milhões de cidadãos
soviéticos são feitos de escravos no sistema de campos de trabalhos
forçados. O equivalente à população de um país como o Canadá está
cumprindo pena, como prisioneiros.
Griffin: Inacreditável.
Bezmenov: Por isso, eu gostaria de dizer a esses “intelectuais” (que
estão tentando convencer o público americano de que o sistema de campos
de concentração é “coisa do passado”) que eles estão, deliberadamente,
enganando a opinião pública, e que, senão, eles não são gente tão intelectual
assim - eles são seletivamente cegos, falta-lhes honestidade intelectual
quando dizem isso.
Griffin: Nós falamos sobre os intelectuais nos Estados Unidos e sobre os
intelectuais na União Soviética. E quanto ao nível mais amplo, da massa? O
povo, em geral, os trabalhadores da União Soviética, apoia o sistema? Eles
o toleram, qual é a sua postura a respeito?
Bezmenov: O “cidadão soviético mediano” (se é que existe tal criatura, é
claro) não gosta do sistema porque ele fere, ele mata34 Ele pode não
entender as razões, pode não ter informações o bastante nem capacidade
educacional para compreender, mas eu realmente duvido que haja muita
gente apoiando conscientemente o sistema soviético, isso não há na URSS.
Mesmo aqueles que têm todos os motivos para gozar do socialismo - gente
como eu, membros da elite jornalística —, também odeiam o sistema por
diferentes razões. Não porque careçam de prosperidade, mas porque eles não
são livres para pensar, eles estão em medo constante — duplicidade,
personalidade dividida - e esta é a grande tragédia da minha nação35.
Griffin: 0 Sr. acredita que há chances de as pessoas sobrepujarem o
sistema ou substituí-lo?
Bezmenov: Há uma grande possibilidade de que o sistema, cedo ou
tarde, seja destruído a partir de dentro. Existe um mecanismo auto destrutivo
embutido em qualquer sistema socialista, comunista ou fascista, porque há
uma carência de retorno, já que o sistema não se abastece da lealdade da
população. Mas enquanto a União Soviética for patrocinada pelos chamados
“imperialistas” ocidentais — isto é, empresas multinacionais,
estabelecimentos, governos e, convenhamos, intelectuais (a academia dos
Estados Unidos é famosa por apoiar o sistema soviético); enquanto a Junta
soviética continuar recebendo crédito, dinheiro, tecnologia, negócios de
grãos e reconhecimento político — de todos esses traidores da democracia,
da liberdade —, não há esperança. Não há muita chance de mudança em meu
país - o sistema não vai ruir por si mesmo, porque ele simplesmente está
sendo alimentado por isso que chamam de “imperialismo americano”. Esse é
o maior paradoxo na história da humanidade: o mundo capitalista patrocina e
nutre ativamente o seu próprio destruidor.
Griffin: Suponho que o Sr. esteja tentando nos dizer algo —para os
Estados Unidos.
Bezmenov: Sim. Eu estou tentando dizer a vocês que isso tem que parar,
a menos que queiram terminar suas vidas no sistema Gulag, e aproveitar
todas as vantagens da igualdade socialista: trabalhar gratuitamente; catar
piolhos nos seus corpos; dormir em tábuas de madeira compensada - no
Alaska, suponho, é para lá que os americanos irão, a não ser que despertem
e, é claro, forcem seu governo a parar de prestar favores ao fascismo
soviético.
Griffin: O Sr. nos contou, instantes atrás, por que abandonou o sistema,
Du gostaria de saber os detalhes sobre como fez isso. Deve ter sido muito
perigoso.
Bezmenov: Não foi exatamente “perigoso” - foi insano. A começar pelo
fato de que desertar da índia, em princípio, é impossível, graças à forte
pressão do governo soviético.
Griffin: Perdoe-me: o Sr. estava em missão na Índia nesse momento?
Bezmenov: Sim, eu trabalhava para a Embaixada soviética em Nova
Delhi, como oficial de imprensa, e desertar para um diplomata soviético
estava além do impossível; suicídio, como eu disse, porque a “grande amiga”
Indira Gandhi promulgara uma lei, através do Parlamento, segundo a qual
“Nenhum desertor, de nenhum país, tem o direito a asilo político em
nenhuma embaixada no território da República Indiana”. E isso era a
quintessência da hipocrisia: nenhum outro desertor além do soviético precisa
de asilo político. Então, estando perfeitamente ciente disso, planejei a via
mais louca para desertar: estudei contra-cultura na índia. Havia lá milhares
de garotos e garotas americanas descalços, de cabelos longos, fumando
haxixe e maconha, por vezes estudando filosofia indiana, ou simplesmente
fingindo estar estudando; eles irritavam bastante a polícia e eram alvo de
chacota dos indianos (porque, obviamente, eram estudantes que serviam para
nada). Estudei minuciosamente como se congregam, que rotas de viagem
percorrem, o seu linguajar, o que fumam, e, um dia, eu simplesmente me
juntei a um grupo de hippies para evitar minha detecção pela polícia.
Vesti-me como um típico hippie - com um jeans azul, uma camisa longa
e todo tipo de miçangas, cabelos longos (comprei uma peruca, porque em
algumas semanas eu tinha de me transformar de um soviético sóbrio em um
americano hippie bem progressivo). E essa era a única maneira de não ser
detectado. Foi uma experiência muito interessante, mas era totalmente
necessária, pois, pelo meu conhecimento, sendo membro da Embaixada, eu
sabia de muitos casos de desertores soviéticos que haviam sido traídos pela
polícia indiana. E sabia também que muitas embaixadas ocidentais jogavam
um jogo imundo traindo esses desertores: de acordo com as nossas
informações, houve alguns (eu não os chamaria de “agentes duplos”, mas
simplesmente gente sem caráter) trabalhando na Embaixada dos Estados
Unidos, e confiar em pessoas desse tipo seria suicídio. Logo, eu precisava ser
extremamente cauteloso: não pude confiar em ninguém. E essa foi razão a
para desertar de um modo tão extravagante.
Griffin: Tivesse o Sr. sido capturado enquanto tentava escapar, o que te
teria acontecido?
Bezmenov: Provavelmente, eu terminaria os meus dias em um campo de
concentração. Ou, dependendo da situação, conforme o talante de algum
burocrata do KGB, talvez até tivesse sido executado, porque é esta a prática
normal - velada, é claro, não é algo público. Mas, certamente, teria sido esse
o fim da minha deserção.
Griffin: Quando o Sr. chegou, finalmente, aos Estados Unidos?
Bezmenov: Em 1970, depois de seis meses sob interrogatório, em
Atenas, pela CIA (e, presumo, pelo FBI também). Eles

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