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Princípio da Capacidade Contributiva

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Texto 2: Princípio da capacidade contributiva
Autor: Caliendo, Paulo. Curso de direito tributário – 2. ed. – São Paulo : Saraiva
Educação, 2019. Páginas 303 - 325
O princípio da capacidade contributiva é um dos mais importantes em nosso sistema tributário. Este fato decorre da situação que o princípio da capacidade contributiva constitui-se, no direito pátrio, no único fator de discriminação legítima, não somente como fator de tributação, mas também como critério de gradação de tributos.
O princípio da capacidade contributiva procede a uma limitação fundamental à ação tributante do Estado, ao eleger fatos da realidade econômica como os únicos fatores relevantes para fins de dotar o Estado com os recursos necessários à sua atividade. Exclui dessa monta todo e qualquer critério extraeconômico para fins de tributação, tais como sexo, raça, religião, nacionalidade ou qualquer outro fator arbitrário. Trata-se, pois, de um critério fundamental na defesa das liberdades públicas e do direito dos cidadãos.
Assim, quaisquer fatores de discriminação estranhos a esses fatos devem ser considerados arbitrários e inconstitucionais. Um exemplo desse tipo de cobrança discriminatória era a Jizya ou tributo pago pelos não muçulmanos em países muçulmanos. Esse tributo era cobrado per capita dos homens adultos, como prova material de sua submissão ao Estado Islâmico, em troca estes poderiam praticar a sua religião.
Toda a medida que produzir um agravamento da carga tributária de um contribuinte e que não possuir um fundamento na sua capacidade contributiva será considerado como desarrazoado e inconstitucional. Será igualmente se não tiver uma vinculação lógica entre o fator de discriminação adotado e a desigualdade de tratamentos jurídicos praticada.
O objetivo da interpretação constitucional deve ser alcançar um discurso argumentativo coerente, capaz de exteriorizar os vínculos entre texto e contexto; valores e normas; estrutura e função da norma.
3.3.7.1. Evolução histórica
O princípio da capacidade contributiva é um dos princípios mais citados, questionados e polêmicos em direito tributário, vários autores importantes o consideraram um tema estranho e mesmo como um resquício da Ciência das Finanças, outros, ao contrário, o consideram o princípio mais importante em matéria de tributação. Este princípio chegou a ser excluído do texto constitucional por meio da Emenda n. 18 à Constituição de 1946.
Alfredo Augusto Becker questionou o princípio em razão de sua natureza ambígua, identificando uma natureza jusnaturalista que dificultava a sua aceitação por parte do sistema tributário nacional. Apesar dessas críticas, o princípio logrou ser novamente inserido no sistema constitucional tributário brasileiro com a Constituição de 1988, sendo entendido por alguns doutrinadores como uma garantia de racionalidade e justiça material.
No direito comparado, o princípio da capacidade contributiva atravessou um período de profunda crise, sendo abertamente questionado seu conteúdo e alcance na doutrina e jurisprudência alemã, espanhola e italiana. O Tribunal Constitucional alemão, por sua vez, tem concedido, entretanto, crescente importância ao princípio. O Tribunal Constitucional alemão procedeu a uma reabilitação do princípio da capacidade contributiva sob o argumento que quando o trato desigual se opõe às proibições de diferenciação (Differienzierungsverbote) previstas pelos direitos fundamentais e prevalecem frente a considerações de ordem econômica, praticabilidade administrativa ou outros argumentos financeiros.
A jurisprudência alemã em relação ao princípio da capacidade contributiva tem sido especialmente significativa em relação aos gastos familiares e na imposição sobre o consumo. Em relação aos gastos familiares, a Sentença alemã de 3-11-1982 analisou o caso dos viúvos, divorciados e separados.
Nessa sentença, entendeu-se que a carga econômica que decorre do dever de sustentar os filhos é uma circunstância especial que limita e restringe a capacidade contributiva dos contribuintes, sendo necessário que a legislação tributária tenha em conta esta peculiaridade, sob pena de ferir os preceitos de “justiça fiscal”. A determinação dos gastos de alimentos constitui como um ponto de referência o direito essencial às ajudas social em prol do mínimo existencial.
Existe a compreensão de que o Estado não pode tributar parcela da renda do contribuinte que seja necessária para manter as suas mínimas condições de existência digna. Na compreensão da jurisprudência constitucional alemã, este entendimento deriva do princípio do Estado Social, visto que o Estado não pode privar o cidadão de sua própria renda até o limite do mínimo necessário para a existência.
Relata o autor que a jurisprudência espanhola consagra igualmente o princípio da capacidade contributiva, como uma medida de igualdade e de realização dos direitos fundamentais. Entendeu o Tribunal Constitucional espanhol que a isenção das pensões por incapacidade absoluta responde ao “principio de capacidad económica” (art. 31 do CE).
No Brasil, o princípio da capacidade contributiva decorre da essência aorespeito aos direitos individuais. A existência digna do indivíduo exige um limite claro a capacidade de tributar do Estado. Esse limite é o direito de propriedade. De um lado, proíbe-se o confisco e, de outro, a tributação do mínimo existencial.
Em relação à imposição sobre o consumo, o tribunal alemão em uma sentença de 6-12-1983 relativa ao imposto sobre segunda residência (Zweitwohnungssteuer) entendeu que os impostos sobre o consumo estão submetidos ao princípio da capacidade contributiva, declarando inconstitucional o imposto sobre um segundo imóvel (Zweitwohnungssteuer).
A jurisprudência espanhola consagrou o entendimento da existência de três exigências de justiça tributária: a) a consideração da capacidade contributiva como medida geral de igualdade; b) a afirmação de um direito fundamental de tributar com a proteção da capacidade contributiva; e c) a submissão a um controle de proporcionalidade das restrições que deve sofrer o direito de contribuir, segundo a capacidade contributiva.
3.3.7.2. Conteúdo do princípio
O princípio da capacidade contributiva está expresso na Constituição de
1988 em seu art. 145, que determina:
Art. 145. [...]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O dispositivo constitucional preceitua que os “impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, ou seja, este princípio impõe a necessidade de se verificar as condições individuais de cada contribuinte para cumprir o seu dever de pagar tributos. O texto constitucional realça uma antiga distinção decorrente da ciência das finanças entre impostos reais e impostos pessoais. Em nosso entender, o princípio da capacidade contributiva seria aplicável direta e tão somente aos impostos pessoais. Apenas nestes é que se pode verificar com segurança a real capacidade individual de suportar a carga de tributária imposta.
Dispõe o texto constitucional que os impostos pessoais serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Cabe notar que o texto constitucional não utiliza o verbo demonstrativo de possibilidade (poderão), mas exige a sua realização presente (serão), de tal modo que a graduação dos tributos é parte do núcleo essencial do princípio da capacidade contributiva.
A contrario sensu podemos dizer que um imposto pessoal que não respeite a exigência de graduação estará violando o princípio da capacidade contributiva.
Para Klaus Tipke, existem três indicadores de capacidade econômica (Leistungsfähigkeitsindikatoren). Cada fato econômico justificará uma forma de incidência. Ilustrativamente reproduzimos o entender do autor:Como bem observa Tipke, a tributação da renda não diminui apenas a renda do contribuinte, mas também o seu potencial de consumo (Konsummöglichkeiten des Steuerzahlers). Conforme o autor, o real atingido pela carga tributária será sempre o consumidor (Konsumopfer).
A graduação dos impostos pode ser considerada um elemento fundamental na correta concretização destes e, portanto, a correta determinação do seu sentido deve ser considerada um elemento essencial ao cumprimento da Constituição. A graduação é uma forma de concretização do princípio da justiça distributiva, de que os mais ricos devem pagar mais e os mais pobres devem pagar menos.
A tributação proporcional sem graduação por faixas de alíquotas também implicará que um determinado contribuinte deve pagar mais. A diferença está na intensidade da imposição. A exigência de graduação impõe uma condição adicional, a de que o ônus imposto aos contribuintes não pode ser apenas nominal, mas também real e efetivo, de tal modo que a imposição represente um efetivo impacto sob o contribuinte.
Geralmente, costuma-se classificar o princípio da capacidade contributiva em duas espécies: i) capacidade contributiva absoluta e relativa; e ii) capacidade objetiva e subjetiva. As duas denominações designam fenômenos semelhantes.
O princípio da capacidade contributiva objetiva direciona-se em um duplo plano: vertical e horizontal. No plano vertical, o princípio deve aplicarse de modo progressivo, ou seja, a carga tributária individual deve aumentar em uma proporção maior ao incremento de riqueza disponível. A existência de faixas de tributação (p. ex.: no IRPF) é uma forma de aplicação deste caso.
No plano horizontal, exige-se que contribuintes em mesma capacidade econômica sejam tributados de maneira idêntica. Se, nesse caso, se produz uma distorção, esta deve ser reparada, mesmo que os tributos em forma isolada respeitem o princípio da capacidade contributiva. Contribuintes com mesma faixa de renda devem ser tributados com a mesma alíquota do imposto sobre a renda, por exemplo.
A capacidade contributiva relativa ou subjetiva significa que a repartição da carga tributária deve respeitar a igualdade entre os contribuintes no dever de contribuir para a arrecadação de tributos. Significa que todos os contribuintes devem participar de modo isonômico no financiamento da esfera pública. Não haverão discriminações injustificadas. Todos devem contribuir, salvo os casos autorizados de isenção, não incidência e imunidades. Esse é um princípio republicano, que se diferencia do princípio aristocrático de que alguns indivíduos não deveriam contribuir em função de seu status social (nobreza ou realeza).
3.3.7.3. O âmbito objetivo do princípio da capacidade contributiva
Geralmente, costuma-se classificar princípio da capacidade contributiva em duas espécies: i) capacidade contributiva absoluta e relativa; e ii) capacidade objetiva e subjetiva. As duas denominações designam fenômenos semelhantes. Preferimos mencionar os dois casos como pertencentes a âmbitos diferentes do princípio da capacidade contributiva: o âmbito objetivo e o âmbito subjetivo.
3.3.7.4. Características do âmbito objetivo do princípio da capacidade contributiva
A capacidade absoluta ou objetiva à escolha de fatos indicadores de capacidade econômica. A capacidade contributiva no seu âmbito objetivo absoluto manifesta--se, dessa forma, na própria repartição constitucional de competências.
Cabe ao legislador escolher determinados fatos indicadores de capacidade econômica que farão incidir a norma jurídico-tributária. Não nos interessará aqui a pessoa do contribuinte ou a sua situação individual. O princípio da capacidade contributiva, ao eleger fatos da realidade econômica como os únicos fatos relevantes para fins de dotar o Estado com os recursos necessários à sua atividade, procede a uma limitação fundamental à ação tributante do Estado.
O âmbito objetivo do princípio da capacidade contributiva caracteriza-se por ser um princípio voltado especialmente ao legislador ordinário. Se o legislador eleger fatos que não sejam indicadores de capacidade econômica, estes estarão maculados pelo vício de inconstitucionalidade.
Discordamos do entendimento de que a capacidade contributiva em seu aspecto objetivo ou absoluto represente um princípio pré-jurídico. Sua natureza jurídica decorre do fato em ser uma limitação jurídica à ação do legislador. Caberá ao legislador definir os fatos que possuam significação econômica. Não será razoável e constitucional estabelecer um imposto com critérios materiais fundados em raça, cor, etnia etc. Roque Carrazza, com propriedade, afirma que: “o legislador tem o dever, quando descreve a hipótese de incidência dos impostos, de escolher fatos que exibam conteúdo econômico”.
O princípio da capacidade contributiva é um princípio jurídico da maior relevância, seja em seu aspecto objetivo, seja em seu aspecto subjetivo, representando em ambos os casos uma concretização importante do princípio da igualdade no direito tributário brasileiro.
3.3.7.5. O plano vertical e horizontal (horizontale und vertikale Steuergerechtigkeit)
O princípio da capacidade contributiva em seu aspecto objetivo se direciona em um plano duplo: vertical e horizontal. No plano vertical, o princípio deve aplicar-se de modo progressivo, ou seja, a carga tributária individual deve aumentar em uma proporção maior ao incremento de riqueza disponível. No plano horizontal, exige-se que contribuintes em mesma capacidade econômica sejam tributados da mesma maneira. Se, nesse caso, se produz uma distorção, esta deve ser reparada, mesmo que os tributos em forma isolada respeitem o princípio da capacidade contributiva.
Conforme Molina, apesar de existirem diversas manifestações de capacidade contributiva, somente existe uma fonte impositiva: a riqueza. A riqueza que se obtém e se tenha acumulado. Os diversos tributos seriam instrumentos para a determinação da porcentagem de riqueza que contribuirá para a manutenção dos serviços públicos estatais.
A tributação da capacidade contributiva de um contribuinte exige a coordenação de diversas figuras entre si, com respeito a critérios coerentes de imputação (Systemgerechtigkeit). Isso se deve ao fato de que os diversos tributos imputam manifestações diferentes da capacidade econômica do agente.
No seu sentido vertical, o princípio determina o nível máximo de carga contributiva que pode incidir sobre a capacidade contributiva de determinado contribuinte, sem afetar seu direito à propriedade e à livre iniciativa. Roque Carraza alertava que: “[...] a lei deve em atenção ao princípio da capacidade contributiva e garantir que a renda tributável seja obtida subtraindo-se, da renda global, os gastos necessários do contribuinte, máxime os representados por seus encargos familiares”.
A doutrina estrangeira estabelece a noção de que o princípio da capacidade contributiva permite a imputação tão somente dos rendimentos reais, excluindo--se aqueles considerados meramente fictícios ou nominais, o que é denominado na doutrina alemã de Prinzip der Ist-Einkommnsbesteurung e na doutrina italiana de il requisito di effetità. O requisito de efetividade ou de renda efetiva ainda merece um estudo mais aprofundado pela doutrina nacional, especialmente pela importância do tema.
No Direito brasileiro, podemos vislumbrar como uma forma de violação do “requisito de efetividade” a antecipação da exigibilidade do tributo, conhecida também como substituição “para a frente”. No caso da substituição para a frente, o contribuinte torna-se devedor de operações mercantis incertas e futuras relativas a mercadorias adquiridas previamente. Nesse caso, a legislação tributária do ICMS determina ao sujeito passivo da obrigação tributária o dever de recolher previamente o “valor” do tributo referente a operações incertas e futuras, como forma de facilitar a administração fiscal.
O estabelecimento de ficções sobre a riqueza, a exigência de pagamento adiantado de tributos de mercadorias que estão sujeitas à perda, deterioraçãoou desuso implica violação do princípio da capacidade contributiva justamente em seu aspecto de imputar a tributação tão somente à riqueza existente. A determinação da carga tributária máxima a ser imputada, especialmente tendo em conta a imposição indireta, impõe sérios problemas de quantificação, que dificilmente encontram soluções razoáveis, a não ser na análise particular e direta de cada caso, mesmo assim com grandes dificuldades.
A definição de um mínimo necessário à existência digna depende da situação econômica geral da sociedade e da necessidade mínima reconhecida pela comunidade jurídica, constituindo-se em um conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido pela concreção legislativa e pelo controle judicial.
Outro problema interessante é o caso dos tributos que atendem a finalidades extrafiscais. Estes pressupõem ab initio uma fuga à análise direta da capacidade contributiva, dirigindo-se especialmente a outras considerações de política pública.
3.3.7.6. Alcance do princípio
O texto do art. 145, em seu § 1º, determina que se aplica o princípio da capacidade contributiva “sempre que possível”. Quais os limites desse enunciado? Quando se considera possível e impossível de aplicar o princípio?
Quais os critérios a serem utilizados? Existe um conjunto de questionamentos que exigem uma análise mais detida.
O princípio da capacidade contributiva aplicar-se-ia a todos os tributos em uma concepção mais ampla e somente ao imposto sobre a renda em uma concepção mais restritiva. O STF entendeu que o princípio da capacidade contributiva aplicar-se-ia de modo amplo. Essa compreensão subjaz no julgamento da constitucionalidade da alíquota progressiva do ITCD.
Consagrou-se o entendimento de que a técnica da progressividade pode ser aplicada aos denominados impostos reais, sem ofensa ao texto constitucional.
A aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos sobre o consumo tem gerado uma viva e importante discussão na doutrina. Em nosso entender, o princípio realiza-se de modo indireto pela aplicação do princípio da essencialidade.
3.3.7.7. Da possibilidade dos impostos fixos
Um dos temas mais polêmicos em matéria de tributação é a possibilidade de instituição de impostos fixos. Os impostos fixos são aqueles nos quais o montante é apontado pela lei, de modo invariável desrespeitando o preceito constitucional de que os impostos devem atentar ao máximo ao caráter pessoal do contribuinte.
Esse é o caso dos municípios que estabelecem a alíquota de ISS incidente sobre determinados serviços, tais como os serviços médicos e advocatícios.
Esses geralmente são fixados em lei municipal em x unidades (salários mínimos, unidades de referência municipal, unidades fiscais, entre outros) por ano, para cada advogado. Alega-se que o imposto padece de inconstitucionalidade, por ferir a exigência de que os impostos devem revestir caráter pessoal e respeitar a capacidade econômica do contribuinte. Assim, o advogado recém-formado será tributado da mesma forma que o mais renomado da cidade. Não cremos que exista uma inconstitucionalidade a priori no presente caso.
Especialmente porque atividades distintas podem ter critérios de tributação distintos, desde que não violem a neutralidade concorrencial ou provoquem distinções arbitrárias. O mesmo caso ocorria com a possibilidade de inclusão somente dos escritórios de contabilidade no regime de apuração do Simples Nacional. Afastava-se a possibilidade de opção por outras categorias de profissionais liberais, mas sem ofender diretamente o princípio da isonomia e da capacidade contributiva.
3.3.7.8. Destinatário do princípio
Questiona-se se o princípio da capacidade contributiva protege somente as pessoas físicas e se somente nesse campo é que se pode falar de um exercício pleno desse direito. Caberia falar da aplicação do respeito à capacidade contributiva no âmbito das pessoas jurídicas? Estas deveriam ser protegidas de alguma forma? Cremos que sim. Entendemos que é possível se aplicar o princípio da capacidade tanto a pessoas jurídicas quanto a pessoas físicas.
Um exemplo relevante está no tratamento diferenciado e favorecido às pequenas e microempresas.
O princípio da capacidade contributiva se aplica às pessoas jurídicas em dois sentidos principais:
i) em sentido objetivo, devemos proceder tão somente considerações relacionadas ao fato econômico representativo de capacidade econômica;
ii) em sentido subjetivo, devemos dar tratamento isonômico a todos os contribuintes. Qualquer discriminação somente será admitida entre contribuintes que não se encontrem em situações equivalentes.
Este é o objetivo cada vez mais relevante no Direito brasileiro: encontrar padrões de interpretação constitucional que garantam coerência na interpretação do texto maior. A decisão sem critérios é uma decisão arbitrária e, como tal, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito. A exigência por um discurso coerente, que demonstra sua ratio decidendi e veicula uma racionalidade material, é exigência de controle do cidadão.
A capacidade contributiva subjetiva implica que a repartição da carga tributária deve respeitar a igualdade entre os contribuintes no dever de contribuir para a arrecadação de tributos. Está expresso na Constituição de 1988 ao estabelecer que: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente...”.
No entanto, indica também que a tributação deve levar em conta o máximo possível a situação individual do contribuinte. Valoriza-se a personalização em direito tributário, o qual se traduz na adequação da imputação fiscal as condições pessoais de cada contribuinte. O princípio da capacidade contributiva constitui-se em direito tributário nacional em um fator de discriminação legítima, não somente como fator de tributação, mas também como critério de gradação de tributos.
O princípio da capacidade contributiva protege as pessoas jurídicas, inclusive as sociedades de fato, por meio de seu âmbito objetivo e subjetivo.
A aplicação do princípio da capacidade contributiva, em seu aspecto subjetivo, pode ser encontrada no comando constitucional dirigido ao legislador em relação às microempresas. Nesse sentido, o art. 179 da CF/88, que determina que:
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Grande parte da tarefa interpretativa estará em centrar esforços na busca da eficácia da capacidade objetiva e subjetiva. O princípio da capacidade contributiva deve realizar uma dupla tarefa: primeiro, do ponto de vista objetivo, ele deve impedir o legislador de definir como tipos tributários fatos sem relevância econômica. Segundo, com relação à situação do contribuinte, ele deve preservar um mínimo necessário à sobrevivência. Estará também o legislador obrigado a estabelecer critérios de progressividade para a tributação sobre a renda auferida.
A cláusula “[...] sempre que possível [...]”, contida no art. 145, § 1º, da CF/88, figura um preceito constitucional fundamental para o legislador, representando mais do que uma mera orientação, apelo ou recomendação ao legislador. Caberá ao legislador, na medida da possibilidade, obedecer ao princípio da capacidade contributiva. Dessa forma, se a hipótese de incidência da norma jurídica tributária permitir, deverá o legislador atender ao caráter pessoal do imposto e graduá-lo conforme a capacidade econômica do contribuinte.
Duas leituras podem decorrer do presente preceito constitucional, primeiro em relação aos tributos e em relação aos sujeitos a serem tributados. Quanto aos impostos, pode-se entender que o texto constitucional apresenta que, sempre que a natureza do imposto permitir, este deverá respeitaro caráter pessoal e a gradação segundo a capacidade econômica.
Dessa forma, a contrario sensu se o imposto não permitir, este não será obrigado a respeitar aqueles ditames. Este fenômeno decorre do fato de que há impostos que, por sua natureza, não podem atender ao princípio da capacidade contributiva de forma plena.
Este é o caso do ICMS, visto que a carga econômica deste imposto é repassada ao contribuinte pelo preço da mercadoria. Quem realmente suporta o ônus econômico desse imposto não é o contribuinte (o comerciante, o industrial ou o produtor que praticou a operação mercantil), mas, sim, o consumidor final da mercadoria. Esta carga econômica será a mesma seja o consumidor final pobre, seja rico. Assim, um quilograma de sal custará o mesmo para um milionário e para uma empregada doméstica, indiferente a capacidade subjetiva de cada um dos contribuintes em suportar o ônus econômico do imposto sobre a circulação da mercadoria. Conforme Roque Carrazza, não é da natureza do ICMS ser graduado conforme a capacidade econômica dos contribuintes.
3.3.7.8. Princípio da capacidade contributiva e os outros princípios tributários
O princípio da capacidade contributiva por sua posição relevante no ordenamento jurídico se relaciona com uma grande quantidade de outros princípios. Seria este princípio derivado de outros princípios fundamentais?
De qual seria?
Não cremos que ele seja derivado do princípio da solidariedade. Nem concordamos que a própria solidariedade é fundamento do ordenamento jurídico como um todo. O princípio da solidariedade carece de uma estrutura clara. Tampouco se identifica qual seja o seu conteúdo essencial. Outra limitação é o seu posicionamento como um princípio implícito no texto constitucional. Não se questiona a importância desse princípio, contudo, não se verifica a possibilidade de derivar uma eficácia direta deste. Sem dúvida, é um princípio que exige um aprofundamento por parte da doutrina.
Em nosso entender, o princípio da igualdade está na base do princípio da capacidade contributiva. Este daria consistência à tributação sobre a renda, sobre a progressividade nos tributos sobre o patrimônio, na ideia de mínimo existencial, entre outros.
3.3.7.9. Do princípio da capacidade contributiva como derivação do princípio da igualdade
O princípio da igualdade atua como um sobreprincípio do qual decorrem outros princípios, tais como o princípio da capacidade contributiva. Um princípio é fundamento de outro quando: i) dele se deduz outro; ii) outorga finalidade para outro de ordem inferior; e iii) dele se outorga competência normativa.
O princípio da igualdade é sobreprincípio do princípio da capacidade contributiva porque este pode ser deduzido daquele. O primeiro é norma geral de onde deriva o segundo princípio, pode-se dizer, dessa forma, que o princípio da capacidade contributiva constitui expressão, especificação ou aplicação do princípio da igualdade.
A finalidade da proteção da capacidade contributiva pode ser buscada no valor igualdade. Esse é o caso do art. 145, § 1º, da CF/88, o qual dispõe que:
“... sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Caberá ao legislador ou ao julgador mediante concreção da norma jurídica proceder a verificação dos meios mais adequados para alcançar o fim proposto pela norma jurídica.
Por fim, o princípio da igualdade estabelece o fundamento normativo para o respeito à capacidade contributiva. Os princípios funcionam como “pontos de partida” do raciocínio judicial. Assim, o juiz perante o caso concreto de uma discriminação entre dois contribuintes deverá analisar esta situação frente ao princípio da capacidade contributiva. Determina o art. 145, § 1º, da CF/88, que: “[...] sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”, estabelece ao julgador a possibilidade de realizar o preenchimento da moldura normativa por meio do raciocínio judicial, criando, desta forma, uma norma individual e concreta adequada ao caso concreto.
O princípio da capacidade contributiva deriva do princípio da isonomia tributária, porém não são idênticos. Esse princípio recebe da igualdade o seu núcleo essencial de sentido de que partes iguais devem ser tributadas igualmente e partes distintas devem possuir tributação distinta. Ambos os princípios possuem um sentido relacional (entre partes) e material (efetiva igualdade), a diferença entre outros está no fato de que a capacidade contributiva é a modalidade específica de realização da igualdade de tributação a ser aplicada nos impostos pessoais, tendo por base a capacidade econômica dos contribuintes. Poderíamos citar as seguintes diferenças:
– o princípio da igualdade se dirige a todos os tributos; a capacidade contributiva somente a determinados tributos; 
– o princípio da igualdade deve ser sempre observado por todos os tributos; enquanto o princípio da capacidade contributiva deve ser aplicado sempre que possível;
– o princípio da igualdade deve ser aplicado tendo por base as características do contribuinte; a capacidade contributiva, por sua vez, deve ser avaliada com base na capacidade econômica do contribuinte;
– o princípio da igualdade deve ser aplicado conforme o modo mais adequado à realização da justiça do caso concreto; o princípio da capacidade contributiva exige que os impostos devem ser graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.
A proteção do mínimo existencial se relaciona diretamente com o princípio da capacidade contributiva. O núcleo essencial desse conceito está na proteção de uma esfera patrimonial intocável pela tributação. O mínimo existencial indica o mínimo necessário para a subsistência de determinado contribuinte, que deve estar protegido de qualquer forma de tributação.
Somente será possível a tributação a partir deste limite mínimo.
O texto constitucional brasileiro não adotou expressamente a expressão “mínimo existencial”, de tal forma que diversas dúvidas surgem sobre a sua aplicação no Direito brasileiro. Afinal qual seriam o seu regime e sua forma de aplicação. Alguns autores negam a sua aplicação em nosso sistema.
Poderia existir uma norma cogente sem previsão legal?
Cremos que mesmo sem um dispositivo expresso no texto constitucional é adequado entender que o princípio decorra do direito fundamental à dignidade da pessoa humana. A determinação do seu conteúdo é um pouco mais problemática. Existem diversas compreensões do que venha a ser o mínimo existencial de uma pessoa. Existe o limite de isenção do IRPF, o conceito de cesta básica no ICMS, de salário mínimo, de salário de referência nos benefícios do INSS. Afinal, qual seria o conceito mais próximo do mínimo existencial? Dentre as diversas formas de determinar a abrangência do mínimo existencial, podemos citar o recurso ao art. 7º, IV, da CF que impõe os parâmetros para a composição do salário mínimo.
A ausência de um dispositivo expresso impede a possibilidade de uma eficácia direta do mínimo existencial. Tornam-se importantes os limites e o alcance da intributabilidade do mínimo à subsistência.
3.3.7.10. Do princípio da capacidade contributiva e da vedação de confisco
O princípio da vedação de confisco possui um relacionamento estreito com o princípio da capacidade contributiva. Um imposto confiscatório ofende diretamente a capacidade contributiva do cidadão. A proibição do confisco e a proteção do mínimo vital devem ser consideradas como decorrência do princípio da capacidade contributiva. Existem algumas diferenças entre os dois princípios, quais sejam:
– o princípio da vedação de confisco se dirige a todos os tributos; a capacidade contributiva somente a determinados tributos;
– o princípio da vedação de confisco deve sempre ser observado pelo sistema tributário como um todo; enquanto o princípio da capacidade contributiva deve ser aplicado sempre que possível;
– o princípio da vedação de confisco deve ser aplicado tendo por base as características do contribuinte,especialmente o seu patrimônio; enquanto a capacidade contributiva, por sua vez, deve ser avaliada com base na capacidade econômica do contribuinte;
– o princípio da vedação de confisco deve ser aplicado conforme o modo mais adequado à realização da justiça do caso concreto; enquanto o princípio da capacidade contributiva exige que os impostos devem ser graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.
Deve-se esclarecer que o princípio da capacidade contributiva deve ser aplicado respeitando “[...] os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
3.3.7.11. Do princípio da capacidade contributiva e do mínimo existencial
Considerando que o Estado não tem a atribuição de assegurar positivamente o mínimo necessário à sobrevivência de cada um, então não pode lhe ser autorizado retirar aquilo indispensável à manutenção de um mínimo de dignidade.
O mínimo existencial está garantido contra a incidência fiscal abusiva em diversos dispositivos constitucionais, dentre os quais podemos citar as imunidades constitucionais, exemplificativamente, referentes à vedação de taxas para o acesso à justiça, informações pessoais e defesa de direitos (art. 5º, XXXIV, LXXII, LXXIV e LXXV, da CF) e a imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais destinadas ao sustento familiar (art. 153, § 4º, da CF).
Cabe ao poder público atuar com parcimônia na distribuição de benefícios fiscais, sob a forma de isenções, com o intuito de incentivar e promover o direito de todos à saúde (art. 196); o direito de todos à educação (art. 206, IV); e a proteção da família, da infância e da adolescência e daqueles que necessitam de assistência social para a sua manutenção (art. 203).
3.3.7.12. Do princípio da capacidade contributiva e a extrafiscalidade
O princípio da capacidade contributiva possui natureza essencialmente fiscal, ou seja, pretende distribuir os encargos fiscais na comunidade em conformidade com a capacidade econômica que cada um possua para suportar os tributos. A extrafiscalidade, por sua vez, pretende impor a tributação com base em outros critérios, especialmente a regulação, a promoção, o incentivo e o desincentivo de determinada conduta. Assim, a extrafiscalidade está relacionada ao estímulo de políticas públicas, tais como o incentivo a certa política industrial, familiar, econômica, entre outras.
A extrafiscalidade amplia os interesses da tributação de tal modo a influenciar a estrutura da sociedade, enquanto o princípio da capacidade contributiva divide o esforço fiscal conforme a estrutura social vigente. Desse modo, a justiça fiscal somente pode ser combinada com a justiça social quando houver uma coordenação coerente entre a aplicação do princípio da capacidade contributiva e da extrafiscalidade, especialmente da distribuição de rendas e da diminuição das desigualdades sociais. O princípio da capacidade contributiva concretiza a justiça fiscal segundo uma situação existente, enquanto a tributação extrafiscal, que objetiva a redistribuição de renda, busca mudar a estrutura social e alcançar a sociedade como “deveria ser”.
3.3.7.13. Do princípio da capacidade contributiva e do princípio da essencialidade
Os tributos sobre o consumo devem ou não respeitar o princípio da capacidade contributiva, em vista da expressão constitucional “sempre que possível”? 
Em nosso entender, o princípio da essencialidade da tributação, mediante aplicação de critérios de seletividade, é uma forma de aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos sobre o consumo. O denominado princípio da essencialidade determina a exigência de critérios diferenciados para a aplicação de alíquotas aos produtos essenciais e supérfluos, de tal modo que os produtos essenciais sejam gravados com uma alíquota mais baixa e os produtos de luxo com uma alíquota mais elevada. O que distinguiria a aplicação de alíquotas seria a essencialidade de cada produto.
Desse modo, as pessoas de menor renda teriam indiretamente uma incidência menor de tributos e os mais ricos, consumidores de produtos de luxo, teriam uma tributação maior.
O princípio da essencialidade é aplicável obrigatoriamente ao IPI e facultativamente ao ICMS e representa um importante instrumento de realização da justiça fiscal e de combate à regressividade dos impostos sobre o consumo.
3.3.7.14. Princípio da capacidade contributiva e as espécies tributárias
O princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias, mas especialmente aos impostos. No caso dos tributos vinculados, esta aplicação se dá de modo restritivo, especialmente com relação à proibição do confisco e à proteção do mínimo vital.
No caso do imposto sobre a renda, o princípio da capacidade contributiva se aplica diretamente (art. 145, § 1º, da CF) e se realiza por meio dos princípios específicos da generalidade, da universalidade e da progressividade. Os impostos sobre o consumo têm obediência indireta ao princípio por meio da aplicação da técnica da seletividade e do princípio da essencialidade.
Os tributos reais, ou seja, sobre a propriedade, devem ou não sujeição ao princípio da capacidade contributiva? O STF tem entendido que é possível, por meio da utilização do princípio da progressividade. Esta tem sido a forma encontrada de combinar os impostos reais com o princípio da capacidade contributiva.
As contribuições sociais obedecem indiretamente ao princípio da capacidade contributiva ao respeitarem os princípios da vedação de confisco, da proibição de excesso, do mínimo existencial e da proteção das imunidades tributárias.

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