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Desafios na Garantia de Direitos Indígenas

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Constituição e Política de Direitos Humanos: antecedentes, trajetórias e desafios 123
de garantia dos direitos dos índios, e deve envolver, além da participação e do acom-
panhamento por parte destes, equipe multidisciplinar com conhecimentos técnicos 
de natureza histórica, antropológica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiária. 
A atuação do Estado neste tema está, hoje, também incorporada à Agenda Social 
do governo federal, que prevê até 2010 a demarcação de 127 novas terras indígenas.
Entretanto, o dever de garantir a autonomia dos povos indígenas, por meio da 
demarcação de suas terras, não deve resultar em renúncia do Estado e da sociedade 
em promover políticas que garantam os demais direitos humanos a estes grupos, 
em uma perspectiva de respeito à diversidade cultural. Os povos indígenas enfren-
tam situações distintas de tensão social, ameaças e vulnerabilidade. A expansão das 
frentes econômicas – extrativismo, trabalho assalariado temporário, grandes obras 
de infraestrutura – vem ameaçando a integridade do ambiente em seus territórios 
e também seus costumes, sistemas econômicos e organização social. Muitos destes 
povos estão ameaçados de desaparecimento, sendo que, entre alguns destes, o nú-
mero de indivíduos reduziu-se a ponto de comprometer a sua reprodução biológica. 
Cabe notar também os baixos níveis de acesso à escola por parte dos índios e as altas 
taxas de mortalidade, decorrentes da falta de acesso a serviços de saúde adequados.
No âmbito da educação, por força do Decreto Presidencial no 26/1991, 
estabeleceu-se como competência do MEC a coordenação das ações de educa-
ção escolar indígena no país, por meio da definição de diretrizes curriculares, 
assistência técnico-financeira aos sistemas de ensino para oferta de programas de 
formação de professores indígenas e de publicação de materiais didáticos diferen-
ciados. Entretanto, apenas em 1999 o Conselho Nacional de Educação (CNE) 
instituiu a criação da categoria escola indígena nos sistemas de ensino do país. As 
escolas indígenas devem contar com projetos pedagógicos construídos com a par-
ticipação das comunidades, tendo por base as diretrizes curriculares nacionais, as 
características particulares de cada povo, suas realidades sociolinguísticas e os con-
teúdos curriculares especificamente indígenas, alicerçados nos modos próprios de 
Constituição do saber e da cultura (BRASIL, 1999, Art. 5o).
Com a criação da SECAD/MEC em 2004, a educação indígena ganhou 
novo impulso institucional. Entre 2002 e 2006, os dados do Censo Escolar indi-
cam um crescimento de 48,7% no número de estudantes. Isto se deve tanto ao 
crescimento da população infantil indígena quanto ao crescimento da frequência 
escolar deste grupo. Em 2006, havia 2.422 escolas funcionando nas terras indí-
genas, atendendo a mais de 174 mil estudantes. Nestas escolas trabalham apro-
ximadamente 10.200 professores, sendo 90% desses indígenas. Todavia, apesar 
dos avanços obtidos nos últimos quatro anos, muito ainda há de ser feito. A razão 
entre o número de alunos indígenas nos dois segmentos do ensino fundamental, 
Políticas Sociais: acompanhamento e análise124
por exemplo, é de 3,67.47 Este índice tem um valor médio de 1,23 para todo 
o país, indicando tanto que a escolarização indígena é ainda muito recente – 
e, portanto a maior parte dos estudantes ainda se encontra nas primeiras 
séries – quanto, possivelmente, um baixo grau de permanência dos índios na 
escola após os primeiros quatro anos.
No que se refere à saúde indígena, a política nacional organiza-se por meio dos 
Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). O financiamento destes distritos é 
majoritariamente público, composto por recursos orçamentários da Fundação Na-
cional de Saúde e, complementarmente, pelos dos estados e municípios que têm po-
pulações indígenas, recebendo também contribuições de organizações de cooperação 
mútua internacional e da iniciativa privada. Os DSEIs devem prestar atenção básica 
à população indígena aldeada, mediante atuação de Equipes Multidisciplinares de 
Saúde Indígena (EMSIs), nos moldes do Programa Saúde da Família (PSF), com-
postas por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e agentes 
indígenas de saúde. 
Não há, contudo, dados globais fidedignos e atuais sobre a situação de saú-
de da população indígena. Os dados disponíveis (BRASIL, 2002) indicam, em 
diversas situações, taxas de morbidade e mortalidade três a quatro vezes maiores 
que aquelas encontradas na população brasileira em geral, em quadro sanitário 
caracterizado pela alta ocorrência de agravos que poderiam ser significativamente 
reduzidos com o estabelecimento de ações de atenção básica à saúde no interior 
das áreas indígenas. Dados de 1999 indicam que a violência e o suicídio eram 
a terceira causa de mortalidade conhecida entre a população indígena no Brasil 
(FUNAI, 1999).48 Recente relatório demonstra que a violência contra o patrimô-
nio e a pessoa, a desassistência à saúde e os suicídios continuam sendo problemas 
centrais no cotidiano dos índios. No caso específico dos Guarany Kaiowá do 
Mato Grosso do Sul, por exemplo, foram registrados 34 suicídios em 2008, con-
tra 19 em 2006 (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2009). 
No mais, em algumas regiões nas quais os indígenas têm um relacionamento 
mais estreito com a população regional, nota-se o aparecimento de novos problemas 
de saúde relacionados às mudanças introduzidas no seu modo de vida, especial-
mente na alimentação. A deficiência do sistema de informações em saúde, que não 
contempla, entre outros dados, a identificação étnica e o domicílio do paciente 
indígena, dificulta a construção do perfil epidemiológico e cria dificuldades para a 
sistematização de ações voltadas para a atenção à saúde dos povos indígenas.
47. O índice é obtido por meio da divisão do total de alunos indígenas matriculados no primeiro segmento do antigo 
ensino fundamental (1a a 4a série) pelo número de alunos indígenas matriculados no segundo segmento do ensino 
fundamental (5a a 8a série).
48. Cabe notar que o recente relatório do Conselho Indigenista Missionário (2009) demonstra que a violência contra o 
patrimônio e a pessoa, a desassistência à saúde e os suicídios seguem sendo problemas centrais no cotidiano dos índios.