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Aula 06 - Teoria da Infração Penal

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BACHARELADO EM DIREITO
Direito Penal – Teoria Geral da Infração Penal.
Professor Mestre Roniery Rodrigues Machado.
Aula 06: Crimes qualificados pelo resultado; Ilicitude (Antijuridicidade).
CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO
CÓDIGO PENAL: “Agravação pelo resultado 
Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.”
São os delitos que possuem um fato-base, definido e sancionado como crime, embora tenham, ainda, um evento que os qualifica, aumentando-lhes a pena, em razão da sua gravidade objetiva, bem como existindo entre eles um nexo de ordem física e subjetiva.
EXEMPLIFICANDO: Quando, de um roubo (fato-base), ocorre o resultado “morte da vítima em face da violência empregada” (evento qualificador), está-se diante de um crime qualificado pelo resultado, cuja pena é bem maior que a prevista para o delito-base. A pena para o roubo é de 4 a 10 anos de reclusão, enquanto para o latrocínio varia de 20 a 30 anos. 
DISTINÇÃO ENTRE CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO E DELITO PRETERDOLOSO
CÓDIGO PENAL: “Agravação pelo resultado 
Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.”
No crime preterdoloso o sujeito atua com dolo no movimento inicial (fato-base), havendo culpa no resultado agravador (evento qualificador), além do pretendido. Diz-se tradicionalmente que existe “dolo no crime antecedente e culpa culpa no consequente”. 
Frise-se que, se não for possível reconhecer a culpa no resultado agravador, o agente não responderá por este (CP, art. 19).
Os crimes qualificados pelo resultado, nos quais está incluído o delito preterdoloso, podem ser caracterizados por uma infração penal que se desenvolve em duas fases, havendo as seguintes modalidades, conforme o caso concreto: 
dolo na antecedente e dolo na subsequente (ex.: latrocínio); 
dolo na antecedente e culpa na consequente (ex.: lesão corporal seguida de morte);
 culpa na antecedente e culpa na consequente (ex.: incêndio culposo com resultado lesão grave ou morte). 
DISTINÇÃO ENTRE CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO E DELITO PRETERDOLOSO
EXIGÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO NO RESULTADO QUALIFICADOR 
Discutia-se, antes da Reforma Penal de 1984, havendo duas posições doutrinárias, se era possível imputar ao agente do fato-base a ocorrência do resultado qualificador, mesmo que ele não tivesse a menor previsibilidade do que poderia ocorrer, ou seja, responderia o autor do fato-base pelo resultado mais grave a título de responsabilização objetiva.
Para cessar o dissídio, deixando bem clara a intenção da lei, inseriu-se o art. 19 no Código Penal, determinando que o resultado qualificador somente seja fonte de punição para o agente que o houver causado ao menos culposamente, vale dizer, quanto ao resultado mais grave é fundamental que o agente tenha atuado com dolo ou culpa. 
ILICITUDE (ANTIJURIDICIDADE)
É a contrariedade de uma conduta com o direito, causando efetiva lesão a um bem jurídico protegido. 
Trata-se de um prisma que leva em consideração o aspecto formal da antijuridicidade (contrariedade da conduta com o Direito), bem como o seu lado material (causando lesão a um bem jurídico tutelado). 
EXCLUDENTES DE ILICITUDE 
CÓDIGO PENAL: “Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”
Se presente uma das causas relacionadas no art. 23 do Código Penal, está-se afastando um dos elementos do crime, que é a contrariedade da conduta ao direito.
É possível que fatores ligados à ilicitude sejam lançados dentro do tipo penal, como ocorre, por exemplo, no caso do crime de invasão de domicílio (art. 150, CP). Quando alguém entra em casa alheia sem consentimento do dono, está praticando fato típico e ilícito, porque violou um bem jurídico tutelado pelo direito. 
CLASSIFICAÇÃO DAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE 
As excludentes de ilicitude podem ser divididas da seguinte forma:
as previstas na Parte Geral do Código Penal e válidas, portanto, para todas as condutas típicas estabelecidas na Parte Especial ou em leis penais especiais (arts. 23 ao 25 do CP).
as previstas na Parte Especial do Código Penal e válidas, apenas, para alguns delitos. Exemplo: aborto necessário (art. 128, I, CP).
as previstas em legislação extrapenal. Exemplo: legítima defesa de propriedade turbada ou esbulhada, prevista no Código Civil (art. 1.210, § 1.º). 
Causa supralegal, qual seja, o consentimento do ofendido.
CONCEITO DE ESTADO DE NECESSIDADE
“Código Penal, Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”
É o sacrifício de um interesse juridicamente protegido, para salvar de perigo atual e inevitável o direito do próprio agente ou de terceiro, desde que outra conduta, nas circunstâncias concretas, não fosse razoavelmente exigível. 
Espécies de estado de necessidade 
Quanto à origem do perigo:
estado de necessidade defensivo: ocorre quando o agente pratica o ato necessário contra a coisa ou animal do qual promana o perigo para o bem jurídico. Ex.: A, atacado por um cão bravo, vê-se obrigado a matar o animal.
estado de necessidade agressivo: ocorre quando o agente se volta contra pessoa ou coisa
diversa daquela da qual provém o perigo para o bem jurídico. Ex.: para prestar socorro a alguém, o agente toma o veículo alheio, sem autorização do proprietário. 
Espécies de estado de necessidade 
 Quanto ao bem sacrificado:
estado de necessidade justificante: trata-se do sacrifício de um bem de menor valor para salvar outro de maior valor ou o sacrifício de bem de igual valor ao preservado. Ex.: o agente mata um animal agressivo, que pertence a terceiro, para salvar alguém sujeito ao seu ataque (patrimônio x integridade física). 
estado de necessidade exculpante: ocorre quando o agente sacrifica bem de valor maior para salvar outro de menor valor, não lhe sendo possível exigir, nas circunstâncias, outro comportamento. Trata-se, pois, da aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa, razão pela qual, uma vez
reconhecida, não se exclui a ilicitude, e sim a culpabilidade. Ex.: um arqueólogo que há anos buscava uma relíquia valiosa, para salvá-la de um naufrágio, deixa perecer um dos passageiros do navio. 
Requisitos do estado de necessidade
Existência de perigo atual
Involuntariedade na geração do perigo 
Inevitabilidade do perigo e inevitabilidade da lesão 
Proteção a direito próprio ou de terceiro
Proporcionalidade do sacrifício do bem ameaçado 
Ausência de dever legal (jurídico) de enfrentar o perigo. Código Penal – “§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.” 
Causa de diminuição de pena 
Código Penal : “Art. 24, § 2.º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços”. 
Essa causa somente é compatível com a situação do estado de necessidade exculpante, quando não reconhecido como excludente de culpabilidade.
Eventualmente, salvando um bem de menor valor e sacrificando um de maior valor, quando não se configura a hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, permite se ao juiz considerar a situação como menos culpável, reduzindo a pena.
CONCEITO E FUNDAMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA
CÓDIGO PENAL: “Legítima defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”
É a defesa necessáriaempreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro, usando, para tanto, moderadamente, os meios necessários. 
Elementos da legítima defesa
relativos à agressão
Agressão injusta (conduta humana – excluindo, portanto, animais, coisas e também inimputáveis – que põe em perigo ou lesa um interesse juridicamente protegido, seja a pessoa ou seus direitos).
Atualidade ou iminência da agressão (a agressão deve ser presente ou se dar em um futuro imediato).
Contra direito próprio ou de terceiro .
Utilização dos meios necessários para a reação 
A escolha dos meios deve obedecer aos reclamos da
situação concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção mecânica entre os bens em conflito,
nem, tampouco, a paridade absoluta de armas. 
Exemplo: o agressor pode estar desarmado e, mesmo assim, a defesa ser realizada com emprego de
arma de fogo, se esta for o único meio que o agredido tem ao seu alcance. O direito não deve ceder ao
injusto, seja a que pretexto for. 
Moderação da reação
É a razoável proporção entre a defesa empreendida e o ataque sofrido, que merece ser apreciada no caso concreto, de modo relativo, consistindo na medida dos meios necessários. Se o meio fundamentarse, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a moderação basear-se-á no número de tiros necessários para deter a agressão.
Não se trata de conceito rígido, admitindo-se ampla possibilidade de aceitação, uma vez que a reação de uma pessoa normal não se mede por critérios matemáticos ou científicos. Como ponderar o número de golpes de faca que serão suficientes para deter um atacante encorpado e violento? Daí por que a liberdade de apreciação é grande, restando ao magistrado valer-se de todo o bom senso possível a fim de não cometer injustiça.
Exemplo: Já foi admitida absolvição sumária, em função de legítima defesa, o emprego de inúmeras facadas em briga entre presidiários, pois a Justiça entendeu que em um ambiente tão hostil, diante de uma agressão injusta, não seria plausível exigir parcimônia e comedimento do defensor, quando se sabe que estava em uma situação de vida ou morte.
Proporcionalidade na legítima defesa 
A lei não a exige (art. 25, CP), mas a doutrina e a jurisprudência brasileiras posicionam-se no sentido de ser necessária a proporcionalidade (critério adotado no estado de necessidade) também na legítima defesa. Por tal razão, se o agente defender bem de menor valor fazendo perecer bem de valor muito superior, deve responder por excesso. É o caso de se defender a propriedade à custa da vida.
Exemplo: A depender das circunstâncias, aquele que mata o ladrão que, sem emprego de grave ameaça ou violência, levava seus pertences, fatalmente não poderá alegar legítima defesa, pois terá havido excesso, doloso ou culposo, conforme o caso. 
Ofendículos 
Ofendículos são os obstáculos, que podem ser coisas ou animais, utilizados posicionados para atuar no momento da agressão alheia como proteção de bens e interesses.
O ofendículo, por constituir situação de legítima defesa (ou exercício regular de direito), precisa respeitar os mesmos elementos referentes à moderação. O excesso fará com que o instalador do ofendículo responda pelo resultado típico causado, por dolo ou culpa, conforme o caso concreto.
Por outro lado, quando atingir um inocente (ex.: criança que se fere em cacos de vidro colocados em cima do muro, porque foi buscar uma pipa presa em uma árvore), pode-se invocar a legítima defesa
putativa, desde que não haja, também nessa hipótese, flagrante exagero nos meios empregados para a defesa. 
CONCEITO DE ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
Trata-se da ação praticada em cumprimento de um dever imposto por lei, penal ou extrapenal, mesmo que cause lesão a bem jurídico de terceiro.
Exemplo: o art. 292 do Código de Processo Penal prevê que, “se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência...”. O mesmo se diga da previsão feita no art. 245, §§ 2.º e 3.º, do mesmo Código, tratando da busca legal e autorizando o emprego de força para cumprir o mandado judicial.
Situações de cumprimento de dever legal 
Constituem casos típicos de estrito cumprimento de dever legal as seguintes hipóteses: a) a execução de pena de morte feita pelo carrasco, quando o sistema jurídico admitir (no caso do Brasil, dá- se em época de guerra, diante de pelotão de fuzilamento); b) a morte do inimigo no campo de batalha produzida pelo soldado em tempo de guerra; c) a prisão em flagrante delito executada pelos agentes policiais; d) a prisão militar de insubmisso ou desertor; e) a violação de domicílio pela polícia ou servidor do Judiciário para cumprir mandado judicial de busca e apreensão ou mesmo quando for necessário para prestar socorro a alguém ou impedir a prática de crime; f) a realização de busca pessoal, nas hipóteses autorizadas pelo Código de Processo Penal; g) o arrombamento e a entrada forçada em residência para efetuar a prisão de alguém, durante o dia, com mandado judicial; h) a apreensão de coisas e pessoas, na forma da lei processual penal; i) o ingresso em casa alheia por agentes sanitários para finalidades de saúde pública; j) a apreensão de documento em poder do defensor do réu, quando formar a materialidade de um crime, de acordo com a lei processual penal; l) o ingresso em casa alheia por agentes municipais para efeito de lançamento de imposto; m) a comunicação da ocorrência de crime por funcionário público à autoridade, quando dele tenha ciência no exercício das suas funções; n) a denúncia à autoridade feita por médicos, no exercício profissional, da ocorrência de um crime; o) a denúncia feita por médicos à autoridade sanitária, por ocasião do exercício profissional, tomando conhecimento de doença de notificação obrigatória; p) a violência necessária utilizada pela polícia ou outro agente público para prender alguém em flagrante ou em virtude de mandado judicial, quando houver resistência ou fuga.
CONCEITO DE EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO
É o desempenho de uma atividade ou a prática de uma conduta autorizada por lei, que torna lícito um fato típico. Se alguém exercita um direito, previsto e autorizado de algum modo pelo ordenamento jurídico, não pode ser punido, como se praticasse um delito. O que é lícito em qualquer ramo do direito, há de ser também no direito penal. 
Exemplos: 1) as lesões advindas das práticas esportivas violentas, desde que os atletas cumpram as regras estabelecidas para a modalidade; 2) a Constituição Federal considera o domicílio asilo inviolável do indivíduo, sendo vedado o ingresso nele sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, bem como para prestar socorro (art. 5.º, XI, CF). Portanto, se um fugitivo da justiça esconde-se na casa de um amigo, a polícia somente pode penetrar nesse local durante o dia, constituindo exercício regular de direito impedir a entrada dos policiais durante a noite, mesmo que possuam um mandado.
Situações de exercício regular de direito 
Constituem casos típicos de exercício de direito as seguintes hipóteses: a) o aborto, quando a gravidez resulte de estupro, havendo o consentimento da gestante; b) a correção disciplinar dos pais aos filhos menores, quando moderada; c) a ofensa irrogada na discussão da causa pela parte ou seu procurador; d) a crítica literária, artística ou científica; e) a apreciação ou informação do funcionário público, no exercício da sua função; f) o tratamento médico e a intervenção cirúrgica, quando admitidas em lei; g) o tratamento médico e a intervenção cirúrgica, mesmo sem o consentimento do paciente, quando ocorrer iminente risco de vida (nesta hipótese, diante dos termos do art. 146, § 3.º, I, do Código Penal, é mais acertado considerar excludente de tipicidade); h) a coação para impedir suicídio (nesta hipótese, diante dos termos do art. 146, § 3.º, II,do Código Penal, é mais acertado considerar excludente de tipicidade); i) a violação de correspondência dos pais com relação aos filhos menores e nos demais casos autorizados pela lei processual penal; j) a doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante, sem fins comerciais; k) a livre manifestação do pensamento, ainda que desagrade a alguns; x) a esterilização nos termos da lei; l) a prestação de auxílio a agente de crime, feita por ascendente, descendente, cônjuge ou irmão; m) os casos previstos na lei civil, como o penhor legal, a retenção de bagagens, o corte de árvores limítrofes, entre outros.
 
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO
...
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal / Guilherme de Souza Nucci. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014. 
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