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FACULDADE EVANGÉLICA DE GOIANÉSIA CURSO BACHARELADO EM DIREITO DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL THAIS LORENA ALVES GOIANÉSIA - GO 2023 THAIS LORENA ALVES DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL Pesquisa apresentado à Faculdade Evangélica de Goianésia, como requisito parcial para aprovação na disciplina de Direito Penal III. Sob orientação do Prof. Me Luana de Miranda Santos. GOIANÉSIA - GO 2023 3 1. INTRODUÇÃO A droga é uma questão antiga que remonta às sociedades primitivas. Antropólogos narrados por historiadores mostram que nunca houve uma sociedade completamente livre das drogas. No entanto, as sociedades humanas sempre tiveram alguma relação com substâncias que alteram o estado de consciência. No que diz respeito à posse e ao consumo pessoal de drogas, essa conduta é considerada uma infração penal de baixa gravidade, conforme previsto no artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). As penas estabelecidas são brandas, como advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços comunitários e participação em programas ou cursos educativos sobre o uso de drogas. Nesse ínterim, no que se refere à tolerância da sociedade em relação a diferentes estilos de vida, ideologias e preferências pessoais e morais, e levando em consideração a preservação do espaço de autonomia e intimidade do indivíduo, baseado na liberdade conforme preconizado pelo artigo 5º da Constituição Federal, a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal em si não causa danos a terceiros. Isso se refere apenas às condutas derivadas desse consumo que resultam nesses danos, como o furto para sustentar o vício. Tais condutas derivadas já são consideradas crime por meio de outros dispositivos penais, tornando desnecessária a criminalização do porte de drogas para uso pessoal. É importante ressaltar os graves problemas sociais decorrentes do uso de drogas, principalmente a criminalidade associada ao seu uso e tráfico. Nesse contexto, é possível observar as consequências da proibição e questionar a eficácia da atual política antidrogas. Surge, então, a questão se a descriminalização de todas as drogas seria a melhor solução no momento, levando em consideração os efeitos negativos causados pela proibição do uso das drogas. Diante das inconstitucionalidades do artigo 28 da atual Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal, ocorre uma ofensa aos princípios dos direitos humanos, bem como aos direitos políticos e civis dos brasileiros. Até o momento, três ministros do Supremo Tribunal Federal - Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes - votaram a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas. Especificamente no recurso extraordinário (RE) 635659, com reconhecida repercussão geral, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram favoravelmente à descriminalização da maconha. 4 Além disso, o ministro Gilmar Mendes votou a favor da descriminalização de todas as drogas, afirmando que o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Ele argumentou que a questão do uso de drogas deveria ser tratada no âmbito cível e administrativo, separando-a do campo penal, o que prejudica certas políticas, como a de redução de danos. O ministro defendeu que os réus sejam absolvidos por atipicidade da conduta. 2. DESENVOLVIMENTO Em meio a tantas opiniões divergentes sobre um tema hipercomplexo, percebe-se a "ausência de uma resposta perfeita". Observa-se que o consumo de drogas por um indivíduo não afetaria terceiros, ou seja, a posse de drogas para uso pessoal não prejudicaria a saúde pública como um todo, mas apenas o próprio usuário. É importante destacar que a Lei 11.343/2006 define drogas como substâncias capazes de causar dependência, sem especificar exatamente o que são consideradas drogas. No entanto, a Portaria 344/98 do Ministério da Saúde estabelece que o bem jurídico tutelado é a saúde pública, a qual é colocada em perigo devido ao porte de drogas proibidas, independentemente do uso ou da quantidade apreendida. Isso sugere que, com a propagação do vício na sociedade, o uso de drogas não afetaria apenas o usuário individualmente, mas também a sociedade como um todo. O discurso de justificação do proibicionismo está fundamentado na perspectiva da saúde pública, que considera os usuários de drogas como doentes sem capacidade de percepção, sendo vistos como uma ameaça aos recursos públicos e à saúde coletiva (RODRIGUES, 2004) Além disso, existe um terceiro discurso de justificação para a proibição, o discurso da segurança pública, que argumenta que nenhum indivíduo tem o direito de se comportar de maneira que coloque em risco a segurança de toda a população ou de si mesmo. Por fim, o discurso geopolítico é considerado o mais poderoso de todos, onde as drogas são vistas como uma questão política global, com uma divisão entre países produtores da droga, muitos deles localizados em países do terceiro mundo, como a América do Sul e a Ásia (RODRIGUES, 2004). Além disso, essa divisão entre países produtores e países consumidores, como os Estados Unidos e a Europa, tem sido usada como justificativa para políticas 5 americanas, por exemplo, intervenções militares em países do terceiro mundo, com a droga sendo utilizada como pretexto para impor sua política econômica (ARANTES, 2004). Nota-se que a política antidrogas não está necessariamente preocupada com a substância em si, uma vez que a maconha era amplamente consumida nos Estados Unidos e em todo o mundo, e a cocaína era até utilizada por senhoras. A criminalização das drogas nos Estados Unidos não ocorreu devido ao potencial dano que elas poderiam causar às pessoas, mas sim devido a certos grupos de pessoas associadas a essas substâncias. (BATISTA, 2003). De fato, na época da criminalização das drogas, os estereótipos e associações raciais desempenharam um papel significativo. Os estereótipos negativos foram aplicados aos mexicanos consumidores de maconha e aos negros que usavam cocaína como estimulante para o trabalho. Da mesma forma, o ópio foi associado aos chineses e o álcool aos italianos. A criminalização das drogas nesse período não estava diretamente ligada à possibilidade danosa das substâncias, mas sim à necessidade de controlar certos grupos étnicos e sociais. O pretexto de combater as drogas foi usado como justificativa para perseguir e controlar essas pessoas (BATISTA, 2003). Compreende-se que, do ponto de vista médico, o conceito de drogas abrange todas as substâncias com capacidade de alterar o comportamento ou o estado de consciência de uma pessoa. Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), o termo "droga" tem origem no antigo holandês e significava "folha seca", uma vez que os medicamentos costumavam ser feitos a partir de folhas. Portanto, as drogas abrangem tanto substâncias ilícitas, como maconha, heroína e cocaína, quanto substâncias lícitas, como medicamentos, tabaco e álcool. (GOMES, 2007). De fato, a descriminalização pode ser definida como o ato de remover o caráter criminal de um determinado fato que anteriormente era considerado crime, anulando leis ou regulamentações que classificam um comportamento, produto ou condição como criminosos. Conforme argumentado por Gomes (2007), a descriminalização implica em retirar o caráter criminoso de certas condutas. O fato descrito na lei penal deixa de ser considerado crime, ou seja, deixa de ser uma infração penal. O autor também menciona que existem duas formas de descriminalização.: 6 a) A que retira o caráter ilícito penal da conduta, mas não a legaliza.b) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente, (...) A primeira pode ser chamada de descriminalização ‘penal’ (porque só afasta a incidência do Direito penal, mas o fato continua sendo ilícito). A segunda pode ser denominada de descriminalização plena ou total (porque elimina o caráter ilícito do fato perante todo o ordenamento jurídico). (GOMES, 2007, p. 521) Com o advento da Lei 11.343, uma nova abordagem foi introduzida para lidar com um tema tão complexo. Anteriormente, a legislação antidrogas tratava o assunto de maneira predominantemente penal, mas com a atual lei, a questão passou a ser considerada também do ponto de vista sociológico. O legislador compreendeu que o tema das drogas não era apenas uma questão de direito penal, mas também envolvia aspectos de assistência social, critérios criminológicos, economia e políticas públicas (SILVA, 2008). A lei estabeleceu os crimes relacionados às drogas em seu capítulo II e eliminou o termo "entorpecente", que era utilizado desde 1921, passando a tratar diretamente no artigo 33 o crime de tráfico com a expressão "droga". Uma das principais mudanças foi a exclusão da pena de prisão para o usuário ou para aquele que possui a droga para consumo pessoal. Além disso, a pena foi aumentada para 5 anos, mantendo-se a pena máxima de 15 anos para os indivíduos enquadrados como traficantes (SILVA, 2008). A lei também estabeleceu uma distinção no § 4º do artigo 33 entre o traficante profissional e o traficante ocasional, proporcionando benefícios aos traficantes ocasionais, como a redução da pena de um a dois sextos, desde que sejam primários, tenham bons antecedentes e não façam parte de nenhuma organização criminosa. Atualmente, o projeto de lei n.º 7.663/2010 aguarda apreciação no Senado Federal, o qual propõe várias modificações na lei 11.343, incluindo a internação compulsória e a alteração da pena mínima dos crimes de tráfico de 05 para 08 anos (SILVA, 2008). Antes de criminalizar uma conduta, é importante considerar se essa medida será eficaz para controlar o problema social em questão. No caso do porte de drogas para consumo pessoal, fica evidente que a criminalização está gerando mais danos do que benefícios (SILVA, 2008). No processo de criminalização, é crucial considerar os benefícios e custos sociais resultantes da medida de tornar algo criminoso. É importante reconhecer que 7 a criminalização do uso de drogas não está gerando mais danos do que o próprio uso em si. (SILVA, 2008). Conforme apontado por DELGADO (2012), a posse de drogas para uso pessoal, desde que não afete o bem jurídico de terceiros, não deve ser objeto de penalização. Esse posicionamento está alinhado ao princípio do estado penal mínimo, no qual a criminalização só é justificada quando não existem outros meios alternativos para solucionar o problema em questão. De acordo com SILVA (2008), as sanções relacionadas à posse de drogas ilícitas para uso pessoal deveriam ser tratadas no âmbito administrativo, o que resultaria em benefícios sociais mais satisfatórios. Nesse sentido, SILVA (2008) afirma que o equilíbrio entre esses dois aspectos poderia ser alcançado de forma adequada por meio de diretrizes e normas administrativas e sanitárias, em vez de ser abordado pelo ramo do Direito Penal. Concordamos que a previsão constitucional limita o poder do legislador comum de criar tipos penais que restrinjam essas garantias, o que poderia comprometer a harmonia da ordem normativa. Portanto, é razoável concluir que a conduta de posse de drogas para consumo pessoal não configuraria um crime, uma vez que está relacionada apenas ao próprio uso. Nesse caso, a intervenção do Direito Penal não é justificada, pois poderia ser abordada por meio de outros ramos do Direito, evitando violações ao princípio da subsidiariedade (DELGADO, 2012). No dia 20 de agosto de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário (RE) 635659, apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Este recurso buscava reverter a condenação por tráfico de um homem que foi preso portando três gramas de maconha. Consequentemente, o relator ministro Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006). Ele argumentou que a política atual, que criminaliza o usuário, viola diversos direitos constitucionais, como o direito à personalidade, à liberdade da pessoa humana e à intimidade. De acordo com o ministro, o caso em questão no STF deveria ser analisado considerando o confronto entre os direitos constitucionais coletivos, como a saúde e a segurança, e os direitos individuais à intimidade da vida privada e à liberdade. Além disso, o ministro ressaltou que a atual lei não está cumprindo seu objetivo de assegurar a saúde e a segurança coletiva. Ele destacou a necessidade de remover as medidas de segurança aplicadas aos usuários do âmbito penal e transferi- 8 las para esfera administrativa e civil. Na opinião do ministro, embora o legislador tenha excluído a pena privativa de liberdade, manter a conduta no âmbito penal continua sendo prejudicial aos usuários. O entendimento do ministro Gilmar Mendes é que, em casos de prisão em flagrante por tráfico de drogas, é necessário que o réu seja levado imediatamente perante um juiz para que este possa analisar se o indivíduo é realmente um usuário ou um traficante. Essa medida visa evitar que usuários sejam mantidos em prisão preventiva sem provas suficientes. O objetivo é garantir a aplicação correta da lei, diferenciando as situações de uso e tráfico de drogas, e assegurar o respeito aos direitos dos envolvidos. Para o ministro o artigo 28 da lei tem vícios de constitucionalidade, fazendo uma comparação com outros países em que o consumo não é criminalizado não ocorreu o aumento de forma relevante no consumo. Gilmar Mendes afirma que: Apesar da política de guerra as drogas já esta demostrado que o consumo só vem aumentando nos últimos anos. Não existem estudos suficientes ou incontroversos que demonstre que a repressão ao consumo é o meio mais eficiente para combater o tráfico de drogas. O ministro Gilmar Mendes sustenta que o uso de drogas por parte do usuário representa um risco apenas para sua própria saúde e não para a saúde e segurança coletivas. Portanto, ele argumenta que impor uma punição excessiva aos usuários seria injustificado, uma vez que não há um dano coletivo direto à saúde pública decorrente do consumo pessoal de drogas. Assim, mesmo que o usuário obtenha a droga por meio do contato direto com um traficante, essa conduta não deve ser considerada ilícita de forma automática. O foco, segundo o ministro, deve ser direcionado para a distinção entre usuário e traficante, de modo a evitar a criminalização e a punição desproporcional dos usuários. O ministro Gilmar Mendes defendeu a ideia de legalizar a maconha como um teste para avaliar seus impactos na prática, destacando que, caso os resultados sejam positivos, esse mesmo teste poderia ser aplicado a outras drogas. Ele mencionou problemas decorrentes da criminalização, como o aumento da população carcerária e os altos custos associados à política atual. Além disso, o ministro ressaltou que, apesar da criminalização, o consumo de drogas continuou aumentando, enquanto o consumo de tabaco, que é uma substância lícita, diminuiu 9 devido a campanhas públicas. Ele também citou experiências de outros países, como Portugal, Espanha, Colômbia e Argentina, onde a descriminalização do uso de drogas não resultou no grande aumento do consumo que os opositores à descriminalização temiam. O ministro Edson Fachin também expressou seu apoio à descriminalização da maconha, porém, limitou seu voto a essa droga específica. Ele explicou que, em questões penais, o Tribunal deve exercer autocontenção e restringir suaatuação ao caso em julgamento, a fim de evitar intervenções judiciais desproporcionais. Fachin ressaltou a importância de encontrar um equilíbrio entre a proteção social adequada e a preservação das liberdades individuais. Assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema jurídico que está sob análise, do Supremo Tribunal Federal no presente recurso extraordinário, propõe-se estrita observância às balizas fáticas e jurídicas do caso concreto para atuação da corte em ceara tão sensível: a definição sobre a constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e privacidade. O posicionamento do ministro Edson Fachin incluiu a proposta de atribuir ao Legislativo a elaboração de uma lei que estabeleça parâmetros mínimos para distinguir traficantes de usuários. Ele também votou pela determinação aos órgãos responsáveis pela política criminal e de drogas a elaboração e execução de políticas públicas, a fim de emitir parâmetros provisórios que diferenciem traficantes de usuários até que a lei seja promulgada. A visão da procuradora Maria Tereza Gomes destaca que, mesmo com as mudanças feitas na lei, ainda persistem questões não resolvidas, como a distinção clara entre usuário e traficante. Isso resulta em condenações desproporcionais para microtraficantes, que acabam recebendo penas semelhantes às dos grandes traficantes, mesmo com quantidades muito menores de drogas envolvidas. A falta de critérios claros nessa distinção é uma lacuna significativa. No Brasil, devido à ausência de critérios claros para distinguir usuários de traficantes, observa-se uma significativa divisão com base na classe social entre esses grupos. Os jovens provenientes de famílias abastadas são rotulados como usuários e, portanto, tendem a receber tratamento diferenciado. Por outro lado, os jovens de origem humilde das favelas e periferias são encarados como inimigos, 10 sendo frequentemente submetidos à prisão e, em alguns casos, até mesmo expostos a confrontos policiais fatais. (BATISTA, 2003). Na obra "Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro", o autor argumenta que o sistema penal adota uma abordagem seletiva em relação aos adolescentes infratores, diferenciando o tratamento entre jovens de baixa renda e jovens de classe privilegiada. Além disso, o autor destaca a aceitação social do consumo de drogas. Com base nesses elementos, podemos afirmar que o problema do sistema penal não está na droga em si, mas sim no controle específico direcionado a uma parcela da juventude considerada perigosa (BATISTA, 2003). Após a adoção do modelo bélico no combate às drogas, o Brasil está enfrentando atualmente um alto índice de encarceramento em massa, especialmente da juventude negra e pobre. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de junho de 2014 (Infopen), 67% dos indivíduos presos são negros, enquanto 31% são brancos. Em relação à educação, os dados revelam que oito em cada dez detentos possuem, no máximo, ensino fundamental completo. O mesmo levantamento indica que 27% das pessoas encarceradas no país estão cumprindo pena por tráfico de drogas. Entre os homens, 25% foram detidos por tráfico de drogas, enquanto entre as mulheres, esse número sobe para 63%. Outro estudo realizado em 2011 pelo Instituto Sou da Paz, com base em dados do Departamento de Inquéritos Policiais, Corregedoria da Polícia Judiciária e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), revelou que mais de 67,7% dos indivíduos presos por tráfico de maconha estavam portando menos de 100 gramas de entorpecente no momento da prisão. Desses, 14% possuíam quantidade inferior a 10 gramas, o equivalente a cerca de 10 cigarros. No que diz respeito aos indivíduos presos por tráfico de cocaína, 77,6% deles foram flagrados com menos de 100 gramas da substância. Além disso, o mesmo levantamento revela que 94,3% dos condenados detidos não possuíam qualquer envolvimento com organizações criminosas, 62,7% estavam empregados no momento da prisão e 97% não estavam portando qualquer tipo de arma. Com base nessas informações, podemos concluir que muitos desses indivíduos eram usuários ou envolvidos em pequenas atividades de tráfico, conhecidos como microtraficantes. Todo esse problema surge quando o consumo de drogas foi criminalizado, transformando de uma hora para outra os usuários em criminosos, tanto os 11 consumidores quanto os vendedores, o que intensificou a cultura da guerra às drogas. O Estado e a sociedade passaram a tratar essas pessoas como inimigas, resultando na perseguição e no encarceramento em massa. Nessa guerra, os grandes traficantes, como políticos e empresários, parecem intocáveis. Por outro lado, os jovens negros e pobres, das favelas e periferias estão sendo alvo do sistema penal. Percebemos que a juventude está sendo criminalizada e até mesmo eliminada devido à política antidrogas, pois a proibição leva a essa guerra em que os usuários são considerados inimigos do país e devem ser perseguidos. Além disso, no Brasil, o Estado nunca matou e encarcerou tantas pessoas como agora, nem mesmo durante a ditadura militar. De acordo com o Ministério da Justiça, com dados do Infopen, o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo (DELGADO, 2012). Consequentemente, os únicos que estão se beneficiando com essa guerra às drogas são a indústria do controle do crime e a corrupção, como as prisões privadas e a indústria de armas, entre outros. Muitas pessoas estão lucrando com o encarceramento em massa. Isso está resultando no mesmo que aconteceu nos Estados Unidos no início das décadas de 1930 e 1940, quando o álcool, consumido por um grande número de pessoas, se tornou ilegal devido à Lei Seca. O que ocorreu foi um aumento significativo da corrupção e da violência, e as consequências da proibição foram muito mais dramáticas do que o próprio consumo de álcool. CONSIDERAÇÕES FINAIS As drogas sempre estiveram presentes ao longo da história da humanidade, e são consideradas necessidades humanas. Isso é comprovado pelo fato de que, mesmo com todas as leis de combate às drogas, o consumo continua aumentando. Podemos afirmar com certeza que é impossível vivermos em um mundo livre das drogas. Desde o início das políticas proibicionistas nos Estados Unidos até os dias atuais, fica evidente que a proibição do uso de drogas está sendo usada como uma forma de controle de determinados grupos sociais (BATISTA, 2003). No Brasil, observa-se uma seletividade, onde os jovens negros e pobres são considerados traficantes, enquanto um jovem de classe média seria tratado como usuário. Além disso, os argumentos para a proibição do uso de drogas são contraditórios. Embora se diga que a lei busca proteger a saúde pública, o álcool e o 12 tabaco, que são amplamente conhecidos como as drogas que mais causam mortes no Brasil, são vendidos livremente. Até pouco tempo atrás, o uso dessas substâncias era incentivado por meio de glamorosas propagandas na televisão. Fica claro que o Estado está mais preocupado com questões políticas e comerciais relacionadas a certas substâncias do que com a saúde das pessoas. Seguindo essa linha de pensamento, pode-se afirmar que a guerra às drogas não trouxe segurança pública, pelo contrário, com a criminalização, o consumo continua aumentando, e a violência é causada pela própria criminalização (BATISTA, 2003). Devemos seguir o exemplo do que aconteceu com a Lei Seca nos Estados Unidos. No início das décadas de 1930 e 1940, houve uma tentativa de criminalizar o álcool, porém hoje em dia seu consumo é tolerado, mas sem os problemas causados pela criminalização. Outro exemplo importante é o cigarro. Cada vez mais pessoas estão deixando de fumar,e não foi necessário criminalizar o uso. De acordo com pesquisas realizadas pelo Vigitel (2014) (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico), apresentadas em maio de 2015 pelo Ministério da Saúde, houve uma redução de 30,7% no número de fumantes no Brasil nos últimos nove anos. As leis antifumo, proibindo fumar em locais públicos, a fixação do preço mínimo do cigarro e a proibição da propaganda de produtos derivados do tabaco são algumas das políticas do governo federal que contribuíram para a redução do número de fumantes, de acordo com a pesquisa. Esses dados são extremamente importantes se levarmos em conta outra pesquisa realizada pela organização americana de controle do tabagismo (CTFK, sigla em inglês) Campanha Crianças Livres do Tabaco, que analisou documentos fornecidos pela indústria do tabaco e pesquisas científicas, constatando que o cigarro é muito mais viciante do que a cocaína e a heroína. Compreendo seu ponto de vista sobre a descriminalização das drogas e os potenciais impactos que isso pode trazer. No entanto, é importante considerar diferentes perspectivas sobre o assunto. A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é um tema debatido e estudado em vários países ao redor do mundo. Alguns argumentam que a abordagem repressiva adotada até agora não tem sido eficaz no combate ao uso e tráfico de drogas, e que a criminalização do consumo pessoal acaba afetando principalmente os usuários, em especial os mais vulneráveis. A proposta de regulamentação e redução de danos, aliada a campanhas 13 educativas e de saúde pública, tem como objetivo oferecer um novo modelo de enfrentamento das drogas, priorizando a prevenção e a busca por soluções mais adequadas. Essa abordagem busca tratar o consumo de drogas como uma questão de saúde, em vez de uma questão criminal, direcionando esforços para oferecer tratamento e apoio aos usuários, ao invés de puni-los. É importante mencionar que a descriminalização não significa uma completa liberação ou incentivo ao consumo de drogas, mas sim uma mudança na forma como o Estado lida com esse problema complexo. Regulamentar o uso de drogas pode permitir um maior controle sobre a qualidade dos produtos, evitar a criminalização de pessoas que usam drogas em pequenas quantidades e redirecionar recursos para programas de prevenção e tratamento. No entanto, é necessário um debate amplo e aprofundado sobre o assunto, considerando as diferentes perspectivas e levando em conta as consequências potenciais de qualquer mudança na legislação de drogas. Questões como financiamento de tratamento, políticas de prevenção e os impactos sociais devem ser abordadas com seriedade. É fundamental que a sociedade tenha acesso a informações embasadas em evidências científicas e promova um diálogo construtivo para encontrar soluções mais eficazes no enfrentamento do uso e tráfico de drogas, buscando equilibrar a saúde pública, a segurança e os direitos individuais. REFERÊNCIAS ARBEX JR., J. Narcotráfico, um jogo de poder nas Américas. Editora Moderna. 2005. BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. Cf. DALLARI, D. de A. Direitos Humanos e Cidadania, 2002, p. 8. DELGADO, R. M. Usuário de drogas: punição inconstitucional. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3455, 16 dez. 2012. GOMES. L. F. (coordenador). Nova Lei de drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 14 SILVA S. A. Punição criminal ao porte de entorpecentes para uso próprio e irracionalismo repressivo: Uma ainda necessária reflexão. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 19, n. 88, p. 167- 186, jan-fev./2011