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DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS

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FACULDADE EVANGÉLICA DE GOIANÉSIA 
CURSO BACHARELADO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL 
THAIS LORENA ALVES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GOIANÉSIA - GO 
2023 
THAIS LORENA ALVES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL 
 
 
 
 
 
 
Pesquisa apresentado à Faculdade 
Evangélica de Goianésia, como requisito 
parcial para aprovação na disciplina de 
Direito Penal III. 
Sob orientação do Prof. Me Luana de 
Miranda Santos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
GOIANÉSIA - GO 
2023 
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1. INTRODUÇÃO 
A droga é uma questão antiga que remonta às sociedades primitivas. 
Antropólogos narrados por historiadores mostram que nunca houve uma sociedade 
completamente livre das drogas. No entanto, as sociedades humanas sempre tiveram 
alguma relação com substâncias que alteram o estado de consciência. No que diz 
respeito à posse e ao consumo pessoal de drogas, essa conduta é considerada uma 
infração penal de baixa gravidade, conforme previsto no artigo 28 da Lei das Drogas 
(Lei 11.343/2006). As penas estabelecidas são brandas, como advertência sobre os 
efeitos das drogas, prestação de serviços comunitários e participação em programas 
ou cursos educativos sobre o uso de drogas. 
Nesse ínterim, no que se refere à tolerância da sociedade em relação a 
diferentes estilos de vida, ideologias e preferências pessoais e morais, e levando em 
consideração a preservação do espaço de autonomia e intimidade do indivíduo, 
baseado na liberdade conforme preconizado pelo artigo 5º da Constituição Federal, a 
descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal em si não causa danos 
a terceiros. Isso se refere apenas às condutas derivadas desse consumo que resultam 
nesses danos, como o furto para sustentar o vício. Tais condutas derivadas já são 
consideradas crime por meio de outros dispositivos penais, tornando desnecessária a 
criminalização do porte de drogas para uso pessoal. É importante ressaltar os graves 
problemas sociais decorrentes do uso de drogas, principalmente a criminalidade 
associada ao seu uso e tráfico. 
Nesse contexto, é possível observar as consequências da proibição e 
questionar a eficácia da atual política antidrogas. Surge, então, a questão se a 
descriminalização de todas as drogas seria a melhor solução no momento, levando 
em consideração os efeitos negativos causados pela proibição do uso das drogas. 
Diante das inconstitucionalidades do artigo 28 da atual Lei de Drogas (Lei 
11.343/2006), que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal, ocorre uma ofensa 
aos princípios dos direitos humanos, bem como aos direitos políticos e civis dos 
brasileiros. Até o momento, três ministros do Supremo Tribunal Federal - Luís Roberto 
Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes - votaram a favor de algum tipo de 
descriminalização da posse de drogas. Especificamente no recurso extraordinário 
(RE) 635659, com reconhecida repercussão geral, os ministros Luís Roberto Barroso 
e Edson Fachin votaram favoravelmente à descriminalização da maconha. 
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Além disso, o ministro Gilmar Mendes votou a favor da descriminalização 
de todas as drogas, afirmando que o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Ele 
argumentou que a questão do uso de drogas deveria ser tratada no âmbito cível e 
administrativo, separando-a do campo penal, o que prejudica certas políticas, como a 
de redução de danos. O ministro defendeu que os réus sejam absolvidos por 
atipicidade da conduta. 
 
2. DESENVOLVIMENTO 
Em meio a tantas opiniões divergentes sobre um tema hipercomplexo, 
percebe-se a "ausência de uma resposta perfeita". Observa-se que o consumo de 
drogas por um indivíduo não afetaria terceiros, ou seja, a posse de drogas para uso 
pessoal não prejudicaria a saúde pública como um todo, mas apenas o próprio 
usuário. É importante destacar que a Lei 11.343/2006 define drogas como substâncias 
capazes de causar dependência, sem especificar exatamente o que são consideradas 
drogas. 
No entanto, a Portaria 344/98 do Ministério da Saúde estabelece que o bem 
jurídico tutelado é a saúde pública, a qual é colocada em perigo devido ao porte de 
drogas proibidas, independentemente do uso ou da quantidade apreendida. Isso 
sugere que, com a propagação do vício na sociedade, o uso de drogas não afetaria 
apenas o usuário individualmente, mas também a sociedade como um todo. 
O discurso de justificação do proibicionismo está fundamentado na 
perspectiva da saúde pública, que considera os usuários de drogas como doentes 
sem capacidade de percepção, sendo vistos como uma ameaça aos recursos públicos 
e à saúde coletiva (RODRIGUES, 2004) 
Além disso, existe um terceiro discurso de justificação para a proibição, o 
discurso da segurança pública, que argumenta que nenhum indivíduo tem o direito de 
se comportar de maneira que coloque em risco a segurança de toda a população ou 
de si mesmo. Por fim, o discurso geopolítico é considerado o mais poderoso de todos, 
onde as drogas são vistas como uma questão política global, com uma divisão entre 
países produtores da droga, muitos deles localizados em países do terceiro mundo, 
como a América do Sul e a Ásia (RODRIGUES, 2004). 
Além disso, essa divisão entre países produtores e países consumidores, 
como os Estados Unidos e a Europa, tem sido usada como justificativa para políticas 
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americanas, por exemplo, intervenções militares em países do terceiro mundo, com a 
droga sendo utilizada como pretexto para impor sua política econômica (ARANTES, 
2004). 
Nota-se que a política antidrogas não está necessariamente preocupada 
com a substância em si, uma vez que a maconha era amplamente consumida nos 
Estados Unidos e em todo o mundo, e a cocaína era até utilizada por senhoras. A 
criminalização das drogas nos Estados Unidos não ocorreu devido ao potencial dano 
que elas poderiam causar às pessoas, mas sim devido a certos grupos de pessoas 
associadas a essas substâncias. (BATISTA, 2003). 
De fato, na época da criminalização das drogas, os estereótipos e 
associações raciais desempenharam um papel significativo. Os estereótipos 
negativos foram aplicados aos mexicanos consumidores de maconha e aos negros 
que usavam cocaína como estimulante para o trabalho. Da mesma forma, o ópio foi 
associado aos chineses e o álcool aos italianos. A criminalização das drogas nesse 
período não estava diretamente ligada à possibilidade danosa das substâncias, mas 
sim à necessidade de controlar certos grupos étnicos e sociais. O pretexto de 
combater as drogas foi usado como justificativa para perseguir e controlar essas 
pessoas (BATISTA, 2003). 
Compreende-se que, do ponto de vista médico, o conceito de drogas 
abrange todas as substâncias com capacidade de alterar o comportamento ou o 
estado de consciência de uma pessoa. Segundo o Centro Brasileiro de Informações 
sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), o termo "droga" tem origem no antigo holandês 
e significava "folha seca", uma vez que os medicamentos costumavam ser feitos a 
partir de folhas. Portanto, as drogas abrangem tanto substâncias ilícitas, como 
maconha, heroína e cocaína, quanto substâncias lícitas, como medicamentos, tabaco 
e álcool. (GOMES, 2007). 
De fato, a descriminalização pode ser definida como o ato de remover o 
caráter criminal de um determinado fato que anteriormente era considerado crime, 
anulando leis ou regulamentações que classificam um comportamento, produto ou 
condição como criminosos. Conforme argumentado por Gomes (2007), a 
descriminalização implica em retirar o caráter criminoso de certas condutas. O fato 
descrito na lei penal deixa de ser considerado crime, ou seja, deixa de ser uma 
infração penal. O autor também menciona que existem duas formas de 
descriminalização.: 
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a) A que retira o caráter ilícito penal da conduta, mas não a legaliza.b) a que 
afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente, (...) A primeira 
pode ser chamada de descriminalização ‘penal’ (porque só afasta a incidência 
do Direito penal, mas o fato continua sendo ilícito). A segunda pode ser 
denominada de descriminalização plena ou total (porque elimina o caráter 
ilícito do fato perante todo o ordenamento jurídico). (GOMES, 2007, p. 521) 
 
Com o advento da Lei 11.343, uma nova abordagem foi introduzida para 
lidar com um tema tão complexo. Anteriormente, a legislação antidrogas tratava o 
assunto de maneira predominantemente penal, mas com a atual lei, a questão passou 
a ser considerada também do ponto de vista sociológico. O legislador compreendeu 
que o tema das drogas não era apenas uma questão de direito penal, mas também 
envolvia aspectos de assistência social, critérios criminológicos, economia e políticas 
públicas (SILVA, 2008). 
A lei estabeleceu os crimes relacionados às drogas em seu capítulo II e 
eliminou o termo "entorpecente", que era utilizado desde 1921, passando a tratar 
diretamente no artigo 33 o crime de tráfico com a expressão "droga". Uma das 
principais mudanças foi a exclusão da pena de prisão para o usuário ou para aquele 
que possui a droga para consumo pessoal. Além disso, a pena foi aumentada para 5 
anos, mantendo-se a pena máxima de 15 anos para os indivíduos enquadrados como 
traficantes (SILVA, 2008). 
A lei também estabeleceu uma distinção no § 4º do artigo 33 entre o 
traficante profissional e o traficante ocasional, proporcionando benefícios aos 
traficantes ocasionais, como a redução da pena de um a dois sextos, desde que sejam 
primários, tenham bons antecedentes e não façam parte de nenhuma organização 
criminosa. Atualmente, o projeto de lei n.º 7.663/2010 aguarda apreciação no Senado 
Federal, o qual propõe várias modificações na lei 11.343, incluindo a internação 
compulsória e a alteração da pena mínima dos crimes de tráfico de 05 para 08 anos 
(SILVA, 2008). 
Antes de criminalizar uma conduta, é importante considerar se essa medida 
será eficaz para controlar o problema social em questão. No caso do porte de drogas 
para consumo pessoal, fica evidente que a criminalização está gerando mais danos 
do que benefícios (SILVA, 2008). 
No processo de criminalização, é crucial considerar os benefícios e custos 
sociais resultantes da medida de tornar algo criminoso. É importante reconhecer que 
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a criminalização do uso de drogas não está gerando mais danos do que o próprio uso 
em si. (SILVA, 2008). 
Conforme apontado por DELGADO (2012), a posse de drogas para uso 
pessoal, desde que não afete o bem jurídico de terceiros, não deve ser objeto de 
penalização. Esse posicionamento está alinhado ao princípio do estado penal mínimo, 
no qual a criminalização só é justificada quando não existem outros meios alternativos 
para solucionar o problema em questão. 
De acordo com SILVA (2008), as sanções relacionadas à posse de drogas 
ilícitas para uso pessoal deveriam ser tratadas no âmbito administrativo, o que 
resultaria em benefícios sociais mais satisfatórios. Nesse sentido, SILVA (2008) afirma 
que o equilíbrio entre esses dois aspectos poderia ser alcançado de forma adequada 
por meio de diretrizes e normas administrativas e sanitárias, em vez de ser abordado 
pelo ramo do Direito Penal. 
Concordamos que a previsão constitucional limita o poder do legislador 
comum de criar tipos penais que restrinjam essas garantias, o que poderia 
comprometer a harmonia da ordem normativa. Portanto, é razoável concluir que a 
conduta de posse de drogas para consumo pessoal não configuraria um crime, uma 
vez que está relacionada apenas ao próprio uso. Nesse caso, a intervenção do Direito 
Penal não é justificada, pois poderia ser abordada por meio de outros ramos do Direito, 
evitando violações ao princípio da subsidiariedade (DELGADO, 2012). 
No dia 20 de agosto de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o 
Recurso Extraordinário (RE) 635659, apresentado pela Defensoria Pública do Estado 
de São Paulo. Este recurso buscava reverter a condenação por tráfico de um homem 
que foi preso portando três gramas de maconha. 
Consequentemente, o relator ministro Gilmar Mendes votou pela 
inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006). Ele argumentou 
que a política atual, que criminaliza o usuário, viola diversos direitos constitucionais, 
como o direito à personalidade, à liberdade da pessoa humana e à intimidade. 
De acordo com o ministro, o caso em questão no STF deveria ser analisado 
considerando o confronto entre os direitos constitucionais coletivos, como a saúde e 
a segurança, e os direitos individuais à intimidade da vida privada e à liberdade. 
Além disso, o ministro ressaltou que a atual lei não está cumprindo seu 
objetivo de assegurar a saúde e a segurança coletiva. Ele destacou a necessidade de 
remover as medidas de segurança aplicadas aos usuários do âmbito penal e transferi-
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las para esfera administrativa e civil. Na opinião do ministro, embora o legislador tenha 
excluído a pena privativa de liberdade, manter a conduta no âmbito penal continua 
sendo prejudicial aos usuários. 
O entendimento do ministro Gilmar Mendes é que, em casos de prisão em 
flagrante por tráfico de drogas, é necessário que o réu seja levado imediatamente 
perante um juiz para que este possa analisar se o indivíduo é realmente um usuário 
ou um traficante. Essa medida visa evitar que usuários sejam mantidos em prisão 
preventiva sem provas suficientes. O objetivo é garantir a aplicação correta da lei, 
diferenciando as situações de uso e tráfico de drogas, e assegurar o respeito aos 
direitos dos envolvidos. 
Para o ministro o artigo 28 da lei tem vícios de constitucionalidade, fazendo 
uma comparação com outros países em que o consumo não é criminalizado não 
ocorreu o aumento de forma relevante no consumo. Gilmar Mendes afirma que: 
 
Apesar da política de guerra as drogas já esta demostrado que o 
consumo só vem aumentando nos últimos anos. Não existem estudos 
suficientes ou incontroversos que demonstre que a repressão ao 
consumo é o meio mais eficiente para combater o tráfico de drogas. 
 
O ministro Gilmar Mendes sustenta que o uso de drogas por parte do 
usuário representa um risco apenas para sua própria saúde e não para a saúde e 
segurança coletivas. Portanto, ele argumenta que impor uma punição excessiva aos 
usuários seria injustificado, uma vez que não há um dano coletivo direto à saúde 
pública decorrente do consumo pessoal de drogas. Assim, mesmo que o usuário 
obtenha a droga por meio do contato direto com um traficante, essa conduta não deve 
ser considerada ilícita de forma automática. O foco, segundo o ministro, deve ser 
direcionado para a distinção entre usuário e traficante, de modo a evitar a 
criminalização e a punição desproporcional dos usuários. 
O ministro Gilmar Mendes defendeu a ideia de legalizar a maconha como 
um teste para avaliar seus impactos na prática, destacando que, caso os resultados 
sejam positivos, esse mesmo teste poderia ser aplicado a outras drogas. Ele 
mencionou problemas decorrentes da criminalização, como o aumento da população 
carcerária e os altos custos associados à política atual. Além disso, o ministro 
ressaltou que, apesar da criminalização, o consumo de drogas continuou 
aumentando, enquanto o consumo de tabaco, que é uma substância lícita, diminuiu 
9 
 
devido a campanhas públicas. Ele também citou experiências de outros países, como 
Portugal, Espanha, Colômbia e Argentina, onde a descriminalização do uso de drogas 
não resultou no grande aumento do consumo que os opositores à descriminalização 
temiam. 
O ministro Edson Fachin também expressou seu apoio à descriminalização 
da maconha, porém, limitou seu voto a essa droga específica. Ele explicou que, em 
questões penais, o Tribunal deve exercer autocontenção e restringir suaatuação ao 
caso em julgamento, a fim de evitar intervenções judiciais desproporcionais. Fachin 
ressaltou a importância de encontrar um equilíbrio entre a proteção social adequada 
e a preservação das liberdades individuais. 
 
Assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema 
jurídico que está sob análise, do Supremo Tribunal Federal no 
presente recurso extraordinário, propõe-se estrita observância às 
balizas fáticas e jurídicas do caso concreto para atuação da corte em 
ceara tão sensível: a definição sobre a constitucionalidade, ou não, da 
criminalização do porte unicamente de maconha para uso próprio em 
face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e 
privacidade. 
 
O posicionamento do ministro Edson Fachin incluiu a proposta de atribuir 
ao Legislativo a elaboração de uma lei que estabeleça parâmetros mínimos para 
distinguir traficantes de usuários. Ele também votou pela determinação aos órgãos 
responsáveis pela política criminal e de drogas a elaboração e execução de políticas 
públicas, a fim de emitir parâmetros provisórios que diferenciem traficantes de 
usuários até que a lei seja promulgada. 
A visão da procuradora Maria Tereza Gomes destaca que, mesmo com as 
mudanças feitas na lei, ainda persistem questões não resolvidas, como a distinção 
clara entre usuário e traficante. Isso resulta em condenações desproporcionais para 
microtraficantes, que acabam recebendo penas semelhantes às dos grandes 
traficantes, mesmo com quantidades muito menores de drogas envolvidas. A falta de 
critérios claros nessa distinção é uma lacuna significativa. 
No Brasil, devido à ausência de critérios claros para distinguir usuários de 
traficantes, observa-se uma significativa divisão com base na classe social entre 
esses grupos. Os jovens provenientes de famílias abastadas são rotulados como 
usuários e, portanto, tendem a receber tratamento diferenciado. Por outro lado, os 
jovens de origem humilde das favelas e periferias são encarados como inimigos, 
10 
 
sendo frequentemente submetidos à prisão e, em alguns casos, até mesmo expostos 
a confrontos policiais fatais. (BATISTA, 2003). 
Na obra "Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de 
Janeiro", o autor argumenta que o sistema penal adota uma abordagem seletiva em 
relação aos adolescentes infratores, diferenciando o tratamento entre jovens de baixa 
renda e jovens de classe privilegiada. Além disso, o autor destaca a aceitação social 
do consumo de drogas. Com base nesses elementos, podemos afirmar que o 
problema do sistema penal não está na droga em si, mas sim no controle específico 
direcionado a uma parcela da juventude considerada perigosa (BATISTA, 2003). 
Após a adoção do modelo bélico no combate às drogas, o Brasil está 
enfrentando atualmente um alto índice de encarceramento em massa, especialmente 
da juventude negra e pobre. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações 
Penitenciárias de junho de 2014 (Infopen), 67% dos indivíduos presos são negros, 
enquanto 31% são brancos. Em relação à educação, os dados revelam que oito em 
cada dez detentos possuem, no máximo, ensino fundamental completo. O mesmo 
levantamento indica que 27% das pessoas encarceradas no país estão cumprindo 
pena por tráfico de drogas. 
Entre os homens, 25% foram detidos por tráfico de drogas, enquanto entre 
as mulheres, esse número sobe para 63%. Outro estudo realizado em 2011 pelo 
Instituto Sou da Paz, com base em dados do Departamento de Inquéritos Policiais, 
Corregedoria da Polícia Judiciária e do Núcleo de Estudos da Violência da 
Universidade de São Paulo (USP), revelou que mais de 67,7% dos indivíduos presos 
por tráfico de maconha estavam portando menos de 100 gramas de entorpecente no 
momento da prisão. Desses, 14% possuíam quantidade inferior a 10 gramas, o 
equivalente a cerca de 10 cigarros. 
No que diz respeito aos indivíduos presos por tráfico de cocaína, 77,6% 
deles foram flagrados com menos de 100 gramas da substância. Além disso, o mesmo 
levantamento revela que 94,3% dos condenados detidos não possuíam qualquer 
envolvimento com organizações criminosas, 62,7% estavam empregados no 
momento da prisão e 97% não estavam portando qualquer tipo de arma. Com base 
nessas informações, podemos concluir que muitos desses indivíduos eram usuários 
ou envolvidos em pequenas atividades de tráfico, conhecidos como microtraficantes. 
Todo esse problema surge quando o consumo de drogas foi criminalizado, 
transformando de uma hora para outra os usuários em criminosos, tanto os 
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consumidores quanto os vendedores, o que intensificou a cultura da guerra às drogas. 
O Estado e a sociedade passaram a tratar essas pessoas como inimigas, resultando 
na perseguição e no encarceramento em massa. Nessa guerra, os grandes 
traficantes, como políticos e empresários, parecem intocáveis. 
Por outro lado, os jovens negros e pobres, das favelas e periferias estão 
sendo alvo do sistema penal. Percebemos que a juventude está sendo criminalizada 
e até mesmo eliminada devido à política antidrogas, pois a proibição leva a essa 
guerra em que os usuários são considerados inimigos do país e devem ser 
perseguidos. Além disso, no Brasil, o Estado nunca matou e encarcerou tantas 
pessoas como agora, nem mesmo durante a ditadura militar. De acordo com o 
Ministério da Justiça, com dados do Infopen, o Brasil possui a quarta maior população 
carcerária do mundo (DELGADO, 2012). 
Consequentemente, os únicos que estão se beneficiando com essa guerra 
às drogas são a indústria do controle do crime e a corrupção, como as prisões privadas 
e a indústria de armas, entre outros. Muitas pessoas estão lucrando com o 
encarceramento em massa. Isso está resultando no mesmo que aconteceu nos 
Estados Unidos no início das décadas de 1930 e 1940, quando o álcool, consumido 
por um grande número de pessoas, se tornou ilegal devido à Lei Seca. O que ocorreu 
foi um aumento significativo da corrupção e da violência, e as consequências da 
proibição foram muito mais dramáticas do que o próprio consumo de álcool. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
As drogas sempre estiveram presentes ao longo da história da 
humanidade, e são consideradas necessidades humanas. Isso é comprovado pelo 
fato de que, mesmo com todas as leis de combate às drogas, o consumo continua 
aumentando. Podemos afirmar com certeza que é impossível vivermos em um mundo 
livre das drogas. Desde o início das políticas proibicionistas nos Estados Unidos até 
os dias atuais, fica evidente que a proibição do uso de drogas está sendo usada como 
uma forma de controle de determinados grupos sociais (BATISTA, 2003). 
No Brasil, observa-se uma seletividade, onde os jovens negros e pobres 
são considerados traficantes, enquanto um jovem de classe média seria tratado como 
usuário. Além disso, os argumentos para a proibição do uso de drogas são 
contraditórios. Embora se diga que a lei busca proteger a saúde pública, o álcool e o 
12 
 
tabaco, que são amplamente conhecidos como as drogas que mais causam mortes 
no Brasil, são vendidos livremente. Até pouco tempo atrás, o uso dessas substâncias 
era incentivado por meio de glamorosas propagandas na televisão. Fica claro que o 
Estado está mais preocupado com questões políticas e comerciais relacionadas a 
certas substâncias do que com a saúde das pessoas. Seguindo essa linha de 
pensamento, pode-se afirmar que a guerra às drogas não trouxe segurança pública, 
pelo contrário, com a criminalização, o consumo continua aumentando, e a violência 
é causada pela própria criminalização (BATISTA, 2003). 
Devemos seguir o exemplo do que aconteceu com a Lei Seca nos Estados 
Unidos. No início das décadas de 1930 e 1940, houve uma tentativa de criminalizar o 
álcool, porém hoje em dia seu consumo é tolerado, mas sem os problemas causados 
pela criminalização. Outro exemplo importante é o cigarro. Cada vez mais pessoas 
estão deixando de fumar,e não foi necessário criminalizar o uso. De acordo com 
pesquisas realizadas pelo Vigitel (2014) (Vigilância de fatores de risco e proteção para 
doenças crônicas por inquérito telefônico), apresentadas em maio de 2015 pelo 
Ministério da Saúde, houve uma redução de 30,7% no número de fumantes no Brasil 
nos últimos nove anos. 
As leis antifumo, proibindo fumar em locais públicos, a fixação do preço 
mínimo do cigarro e a proibição da propaganda de produtos derivados do tabaco são 
algumas das políticas do governo federal que contribuíram para a redução do número 
de fumantes, de acordo com a pesquisa. Esses dados são extremamente importantes 
se levarmos em conta outra pesquisa realizada pela organização americana de 
controle do tabagismo (CTFK, sigla em inglês) Campanha Crianças Livres do Tabaco, 
que analisou documentos fornecidos pela indústria do tabaco e pesquisas científicas, 
constatando que o cigarro é muito mais viciante do que a cocaína e a heroína. 
Compreendo seu ponto de vista sobre a descriminalização das drogas e os 
potenciais impactos que isso pode trazer. No entanto, é importante considerar 
diferentes perspectivas sobre o assunto. 
A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é um tema 
debatido e estudado em vários países ao redor do mundo. Alguns argumentam que a 
abordagem repressiva adotada até agora não tem sido eficaz no combate ao uso e 
tráfico de drogas, e que a criminalização do consumo pessoal acaba afetando 
principalmente os usuários, em especial os mais vulneráveis. 
A proposta de regulamentação e redução de danos, aliada a campanhas 
13 
 
educativas e de saúde pública, tem como objetivo oferecer um novo modelo de 
enfrentamento das drogas, priorizando a prevenção e a busca por soluções mais 
adequadas. Essa abordagem busca tratar o consumo de drogas como uma questão 
de saúde, em vez de uma questão criminal, direcionando esforços para oferecer 
tratamento e apoio aos usuários, ao invés de puni-los. 
É importante mencionar que a descriminalização não significa uma 
completa liberação ou incentivo ao consumo de drogas, mas sim uma mudança na 
forma como o Estado lida com esse problema complexo. Regulamentar o uso de 
drogas pode permitir um maior controle sobre a qualidade dos produtos, evitar a 
criminalização de pessoas que usam drogas em pequenas quantidades e redirecionar 
recursos para programas de prevenção e tratamento. 
No entanto, é necessário um debate amplo e aprofundado sobre o assunto, 
considerando as diferentes perspectivas e levando em conta as consequências 
potenciais de qualquer mudança na legislação de drogas. Questões como 
financiamento de tratamento, políticas de prevenção e os impactos sociais devem ser 
abordadas com seriedade. 
É fundamental que a sociedade tenha acesso a informações embasadas 
em evidências científicas e promova um diálogo construtivo para encontrar soluções 
mais eficazes no enfrentamento do uso e tráfico de drogas, buscando equilibrar a 
saúde pública, a segurança e os direitos individuais. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
ARBEX JR., J. Narcotráfico, um jogo de poder nas Américas. Editora Moderna. 
2005. 
 
BATISTA, V. M. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de 
Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 
 
Cf. DALLARI, D. de A. Direitos Humanos e Cidadania, 2002, p. 8. 
 
DELGADO, R. M. Usuário de drogas: punição inconstitucional. Revista Jus 
Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3455, 16 dez. 2012. 
 
GOMES. L. F. (coordenador). Nova Lei de drogas comentada. São Paulo: Revista 
dos Tribunais, 2007. 
 
14 
 
SILVA S. A. Punição criminal ao porte de entorpecentes para uso próprio e 
irracionalismo repressivo: Uma ainda necessária reflexão. Revista Brasileira de 
Ciências Criminais, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 19, n. 88, p. 167-
186, jan-fev./2011

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